Política e Administração Pública

Íntegra do discurso do presidente do Congresso, José Sarney

02/02/2011 - 17:05  

ABERTURA DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA DA 54ª LEGISLATURA

Senhora Presidente Dilma Rousseff;
Senhor Presidente Cezar Peluzo;
Senhor Presidente Ricardo Lewandowski;
Senhoras Senadoras e Senhores Senadores;
Senhoras e Senhores Deputados Federais:
Iniciamos hoje uma nova Legislatura, a 54ª de nossa existência. Ontem apresentei os cumprimentos aos meus colegas de Senado, especialmente aos que estão assumindo pela primeira vez o mandato, e, agora, estendo a minha homenagem, também destacando os recém-chegados, a todas as Deputadas e todos os Deputados. Faço votos de que esta Legislatura seja marcada pelo sucesso, tanto pessoal quanto, sobretudo, da Instituição Parlamentar, que é fundamental para a vida do nosso País.
Abro a 1ª Sessão Legislativa da 54ª Legislatura. O Parlamento brasileiro iniciou seus trabalhos no Brasil em 1823, com a Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil. Os primeiros representantes brasileiros chegavam montados a cavalo, a pé ou em pequenas carruagens, mas com as mais empolgantes idéias. Algumas eram universais, e com elas discutia-se a liberdade de imprensa quando não existia a imprensa, discutiam-se os predicamentos da magistratura quando não tínhamos magistratura, deliberava-se que ninguém poderia ser preso senão em flagrante delito quando o canhão estava à porta. Liberdades: pessoal, religiosa, de indústria, de imprensa; juízo por jurados, igualdade perante a lei, igualdade no acesso aos cargos públicos, inviolabilidade da propriedade, direito e dever de resistência à opressão… em tudo um panorama das idéias constitucionalistas. É bom recordar que era um tempo de um rei absoluto, que governava em nome de Deus, sem limitações. Os brasileiros pensavam num Estado de leis e não de homens. Mas muitas idéias eram nossas, e com uma delas construímos um país diferente: a idéia da unidade nacional, de que éramos, e somos, um só país, irmanado num desejo de fraternidade e de superação das diferenças. No continente diferimos da América Espanhola por sermos uma construção que não foi feita em batalhas. Alcançamos nossas fronteiras que só pararam nos contrafortes dos Andes sem derramamento do sangue de brasileiros. Dentro da Constituinte, nascia a idéia de começar a lutar por este Brasil extraordinário, grandioso e continental.
Com a outorga da primeira Constituição, nos instalamos, em 1826, Câmara e Senado, e passamos a ser a instituição central do sistema político brasileiro. Desde então temos um Parlamento representando o povo, aberto e lutando pelas liberdades civis.
Sem Parlamento não há democracia, sem democracia não há liberdade, e sem liberdade o homem é apenas um sobrevivente. A força da democracia mede-se pela força de seu Parlamento.
O Parlamento foi fechado e dissolvido em 1823, 1889, 1891, 1930, 1937, 1968 e 1977. O Poder Executivo se manteve, durante todos estes anos, mas nem sempre ele pôde, legitimamente, se considerar um poder democrático. O Poder Legislativo, com todas as suas dificuldades e deficiências, nunca abandonou sua luta por um regime democrático. Nenhum poder sofreu mais no curso da nossa história.
Mesmo quando o Congresso foi suspenso, invadido, teve presos e cassados muitos de seus membros, nunca faltou um grupo de homens que aqui não ficasse, falando, conspirando ou lutando pela sua abertura, pela sua existência, sabendo que a sobrevivência do Parlamento era a sobrevivência da nossa própria Nação. Aos trancos e barrancos, com a consciência democrática e a inteligência de nossos antecessores, acalentamos o País que nascia em nossas mãos, e construímos uma Nação poderosa e um Estado democrático.
Sofremos ainda os efeitos da grave crise social e econômica provocada pelos mercados, no seu jogo financeiro sem freios ou regras morais. O Brasil sofreu menos que outros países com a crise, mas na sociedade globalizada os efeitos ainda se fazem sentir e os danos são permanentes. As crises não foram nossas, aqui aportaram pelos ventos do exterior, que nós detivemos.

