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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ |
Sem redação final |
Sessão: 300.1.55.O |
Hora: 13:34 |
Fase: BC |
Orador: CHICO ALENCAR, PSOL-RJ |
Data: 07/10/2015 |
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Manato) - Com a palavra o nobre Deputado Chico Alencar, do PSOL do Rio de Janeiro.
O SR. CHICO ALENCAR (PSOL-RJ. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, quero registrar nos Anais da Casa e divulgar nos meios de comunicação da Câmara dos Deputadosdois pronunciamentos.
Um trata da luta dos educadores, notadamente do ensino superior.
Algumas universidades, ainda em greve, querem diálogo com o Ministério da Educação e não spray paralisante ou cassetete, como ocorreu ao final da concentração de segunda-feira. Querem diálogo. O novo Ministro, Mercadante, que, na verdade, nunca deixou inteiramente a estrutura do MEC, tem de estar aberto a essas demandas que visam a melhoria da qualidade do nosso ensino público superior.
O outro registro é da leitura que fiz da Carta Encíclica sobre o cuidado da casa comum, elaborada pelo Papa Francisco em maio de 2015. Trata-se de um documento inédito, alentador, com sensibilidade social muito grande para que o planeta sobreviva e a ganância seja contida.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Manato) - Eu que agradeço, nobre Deputado.
PRONUNCIAMENTOS ENCAMINHADOS PELO ORADOR |
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, todos que assistem a esta sessão ou nela trabalham, dia 5 de outubro, houve um ato de professores e estudantes em frente ao Ministério da Educação, para marcar o Dia Nacional de Luta e Mobilização em Defesa da Educação Pública. O atofoi organizado pelo Comando Nacional de Greve dos docentes federais do ANDES-SN — Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, para marcar a data em que deveria acontecer a reunião entre o CNG e o Ministro da Educação.
Enquanto se preparavam para deixar o local, os participantes foram encurralados por policiaise agredidos com cassetetes e spray de pimenta. Um estudante foi detido, acusado de pichação e, segundo relatos, encaminhado à sede da Polícia Federal.
A repressão violenta por parte da Polícia tem se tornado prática cotidiana. Quase todos os atos realizados são, hoje, duramente reprimidos com o uso de spray de pimenta e cassetetes. É inaceitável agir de maneira violenta e agressiva com cidadãos que exigem o que está expresso em nossa Constituição e o que se pressupõe em um Estado Democrático de Direito: educação plena a todos.
Os docentes já estão há mais de 4 meses em greve e lutam em defesa do caráter público da Universidade e contra os cortes no orçamento da Educação, sem resposta objetiva ou reunião séria para debater suas pautas.
Durante todo o dia, diversas atividades ocorreram no ato em frente ao MEC. Entre elas, a palestra Educação,OrçamentoDívida Pública,de Maria Lúcia Fattorelli, da Auditoria Cidadãda Dívida — que recentemente participou do processo de auditoria da dívida da Grécia — e sobre os Institutos Federais de Ensino, com o Prof. Valério Arcary, do Instituto Federal de Educação, de São Paulo.
A luta segue e nos solidarizamos a ela.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados e todos que assistem a esta sessão ou nela trabalham, registro nos Anais da Câmara trechos da Carta Encíclica Laudato Si: sobre o cuidado da casa comum, de maio de 2015, elaborada pelo Papa Francisco. Trata-se de um documento inédito, fundado em uma espiritualidade encarnada, que não tem medo da vida, muito ao contrário, quer louvá-la, protegê-la, fecundá-la, transformá-la.
Quem Somos.
O ser humano é espírito e vontade, mas é também natureza.
É nossa humilde convicção que o divino e o humano se encontram no menor detalhe da túnica inconsútil da criação de Deus, mesmo no último grão de poeira do nosso planeta.
O ser humano também é uma criatura deste mundo, que tem direito a viver e ser feliz e, além disso, possui uma dignidade especial.
A Bíblia ensina que cada ser humano é criado por amor, feito à imagem e semelhança de Deus. Como é maravilhosa a certeza de que a vida de cada pessoa não se perde num caos desesperador, num mundo regido pelo puro acaso ou por ciclos que se repetem sem sentido! O Criador pode dizer a cada um de nós: Antes de formar-te no seio de tua mãe, eu játe conhecia (Jr 1,5). Cada um de nós é o fruto de um pensamento de Deus. Cada um de nós é querido, cada um de nós é amado, cada um é necessário (Bento XVI — homilia pelo Ministério Petrino, 2005).
