Desentendimentos marcam reunião da CPI da Funai-Incra
Os desentendimentos ocorreram entre deputados que defendem o agronegócio e os defensores da causa indígena e ainda entre parlamentares e convidados da reunião.
10/03/2016 - 16:45

Discussões acaloradas e trocas de ofensas deram o tom da reunião desta quinta-feira (10) na comissão parlamentar de inquérito (CPI) destinada a investigar a atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na demarcação de terras indígenas e quilombolas. A audiência foi realizada por iniciativa do deputado Valdir Colatto (PMDB-SC).
Os desentendimentos ocorreram entre deputados que defendem o agronegócio e os defensores da causa indígena e ainda entre parlamentares e convidados a participar da reunião.
O momento mais forte das discussões se deu entre o deputado Nilto Tatto (PT-SP), favorável à questão indígena e quilombola, e o advogado Jeferson Rocha, diretor jurídico da Associação Nacional de Defesa dos Agricultores, Pecuaristas e Produtores da Terra (Andaterra).
Jeferson Rocha se exaltou quando Nilto Tatto disse que o advogado havia negado uma informação sobre uma ação judicial em benefício de índios. “Se vem aqui para contribuir, não é só com opinião, não. É convidado para vir aqui também contribuir com informações. Quando interessa, traz as informações. Quando não interessa, coloca claramente que você tem lado e esse lado é contra os direitos indígenas e a favor de causa própria”, havia dito Tatto.

Rocha elevou o tom de voz para responder: “O meu lado é o da Constituição da República, é o respeito ao ordenamento jurídico e, sobretudo, ao cidadão que paga tributos que pagam o seu salário.”
Tatto rebateu que Rocha não tinha votos para desrespeitar uma autoridade.
A deputada Erika Kokay (PT-DF) solicitou as notas taquigráficas da discussão. Ela vai entrar com uma ação contra Jeferson Rocha por desacato à autoridade.
Disputa ideológica
Na avaliação de Kokay, a CPI se tornou palco de disputa ideológica. “Esta CPI se desnuda, porque o que vemos aqui são requerimentos que trazem pessoas para expor suas opiniões. E não são opiniões imparciais, mas opiniões ideológicas. Não estamos aqui para discutir ideologia.”
Mas, para o relator da CPI, deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), os parlamentares envolvidos com a causa indígena é que ideologizam o tema da demarcação de terras indígenas e quilombolas.
“Não podemos discutir de forma ideológica uma produção de soja no Brasil, que sustenta a economia brasileira. Há uma falta de harmonia entre os ministérios e isso também se remete ao Incra e aos assentados brasileiros. Há mais de 88 milhões de hectares destinados aos assentados e a maioria não está sendo utilizada por assentados”, destacou Leitão.

O advogado Jeferson Rocha acredita que hoje as demarcações de terras indígenas e quilombolas, feitas pelo Poder Executivo, desrespeitam a Constituição. “A Constituição é muito clara em estabelecer princípios que devem ser respeitados. Um deles é a ocupação por determinado período de tempo e que, quando da promulgação da Carta em 5 de outubro de 1988, se verifique ali uma ocupação existente, com uma história na área. Em várias denúncias que nos foram encaminhadas, essa ocupação não existiu.”
Já o ex-professor da Escola Superior do Ministério Público Jacques Alfosin, defensor do direito original de indígenas, a atuação do Estado em favor desses povos é insuficiente. “O Estado trata o índio como se ele fosse branco. Para o índio, a terra não é mercadoria. O índio não envenena a terra. O índio não faz da terra objeto de lucro.”
Convites
Nilto Tatto e outros deputados de esquerda acusaram a direção da CPI de convidar apenas expositores favoráveis à causa ruralista para participar dos debates. “Para um bom funcionamento da CPI, temos que garantir que aqueles que defendem os indígenas, os quilombolas e os assentamentos também tenham o direito de participar do planejamento das oitivas”, defendeu Tatto.
Vice-presidente da comissão, o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), que presidiu parte da reunião, disse que a reclamação seria discutida administrativamente.
Reportagem – Noéli Nobre
Edição – Regina Céli Assumpção