Rádio Câmara

Reportagem Especial

Um novo olhar sobre as crianças com deficiências ( 08' 57'' )

12/10/2005 - 00h00

  • Um novo olhar sobre as crianças com deficiências ( 08' 57'' )

É só olhar ao redor, que você vai perceber como o mundo é diferente. Tem flor vermelha, amarela e cor-de-rosa, fruta doce e azeda, cachorro grande e pequeno. Tem gente de todas as cores, gente branca, preta, amarela, gente cor de jambo, que é uma fruta bonita que só. E tem gente diferente que não consegue fazer algumas coisas que as outras pessoas fazem. Gente que não anda, e corre de cadeira de rodas. Gente que não enxerga e sente o mundo com o toque dos dedos e com a sensibilidade dos ouvidos. Gente que não escuta e sente no corpo e no coração a vibração do mundo. Gente que demora um pouco para entender as coisas e que mesmo assim quer ser muito feliz.

Criança com deficiência é criança. Criança brinca, grita, faz pirraça e se joga nos braços da mãe. Criança com deficiência não é doente, não precisa de médico toda hora nem quebra se a gente abraçar bem apertado. Criança com deficiência tem que ir pra escola, e reclama de acordar cedo como todas as outras crianças.

No Brasil, fala-se em 14% da população com algum tipo de deficiência, um mundaréu de 25 milhões de pessoas que não conseguem andar, ver, ouvir, ou entender tudo o que a gente fala. E a educação é um assunto muito importante quando se fala de crianças diferentes. Durante muito tempo, o mundo ficou com medo de deixar essas crianças entrarem na escola que todo mundo entra. Antes, só tinha escola especial onde só estudava quem fosse deficiente. Agora, as pessoas perceberam que misturar as crianças pode ser legal pra todo mundo. Desse jeito, as crianças convivem desde pequenas com pessoas diferentes, e quando crescer, não vão achar esquisito ver uma criança com síndrome de down na rua, por exemplo. Quem fala sobre isso pra gente é o deputado Eduardo Barbosa, de Minas Gerais. Ele é médico pediatra e já foi presidente da federação das APAE´s – as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais.

"Se a pessoa com deficiência convive com a outra normalmente, o que você vai despertar no outro? Vai despertar um outro olhar. Ou seja, deficiência passa a não ser mais uma curiosidade. Hoje o que a sociedade tem é curiosidade em relação ao defeito das pessoas. E eu sempre costumo dizer que ela nem enxerga a pessoa que está atrás, só enxerga o defeito."

E sabe por que é importante que essa convivência entre crianças diferentes aconteça desde a escola? Porque dessa maneira, vai ficar cada vez mais normal ver pessoas diferentes em atividades muito normais, como trabalhar, sair de mão dada com o namorado, ir ao cinema e passear no parque. E isso pode ser muito gostoso para quem não tem deficiência, como explica a psicóloga Mariângela Monteiro.

"A escola é via de transformação da sociedade. Entendemos que fazendo na escola uma educação inclusiva, a gente possa também estar ajudando a transformação da sociedade em outros âmbitos, em outras instituições, e que as pessoas possam pensar diferentemente a relação com as pessoas com necessidades especiais. Não no sentido que elas sejam benevolentes ou que estejam dando uma chance, mas que isso é necessário para o aprendizado de todos nós. Nós precisamos todos aprender a lidar com a diferença."

Mas educação inclusiva não é só colocar as crianças na mesma sala de aula. É muito bom conviver com os colegas numa escola normal, brincar durante o recreio e dar e receber ajuda durante as tarefas. Mas muitas vezes as crianças com deficiência precisam de uma atenção especial. Algumas precisam de um acompanhamento mais de perto, pois elas têm mais dificuldade para aprender o que a professora ensina. Outras precisam de escolas acessíveis, com rampas e banheiros confortáveis. Aqui na Câmara, tem um deputado que usa cadeira de rodas, o nome dele é Leonardo Mattos. Ele é presidente de um grupo que está trabalhando no estatuto da pessoa com deficiência, que é uma lei que vai definir os direitos de quem tem alguma deficiência. Leonardo disse que ainda é preciso conversar mais para saber qual o melhor tipo de educação para as crianças especiais, mas ele acha que o ideal é juntar as duas coisas, a escola normal e a escola especial.

"De acordo com a lei de diretrizes e bases da educação, a criança precisar estudar preferencialmente numa escola regular. Mas existem outras posições que indicam um outro tipo de atendimento. Hoje eu honestamente caminharia para a necessidade de haver uma conjugação dessas duas modalidades, a do ensino especial e do ensino escolar. Em um horário a criança estudaria no ensino regular, no outro horário ela estudaria no ensino especial."

É isso aí, o certo é criar todas as oportunidades necessárias para que a criança com deficiência possa gostar muito da sua escola. A gente conversou com Muriel Niess Pokk, que é mãe da Rita, uma moça linda que tem síndrome de down. Muriel conta que quando sua filha era criança, foi muito difícil encontrar uma escola que deixasse ela estudar com as outras crianças. Teve uma escola que só deixou a Rita estudar se a sua mãe assistisse todas as aulas com ela. E como coração de mãe não tem limite, a mamãe Muriel acompanhou Rita durante as aulas. Muriel fala que cada criança tem um problema diferente, e muitas vezes, a escola não sabe como lidar com essas diferenças, e as crianças podem sofer com isso.

"É importante também que se pense no ser humano. Porque é lei, por que é lei, então todo mundo quer por por força da lei. E ninguém está vendo que essas crianças vão sofrer muito, elas vão se sentir humilhadas, elas vão se sentir burras, menosprezadas."

Muriel sempre fez questão de que sua filha Rita estudasse junto com outras crianças normais, pois é importante conversar e fazer amigos. Só que, ao mesmo tempo, é fundamental oferecer a atenção que cada criança precisa para aprender de verdade. Mesmo que sejam diferentes, as crianças com deficiência podem chegar muito longe se tiverem pessoas que as ajudem e que atendam suas necessidades. Hoje, a Rita já é uma mulher casada, e o marido dela também tem síndrome de down. Quando ela era pequena, algumas colegas da escola riam e diziam que ela era louquinha. Acompanhe só o que Muriel explicou para sua filha.

"Aí eu falei pra ela, não filha, você não é louquinha, você tem síndrome de down. Quem tem síndrome de down tem um retardamento. Ah mãe, e o que é retardamento? É uma pessoa que demora para aprender as coisas, mas aprende. Tem dificuldade, mas aprende, as outras pessoas que são normais aprendem com mais rapidez. Aí quando foi no outro dia que as meninas a chamaram de louquinha, ela disse "eu não sou louquinha não, eu tenho síndrome de down". Me deu uma dozinha, mas ela aprendeu a enfrentar a vida de frente, entendeu? Ela aprendeu a saber que tinha a síndrome e que isso não queria dizer que ela não podia estudar, que ela ia mais lentamente, mas ela ia conseguir."

Viu? Todas as crianças tem uma dificuldade aqui a ali, e isso não acontece só com as crianças com deficiência. Elas só precisam de atenção e amor para ter o direito de estudar e brincar, para ter o direito de serem crianças. Se isso acontecer, elas vão ganhar o mundo inteiro.

De Brasília, Daniele Lessa

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