As diferentes criaturas, queridas pelo seu próprio ser, refletem, cada qual a seu modo, uma centelha da sabedoria e da bondade infinitas de Deus.
O fim último das restantes criaturas não somos nós. Mas todas avançam, juntamente conosco e através de nós, para a meta comum, que é Deus, numa plenitude transcendente onde Cristo ressuscitado tudo abraça e ilumina.
Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus.
A história da própria amizade com Deus desenrola-se sempre num espaço geográfico que se torna um sinal muito pessoal, e cada um de nós guarda na memória lugares cuja lembrança nos faz muito bem.
Tudo está relacionado, e todos nós, seres humanos, caminhamos juntos como irmãos e irmãs numa peregrinação maravilhosa, entrelaçados pelo amor que Deus tem a cada uma das suas criaturas e que nos une também, com terna afeição, ao irmão sol, à irmã lua, ao irmão rio e à mãe terra.
Pecado é a ruptura das relações vitais com Deus, com o próximo e com a terra.
O ser humano não é plenamente autônomo. A sua liberdade adoece quando se entrega às forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo, da violência brutal.
Aprender a aceitar o próprio corpo, a cuidar dele e a respeitar os seus significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana.
Tempos Modernos e... Superficiais:
Cada época tende a desenvolver uma reduzida autoconsciência dos próprios limites.
A humanidade mudou profundamente, e o avolumar-se de constantes novidades consagra uma fugacidade que nos arrasta à superfície numa única direção. Torna-se difícil parar para recuperarmos a profundidade da vida. Não nos resignemos a isto nem renunciemos a perguntar-nos pelos fins e o sentido de tudo. Caso contrário, apenas legitimaremos o estado de fato e precisaremos de mais sucedâneos para suportar o vazio.
Se o ser humano se declara autônomo da realidade e se constitui dominador absoluto, desmorona-se a própria base da sua existência, porque em vez de realizar o seu papel de colaborador de Deus na obra da criação, o homem substitui-se a Deus, e deste modo acaba por provocar a revolta da natureza (João Paulo II, 1991).
A abertura a um tucapaz de conhecer, amar e dialogar continua a ser a grande nobreza da pessoa humana. Não se pode propor uma relação com o ambiente, prescindindo da relação com as outras pessoas e com Deus.
O próprio cristianismo, mantendo-se fiel à sua identidade e ao tesouro de verdade que recebeu de Jesus Cristo, não cessa de se repensar e reformular em diálogo com as novas situações históricas, deixando desabrochar assim a sua eterna novidade.
A cultura do relativismo é a mesma patologia que impele uma pessoa a aproveitar-se de outra e a tratá-la como mero objeto, trabalhos forçados, à escravidão, à exploração sexual das crianças, abandono dos idosos. Deixemos que as forças invisíveis do mercado regulem a economia, porque os seus efeitos sobre a sociedade e a natureza são danos inevitáveis. É a mesma lógica do usa e joga fora que produz tantos resíduos, sópelo desejo desordenado de consumir mais do que realmente se tem necessidade.
Com que finalidade passamos por este mundo? Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade tem de nós a Terra?
Somos nós os primeiros interessados em deixar um planeta habitável para a humanidade que nos vai suceder. Trata-se de um drama para nós mesmos, porque isto questiona o significado da nossa passagem por esta Terra.
O Pobre de Assis:
Francisco é o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade. Manifestou uma atenção particular pela criação de Deus e pelos mais pobres e abandonados. Amava e era amado pela sua alegria, sua dedicação generosa, seu coração universal. Era um místico e um peregrino que vivia com simplicidade e numa maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a natureza e consigo mesmo.
Tal como acontece a uma pessoa quando se enamora por outra, a reação de Francisco, sempre que olhava o sol, a lua ou os minúsculos animais, era cantar, envolvendo no seu louvor todas as outras criaturas. Qualquer criatura era uma irmã, unida a ele por laços de carinho. Por isso, sentia-se chamado a cuidar de tudo o que existe. Enchendo-se da maior ternura ao considerar a origem comum de todas as coisas, dava a todas as criaturas – por mais desprezíveis que parecessem — o doce nome de irmãos e irmãs (Legenda Maior,Fonti Francescane, 1145).