Senhora Presidente, Senhores Presidentes, Senhoras e Senhores Parlamentares:
Assumo novamente as funções de Presidente do Congresso Nacional. Tenho consciência de minha responsabilidade com o momento e com as instituições.
São características de nosso tempo as profundas transformações tecnológicas. Tenho tido, ao longo da minha vida, o desejo de manter-me permanentemente em estado de renovação e atento às novas idéias. Velho, mas moço, buscando sempre estar atualizado com o meu tempo e com os problemas do futuro. Com a informação em tempo real, a legitimidade de representação adquirida nas eleições tende a se diluir rapidamente, e precisa ser constantemente renovada. A reforma política, e, sobretudo, a reforma de nosso sistema eleitoral, já reclamada por alguns políticos desde a década de 1960, precisa ser feita com urgência, e, já agora, encontrar fórmulas de legitimação permanente da representatividade.
Já disse que a opinião pública, com poder político agregado, passou a ser um interlocutor direto da sociedade democrática. Formada pelos novos instrumentos da informática, que podem fazer com que todos, ao mesmo tempo e na mesma hora, possam julgar os fatos e os homens, é também o mundo da sociedade organizada em milhares de associações que conferem legitimidade para falar em nome do povo e de segmentos importantes da sociedade. Vivemos não num mundo em transformação, mas transformado. Ou nos integramos a ele ou seremos destruídos.
Faço aqui mais uma vez minha profissão de fé de que não podemos protelar a reforma do sistema eleitoral, com o fim do voto proporcional que é responsável pela desintegração dos partidos, que impede a formação de homens públicos, programas e ideias.
Enfrentemos as reformas, política, eleitoral, tributária, vamos concluir a reforma judiciária e tomar as medidas que ajudem a erradicar a pobreza e a miséria.
Também precisamos resolver o grave problema das Medidas Provisórias. Seu rito de tramitação transformou-se numa armadilha que perturba o funcionamento das instituições, sobretudo das nossas Casas Legislativas. Por minha iniciativa, o Senado elaborou e aprovou projeto de lei de reforma do modelo das Medidas Provisórias que aguarda votação na Câmara dos Deputados. É uma de nossas mais urgentes tarefas fixar um sistema em que o alcance das Medidas Provisórias seja reduzido, ao mesmo tempo em que transferimos ao Poder Executivo atribuições administrativas que devem ser de sua competência exclusiva.
Temos aí a oportunidade e a necessidade de restabelecer a plenitude das funções do Parlamento e não usurpar atribuições do Poder Executivo.

