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Divulgação de relatórios de transparência por redes sociais é elogiada em debate sobre fake news

Essa é uma das regras de transparência previstas no projeto em análise na Câmara e que recebeu apoio da sociedade civil. Para o Facebook proposta deve ser menos detalhista

15/07/2020 - 14:32  

As regras de transparência previstas no projeto de lei das fake news (PL 2630/20) foram elogiadas por representantes da sociedade civil, no segundo debate na Câmara dos Deputados sobre a proposta do Senado, nesta quarta-feira (15). Entre as regras criadas pela proposta, está a determinação de que as redes sociais e os serviços de mensagem privadas divulguem relatórios trimestrais de transparência, informando o número de usuários e posts excluídos, por exemplo; identifiquem robôs (bots) e conteúdo publicitário ou impulsionado.

Integrante da Coalizão Direitos na Rede, a advogada Flávia Lefévre avalia que, em relação às regras de transparência, “o PL 2630/20 está totalmente aderente à defesa do consumidor”. Ela elogiou especialmente a determinação de que as empresas divulguem ao público os relatórios trimestrais de transparência, que serão avaliados pelo Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet. Mas pediu mais ênfase à divulgação das práticas de gerenciamento de conteúdo pelas plataformas a partir do uso de dados pessoais dos usuários.

Segundo Flávia, a atual crise de desinformação tem origem não só na atuação de criminosos, mas nos próprios modelos de negócios das plataformas. Ela explicou que as redes sociais, a partir da apropriação de dados pessoais dos usuários e do registro de navegação deles, formam perfis de usuários e, por sistemas de algorítimos, direcionam a eles notícias, propaganda comercial e política. Para ela, essas práticas estão diretamente relacionadas à desinformação, precisam ser reguladas, e as empresas precisam ser responsabilizadas por suas práticas comerciais de gerenciamento de conteúdo.

“As milícias digitais e fábricas de desinformação conseguem ampliar suas campanhas justamente porque dominam o modo de gerenciamento dos conteúdos das plataformas”, disse. Como exemplo, a advogada citou o uso conjunto de dados do Facebook e do serviço do WhatsApp - pertencentes ao mesmo grupo econômico - para promover campanhas de desinformação nas eleições de 2018. E citou, para demonstrar o poder de mercado e de controle das plataformas, pesquisa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, segundo a qual 70% dos vídeos visualizados no YouTube são vistos por recomendação da plataforma.

Visão do Facebook
Gerente de Políticas Públicas do Facebook no Brasil, Rebeca Garcia afirmou que relatórios de transparência regulares já são publicados pela plataforma, informando, por exemplo, os conteúdos e usuários removidos por violação aos termos de uso. Segundo ela, relatório recente informa que entre janeiro e março foram removidos 1,9 bilhão de spams e 1,7 bilhão de contas falsas.

Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados
Ciclo de Debates Públicos virtuais: Lei de combate às Fake News. Gerente de Políticas Públicas do Facebook no Brasil, Rebeca Garcia
Rebeca Garcia, do Facebook, defendeu uma lei "tecnologicamente neutra e mais principiológica"

Rebeca acrescentou que o Facebook lançou a ferramenta “por que estou vendo isto” - que permite ao usuário entender por que determinado conteúdo aparece para ele. Ainda conforme ela, o Facebook vai expandir a ferramenta de transparência, e a partir de agosto todo anunciante de propaganda política precisará passar por processo de autorização e terá rótulo de anúncio eleitoral. Além disso, biblioteca de anúncios eleitorais será disponibilizada ao usuário.

Ela salientou que o PL sobre fake news “levanta preocupações” para a empresa, pela “amplitude e desproporcionalidade das exigências”. Como exemplo ela citou a exigência de indicação da metodologia utilizada pela plataforma para detectar irregularidade. “Isso pode ajudar agentes maliciosos a burlar a detecção”, opinou. Criticou ainda o prazo de adaptação às regras de 90 dias previsto no texto. Na visão dela, a lei deveria ser menos detalhada, “tecnologicamente neutra e mais principiológica”.

Moderação de conteúdo
Já Marina Pita, do Coletivo Intervozes, citou como positivas as regras de transparência em relação à identificação de robôs e de publicidade pelas plataformas. “Essa informação tem de estar visível ao usuário”, disse. Para ela, as regras de transparência foram “muito bem colocadas no projeto” e vão reforçar a autonomia do usuário e ajudar a desmontar as redes de desinformação. Ela concorda com a divulgação ao público das ações de moderação de conteúdo feitas pelas plataformas, mas discorda que as empresas sejam obrigadas a moderar conteúdo, o que, na sua visão, poderia afetar a pluralidade de ideias e a liberdade de expressão.

O professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio) Ivar Hartmann acredita que as plataformas não devam ser "polícia da liberdade de expressão", decidindo o que é discurso de ódio e o que é ou não fake news, por exemplo. “Essa é uma preocupação legítima de deputados tanto de direita quanto de esquerda”, ponderou. Porém, ressaltou que as regras de transparência previstas no projeto não ferem a liberdade de expressão e são positivas. “Hoje não temos ideia da quantidade de usuários banidos ou conteúdos removidos e das causas para remoção de posts e perfis”, criticou.

O deputado Alencar Santana Braga (PT-SP) disse que teme “o controle paraestatal do que é verdadeiro ou falso” e que isso terá de ser equacionado no projeto. Já o deputado Nereu Crispim (PSL-RS) criticou o anonimato de ataques proferidos pela internet e se disse favorável à proposta, com aprimoramentos.

Privacidade
Maria Marinho, do Instituto Liberdade Digital, observou que a transparência não deve ser inimiga da privacidade. Ela concorda com as regras de transparência, mas pediu a retirada do texto do dispositivo que obriga os serviços de mensagem, como o WhatsApp, a guardar por três meses as mensagens encaminhadas em massa (enviadas por mais de 5 usuários num período de 15 dias e recebidas por mais de mil pessoas). Para ela, esse ponto pode afetar a privacidade do usuário, além de vulnerabilizar a segurança dessas informações, possibilitando que sejam usadas até mesmo contra os usuários.

A palestrante criticou a velocidade do debate do projeto no Senado, e elogiou a participação da sociedade no debate sobre a proposta na Câmara. O próximo encontro para debater o PL 2630/20 ocorrerá na sexta-feira (17). Ao todo 10 audiências públicas sobre a proposta serão realizadas.

 

 

 

Reportagem - Lara Haje
Edição - Roberto Seabra

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