A pobreza e a austeridade de São Francisco não eram simplesmente um ascetismo exterior, mas algo de mais radical: uma renúncia a fazer da realidade um mero objeto de uso e domínio.
Francisco pedia que, no convento, se deixasse sempre uma parte do horto por cultivar para aí crescerem as ervas silvestres, a fim de que, quem as admirasse, pudesse elevar o seu pensamento a Deus, autor de tanta beleza.mundo éalgo mais do que um problema a resolver; é um mistério gozoso que contemplamos na alegria e no louvor.
Criaturas limitadas que somos, a relação originariamente harmoniosa entre o ser humano e a natureza transformou-se num conflito. Através da reconciliação universal com todas as criaturas, Francisco voltou de alguma forma ao estado de inocência original.
Presente Sombrio, Futuro Incerto:
Somos herdeiros de dois séculos de ondas enormes de mudanças: a máquina a vapor, a ferrovia, o telégrafo, a eletricidade, o automóvel, o avião, as indústrias químicas, a medicina moderna, a informática e, mais recentemente, a revolução digital, a robótica, as biotecnologias e as nanotecnologias.
Nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma, e nada garante que o utilizará bem, sobretudo se considera a maneira como o está fazendo.
Às próximas gerações, poderíamos deixar demasiadas ruínas, desertos e lixo. O estilo de vida atual — por ser insustentável — só pode desembocar em catástrofes, como, aliás, já está acontecendo periodicamente em várias regiões.
O homem e a mulher deste mundo pós-moderno correm o risco permanente de se tornarem profundamente individualistas. Muitos problemas sociais de hoje estão relacionados com a busca egoísta de uma satisfação imediata, com as crises dos laços familiares e sociais, com as dificuldades em reconhecer o outro.
Quando as pessoas se tornam autorreferenciais e se isolam na própria consciência, aumentam a sua voracidade: quanto mais vazio está o coração da pessoa, tanto mais necessita de objetos para comprar, possuir e consumir. A obsessão por um estilo de vida consumista, sobretudo quando poucos têm possibilidades de o manter, só poderá provocar violência e destruição recíproca.
Não há sistemas que anulem, por completo, a abertura ao bem, à verdade e à beleza, nem a capacidade de reagir que Deus continua a animar no mais fundo dos nossos corações.
Enquanto a humanidade do período pós-industrial talvez fique lembrada como uma das mais irresponsáveis da história, espera-se que a humanidade dos inícios do século XXI possa ser recordada por ter assumido com generosidade as suas graves responsabilidades.
Como nunca antes na história, o destino comum obriga-nos a procurar um novo início (...). Que o nosso seja um tempo que se recorde pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pela firme resolução de alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta em prol da justiça e da paz e pela jubilosa celebração da vida (Carta da Terra, 2000).
Quando somos capazes de superar o individualismo, pode-se realmente desenvolver um estilo de vida alternativo e torna-se possível uma mudança relevante na sociedade.
Prestar atenção à beleza e amá-la ajuda-nos a sair do pragmatismo utilitarista. Quando não se aprende a parar a fim de admirar e apreciar o que é belo, não surpreende que tudo se transforme em objeto de uso e abuso sem escrúpulos.
A consciência amorosa nos ensina a não estar separado das outras criaturas, mas de formar com os outros seres do universo uma estupenda comunhão universal. Cada criatura reflete algo de Deus e tem uma mensagem para nos transmitir. Ou a certeza de que Cristo assumiu em Si mesmo este mundo material e agora, ressuscitado, habita no íntimo de cada ser, envolvendo-o com o seu carinho e penetrando-o com a sua luz.
O Cuidado Bíblico:
Acusação lançada contra o pensamento judaico-cristão apresenta uma imagem do ser humano como dominador e devastador. Decididamente rejeitamos que, do fato de ser criados àimagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas. Cultivar e guardar o jardim do mundo: guardar significa proteger, cuidar, preservar, velar.
Cada comunidade pode tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de a proteger e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras. Do Senhor é a terra, a Ele pertence a terra e tudo o que nela existe (Dt10, 14).
