Rádio Câmara

Reportagem Especial

Ampliar relações políticas e econômicas e aproximar povos foram alguns dos objetivos da Cúpula América do Sul - Países Árabes. - ( 12' 01" )

14/05/2005 - 00h00

  • Ampliar relações políticas e econômicas e aproximar povos foram alguns dos objetivos da Cúpula América do Sul - Países Árabes. - ( 12' 01" )

Foi uma semana que Brasília não esquecerá tão cedo. A inédita Cúpula América do Sul - Países Árabes provocou repercussão intensa e desconforto globalizado. O texto final da Declaração de Brasília incomodou países poderosos e a realização do evento produziu um estresse incomum até então nunca visto em Brasília.

Com vias fechadas pelo forte esquema de segurança montado para acompanhar as delegações estrangeiras, trânsito complicado, engarrafamentos mosntruosos, truculência gratuita e muito estresse, a população de Brasília sentiu na carne o que é abrigar eventos da magnitude de uma Cúpula. Eventos desse porte impõem dificuldades aos cidadãos, diz o jornalista do Correio Braziliense, Samy Adghirni.

"É claro que para muita gente o transtorno de trânsito, a dificuldade de chegar ao hospital, de buscar os filhos na escola. Isso é complicado, mas um tanto inevitável. Cidades como Bruxelas, sede da União Européia e Otan, NovaYork, sede da ONU, grandes capitais também lidam com esse tipo de problema. Nos temos que nos acostumar. O Brasil quer ter uma afirmação internacional cada vez maior, uma política externa bastante altiva. A tendência é que eventos como esse aconteçam cada vez mais. Me parece que Brasília mostrou que tem capacidade para receber eventos internacionais".

Quem acreditava que a Cúpula teria sua dimensão política esvaziada pela ausência de alguns chefes de Estado e pelo forte apelo comercial, se enganou. O cunho político da Cúpula acabou sendo destacado.

A discussão de questões políticas de ordem mundial levantou polêmicas que incomodaram nações poderosas. Os países árabes usaram a tribuna para defender o Estado palestino e a soberania do Iraque.

A Declaração de Brasília, texto final do evento, foi polêmica. Condenou o terrorismo, mas reconheceu como legítima a resistência à ocupação estrangeira. E a defesa da democracia não constou no documento.

Estados Unidos e Isarel sentiram-se confrontados, embora o chanceler brasileiro Celso Amorim tenha dito que a intenção não era essa.

A Declaração de Brasília também inclui uma defesa à discussão sobre a soberania das ilhas Malvinas. O texto sugere que Inglaterra e Argentina retomem discussões em torno da posse daquele território gelado do mar antártico. A Embaixada da Grã-Bretanha em Brasília expediu nota em reação. Os britânicos reafirmam que sua posição sobre a posse das ilhas Falklands já é bastante conhecida.

De acordo com o jornalista Samy Adghirni,do Correio Brasiliense, que fala o árabe e é especialista em assuntos de Oriente Médio, o evento pretendia aumentar a cooperação entre as duas regiões, mas as dimensões política e econômica são indissociáveis.

"A idéia inicial da Cúpula era fazer um grande encontro econômico. Para explorar as potencialidades, para encontrar maneiras de facilitar a circulação de mercdorias entre as duas regiões. Agora os árabes vivem tempos difícieis, desde o incidente de 11 de Setembro. Eles ficaram estigmatizados pela comundiade internacional. Então eles aproveitam essa oportunidade para colocar na pauta a agenda deles. É uma mão de via dupla. Você quer fazer negócios com os árabes então tem que mostrar sensibilidade aos assuntos que são importantes para eles. Entre eles, a questão palestina, a questão da Síria, a questão da legitimidade da resistência à ocupação estrangeira. Mas mesmo assim, não fizeram nada demais. Eles incluíram na Declaração de Brasiília, o documento que vai ficar para a história, coisas que não são novidade".

A aproximação política e econômica entre países em desenvolvimento proposta pela Cúpula América do Sul - Países Árabes pretende forjar um projeto de cooperação comercial em busca de maior equilíbrio na geografia econômica mundial.

Para o embaixador Pedro Motta Pinto Coelho, do Departamento de África do Itamaraty, a associação política e econômica abriga também possibilidades de defesa de posições comuns em foros internacionais como, por exemplo, a ocupação de uma vaga permanente pelo Brasil no Conselho de Segurança da ONU.

"É importante lembrar que o relacionamento América do Sul - Países Árabes está na proposta maior da diplomacia brasileira de valorizar o relacionamento no âmbito Sul -Sul e aproveitar as oportunidades neste sentido. Como também os entendimentos nesse âmbito nos favorecem nas negociações internacionais"

Se há limites para o avanço das relações
políticas, os acordos comerciais entre países sul-americanos e árabes tem vasto potencial a ser explorado.

