Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial Brasília II- A chegada dos parlamentares à nova capital ( 09' 52'' )

20/04/2005 - 00h00

  • Especial Brasília II- A chegada dos parlamentares à nova capital ( 09' 52'' )

Locutor: No segundo dia da série de reportagens sobre os 45 anos de Brasília e da transferência do Congresso para a nova capital, o repórter Antônio Vital conta as dificuldades enfrentadas pelos primeiros deputados e servidores que se instalaram na cidade, vindos do Rio de Janeiro.

Há 45 anos, na véspera da inauguração, Brasília entusiasmava os pioneiros, mas era encarada como uma punição por quem era obrigado a trocar as praias cariocas pelo canteiro de obras no meio do cerrado.

Quem já ouviu falar da "rota do degredo"? Esse era o apelido dado, antes da inauguração de Brasília, aos 1.200 quilômetros que separam o Rio de Janeiro da nova capital do país.

Quarenta e cinco anos atrás, houve muita resistência dos funcionários públicos que serviam aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em se mudar para Brasília.

Afinal, a cidade não passava de um canteiro de obras. Uma densa e constante nuvem de poeira vermelha penetrava todas as frestas e poros. Para transferir o Congresso, não foi diferente.

O deputado Neiva Moreira, do PDT do Maranhão, foi o presidente da Comissão de Transferência da Câmara. Aos 87 anos, e ainda na ativa, ele relembra as dificudades que enfrentou para desempenhar a função. E o problema não era só dotar a Câmara de toda a infra-estrutura necessária. Ele tinha que convencer servidores e deputados a virem para cá.

Trocar o cenário carioca por Brasília, na época, era visto como uma condenação por muita gente. As famílias estabelecidas no Rio não queriam vir. Casamentos foram abalados. Projetos pessoais foram desfeitos. Como nessa música de Cauby Peixoto, grande sucesso na época, o clima para alguns transferidos era de total fossa.

Para convencer os parlamentares da oposição, contrários à mudança, Neiva Moreira apelou, primeiro, para as mulheres dos deputados. Não deu muito certo.

"Eu primeiro fiz um trabalho junto aos deputados. Depois, verifiquei que o ponto mais dramático de resistência era a família. Aí, a Câmara tinha recursos, nós fretamos vários aviões para trazer as senhoras dos deputados. O presidente da Câmara me disse: "Olha, Neiva, foi uma coisa muito negativa isso que você fez. As senhoras estão quase todas contrárias porque só viram lama"

Neiva Moreira enfrentava a ira dos colegas deputados. Nos primeiros tempos de Brasília, a água era racionada, a luz caía toda hora, o transporte era difícil e, fazer compras, uma aventura. Ele chegou até a receber telefonemas anônimos com ameaças. Tom Jobim e Vinícius de Moraes captaram o clima de apreensão e aventura na Sinfonia da Alvorada, composta em 1960.

Como presidente da comissão encarregada da transferência da Câmara, Neiva organizou o transporte dos móveis dos deputados e servidores. Dezenas de caminhões saíram do Rio de Janeiro um mês antes da inauguração de Brasília. A mudança do deputado José Sarney, por exemplo, chegou à nova capital com uma carga de 1.500 imagens de santos. Intactos.

Aí, mais um problema. Nem todos os apartamentos estavam prontos. Os que estavam, eram disputados quase a tapa. Neiva conta a reação dos deputados.

"Deputados iam lá e depois me telefonavam: ´Neiva, quem deve morar naquele apartamento é você, porque você é que está com essa loucura aí. Eu não quero aquele apartamento´. E aí a gente chamava, mudava por outro. Houve deputados que mudaram o rótulo da casa. O apartamento, por exemplo, era 206. O dele era 306. O dele não estava bom. O outro estava quase terminado. Então, mudavam a placa do apartamento e ficavam com o apartamento do outro"

A Câmara precisava de 1.300 apartamentos para os deputados e servidores. No dia da inauguração, porém, só 200 funcionários estavam estabelecidos na cidade. Desses, apenas sete taquígrafos. Além disso, a luz do plenário caía a todo momento. E, pior, não havia campainhas para marcar o início da sessão. Depois de pensar em usar as campainhas das escolas de Brasília, Neiva chegou à conclusão de que o melhor mesmo era buscar as velhas, do prédio da Câmara no Rio, de avião. Assim foi feito.

E tome críticas de todos os lados. Os jornais publicavam extensas reportagens em que anunciavam o fracasso da construção. Diziam, por exemplo, que o lago Paranoá não ia encher.

