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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ |
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Sessão: 031.3.55.O |
Hora: 14:14 |
Fase: BC |
Orador: YEDA CRUSIUS, PSDB-RS |
Data: 15/03/2017 |
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A SRA. YEDA CRUSIUS (PSDB-RS. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, a questão mais presente no cotidiano das pessoas, Brasil afora, em cada cidade, em cada comunidade, diz respeito à segurança pública. E isso não é diferente no meu Estado do Rio Grande do Sul.
Nós estamos em pleno mês da mulher. O que os indicadores de criminalidade e de violência têm refletido é algo que não pertence ao mundo civilizado. É um retrocesso, é uma barbárie o que nós estamos vendo em relação à segurança pública.
As pessoas, em cada cidade, até se perguntam: "Há Estado? Não há Estado? O que fazer? O que não fazer?" No entanto, após três mandatos parlamentares nesta Casa - este é o meu quarto mandato parlamentar -, eu tive a oportunidade de aplicar tudo o que eu pensava, como pessoa, como legisladora e como economista, num Estado como o Rio Grande do Sul durante os 4 anos à frente do Governo Estadual.
A minha prioridade, já no segundo mês de Governo, foi colocar a público algo para honrar André Franco Montoro, dizendo que o que se pode deixar o Município fazer, deve-se deixá-lo fazer. O que de mais importante o Município tem do que cuidar da sua segurança pública? Então, nós criamos o Programa de Prevenção da Violência.
Quero aqui deixar registradas, e vou dar como lido um relato sobre esse tema, questões relativas à municipalização e à descentralização das políticas públicas. Eu tive a oportunidade de aplicá-las, além da teoria, na prática e, já honrando o centenário de André Franco Montoro, eu pude colher um resultado. Pela primeira vez, em 50 anos, no Estado do Rio Grande do Sul, com o Programa de Prevenção da Violência, o resultado colhido foi a redução no número de homicídios. Estão aí as estatísticas, que são oficiais. Não é a Governadora que está falando, não é a Deputada, não é aquela que quer honrar André Franco Montoro, e sim alguém que teve a possibilidade de aplicar um programa - no âmbito do Município, selecionado o Município a partir do Mapa da Violência - nos 50 bairros mais violentos do Estado, com investimentos na área social, na área de habitação, na área de segurança, além da inserção dos jovens desses bairros mais pobres e violentos em políticas sociais. Todos aqueles que quiseram, voluntariamente, participaram do Programa de Prevenção da Violência.
(Desligamento automático do microfone.)
A SRA. YEDA CRUSIUS - Sr. Presidente, o tema é candente e há registros não apenas no meu Estado, aquele que eu pude governar, porque, quando se faz uma política descentralizada e ela é colocada como prioridade, o resultado aparece.
Reduzir o número de homicídios com políticas baseadas num programa municipalizado de prevenção à violência é o registro que devo levar ao Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Osmar Serraglio, para que, na sua proposição de fazer um programa em âmbito federal, não se esqueça: quanto mais Municípios puderem se associar a esse programa federal melhor pode ser o resultado.
Sr. Presidente, peço a V.Exa. que considere como lido este meu pronunciamento, citando algo que o liga àquilo que devemos reformar no País, que é uma Federação. Podemos dizer que a Federação está torta, e a Federação está torta pela imensa concentração de tudo no Governo Federal.
A reforma tributária é...
(Desligamento automático do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Hildo Rocha) - Muito obrigado, nobre Deputada Yeda Crusius.
PRONUNCIAMENTO ENCAMINHADO PELA ORADORA |
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, retornando a esta Casa para meu quarto mandato, ocupo hoje esta tribuna para reafirmar meu total compromisso com a defesa da permanente evolução da nossa democracia. Para isso, honrando sempre o legado de André Franco Montoro, é fundamental defender o fortalecimento dos Municípios, de modo a privilegiar um modelo de Federação em que os cidadãos participem mais efetivamente no delineamento das políticas públicas nas suas comunidades e no País.
Com o seu legado de homem público, Montoro trabalhou incansavelmente pela integração entre os povos da América Latina, um de seus maiores objetivos, plenamente articulada com a valorização das comunidades locais, com a compreensão da diversidade e do respeito devido aos seres humanos. No nosso caminho comum, Montoro privilegiou-me com a Presidência da ULAM - União Latino-Americana de Mulheres, através da qual muitos temas ligados à vida cotidiana das comunidades da América Latina se comunicavam, com experiências exitosas em todas as áreas sociais. De sua experiência como Parlamentar Estadual e como Governador de São Paulo, Senador e Deputado Federal, muito aprendemos, ele sempre referência de democrata, gestor e político.
