Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial - Movimento estudantil

21/08/2005 - 00h00

  • Especial - Movimento estudantil

Mais de dois meses depois do início da maior crise do governo Lula, os estudantes começam a pintar a cara e a ir para as ruas protestar contra a corrupção. Mas o que acena como o retorno dos caras-pintadas parece enfraquecido com a divisão interna do movimento estudantil. Na última terça-feira, cerca de dez mil pessoas, de acordo com a Polícia Militar, entre estudantes e representantes de movimentos sociais, tomaram o gramado em frente ao Congresso para protestar contra a corrupção e pedir a votação da Reforma Política. Mas deixaram um recado claro: querem que o presidente Luís Inácio Lula da Silva continue no poder. Vinte e quatro horas depois, na última quarta-feira, entre 12 e 15 mil manifestantes se reuniram em frente ao Palácio do Planalto, também para protestar contra a corrupção. Mas, desta vez, o recado foi outro: querem a saída de Lula. Não apóiam o impeachment, porque acreditam que o Congresso, corrupto, não tem legitimidade para impedir o presidente, mas defendem a antecipação das eleições.

O renascimento do movimento estudantil, mesmo que dividido, levanta algumas questões. Entre elas: o movimento realmente representa os anseios da sociedade, apesar de estar envolvido com partidos políticos? Que força terá o ressurgimento dos caras-pintadas, ainda que divididos em opinião? Será que o movimento poderá ser o estopim para o processo de impeachment do presidente Lula?

A canção de Chico Buarque, composta em 1970, quando a ditadura militar atingia seus anos de chumbo, embalou as manifestações estudantis durante o regime militar. A música passou pelos censores que, quando deram por si e retiraram os exemplares do mercado, já era tarde demais. A canção virou o hino de um período marcado por tortura, mortes e desaparecimentos. Os estudantes, então, lutavam pela liberdade. Iam às ruas protestar e pedir a abertura política e o fim da censura, mesmo sabendo que os protestos poderiam custar a própria vida. Dois anos antes da canção de Chico Buarque, em março de 1968, o estudante Edson Luís foi assassinado no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. Em junho, os estudantes engrossaram a Passeata dos Cem Mil. Pouco depois, no Congresso da União Nacional dos Estudantes, a UNE, todos os participantes foram presos, inclusive o presidente recém-eleito. Em dezembro do mesmo ano, o governo decretou o AI-5, e os grêmios estudantis foram proibidos. Mas a UNE não deixou de protestar. Continuou trabalhando, mas clandestinamente. Em 1977, os estudantes voltaram às ruas, e pediram verbas para as universidades, diminuição no preço das mensalidades e libertação de colegas presos. Em 1984, no fim do governo militar, o movimento apoiou as “Diretas Já”. E, em 1992, a UNE comandou as manifestações dos caras-pintadas em todo o país, que contribuíram muito com o impeachment do presidente Fernando Collor de Melo.

A História mostra que o movimento estudantil depende de um inimigo comum. Nas décadas de 60 e 70, os inimigos eram os militares, a censura, a falta de liberdade. Em 1992, o inimigo era o presidente. Agora, a figura do inimigo ainda não está muito clara: seria o Congresso Nacional? O sistema partidário? O presidente Lula? Ou todos eles? Para Gustavo Petta, presidente da UNE, que apoiou a manifestação de terça-feira, "contra a corrupção, mas com Lula", o inimigo é o sistema partidário. Por isso, ele apóia a Reforma Política, mas não quer que Lula saia do poder:

"Nós entendemos que a queda do presidente seria um retrocesso para o Brasil, porque abriria a possibilidade clara e evidente da volta de setores conservadores ao poder. Setores que não apuraram nenhum tipo de investigação quando governaram o Brasil. Ou ninguém se lembra da emenda da reeleição, que teve comprovação, com gravação, de compra de votos? Não apuraram nada. Tentaram privatizar a universidade pública, privatizaram os setores estratégicos."

Gustavo Petta está determinado a convencer estudantes de todo país a se manifestarem pela mesma causa: fim da corrupção, punição de culpados, Reforma Política, mas sem o impedimento de Lula. No próximo dia 25, os estudantes baianos vão sair às ruas. No dia 26, é a vez dos estudantes de São Paulo.

