Cientistas políticos apontam diferenças entre protestos dos anos 80 e de 2013
Passeatas encheram as ruas brasileiras na década de 1980 buscando eleições diretas para presidente da República. Em junho de 2013, manifestações inundaram várias cidades do País. O que esses movimentos têm de semelhança e diferença?
22/04/2014 - 13:27
Milhares de pessoas gritaram, em 1983 e 1984, e fizeram uma grande reivindicação: eleições diretas para presidente da República. Já em junho de 2013, milhares de pessoas levaram cartazes e soltaram suas vozes com diferentes demandas, como a diminuição de preço das tarifas de ônibus e críticas aos gastos da Copa do Mundo.
Quase 30 anos separam as reivindicações que fortaleceram a luta pela volta da redemocratização e as reivindicações por uma democracia mais plena. Para analistas, há pouca relação entre os manifestantes que se uniram a partir do ideal materializado na emenda Dante de Oliveira e as multidões em mais de 400 cidades do País exigindo melhores serviços públicos.
Na opinião do professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Associação Brasileira de Ciência Política, Leonardo Avritzer, a grande diferença entre os dois momentos foi a busca pela democracia de um e as reivindicações democráticas de outro.
“As Diretas Já influenciaram diretamente as manifestações de junho? Eu diria que não, no sentido que elas estão distantes no tempo e têm pautas muito diferenciadas. A questão das Diretas Já era restabelecimento da eleição direta para presidente. As manifestações de junho colocaram um conjunto de agendas que já fazem parte de demandas da cidadania de uma sociedade democrática”, disse Avritzer.
Partidos políticos
Para o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), não há como comparar as duas realidades. Ele afirma que a primeira diferença é a participação de partidos políticos nos atos.
“Os comícios para as Diretas Já mobilizam líderes políticos, partidos políticos, sindicatos, organizações da sociedade civil, etc. Então, eram muito pacíficos, não havia violência, e o objetivo era levantar consciência e pressão sobre o Congresso pelas Diretas Já. Em junho do ano passado, os movimentos proibiram os partidos, proibiram bandeiras de partidos, camisetas de partidos, proibiram sindicatos de participar”, afirmou Fleischer.
Outra grande diferença em 2013, segundo o cientista político, foi o aparecimento dos black blocs e da parte violenta das manifestações.
Juventude nas ruas
O consultor em marketing político Álvaro Lins coordenou uma das equipes responsáveis pelo marketing vitorioso de Fernando Collor de Mello nas eleições de 1989. Na opinião dele, os jovens que participaram das manifestações em junho buscaram seu espaço no discurso democrático, assim como milhares fizeram décadas antes deles, nas Diretas Já.
“O que eu sinto hoje, conversando com os jovens, é uma extrema curiosidade e uma ponta de inveja de não terem participado na luta contra a ditadura. Eu sinto que há um interesse em participar, em ter voz e ter vez. Então, das Diretas e passando por tudo que aconteceu no Brasil, como as manifestações de junho do ano passado, eu sinto na juventude um desejo de participação e de poder decidir além dos partidos políticos. Acho isso muito positivo”, disse Lins.
Violência
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, afirmou que as reivindicações dos anos 80 e de 2013 demonstram a necessidade de cobranças da população por melhorias democráticas. Para Alves, no entanto, a violência nas manifestações é a principal diferença entre os dois momentos, é o lado negativo dos protestos de 2013.
“Naquela época [das Diretas Já], você não via nenhuma violência de quem quer que seja, nem entre os manifestantes nem da polícia ao reprimir. Eram todos em uma comunhão de pensamento de uma profunda consciência política que deixava à margem qualquer coisa menor”, disse Alves.
“Hoje não, lamentavelmente, você vê que segmentos se infiltram nas manifestações ordeiras, pacíficas, corretas e fazem a baderna, a violência, o desrespeito e aí vêm os acontecimentos que entristecem e chocam todos nós”, afirmou.
Alves também criticou a dificuldade de encontrar as lideranças das manifestações de junho para discutir melhorias na gestão dos serviços públicos.
Para ele, a Câmara fez o seu papel ao aprovar propostas reivindicadas nas manifestações populares de 2013. Entre os temas aprovados, ele citou a destinação dos royalties do petróleo para os setores de educação (75%) e saúde (25%) - Lei 12.858/13; e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 90/11, que torna o transporte um direito social.
Reportagem – Tiago Miranda
Edição – Pierre Triboli