Presidente da CVM diz que há indícios de crime contra mercado de capitais na investigação da Americanas
Representante do Banco Central disse que bancos foram autorizados a adotar critérios mais rígidos nos contratos vinculados à Americanas
20/06/2023 - 19:51
O presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), João Pedro Barroso, afirmou nesta terça-feira (20) que não há dúvidas de que houve fraude na Americanas e que os indícios apontam para crimes contra o mercado de capitais. “Não podemos tirar conclusões precipitadas, mas as evidências caminham para a existência de um arrojado esquema fraudulento para inflar e falsear números e resultados contábeis”, reiterou o executivo ao ser ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a fraude na empresa.
Ele disse, entretanto, ser necessário aguardar o resultado das apurações feitas pela autarquia para identificar os autores da fraude. “Há indícios de manipulação informacional que ocorrem quando são realizadas operações simuladas, ou executadas manobras fraudulentas destinadas a elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor imobiliário, com o fim de obter vantagem indevida”, completou Barroso.
O presidente da CVM informou que hoje o órgão analisa 20 processos administrativos, dos quais 16 ainda estão em andamento. Ele não citou prazos para conclusão das investigações, mas disse que "pessoas estratégicas" já começaram a ser ouvidas.
Entre os processos ele destacou dois inquéritos administrativos: um sobre as discrepâncias nos lançamentos contábeis e outro sobre operações realizadas com possível uso de informações privilegiadas, no período de agosto a dezembro de 2022.
Questionado por parlamentares, Barroso negou que a CVM tenha tido acesso ao resultado da investigação independente feita pela Americanas, parte da qual foi divulgada pelo CEO da empresa na semana passada (13), em reunião da CPI. Ele frisou que a apuração é "enxergada com bons olhos pela CVM", mas "de maneira nenhuma substitui o trabalhos oficias que são conduzidos pela autarquia".
Instrumentos da fraude
Durante a audiência, o relator da CPI, deputado Carlos Chiodini (MDB-SC), quis saber sobre como eram manipulados contratos de venda de propaganda cooperada, ou VPC, e os contratos de risco sacado, apontados como principais instrumentos da fraude.
Conforme o parlamentar, 44% das dívidas financeiras da Americanas correspondem a contratos de risco sacado, que somam passivo de R$17 bilhões. "É plausível que ocorrências dessa magnitude não tenham sido tempestivamente detectadas pelo conselho fiscal e pelo conselho de administração e pelas próprias auditorias internas da Americanas?", questionou Chiodini.
O presidente da CVM disse que, no caso de sociedades anônimas como a varejista, cabe ao conselho de administração supervisionar os atos da diretoria. "Se, de um lado, é da competência dos órgãos societários todo o monitoramento do trabalho desenvolvido pela diretoria, por outro lado, a depender das características da fraude, eles podem simplesmente ter sido enganados", enfatizou.
Segundo Barroso, estima-se que de 70% a 80% da dívida provenha de operações com VPC, um instrumento pelo qual a varejista vende ao fornecedor espaço na loja para a promoção do produto. Neste caso, eram lançados valores fictícios sem lastro em recursos disponíveis em caixa.
Já os contratos de risco sacado permitem que fornecedores de grandes companhias antecipem seu pagamento com bancos, que assumem o risco de credor da varejista. Segundo ele, esses contratos foram responsáveis por até 30% do valor da fraude na Americanas.
Impactos no crédito
O deputado Mendonça Filho (União-PE), um dos que solicitaram a audiência, quis saber sobre os impactos da fraude no sistema de crédito e sobre a atuação do Sistema de Informações de Crédito (SCR) do Banco Central no contexto de incerteza de liquidez.
O representante do Bacen Gilneu Francisco Vivan disse que há uma retomada após período de " insegurança muito grande". Ele acrescentou que o SCR permitiu aos bancos avaliar com mais cautela os contratos vinculados à Americanas, optando por critérios mais rígidos para aprovar o crédito.
Reportagem - Emanuelle Brasil
Edição - Geórgia Moraes