No Estado Democrático de Direito, a harmonia e o respeito entre os Poderes é fundamental. Nesta época conturbada que vivemos, a lembrança do grande homem público ilumina a todos.
Nós, como representantes democraticamente eleitos desse mesmo povo, que é o motivo de ser da democracia, temos o dever de entender e corresponder às expectativas daqueles que nos confiaram a missão de legislar, com vistas à promoção contínua do bem-estar social.
A reflexão que ora proponho adquire relevância quando se discutem as reformas trabalhista, previdenciária e tributária, a principal agenda do Governo Federal pós-impeachment, como caminho para tirar o País da maior crise econômica, moral e ética que infelizmente se registra nos últimos anos.
Nesse contexto, faz-se mister que a reforma de que necessita o sistema tributário nacional de fato seja capaz de garantir aos Municípios, de modo justo, os recursos financeiros de que necessitam para uma oferta adequada de serviços públicos locais. No entanto, a par da descentralização financeira, precisamos buscar também a descentralização de responsabilidades, uma vez que é no âmbito municipal que melhor se identificam, de forma direta e com mais precisão, os verdadeiros anseios da população.
No bojo da discussão da reforma tributária, além de atender às demandas do cidadão, precisamos oferecer-lhes meios de participar mais diretamente dos debates e das decisões. Acredito que a descentralização dos recursos e das responsabilidades, associada a uma maior participação popular, conduziria nossa Federação a um modelo mais equilibrado, com uma oferta de serviços públicos mais adequada, acompanhada de um senso de participação e responsabilidade.
Nossa legislação deve refletir esse propósito. Nesse sentido, quero registrar nos Anais da Casa o artigo Parece, mas não é, de Fernão Lara Mesquita, publicado no jornal O Estado de S.Paulo neste mês, ele mesmo responsável pelo importante blog denominado Vespeiro, da mais alta qualidade. Nesse artigo, Fernão Lara Mesquita aponta para o binômio Federação-democracia direta de modo distintamente consistente, como necessitamos e é possível conquistar.
Nosso percurso histórico nacional marcou-se pela alternância entre períodos de menor e de maior descentralização política e fiscal. A Constituição de 1988, batizada de Constituição Cidadã, veio instaurar uma nova etapa do federalismo brasileiro, conferindo aos entes subnacionais maior autonomia política. Nesse contexto, para que possa haver equilíbrio federativo, as audiências públicas, as consultas populares, as leis de iniciativa popular e a Comissão de Legislação Participativa são fundamentais. Mas podemos avançar.
Sobre esse tema, trago para nossa reflexão trecho de excelente texto elaborado pelo colega Celso Lafer, em homenagem ao centenário do arguto político brasileiro Franco Montoro: "Para ele, o objetivo da política era construir e preservar uma ordem de composição dos conflitos, asseguradora da convivência e da coesão social. Por isso, a metáfora de homem público que melhor se ajusta ao que foi a sua maneira de pensar e de agir é a do tecelão - um tecelão empenhado em desenvolver e manter a integridade do tecido sócio-político-econômico do Brasil. Para ele, esse tecido requer incorporar fios de diversas procedências, importantes para a tessitura de uma mescla compatível com o bem comum da realidade brasileira. Daí o seu não sectarismo, a sua abertura à cooperação e ao diálogo e, desse modo, à sua capacidade de atribuir tarefas, delegar responsabilidades e agregar talentos, abrindo espaço para gente nova. Foram essas características de sua personalidade que fizeram de seu governo em São Paulo uma grande escola de formação de quadros e lideranças e exemplo republicano de cidadania".
Não apenas com teorias e reformas se faz a mudança necessária na política atual, que tanto tem levado às ruas milhões de brasileiros a exigir essa mudança. As práticas políticas podem e devem mostrar o que fazer e em que direção. Afirmo isso porque, guindada pelo voto popular a Governadora do Estado do Rio Grande do Sul no período de 2007 a 2010, depois de três mandatos como Deputada Federal, pude colocar em prática ações que confirmaram que o bom uso do dinheiro público, feito através de políticas descentralizadas no âmbito do Município e com consulta popular, é capaz de gerar os maiores e melhores resultados.