Senhora Presidente, Senhores Presidentes, Senhoras e Senhores Parlamentares:
Volto a repetir aqui que o nosso trabalho exige a sedimentação de uma profunda consciência moral de nossas responsabilidades e a obstinada decisão que devemos ter cada um de não cometer erros, de jamais aceitar qualquer arranhão nos procedimentos éticos que vem nortear a nossa conduta.
Enquanto nos outros Poderes as decisões são objeto de uma transparência relativa, nossos trabalhos sempre se realizam em público, à luz do exame e do escrutínio do eleitor. Não temos lições de transparências a receber, mas podemos e devemos agir para que desapareçam quaisquer sombras que porventura levem a desconfianças com o Parlamento.
Sempre tivemos o cuidado de exercer a harmonia dos Poderes. Nunca atritamos com os Poderes Executivo e Judiciário. Mas temos o dever de agir com a independência que nos exige a Constituição. Exerçamos, portanto, o nosso papel de independência e de harmonia entre os Poderes.
Seremos intransigentes e inarredáveis na defesa das prerrogativas e da autonomia de nosso Parlamento, expressão da soberania do povo e do sistema democrático como Casas de renovação, transparência, ética, visão do bem-estar e da justiça social.
Há vinte e cinco anos, desde que Tancredo Neves lançou a Nova República, a democracia no Brasil se consolida e cada vez mais se aprofunda. Ao mesmo tempo em que iniciamos a 54ª Legislatura, no Poder Executivo acabou de iniciar seu mandato a Presidente Dilma Rousseff. Receber Vossa Excelência, Presidente, aqui no Congresso Nacional, trazendo pessoalmente a Mensagem Presidencial, é para nós uma honra e uma demonstração do respeito que tem por nossa Instituição.
O período de governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva constituiu-se em marco histórico pela ascensão ao poder da única classe social que ainda não o havia exercido, e pelo exercício modelar de seu mandato, sereno, equilibrado e bem sucedido. Com a Presidente Dilma Rousseff damos mais um passo democrático, confiando a Chefia do Estado e do Governo a uma mulher, representante de gênero que é maioria populacional, mas que foi sempre tratado com condescendência e desigualdade nas relações de poder. Abre-se, assim, um período de grandes e positivas expectativas para o País. A Presidente Dilma Rousseff traz uma grande experiência política e administrativa, tendo sido a principal colaboradora do Presidente Lula, revelando, no exercício de suas funções, as qualidades de eficiência e dedicação à causa pública que são reconhecidas em todo o País e no exterior. A opinião pública confirma com sua aprovação o acerto de seu trabalho neste primeiro mês de seu governo. O Congresso Nacional prestará sua colaboração, preservada a sua independência, mas na harmonia dos Poderes, nas medidas legislativas necessárias ao trabalho do Poder Executivo e à busca constante da justiça e do bem estar social.
Presto minha homenagem, na figura do Ministro Cezar Peluso, ao Poder Judiciário. Nós, representantes do povo, entregamos ao Supremo Tribunal Federal a tarefa de guardião da Constituição. Nesta missão elevada, ele terá sempre o nosso respeito e o nosso acatamento, pois sabemos que vai exercê-la em favor do povo brasileiro. A prestação da Justiça é a mais antiga função do governo, desde que ele se instaurou na sociedade humana. Foi sobre ela que se instituíram as sociedades modernas, e sem ela a democracia seria impossível. Também ao Ministro Cezar Peluzo devo dizer que no Congresso Nacional faremos tudo que for necessário para uma convivência harmoniosa do Poder Legislativo com o Poder Judiciário, bastiões necessários da democracia.
As reformas política e eleitoral são urgentes, entre outros fatores, para evitar a judicialização da política, provocada pela confusão e ineficiência de nossos sistemas político e eleitoral, que levam inevitavelmente ao recurso aos tribunais, o que não é bom para a Justiça nem para a democracia. Ressalto a absoluta isenção com que tem agido o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. Este, presidido pelo Ministro Ricardo Lewandowski, tem sofrido uma pressão excessiva sobre suas importantes funções, tendo que decidir sobre problemas que jamais deveriam ser levados ao seu exame, e sido exemplar na sua prestação jurisdicional. As últimas eleições foram feitas com impecável rapidez e integridade, sob sua grande presidência.
Cumprimento também o Deputado Marco Maia, eleito ontem para comandar a Câmara dos Deputados, e que revelou, como Vice-Presidente dessa Casa e do Congresso Nacional durante os últimos dois anos, suas qualidades pessoais e políticas, capacidade de trabalho e articulação, que muito contribuíram para o sucesso dos trabalhos parlamentares. Vamos trabalhar juntos em nossas ações, para o prestígio e a eficiência do Parlamento.
Eu quero finalizar essas palavras agradecendo às autoridades aqui presentes e, uma vez mais, desejando às Senhoras Deputadas e aos Senhores Deputados, às Senhoras Senadoras e aos Senhores Senadores muitas felicidades.
Na continuidade dos períodos sucessivos do sistema representativo, a democracia brasileira cada vez mais se engrandece, se afirma e serve a liberdade e ao povo brasileiro.
Está aberta a 54a Legislatura do Brasil.

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