As relações econômicas existentes ainda não refletem as possibilidades existentes. O Brasil, por exemplo, comerciou com o todo o mundo árabe cerca de 8 bilhões de dólares em 2004. Um valor que superou em quase 50 por cento o comércio do ano anterior. Mas não é nem metade do que o Brasil negocia com a Argentina, por exemplo. O objetivo do encontro comércial, portanto, foi o de expandir esse comércio nos dois sentidos e, se possível, duplicá-lo em cerca de três anos.

Além disso, há uma negociação em termos de blocos econômicos. O Mercosul firmou acordo que dá início às negociações para formação de um bloco de livre comércio com o Conselho de Cooperação do Golfo, formado por seis países árabes.

A realização do evento empresarial e da feira de negócios que atraiu mais de 800 empresários brasileiros, sul-americanos e árabes e discutiu possibilidades de investimento no novo eixo comercial foi elogiada pelo deputado Átila Lins.

"A presença dos empresários vai aumentar o intercâmbio comercial, o Brasil vai incrementar o seu comércio, vai aumentar a sua presença no Oriente Médio, e eles terão maiores negócios na América do Sul".

Muito além dos eventos culturais que acompanharam a realização da Cúpula em Brasília, a aproximação entre árabes e sul-americanos permitiu viabilizar trocas e cooperação permanente nas áreas científica e cultural. Há um plano para intercâmbio de tecnologia entre árabes e sul-americanos para o desenvolvimento do simi-árido e manejo dos recursos hídricos, que são temas comuns às duas regiões.

Também se planeja a criação de uma obra simbólica do encontro, uma biblioteca composta por obras-primas das diferentes culturas que participaram da Cúpula, como explica o diretor do Departamento Cultural do Itamaraty, Edgard Telles Ribeiro. No segundo semestre serão escolhidas as obras que irão compor a biblioteca.

" Uma biblioteca que seja feita de obras-primas dos países árabes e dos países sul-americanos e que possa ser composta por livros traduzidos em árabe, português e espanhol".

A presença do imigrante árabe na cultura brasileira e sul-americana e seus costumes já adaptados à cultura local facilitam a aproximação política e econômica diz o deputado Jamil Murad, secretário-geral da Frente Parlamentar Árabe-brasileira. Para ele, relações econômicas só produzem efeitos duradouros e crescentes quando há relações políticas e culturais de aproximação.

"Existe um pré-requisito para as relações de cooperação darem certo. Porque no Brasil existem mais de 10 milhões de descendentes de árabes, e nos outros países da América do Sul também. Então o contato do povo brasileiro com a cultura e os hábitos árabes, a amizade, as relações sociais e politicas já existe. Voce vê que o povo brasileiro tem já eleito governadores, senadores, deputados, prefeitos e vereadores descendentes de árabe."

O deputado pediu também maior compreensão à diversidade e respeito ao povo árabe.

"Os árabes são povos milenares. Constituem um dos pilares mais importantes da civilização humana. Não são povos de segunda categoria. Povos incultos a serem civilizados. São diferentes, precisam ser respeitados."

A aproximação entre árabes e sul-americanos é plenamente viável no cenário internacional, diz o antropólogo Paulo Gabriel Hilu Rocha Pinto, coordenador do Núcleo de Estudos Árabes da Universidade Federal Fluminense. Ele diz que a religiosidade e o uso da família como forma de inserção social são traços culturais que aproximam árabes e brasileiros. O antropólogo explica que todas as civilizações foram fundadas em intensas trocas culturais.

"Todas as civilizações foram fundadas em intensas trocas culturais, em áreas de articulação e interpenetração com outras culturas. A civilização ocidental não existiria como tal se não houvessem trocas culturais com o mundo árabe. Recebemos toda uma tradição da filosofia, da medicina."

Em um mundo globalizado, trocas culturais são importantes. Elas facilitam a aproximação entre culturas diferentes, diz Paulo Gabriel Hilu Rocha Pinto.

"As trocas culturais são muito importantes. Como as culturas não são fechadas é importante que você inicie uma produção de saberes sobre essas realidades que permitam que as trocas aconteçam de forma positiva. Isso é muito importante num mundo globalizado. Globalização não siginifica que todo mundo vai ficar igual e sim que as diferenças vão ficar mais próximas. Então é muito importante saber lidar com as diferenças."

Ampliar relações políticas e econômicas e aproximar povos foram alguns dos objetivos da Cúpula América do Sul - Países Árabes. A visibilidade alcançada pela realização do evento abre ao Brasil espaço para encurtar distâncias com outros países em desenvolvimento. Ser protagonista de mudanças, no entanto, requer uma delicadeza suprema no sentido de preservar relações com antigos parceiros.

De Brasília, Eduardo Tramarim.

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