Quero aqui citar, em especial, quatro programas inovadores que permitiram reverter a tendência que o Estado apresentava de nos últimos 40 anos gerar resultados sequenciais negativos nas áreas econômica e social.
O primeiro deles foi o Plano de Reestruturação do Estado, a partir do qual revertemos os déficits contínuos desses 40 anos e conquistamos, em 2 anos, o déficit zero. Dessa forma, os investimentos passaram a resultar em crescimento econômico e melhoria dos indicadores sociais.
O segundo foi o Programa de Prevenção da Violência - PPV, o qual pretendo levar como registro da reversão das estatísticas de homicídios no Estado ao Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Osmar Serraglio. Por meio desse programa, selecionamos os 50 bairros dos Municípios com maiores índices de violência, segundo dados do Mapa da Violência referentes ao Rio Grande do Sul, e aqueles Municípios que de modo voluntário aderiram ao programa, recebendo dezenas de investimentos nas áreas econômicas e sociais, o que nos permitiu, pela primeira vez em 50 anos, reduzir o número de homicídios.
O terceiro programa foi o de valorização da Consulta Popular, fruto do planejamento no âmbito das regiões, através da qual as comunidades foram consultadas e votaram sobre quais investimentos consideravam prioritários, tendo o orçamento garantido no Orçamento Geral do Estado.
O quarto programa foi o Projeto Piloto para Alfabetização de Crianças com Seis Anos, criado após a mudança da idade para acesso ao ensino fundamental, conforme a lei passou a exigir. Com parcerias firmadas com três ONGs, que tratam com distintos métodos a alfabetização, e a partir da decisão voluntária de escolas com a escolha do método desejado, conquistamos a reversão dos indicadores de educação, como mostraram os institutos que avaliam o ensino.
Com o respeito à decisão das comunidades de participarem ativamente dos programas, os resultados honraram as políticas sociais descentralizadas no âmbito do Município.
Urge, sim, debater e promover reformas em nosso País, para voltarmos a gerar emprego e renda, para fortalecermos nossa economia e nossas instituições, para experimentarmos uma democracia de verdade, com maior nível de bem-estar social. Para tanto, assim como o saudoso Franco Montoro defendia, devemos seguir e fazer valer, incansavelmente, o clamor do povo, incentivando a cooperação e o diálogo, num modelo pluralista e democrático de Federação.
Esta é a orientação prioritária que pretendo dar ao meu retorno a esta Casa: ressaltar a importância do cidadão nos processos decisórios que delineiam as políticas públicas do País e instigar os nobres colegas a permanecerem sensíveis a essa questão.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigada.`
ARTIGO A QUE SE REFERE A ORADORA |
Parece, mas não é
Fernão Lara Mesquita
Toda lei de alcance nacional é intrinsecamente antidemocrática
Mais um dos nós cegos que amarram a vida brasileira está prestes a ser atado pela trajetória dessa "lei de iniciativa popular" do Ministério Público que surfou a onda da luta contra a corrupção.
Nem entro no mérito das "10 Medidas". Tudo está errado nessa história, a começar pela figura deformada de lei de iniciativa popular enfiada de última hora na Constituição de 88. Ferramentas de "democracia semidireta" como essa são uma inovação suíça dos meados do século 19 que foi incorporada à democracia americana na virada para o 20. Pouco menos de cem anos depois da inauguração do "governo do povo, pelo povo e para o povo", em 1787, a excessiva "blindagem" dos representantes eleitos arquitetada pelos "Fundadores" tinha se revelado um trágico equívoco. Com mandatos garantidos até à eleição seguinte, como continuam sendo no Brasil, políticos corruptos estavam à vontade para se mancomunar com empresários corruptos e se locupletar impunemente, o que reduziu o sistema a uma ditadura de uma minoria articulada para explorar o povo.
Nada disso! A obra da sociedade é que precisava de garantias de estabilidade! E para obtê-la era preciso quebrar a dos representantes eleitos, que a comprometia, sem, no entanto, enfraquecer o "governo de representação". As leis de iniciativa popular foram o primeiro instrumento da reforma permanente que começou ali e prossegue ininterrupta até hoje. Foi com elas que se instituíram, em etapas sucessivas, os complementos do "referendo" das leis dos Legislativos e do "recall" dos mandatos dos representantes, que inclui os de todos os funcionários que prestam serviços diretos ao público e, para isso mesmo, são eleitos por ele, e não nomeados por políticos.
