Papo de Futuro
O Fórum da Internet no Brasil e os destaques da agenda de regulação da internet
27/05/2025 -
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O Fórum da Internet no Brasil e os destaques da agenda de regulação da internet
Hoje o Papo de Futuro reflete as discussões do Fórum da Internet no Brasil – FIB (1), que acontece nesta semana em Salvador. A gente vai falar sobre os principais temas que estão movimentando esse que é o principal espaço de debates sobre os rumos da internet no nosso país.
O Fórum da Internet no Brasil, promovido pelo Conselho Gestor da Internet, é um espaço super importante para debater os desafios e os rumos da governança da internet no Brasil.
O primeiro tema a ser abordado é muito sensível: o impacto da inteligência artificial sobre o uso de conteúdo protegido por direito autoral. quando sistemas de IA, como o ChatGPT, são treinados com conteúdos jornalísticos, acadêmicos, livros, músicas, obras protegidas, quem efetivamente se beneficia desse processo?
Essas empresas de tecnologia estão pagando os devidos direitos autorais, como prevê a legislação brasileira, professor Ricardo? Como resolver esse conflito entre inovação tecnológica e proteção dos direitos dos criadores de conteúdo?
Quem responde é o Professor Dr. Ricardo Campos, que é da Universidade de Frankfurt, na Alemanha, e diretor do Legal Fronts Institute, uma entidade que atua na pesquisa e na formulação de propostas sobre direito digital e regulação da internet.
“A ideia é pensar no que a gente tem de proteção de autores dentro de uma nova dinâmica. O que não pode ocorrer é um estado ilegal das coisas, em que existe uma autorização prévia, de acordo com a Lei de Direitos Autorais, mas ela não é cumprida. A gente tem o debate sobre inteligência artificial, que vai retomar essa discussão na Câmara, mas é importante que esse debate seja levado a sério, para que a gente não acabe ampliando a discrepância social, em que poucas empresas ganham, detêm todo o lucro e quase ninguém ganha com o que produz. O Direito vem para equilibrar isso, distribuir, dentro do direito privado, buscando um equilíbrio justo entre inovação e remuneração. Hoje, está todo mundo no mesmo barco, enfrentando o mesmo cenário de incerteza. Temos vários caminhos regulatórios. Há dois meses, tivemos, na Alemanha, a sindicalização dos direitos autorais na inteligência artificial, onde foi firmado um acordo coletivo — que tem força de lei setorial na Alemanha — entre o sindicato de autores e roteiristas e os produtores de conteúdo audiovisual, para, por exemplo, garantir uma remuneração por esse conteúdo, por meio de um acordo tarifário. Existe, portanto, um cardápio que a gente pode utilizar para alcançar um equilíbrio entre a inovação e essa corrida do ouro, que são os dados.”
Acho que é importante a gente pontuar aqui também sobre a necessidade de data centers e armazenamento de dados. A gente vive hoje na era do Big Data, onde tudo — absolutamente tudo — se transforma em dados: nossos hábitos, nossas comunicações, nossos deslocamentos, nossa própria identidade digital.
E aí surge uma questão muito sensível: boa parte desses dados é armazenada fora do Brasil, em data centers de grandes empresas estrangeiras. Isso levanta um debate urgente sobre a nossa soberania digital — ou seja, sobre até que ponto o Brasil mantém controle sobre os dados de seus cidadãos e sobre o funcionamento das plataformas digitais no nosso território.
No FIB 15, esse tema está em destaque, especialmente na discussão sobre a regulação da nuvem. Uma das questões é: quais os caminhos para garantir que a regulação da nuvem e dos dados respeite nossa soberania e nossos direitos fundamentais? Quem responde é o professor Dr. Ricardo Campos.
“Esse é um ponto muito importante. Existe um local onde o dado foi armazenado. É uma nova tecnologia que virou uma infraestrutura da internet atual, que é base das nossas comunicações pessoais, comerciais, empresariais, etc. Antes da nuvem, havia o armazenamento físico. Hoje, você compra um pacote de nuvem. No direito regulatório, desde o século XIX, você organiza a vida de quem migrou para as cidades — e o Estado está presente. O que é interessante na nuvem é que essas infraestruturas se desenvolveram sozinhas, não precisaram do Estado para serem coordenadas e estão se auto-implementando. E o ponto, agora, é como o Estado deve coordenar, trazendo o máximo de data centers para ter um pool, e assim termos uma condição melhor de exigir requisitos ligados à soberania digital, pois o direito é territorial.”
Outra pauta prioritária é a discussão do PL 2628, de 2022, que trata da proteção dos direitos das crianças e adolescentes na internet.
Esse projeto nasceu no Senado, mas foi profundamente construído junto com a sociedade civil, especialistas, organizações que atuam na defesa dos direitos das crianças. Ele busca enfrentar desafios seríssimos, como a exposição de crianças a conteúdos inadequados, publicidade abusiva, coleta ilegal de dados e até situações de violência digital.
O professor Ricardo Campos contextualiza essa discussão e fala da importância do tema.
“Eu vejo essa como a iniciativa mais importante da internet no momento. Nós estamos envolvidos desde o início. Esse projeto de lei surge de um pedido formal do senador Alessandro Vieira para que pudéssemos colaborar na sua construção. E, de fato, temos uma relação quase umbilical com esse tema. Construímos esse texto dialogando com diversos atores. Agora, estamos lidando com questões centrais como impacto, risco e elementos que já aparecem em regulamentos internacionais, como o Digital Social Act, na Europa, o regulamento do Reino Unido — recentemente atualizado — e o avanço significativo na Austrália, que acaba de aprovar uma legislação proibindo redes sociais para crianças menores de 16 anos, baseada em evidências científicas. Nesse contexto, é fundamental discutir o controle de idade e o controle parental. E aqui é preciso frisar: sem a participação das plataformas, não há efetividade na proteção das crianças. Elas precisam necessariamente participar da construção dessas soluções. Falo com essa perspectiva também porque moro na Alemanha, onde a situação é muito diferente da brasileira. Lá, as escolas são em período integral e não há acesso ao celular dentro do ambiente escolar. No Brasil, a situação é mais grave: as crianças chegam em casa, muitas vezes, sem acesso a outras formas de entretenimento, e as redes sociais acabam funcionando como uma espécie de babá eletrônica. Imagine o impacto disso, especialmente nas comunidades mais vulneráveis. Por isso, consideramos esse projeto de lei fundamental. Hoje, mais da metade do tempo das crianças brasileiras está sendo dedicada a conteúdos e interações nas redes sociais. E, de certa forma, elas estão sendo educadas por essas plataformas.”
A 15ª edição do Fórum da Internet no Brasil reafirma, mais uma vez, a importância do diálogo multissetorial na construção de uma internet mais justa, segura e democrática. Foram 27 workshops reunindo especialistas, pesquisadores, legisladores, representantes da sociedade civil, do setor privado e da comunidade técnica — todos comprometidos em pensar soluções para os desafios da regulação da internet no Brasil.
Fica claro que, num mundo cada vez mais digital, o caminho é coletivo. O debate sobre direitos digitais, proteção de dados, inteligência artificial, combate à desinformação e inclusão digital precisa ser construído a muitas mãos, ouvindo diferentes vozes, experiências e realidades.
- https://fib.cgi.br
Você ainda pode enviar a sua sugestão de tema, crítica ou sugestão para o WhatsApp da Rádio Câmara (61) 99978-9080 ou para o e-mail papodefuturo@camara.leg.br.
Comentário – Beth Veloso
Apresentação – Ana Raquel Macedo