Quem pode atrapalhar os planos de Gustavo é a estudante Julia Eberhardt, uma das organizadoras da Conlute, Coordenação Nacional da Luta Estudantil, que saiu às ruas na quarta para pedir a saída de todos, inclusive do presidente Lula.

"Você passa em sala de aula, todo mundo tá lá: ´ainda bem que tem manifestação, não aguentava mais ver todo dia uma CPI, todo mundo chorando na televisão´, e sabe que CPI é uma enrolação, porque é bandido julgando bandido. Então, assim, a juventude fica muito indignada, então quer fazer, quer botar fogo na bandeira do PT, quer rasgar a bandeira da UNE, quer botar fogo no boneco do Lula. A juventude tá indignada, não tá iludida, não tem essa amargura. Ela quer ir pra rua pra derrubar o Lula."

Se os manifestantes se orgulham de ser brasileiros, não demonstram o mesmo sentimento com relação aos políticos do país. Para a socióloga Maria Francisca Coelho, professora da Universidade de Brasília, o movimento estudantil revela o que se passa na cabeça de toda a sociedade.

"O movimento estudantil é vanguarda. É como se ele sintonizasse um sentimento da sociedade, e ele vai na frente. Isso está acontecendo hoje. É o primeiro movimento que está indo contra a corrupção, pela Reforma Política, e pelas suas próprias reivindicações. Então, eu acho que é essa a questão principal. Os jovens recebem com mais rapidez o sentimento de indignação, e vão à luta defendendo o que a sociedade ainda vai demorar um pouco para se mobilizar e defender"

Assim como as manifestações da última semana, a sociedade brasileira está dividida. Pesquisa do Datafolha realizada no dia 10 de agosto em todo o país revelou que, apesar de 63% da população acreditar que não há motivos suficientes para a abertura de um processo de impeachment contra Lula, um terço da população já acha que o Congresso deveria abrir o processo que pode resultar no afastamento do presidente.

O cientista político do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos, César Alexandre de Carvalho, avalia que o movimento social está dividido não só por causa da sociedade, mas também pelo seu envolvimento com os partidos políticos. A manifestação de terça-feira, por exemplo, teve apoio da UNE, cuja cúpula, formada pelo PT e pelo PCdoB, apóia Lula. Já os manifestantes de quarta-feira, que querem a queda de Lula, foram apoiados pelo PSTU e pelo PSol, partido formado por dissidentes do PT. Carvalho acredita que, com a partidarização do movimento, as manifestações perdem força.

Depois da denúncia do publicitário Duda Mendonça à CPI dos Correios, de que teria recebido dinheiro em um paraíso fiscal das contas de Marcos Valério para pagar a campanha de Lula à presidência, a oposição no Congresso começou a considerar mais seriamente a possibilidade de impeachment. Para que o impedimento vire realidade, é necessário vontade política, provas que comprometam o presidente, e pressão popular. A vontade política vem crescendo no Congresso, e muitos deputados acreditam que as declarações de Duda Mendonça já são suficientes para comprometer o presidente. Falta, agora, a pressão popular. O deputado José Carlos Aleluia, líder da minoria na Câmara, acredita que não há ainda pressão popular porque a UNE é comprometida com o PT:

"A UNE está a serviço do governo, recebendo dinheiro, a soldo do governo. Imaginem o que é a juventude de um país ir às ruas para apoiar um governo que está manchado irremediavelmente pela corrupção e pela má-administração do dinheiro público"

Já a deputada Maria do Rosário, do PT gaúcho, não vê incongruências na postura adotada pela UNE:

"O povo brasileiro não quer a corrupção. Quer a Reforma Política. Quer uma política séria, a serviço do cidadão. Mas acredita também no presidente Lula, e na tarefa histórica que ele tem. Essa confiança no presidente Lula, junto ao combate à corrupção, é o que mobiliza esses milhões de jovens hoje no Brasil"

Apesar das opiniões destoantes, especialistas na área, integrantes do movimento estudantil e políticos concordam em um ponto: ainda é cedo para pedir o impeachment do presidente. Mas o impedimento já começa a ser cogitado. Se os estudantes vão conseguir se unir em um único e forte movimento para pedir a queda do presidente, eleições antecipadas, ou o fim da corrupção pela Reforma Política, também ainda é cedo para dizer. As primeiras manifestações de opinião da sociedade começaram a tomar força nessa semana. Agora, é aguardar e conferir o que ainda pode acontecer.

De Brasília, Paula Bittar

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h