Deus proíbe-nos toda a pretensão de posse absoluta. Se vires o jumento do teu irmão ou o seu boi caídos no caminho, não te desviará deles. Ajuda teu irmão a levantá-lo. (...) Se encontrares no caminho, sobre uma árvore ou na terra, um ninho de passarinho e a mãe junto dos filhotes, ou chocando os ovos, não apanhes a mãe com os filhotes (Dt22, 4.6). A Bíblia não dá lugar a um antropocentrismo despótico.
Fé e Ciência:
A ciência e a religião, que fornecem diferentes abordagens da realidade, podem entrar num diálogo intenso e frutuoso para ambas. As soluções não podem vir de uma única maneira de interpretar e transformar a realidade.
É necessário recorrer também às diversas riquezas culturais dos povos, à arte e à poesia, à vida interior e à espiritualidade. Nenhum ramo das ciências e nenhuma forma de sabedoria pode ser preterida, o que lhe permite produzir várias sínteses entre fé e razão.
Por isso é bom, para a humanidade e para o mundo, que nós, crentes, conheçamos melhor os compromissos ecológicos que brotam das nossas convicções.
A Casa Comum:
À vista da deterioração global do ambiente, quero dirigir-me a cada pessoa que habita neste planeta.
A nossa casa comum se pode comparar a uma irmã, com quem partilhamos a existência — e mãe, que nos acolhe nos seus braços.
Crescemos pensando que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos.
Toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo requer mudanças profundas nos estilos de vida, nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades (Leão XIII, Enc.Arcanum divinae sapientiae, 1880).
Desequilíbrio Climático:
Custa-nos a reconhecer que o funcionamento dos ecossistemas naturais é exemplar. Ao contrário, o sistema industrial, no final do ciclo de produção e consumo, não desenvolveu a capacidade de absorver e reutilizar resíduos e detritos.
O clima é um bem comum, um bem de todos e para todos. Nas últimas décadas, seu aquecimento foi acompanhado por uma elevação constante do nível do mar, sendo difícil não relacioná-lo ainda com o aumento de acontecimentos meteorológicos extremos.
A humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de mudanças de estilos de vida, de produção e de consumo, para combater esse aquecimento ou, pelo menos, as causas humanas que o produzem ou acentuam os gases de efeito estufa. Isto é particularmente agravado pelo modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo de combustíveis fósseis, que está no centro do sistema energético mundial.
Por sua vez, o aquecimento influi sobre o ciclo do carbono. Cria um ciclo vicioso que agrava ainda mais a situação e que incidirá sobre a disponibilidade de recursos essenciais como a água potável, a energia e a produção agrícola das áreas mais quentes, provocando a extinção de parte da biodiversidade do planeta. O derretimento das calotas polares e dos glaciares a grande altitude ameaça com uma liberação, de alto risco, de gás metano, e a decomposição da matéria orgânica congelada poderia acentuar ainda mais a emissão de dióxido de carbono.
A subida do nível do mar pode criar situações de extrema gravidade, considerando-se que um quarto da população mundial vive à beira-mar ou muito perto dele, e a maior parte das megacidades estão situadas em áreas costeiras.
Os Mais Afetados:
Muitos pobres vivem em lugares particularmente afetados por fenômenos relacionados com o aquecimento, e os seus meios de subsistência dependem fortemente das reservas naturais e dos chamados serviços do ecossistema, como a agricultura, a pesca e os recursos florestais.
É trágico o aumento de migrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental, que, não sendo reconhecidos como refugiados nas convenções internacionais, carregam o peso da sua vida abandonada sem qualquer tutela normativa. Há uma indiferença geral perante estas tragédias.
Muitos daqueles que detêm mais recursos e poder econômico ou político parecem concentrar-se, sobretudo, em mascarar os problemas ou ocultar os seus sintomas, procurando apenas reduzir alguns impactos negativos de mudanças climáticas.
Tornou-se urgente e imperioso o desenvolvimento de políticas capazes de fazer com que, nos próximos anos, a emissão de dióxido de carbono e outros gases altamente poluentes se reduza drasticamente, por exemplo, substituindo os combustíveis fósseis e desenvolvendo fontes de energia renovável.
Já se ultrapassaram certos limites máximos de exploração do planeta, sem termos resolvido o problema da pobreza.
Água é Vida:
A disponibilidade de água manteve-se relativamente constante durante muito tempo, mas agora, em muitos lugares, a procura excede a oferta sustentável, com graves consequências a curto e longo prazo.
