Rádio Câmara

Papo de Futuro

EP#81 -Soberania x liberdade no caso da plataforma X

03/09/2024 -

  • EP#81 -Soberania x liberdade no caso da plataforma X

Apesar de parecer novo, já faz parte da história digital do Brasil: a decisão judicial que tirou do ar a plataforma X no país. Mas será que essa medida é tão inédita assim? O WhatsApp também já foi suspenso em território nacional. E isso traz implicações, revela conflitos que ela revela e o que ela nos diz sobre o futuro das plataformas digitais no Brasil, com a jornalista Beth Veloso.

A suspensão da plataforma X no Brasil não é um fenômeno isolado. Em anos anteriores, o WhatsApp foi retirado do ar duas vezes, por se recusar a cumprir decisões de juízes. No Congresso, essas decisões sempre dividem opiniões, especialmente entre os parlamentares que defendem maior ou menor regulação das plataformas digitais. Ao mesmo tempo, essas situações escondem um conflito mais profundo entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que tentam definir os limites de atuação na era digital.

De um lado, temos parlamentares que acreditam na necessidade de uma regulação mais rígida das plataformas digitais, enquanto outros defendem uma abordagem mais liberal. E no centro desse embate, temos as decisões judiciais que, ao mesmo tempo em que se fundamentam no direito, geram um debate acirrado sobre as responsabilidades na rede mundial de computadores.

Professor de direito digital, Ulisses Juliano explica os fundamentos da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, que tirou o X do ar.

“Um dos princípios constitucionais mais basilares é que toda decisão do julgador deve ser baseada em um dispositivo legal. Ela é baseada no Código Penal, no Código Civil e principalmente no art. 19 do Marco Civil da Internet, que determina que a rede social deve respeitar e tomar as providências para cumprir a decisão. Nos estamos num regime de Estado Democrático de Direito. Todo mundo pode falar o que quiser, mas há o dever de ser responsabilizado pelo que você quer falar. Isso tem que ficar muito claro. Eu posso falar o que eu  quiser, desde que eu saiba que eu vou ser responsabilizado por tudo que eu proferir. Se for analisar Jonh Stuart Mill (1), ele diz isso, não existe liberdade sem responsabilidade”

Do ponto de vista legal, o cumprimento de uma decisão judicial não é opcional e deve ser contestado pelas vias institucionais adequadas, e não simplesmente ignorado."

Se a gente for discutir aspectos como soberania dos países em fazer cumprir as suas leis e os precedentes no caso de descumprimento, seria a desmoralização completa da justiça, até porque todos os países estão impondo regras mais rígidas para as mídias digitais, como informa Ulisses Juliano:

“Eu trago aqui a notícia recente, da semana passada, em que na França, o CEO do Telegram, o representante do Telegram foi preso na França por descumprir decisões judiciais. Não é uma inovação do Brasil, isso está acontecendo vários lugares do mundo. Aconteceu também no Brasil do Telegram e do WhatsApp ter sido suspenso. O que acontece é que o X é uma plataforma muito utilizada no país e isso tem um impacto maior, até porque o dono da rede social é um bilionário se usa de vários artifícios para se manifestar contra esta decisão, e o Brasil está exercendo o seu direito de determinar que as empresas cumpram as legislações que estão em vigor em nosso Pais.”

E qual tem sido o papel do Congresso Nacional neste sentido?

O Congresso Nacional tem tentado se mostrar proativo nesse sentido, talvez até como reflexo da percepção de que o Parlamento demora a agir na regulação das redes digitais. Os projetos de lei que tramitam no Congresso atribuem responsabilidades às plataformas e combatem o anonimato, que muitas vezes acoberta redes criminosas na internet. A decisão dos Estados Unidos em relação ao TikTok (2), que exigiu o desmembramento da empresa, é um exemplo de como essas questões têm impacto global."

Portanto, o que está em jogo aqui não é apenas um braço de ferro entre o governo e as empresas, ou entre o Judiciário e o Legislativo. Estamos falando de crimes na internet que precisam ser enfrentados de alguma forma. Por isso, o debate é tão intenso. No fundo, a questão é: até que ponto a liberdade de expressão e de ação na internet pode ser ilimitada?, como lembra Ulisses Juliano.

