Estudo da Consultoria Legislativa considera eficaz uso de aplicativo de rastreamento para conter Covid-19
Consultor aponta necessidade de uma Autoridade de Proteção de Dados - que ainda não foi criada pelo governo, embora prevista em lei - para proteger privacidade no caso de uso da tecnologia
20/08/2020 - 14:25 • Atualizado em 20/08/2020 - 23:29
Estudo da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados considera eficaz a implantação, em âmbito nacional, de aplicativo de celular para rastreamento de contatos como estratégia de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus e de possíveis novas epidemias. A ideia é identificar rapidamente quem teve contato com pessoas infectadas, para que possa haver isolamento e evitar novas infecções.
Autor do estudo, o consultor legislativo Claudio Nazareno destaca que a tecnologia permite não apenas a notificação mais rápida de possíveis infectados, como um isolamento mais focado, envolvendo menos pessoas.
“A experiência internacional indica que a implantação desses aplicativos pode valer a pena. Utilizados no momento certo, são mais uma ferramenta que pode salvar vidas e manter a economia ativa, ao mesmo tempo”, explica. Entre os países que implementaram a tecnologia estão desde China e Coreia do Sul até Dinamarca e Alemanha.
No Brasil, o Ministério da Saúde anunciou recentemente uma tecnologia de alerta por celular que também prevê o recebimento de aviso caso a pessoa tenha estado próxima a alguém que teve a doença. O recurso é oferecido por meio do aplicativo gratuito Coronavírus - SUS.
O estudo da Consultoria faz, porém, uma série de ressalvas a esse tipo de rastreamento. A primeira delas é de que a medida só é eficaz com a pandemia sob controle. “Os estudos indicam a efetividade dos aplicativos quando a pandemia apresenta velocidade de contágio estabilizada e baixo números de casos”, destaca Nazareno. Além disso, a tecnologia só é eficaz se os infectados obedecem às normas de isolamento e quarentena.
O consultor também faz uma série de ressalvas necessárias para preservar a privacidade dos usuários.
Sistema centralizado
Segundo Nazareno, há sistemas centralizados e descentralizados.
No primeiro caso, quem testou positivamente para o coronavírus envia os dados para uma autoridade central, que faz o pareamento de celulares e avisa as pessoas que podem ter sido potencialmente infectadas. “Isso não é tão bom do ponto de vista da privacidade, mas é melhor do ponto de vista epidemiológico”, explica.
“Do ponto de vista da saúde, você consegue verificar se as pessoas estão fazendo o isolamento quando elas entraram em contato com uma pessoa infectada”, completa.
Na Coreia do Sul esse método é utilizado, e o aplicativo é usado para monitorar se infectados saem de casa durante o seu período de quarentena obrigatório. O caso coreano é extremamente invasivo e permite ainda o cruzamento de informações de GPS, transações bancárias e circuitos de TV, entre outros.
Na China, as estratégias também são fortemente invasivas, já que o aplicativo é obrigatório, e os dados de movimentação das pessoas são combinados com os resultados dos testes de infecção, de modo a controlar a movimentação e o acesso aos locais.
Sistema descentralizado
Já na forma descentralizada, utilizada na Alemanha, por exemplo, ninguém tem a posse de todas as informações. “Isso é melhor do ponto de vista da privacidade, porque é apenas o próprio celular do usuário que vai fazer o pareamento para saber se ele ficou perto de uma pessoa que tinha infecção”, explica Nazareno.
“Na forma descentralizada, cada pessoa faz o isolamento e faz o seu pareamento, com seu celular, a autoridade de saúde não tem como saber se essa pessoa está seguindo o isolamento”, aponta. “Então depende muito da boa vontade e do interesse das pessoas em fazer parte desse processo de auto-isolamento, quando o sistema é descentralizado. Isso pode ser um grande problema aqui no Brasil”, alerta.
Privacidade
Do ponto de vista da privacidade, além do sistema descentralizado ser mais indicado, o consultor afirma que uma aplicação segura deve atender rigorosamente à Lei Geral de Proteção de Dados, entre outros pontos.
A lei fixa limites estritos quanto ao compartilhamento de dados pessoais coletados com terceiros, sejam pela administração pública ou empresas privadas. Porém, o governo federal ainda não criou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, prevista na legislação brasileira (Lei 13.853/19).
“Esse software tem que ser auditável, ele tem que ser de uma fonte confiável. O Brasil precisa ter um organismo que faça esse aplicativo e que as pessoas confiem nesta autoridade”, alerta Nazareno.
“Aqui no Brasil, estamos esperando a implantação a Autoridade Nacional de Proteção de Dados. No caso, a gente não tem esta autoridade ainda, então fica difícil implementar um aplicativo que vai lidar com a privacidade das pessoas se a gente não tem uma autoridade que vai dar fé desse aplicativo”, completa.
Para o consultor, mesmo que esta pandemia esteja terminando ou que a vacina esteja chegando, esse tipo de tecnologia é importante, já que poderá servir, inclusive, para enfrentamentos futuros. “A história recente indica que, muito possivelmente, novas pandemias poderão voltar a ocorrer”, salienta.
Reportagem - Lara Haje
Edição - Natalia Doederlein