Um problema particularmente sério é o da qualidade da água disponível para os pobres, que diariamente ceifa muitas vidas. Em muitos lugares, os lençóis freáticos estão ameaçados pela poluição produzida por algumas atividades extrativas, agrícolas e industriais, sobretudo em países desprovidos de regulamentação e controles suficientes. Não pensamos apenas nas descargas provenientes das fábricas; os detergentes e produtos químicos que a população utiliza em muitas partes do mundo continuam a ser derramados em rios, lagos e mares.
Cresce a tendência para se privatizar este recurso escasso, tornando-se uma mercadoria sujeita às leis do mercado. O acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal. Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável, porque istoé negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável. O problema da água é, em parte, uma questão educativa e cultural, porque não há consciência da gravidade destes comportamentos num contexto de grande desigualdade.
Anualmente, desaparecem milhares de espécies vegetais e animais, que já não poderemos conhecer, que os nossos filhos não poderão ver, perdidas para sempre. Por nossa causa, milhares de espécies já não darão glória a Deus com a sua existência, nem poderão comunicar-nos a sua própria mensagem. Não temos direito de o fazer.
Para o bom funcionamento dos ecossistemas, também são necessários os fungos, as algas, os vermes, os pequenos insetos, os répteis e a variedade inumerável de micro-organismos. Este nível de intervenção humana, muitas vezes ao serviço do financeiro e do consumismo, faz com que esta Terra onde vivemos se torne realmente menos rica e bela.
Quando se analisa o impacto ambiental de qualquer iniciativa econômica, costuma-se olhar para os seus efeitos no solo, na água e no ar, mas nem sempre se inclui um estudo cuidadoso do impacto na biodiversidade.
Não é possível ignorar também os enormes interesses econômicos internacionais que, a pretexto de cuidar deles, podem atentar contra as soberanias nacionais. Há propostas de internacionalização da Amazônia que sóservem aos interesses econômicos das corporações internacionais (Documento de Aparecida, Junho de 2007).
Não se faz objeto de adequada análise a substituição da flora silvestre por áreas florestadas, com árvores que geralmente são monoculturas.
Dívida Ecológica:
Há uma verdadeira dívida ecológica, particularmente entre o Norte e o Sul. O aquecimento causado pelo enorme consumo de alguns países ricos tem repercussões nos lugares mais pobres da terra, especialmente na África, onde o aumento da temperatura, juntamente com a seca, tem efeitos desastrosos no rendimento das plantações.
Empresas realizam, nos países menos desenvolvidos, atividade poluente que não podem fazer nos países que lhes dão o capital. Multinacionais, geralmente, quando cessam as suas atividades e se retiram, deixam grandes danos humanos e ambientais, como o desemprego, aldeias sem vida, esgotamento de algumas reservas naturais, desflorestamento, empobrecimento da agricultura e pecuária local, crateras, colinas devastadas, rios poluídos e qualquer obra social que já não se pode sustentar.
De várias maneiras os povos em vias de desenvolvimento, onde se encontram as reservas mais importantes da biosfera, continuam a alimentar o progresso dos países mais ricos à custa do seu presente e do seu futuro.
Ecologia de Fachada:
Nunca maltratamos e ferimos a nossa casa comum como nos últimos dois séculos.
Há demasiados interesses particulares e, com muita facilidade, o interesse econômico chega a prevalecer sobre o bem comum e manipular a informação para não ver afetados os seus projetos.aliança entre economia e tecnologia acaba por deixar de fora tudo o que não faz parte dos seus interesses imediatos. Qualquer tentativa das organizações sociais para alterar as coisas será vista como um distúrbio provocado por sonhadores românticos ou como um obstáculo a superar.
Qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta (Papa Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium,2013).
Não obstante haver acordos internacionais que proíbem a guerra química, bacteriológica e biológica, subsiste o fato de continuarem nos laboratórios as pesquisas para o desenvolvimento de novas armas ofensivas, capazes de alterar os equilíbrios naturais (João Paulo II,Mensagem para o Dia Mundial da Paz 1990).
Entretanto o poder, ligado com a economia, é o que maior resistência põe a tal esforço, e os projetos políticos carecem muitas vezes de amplitude de horizonte.
Cresce uma ecologia superficial ou aparente que consolida um certo torpor e uma alegre irresponsabilidade.