O pressuposto dessas três ferramentas é, no entanto, o estrito respeito ao princípio federalista. Uma organização democrática - a prerrogativa de decidir, entre iguais, quem vai fazer o que por ordem de quem - era um imperativo de sobrevivência para comunidades isoladas em territórios hostis longe das autoridades dos países de origem. Foi a mesma que funcionou por 300 anos no Brasil Colônia das Câmaras Municipais. O federalismo apenas institucionaliza a lógica da necessidade e consagra a sequência histórica desse segundo renascimento da democracia no "Novo Mundo". Se o povo é a única fonte de legitimação das instituições republicanas, tudo o que envolver um só município - educação, segurança, normas de convivência, etc. - deve ser decidido (e bancado) por ele mesmo e só o que envolver mais de um município deve ser decidido (e bancado) pelo poder estadual. Nos EUA independentes essas unidades políticas e geográficas originais só concordaram em aderir a um ente nacional abstrato se os poderes dele ficassem restritos à defesa do território e da moeda nacionais e ao estabelecimento de relações internacionais, pois tudo contra o que se lutava, lá e nas "Vilas Ricas" do Brasil, era um poder centralizado colhendo, à distância, impostos abusivos e mandando despoticamente em gente diferente com necessidades diferentes apenas para sustentar seus privilégios.
Toda lei "nacional" fora desse escopo restrito é, portanto, intrinsecamente antidemocrática. Quanto à regra de maioria, ela é a menos ruim porque todas as alternativas são piores. Mas também as maiorias são tanto mais democráticas quanto menores forem os pedaços em que a massa dos eleitores for pulverizada. As ferramentas de "democracia semidireta" só se aplicam aos âmbitos municipal e estadual e num contexto de eleição distrital pura, não só por essa razão, mas também porque só esse sistema define quem exatamente é representante de quem e permite processos de cobrança e substituição perfeitamente legítimos. Qualquer cidadão pode iniciar uma petição de "recall", propor uma nova lei ou convocar o "referendo" de uma lei baixada pelo Legislativo. Mas é preciso colher entre 5% e 7% (dependendo do município) das assinaturas dos eleitores do funcionário ou representante visado ou do eleitorado afetado pela lei proposta ou desafiada. Conferidas as assinaturas pelo secretário de Estado municipal ou estadual, função que existe especificamente para supervisionar a legitimação desses processos, fica a petição qualificada para ser submetida a um "sim" ou "não" de todos os eleitores daquele funcionário ou representante numa votação especial, no caso de "recall", ou mediante a impressão da lei proposta ou desafiada na cédula da próxima eleição majoritária para aprovação ou rejeição de todos os eleitores do Estado ou município afetados por ela. Na de novembro passado, a média nacional de propostas do gênero nas cédulas nos EUA foi de 62.
Os Legislativos são, portanto, meros "pacientes" desses processos. Não podem alterar o que é decidido de forma tão transparente e inclusiva. O Judiciário pode, em alguns casos, interferir. Mas para desencorajar desvios há eleições de confirmação (ou não) também dos juízes de cada comarca a cada quatro anos. No âmbito federal há só processos indiretos de "impeachment", que rarissimamente chegam a ser aplicados, pois o sistema vai sendo permanentemente higienizado ao longo do caminho.
Tendo recomendado reiteradamente a "democracia semidireta" adotada com variações em todo o mundo que funciona, chamo a atenção, agora, para as falsificações presentes em todas as ditaduras disfarçadas. Nossa lei torta, aberta apenas à iniciativa de corporações e fechada aos cidadãos comuns, pode, com muito boa vontade, ser considerada como uma brecha num sistema hermético que pode eventualmente ser usada para o bem. Mas dar a um indivíduo no STF o poder de fixar o precedente de que bastam umas tantas assinaturas para substituir 140 milhões de eleitores e impor leis intocáveis a todo o País terá o mesmo efeito do que tentou fazer o PT quando quis substituir o conjunto do eleitorado pelos seus "movimentos sociais" amestrados: será o tiro de misericórdia na esperança de uma democracia no Brasil.