Assim como a bossa-nova, que era atacada por tradicionalistas apesar do sucesso de João Gilberto e companhia, Brasília era alvo diário de oposição. Neiva Moreira lembra um desses episódios.

"Um jornalista lá, e não vale a pena citar o nome, do Diário de Notícias, fez uma campanha violenta e permanente contra a mudança. Levantou a hipótese de que o telefone não funcionaria porque tinha montanhas, não sei o quê. Quando o telefone funcionou, eu liguei pra ele e disse "companheiro, como é que vai. Sabe de onde estou lhe telefonando?" Ele disse "não" e eu "estou lhe telefonando de Brasília". E ele: "ora, que história é essa"".

Também houve briga por causa das camas encomendadas pelo governo. Elas tinham 1 metro e 80 de comprimento, insuficiente para muitos deputados. Além disso, não havia camas de casal. O deputado Aloysio Nonô, irritado por receber de volta os mesmos móveis que tinha pedido para trocar, fez uma pilha com eles em frente ao prédio onde morava e ateou fogo.

No dia da inauguração, os novos moradores foram instalados precariamente onde dava. O deputado Carvalho Sobrinho conseguiu vaga em um hotel destinado ao Corpo Diplomático dizendo ser Mr. Jonhsson, embaixador da Dinamarca. Ao sair, conseguiu um carro com motorista, reservado para os governadores, ao se apresentar como Muniz Falcão, governador de Alagoas.

Quem não tinha para onde ir era mandado para o apartamento de Neiva Moreira. Um dia o deputado chegou em casa e se deparou com um desconhecido, enviado para lá não se sabe bem por quem. Era o poeta Menotti del Picchia, que assistiu emocionado da sacada do apartamento, com um pijama de bolinhas, o desfile dos operários no dia da inauguração da capital.

"Uma vez eu cheguei em casa e tinha 20 ou 30 pessoas hospedadas para todo lado. O Menotti foi um amigo intelectual que disse ´não se preocupe não que o Neiva dá um jeito´. Então, o Menotti foi parar lá em casa. E me lembro muito dele olhando a passeata dos candangos no dia da inauguração. Até hoje me arrepio quando vejo aquilo: 50 mil trabalhadores desfilando na inauguração da cidade. E o Menotti ficou emocionado com aquilo".

A confusão dos primeiros meses da nova capital era uma aventura para muitos filhos de deputados.

Parlamentares que estão hoje no Congresso conheceram Brasília quando a cidade não passava de um canteiro de obras.

O hoje senador Jorge Bornhausen, do PFL, tinha 23 anos na época e era filho do deputado Irineu Bornhausen. Tasso Jereissati tinha 13 anos e era filho do deputado Carlos Jereissati. José Agripino Maia tinha 15 e era filho do deputado Tarcísio Vasconcelos. José Thomaz Nonô tinha 13 e era filho do deputado Aloysio Nonô.

O também senador Arthur Virgílio Neto, na época com 15 anos, se lembra bem do barro vermelho da nova capital. O pai dele, Arthur Virgílio, era deputado e apoiava a transferência da capital para Brasília. Ele conta outra característica da cidade formada por pessoas que vieram de outros lugares: o isolamento fazia os moradores se unirem.

"Eu também me lembro do barro vermelho. Barro vermelho que entrava na pele, entrava na unha, entrava no sapato. Isso tudo foi sendo substituído pela pavimentação, mas se você olha as áreas verdes percebe que o barro é vermelho. E me chamava muito atenção a necessidade que as pessoas tinham de se agrupar em comunidades, enfim, havia uma vizinhança muito fraterna, havia um bem-querer muito grande entre as pessoas"

O jovem Arthur remava no lago Paranoá, ia a festas nas casas dos amigos na quadra 105 Sul e fazia o que qualquer adolescente de sua idade costumava fazer. Com uma diferença: ele gostava de freqüentar a Câmara e assistir as sessões do Congresso recém-inaugurado.

"Eu frequentava também as sessões. Eu me extasiava ouvindo pessoas, ouvindo meu pai, que era um orador fantástico, o Almino Affonso, Adauto Lúcio Cardoso, Mário Covas"

O Congresso hoje lembra pouco os primeiros tempos heróicos da mudança da capital. O improviso foi substituído pelo profissionalismo. A terra vermelha por grama sempre verde. E o que era a "rota do degredo", 45 anos depois, se transformou em meta de vida para gente de todo o país.

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h