Este comportamento evasivo serve-nos para mantermos os nossos estilos de vida, de produção e consumo. É a forma como o ser humano se organiza para alimentar todos os vícios autodestrutivos: tenta não vê-los, luta para não os reconhecê-los, adia as decisões importantes, age como se nada tivesse acontecido.
Alguns defendem a todo o custo o mito do progresso, afirmando que os problemas ecológicos resolver-se-ão simplesmente com novas aplicações técnicas. Outros pensam que o ser humano, com qualquer uma das suas intervenções, sópode ameaçar e comprometer o ecossistema mundial.
Sobre muitas questões concretas, a Igreja não tem motivo para propor uma palavra definitiva e entende que deve escutar e promover o debate honesto entre os cientistas, respeitando a diversidade de opiniões. A esperança convida-nos a reconhecer que sempre há uma saída, sempre podemos mudar de rumo, sempre podemos fazer alguma coisa para resolver os problemas.
O atual sistema mundial é insustentável a partir de vários pontos de vista, porque deixamos de pensar nas finalidades da ação humana: Se o olhar percorre as regiões do nosso planeta, percebemos depressa de que a humanidade frustrou a expectativa divina (L´Osservatore Romano).
Em alguns países háexemplos positivos de resultados na melhoria do ambiente, tais como o saneamento de alguns rios que foram poluídos durante muitas décadas, a recuperação de florestas nativas, o embelezamento de paisagens com obras de saneamento ambiental, projetos de edifícios de grande valor estético, progressos na produção de energia limpa, na melhoria dos transportes públicos. Estas ações não resolvem os problemas globais, mas confirmam que o ser humano ainda é capaz de intervir de forma positiva.
Progresso Ilimitado:
Se reconhecermos o valor e a fragilidade da natureza e, ao mesmo tempo, as capacidades que o Criador nos deu, isto permite-nos acabar hoje com o mito moderno do progresso material ilimitado.
A natureza nada mais é do que a razão de certa arte – concretamente a arte divina – inscrita nas coisas, pela qual as próprias coisas se movem para um fim determinado. Como se o mestre construtor de navios pudesse conceder à madeira a possibilidade de se mover a si mesma para tomar a forma da nave (In octo libros Physicorum Aristotelis expositio, lectio 14).
Quando se propõe uma visão da natureza unicamente como objeto de lucro e interesse, isso comporta graves consequências também para a sociedade. A visão que consolida o arbítrio do mais forte favoreceu imensas desigualdades, injustiças e violências para a maior parte da humanidade, porque os recursos tornam-se propriedade do primeiro que chega ou de quem tem mais poder: o vencedor leva tudo.
Sabeis que os chefes das nações as dominam e os grandes fazem sentir seu poder. Entre vós não deverá ser assim. Quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve (Mt20, 25-26).
Responsabilidade Política:
A grandeza política mostra-se quando, em momentos difíceis, se trabalha com base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo.
Se os cidadãos não controlam o poder político – nacional, regional e municipal – também não é possível combater os danos ambientais.
Para um político, assumir estas responsabilidades com os custos que implicam não corresponde à lógica eficientista e imediatista atual da economia e da política. Mas, se ele tiver a coragem de fazê-lo, poderánovamente reconhecer a dignidade que Deus lhe deu como pessoa e deixará, depois da sua passagem por esta história, um testemunho de generosa responsabilidade.
Um estudo de impacto ambiental não deveria ser posterior à elaboração de um projeto produtivo ou de qualquer política, plano ou programa.
A proteção ambiental não pode ser assegurada somente com base no cálculo financeiro de custos e benefícios. O ambiente é um dos bens que os mecanismos de mercado não estão aptos a defender ou a promover adequadamente (...). Para tornar a sociedade mais humana, mais digna da pessoa, é necessário revalorizar o amor na vida social – nos planos políticos, econômico, cultural –fazendo dele a norma constante e suprema do agir (Compêndio da Doutrina Social da Igreja).
Decrescimento:
ão é suficiente conciliar, a meio termo, o cuidado da natureza com o ganho financeiro, ou a preservação do meio ambiente com o progresso. Neste campo, os meios-termos são apenas um pequeno adiamento do colapso. Trata-se simplesmente de redefinir o progresso.