“O que a gente precisa ter em mente é que estavam ocorrendo diversos crimes na internet, divulgação de dados pessoais, ameaças a familiares de pessoais, divulgação de noticias falsas, e o ministro Alexandre de Morais determinou que esses perfis fossem excluídos das plataformas, para que não continuassem a prática de crimes, e o X não aceitou, não acatou a decisão e permitiu que perfis que realizam práticas criminosas continuassem em atividade. Uma coisa é a liberdade de expressão, outra coisa é a autonomia para praticar crimes sem responsabilidade.  E a gente precisa ter em mente que a legislação vale para todos. A legislação no foi cumprida. A decisão do ministro foi acertada, em razão de se descumpriu uma decisão judicial. Como o X não excluiu os perfil, a decisão foi suspender a decisão judicial, para que os crimes não continuassem ao arrepio da lei.”

E quais as limitações técnicas para que a decisão seja cumprida?

É preciso ressaltar que a proibição da plataforma X é um fato consumado. Mas implementar essa decisão é um desafio imenso.

A Anatel determinou aos provedores de conexão que bloqueassem o acesso ao aplicativo X, mas a ordem precisa ser cumprida por mais de 20 mil provedores de conexão. Se formos comparar as teles com as big techs, como a X, as teles não só tem estrutura no Brasil, representantes, sede e diversas obrigações e impostos a pagar. Então existe uma diferença muito grande de tratamento entre o tema moderação de conteúdo que a X confere ao Brasil do que em pratica em outros países, o que faz com que as big techs se sintam, de certa forma, intocáveis pelo governo brasileiro.

Se Elon Musk acusa a justiça brasileira de tirania, outra questão bem diferente que é a soberania do País e o respeito às leis, pelo lado do Supremo. Será que o debate deve ser feito nas redes socias ou através de advogados formais que usam as instâncias judiciais, como fazem todas as empresas que discordam das regras do jogo ou de determinações públicas. Uma coisa é a rebeldia dos controladores das empresas, outra coisa é usar as redes sociais como uma esfera pública de contestação, que não substitui os ritos e normas legais, incluindo a nossa Constituição.

Também é importante discutir a resistência da empresa Starlink (3), que é uma provedora de banda larga via Satélite, do mesmo dono do X, Elon Musk, que se recusou a bloquear o aplicativo. E essa centralização de mercado traz à tona o debate sobre a concentração de poder nas mãos de uma única pessoa ou grupo empresarial, que está na raiz do debate sobre a concentração de mercado das plataformas digitais e suas implicações negativas para as democracias, a sociedade e o próprio cidadão. O mercado concentrado em poucos atores dá margem à tirania e censuras nas redes sociais, porém patrocinadas por empresas e não governos.

O que gera atritos é o fato de que essa defesa das leis e das normas não estar sendo feita pelo congresso, mas pelo Supremo, quando o Parlamento poderia estar tendo um maior protagonismo nesta seara, inclusive aprovando o PL de liberdade e transparência, que aumenta a responsabilidade das plataformas sobre conteúdos nocivos, como é o caso dos perfis em questão.

Entretanto, apesar de prejudicarem muita gente que não tem nada a ver com a história e serem de difícil implementação, essas decisões judiciais de bloqueio de rede social não têm apenas um impacto prático; elas também carregam um peso político significativo. Elas podem sinalizar para outros grupos, de uma forma ou de outra, se as leis devem ou não ser cumpridas, que as decisões judiciais têm força e que tipo de internet a democracia aceita. Afinal, existem limites constitucionais para essa democracia digital, e esses limites não se confundem com censura. Que limites seriam esses? Esse é o tipo de reflexão que precisamos aprofundar."

Você ainda pode enviar a sua sugestão de tema, crítica ou comentário para o WhatsApp da Rádio Câmara (61) 99978-9080 ou para o e-mail papodefuturo@camara.leg.br.

Comentário – Beth Veloso
Apresentação – Mauro Ceccherini

Coluna semanal sobre as novas tendências e desafios na comunicação no Brasil e no mundo, da telefonia até a internet, e como isso pode mudar a sua vida.

Terça-feira, às 8h