Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial Domésticas - Dia-a-dia das domésticas brasileiras - ( 06' 30" )

01/09/2005 - 00h00

  • Especial Domésticas - Dia-a-dia das domésticas brasileiras - ( 06' 30" )

Trilha

Imagine um exército de mulheres. Seis milhões e meio de mulheres altas, baixas, gordas e magras, a maioria delas afrodescendentes. É essa a quantidade de trabalhadoras domésticas que existem hoje no Brasil. Dentro da sua casa, nos apartamentos do seu prédio, no seu vizinho ao lado - é só olhar com atenção e facilmente se percebe uma mulher cuidando da arrumação da casa, das crianças, do preparo da comida.

No Caribe e na América Latina, as mulheres são cerca de 95% dos trabalhadores domésticos. No Brasil, elas representam 22% da força de trabalho feminina. Apesar dos números vultosos, os empregados domésticos estão entre os trabalhadores que recebem as piores remunerações. Não possuem todos os direitos concedidos aos demais trabalhadores e o registro em carteira só é realidade para 20% delas.

Na última semana foi aprovado na Câmara um projeto que dá às trabalhadoras domésticas um benefício antes inexistente: o seguro desemprego. A autora da proposta, deputada Almerinda de Carvalho, do PMDB do Rio de Janeiro, comentou a diferença de direitos existente entre as domésticas e os demais trabalhadores.

"Não sei por que essa discriminação com o trabalhador doméstico. Na minha visão, e acho que na visão de todos, é o trabalhador que exerce uma função fundamental na nossa vida. É a pessoa que cuida da nossa casa, que cuida dos nossos filhos, da nossa alimentação. Realmente é uma função de extrema importância na nossa vida e não tem esses direitos trabalhistas.

Trilha pequena

Creuza Oliveira começou no trabalho doméstico aos 10 anos de idade, e só aprendeu a ler com 16. Hoje, ela é presidente da Fenatrad, a Federação Nacional dos trabalhadores Domésticos. Creuza destaca que a luta da categoria só está começando.

"E queremos inclusão na CLT, a consolidação das leis do trabalho. A gente entende que é muito importante esse projeto ser aprovado, mas nós queremos muito mais que o seguro desemprego. Nós queremos também o acidente de trabalho, o salário-família. Há anos que vem sempre assim, os nossos direitos vêm pingando"

Para quem é regido pela CLT, o seguro desemprego é concedido se a pessoa trabalhou pelo menos seis meses com registro em carteira. Para os trabalhadores domésticos, serão necessários 15 meses de contrato pra fazer jus ao benefício. Creuza Oliveira aponta que essa diferença é mais uma forma de preconceito. Aprovado na Câmara, o projeto agora segue para o Senado.

Trilha

É a Constituição que define direitos diferenciados para os trabalhadores domésticos. A justificativa para não conceder alguns direitos seria o fato de que o empregado doméstico não gera lucro para o patrão. Sendo assim, o pagamento de todos os benefícios seria inviável para os empregadores. Mas Creuza Oliveira discorda desse raciocínio.

"Nós geramos lucro para o patrão sim. A gente gera muito mais do que lucro. A gente gera educação, saúde, limpeza, bem-estar, repõe a força de trabalho do outro ou da outra trabalhadora que sai para trabalhar e quando retorna encontra sua casa em segurança. E a gente toma conta de crianças, idosos, isso é um bem que não tem quem calcule, quem pague. Você toma conta das riquezas do seu patrão, riquezas que não têm preço, como é o caso das crianças"

Os trabalhadores domésticos têm direito ao salário mínimo, ao 13º salário, repouso semanal, férias, licença gestante e licença paternidade, aviso prévio e aposentadoria. Entre outros direitos que não são concedidos, estão o seguro contra acidente de trabalho, o salário família e a estabilidade para a trabalhadora gestante.

A diferença de tratamento trouxe essa discussão para dentro da Câmara. Uma Comissão Especial será criada justamente para analisar os projetos de lei que estão tramitando sobre o assunto. Quem sugeriu a criação da comissão foi a deputada Luci Choinacki, do PT catarinense. Luci adiantou que todos os debates serão feitos com a participação das trabalhadoras e que o objetivo da comissão é debater não apenas a legislação, mas também a cultura que cerca o trabalho doméstico no Brasil.

"Eu sempre brinco que a prioridade deve começar a partir do quarto. Se você olhar a relação social se dá quando vê olha o quartinho da empregada doméstica. Se está trabalhando na casa e permanece no emprego, 90% dos quartos estão perto da lavanderia, muitas vezes com uma janelinha que ela não pode abrir, se ela pensar, ela tem que sair do quarto, pois ela e o pensamento não cabem juntos. Além dos projetos, nós queremos começar a discussão da questão cultural que mantém a relação de escravidão"

Outra questão muito importamente é o grande número de crianças e adolescentes no trabalho doméstico. São 500 mil só no Brasil, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho. A maioria das crianças e adolescentes que exercem atividades domésticas são meninas, negras ou pardas, começam a trabalhar entre 10 e 12 anos, trabalham mais de 8 horas por dia em troca de casa e comida ou de salários em torno de R$ 40.

De Brasília, Daniele Lessa

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