Temos de nos convencer que reduzir um determinado ritmo de produção e consumo pode dar lugar à outra modalidade de progresso e desenvolvimento.
É menos dignificante e criativo e mais superficial insistir na criação de formas de espoliação da natureza só para oferecer novas possibilidades de consumo e de ganho imediato.
É preciso diminuir um pouco a marcha, pôr alguns limites razoáveis e até mesmo retroceder, antes que seja tarde. Chegou a hora de aceitar um certo decréscimo do consumo de algumas partes do mundo.
O crescimento desmedido e descontrolado de muitas cidades tornaram-nas pouco saudáveis para viver.
Hoje, alguns setores econômicos exercem mais poder do que os próprios Estados.
A política e a economia tendem a culpar-se reciprocamente a respeito da pobreza e da degradação ambiental. Mas o que se espera é que reconheçam os seus próprios erros e encontrem formas de interação orientadas para o bem comum. Não se justifica uma economia sem política.
Despojamento:
Quanto menos, tanto mais.
Tornar-se serenamente presente diante de cada realidade, por menor que seja, abre-nos mais possibilidades de compreensão e realização pessoal. É um regresso à simplicidade que nos permite parar para saborear as pequenas coisas, agradecer as possibilidades que a vida oferece sem nos apegarmos ao que temos nem nos entristecermos por aquilo que não possuímos.
Reduzir o número das necessidades insatisfeitas diminui o cansaço e a ansiedade. É possível necessitar de pouco e viver muito, encontrando satisfação nos encontros fraternos, no serviço, na frutificação dos próprios carismas, na música e na arte, no contacto com a natureza, na oração.
A natureza está cheia de palavras de amor; mas, como poderemos ouvi-las no meio do ruído constante, da distração permanente e ansiosa, ou do culto da notoriedade?
Pede-se uma atitude do coração, que vive tudo com serena atenção, que sabe manter-se plenamente presente diante de uma pessoa sem estar pensando no que virádepois, que se entrega a cada momento como um dom divino que se deve viver em plenitude. Trata-se de superar a ansiedade doentia que nos torna superficiais, agressivos e consumistas desenfreados.
O Eterno na Natureza:
O universo desenvolve-se em Deus, que o preenche completamente. Há um mistério a contemplar numa folha, numa vereda, no orvalho, no rosto do pobre. A contemplação é tanto mais elevada quanto mais o homem sente em si mesmo o efeito da graça divina ou quanto mais sabe reconhecer Deus nas outras criaturas (In II Sententiarum, 23).
Os iniciados chegam a captar o que diz o vento que sopra, as árvores que se curvam, a água que corre, as moscas que zunem, as portas que rangem, o canto dos pássaros, o dedilhar de cordas, o silvo da flauta, o suspiro dos enfermos, o gemidos dos aflitos...
O místico experimenta a ligação íntima que há entre Deus e todos os seres vivos e, deste modo, sente que Deus é para ele todas as coisas.
As montanhas têm cumes, são altas, imponentes, belas, graciosas, floridas e perfumadas. Como estas montanhas, é o meu Amado para mim. Os vales solitários são tranquilos, amenos, frescos, sombreados, ricos de doces águas. Pela variedade das suas árvores e pelo canto suave das aves, oferecem grande divertimento e encanto aos sentidos e, na sua solidão e silêncio, dão refrigério e repouso: como estes vales, é o meu Amado para mim (Cântico Espiritual XIV, 6-7).
Não fugimos do mundo, nem negamos a natureza, quando queremos encontrar-nos com Deus.
Pequenos Gestos de Cidadania Ecológica:
É muito nobre assumir o dever de cuidar da criação com pequenas ações diárias, e é maravilhoso que a educação seja capaz de motivar para elas até dar forma a um estilo de vida. Evitar o uso de plástico e papel, reduzir o consumo de água, diferenciar o lixo, cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer, tratar com desvelo os outros seres vivos, servir-se dos transportes públicos ou partilhar o mesmo veículo com várias pessoas, plantar árvores, apagar as luzes desnecessárias. Voltar a utilizar algo em vez de desperdiçá-lo rapidamente pode ser um ato de amor.
O exercício destes comportamentos restitui-nos o sentimento da nossa dignidade, leva-nos a uma maior profundidade existencial, permite-nos experimentar que vale a pena a nossa passagem por este mundo.
Agradeço a atenção.