CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sessão: 61535 Hora: 14:12 Fase:
Orador: Data: 20/05/2021

O SR. PRESIDENTE (Professor Israel Batista. PV - DF) - Declaro aberta a 9ª Reunião Extraordinária Virtual da Comissão Externa, destinada a acompanhar e promover a estratégia nacional para o enfrentamento das queimadas em biomas brasileiros.

A nossa reunião está sendo transmitida pela página da Comissão e pelo Youtube, e o público pode participar fazendo perguntas por meio do e-Democracia.

Encontra-se à disposição, na página da Comissão, a ata da 8ª Reunião, realizada no dia 13 de maio deste ano.

Fica dispensada a sua leitura, nos termos do parágrafo único do art. 5º do Ato da Mesa nº 123, de 2020.

Não havendo quem queira retificá-la, em votação a ata.

Os Srs. Deputados que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)

Aprovada.

A Ordem do Dia de hoje prevê a realização de audiência pública por videoconferência e a deliberação de requerimento.

Audiência pública por videoconferência. Tema: Diagnóstico dos incêndios florestais no Bioma do Cerrado: características, consequências, peculiaridades e propostas para enfrentamento, objeto do Requerimento nº 1, de 2021, de minha autoria e de autoria da Deputada Professora Rosa Neide, Presidente desta Comissão.

Estão conosco, pelo Zoom, a Profa. Dra. Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília, a Profa. Dra. Alessandra Tomaselli Fidelis, da Universidade Estadual Paulista, a Sra. Maria do Socorro Teixeira Lima, Coordenadora-Geral da Rede Cerrado, o Sr. Bruno Mello, Diretor Presidente da Fundação Mais Cerrado, e o Sr. Ivan Diniz, Coordenador de Operações da Rede Contra Fogo, Chapada dos Veadeiros.

Esclareço que, além dos expositores presentes, foi convidado também o chefe do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais - Prevfogo/IBAMA, o Sr. Ricardo Vianna Barreto, que não respondeu ao nosso convite mais uma vez.

O IBAMA não tem respondido aos convites da Comissão Externa sobre queimadas. Por isso, nós nos preocupamos se o órgão está funcionando em suas plenas atividades e com a estrutura necessária para responder às suas obrigações.

Antes de passar a palavra aos nossos convidados para as suas apresentações, cientificamos a todos acerca da natureza pública do evento que estamos realizando por esta Casa Legislativa da qual tomam parte.

As participações no referido evento serão registradas por meio de fotografias, gravação de voz e de imagens de vídeo, transcrição de falas em texto escrito, com a possibilidade de transmissão de vídeo ao vivo, pela Internet, pelos demais meios de comunicação da Casa e com o armazenamento das imagens, dos sons e das transcrições das falas em texto para posterior transmissão ou acesso no todo ou em parte pelos mesmos meios.

Gostaria de pedir também a atenção dos Srs. Deputados para reforçarmos os procedimentos a serem observados durante a audiência.

O tempo concedido aos nossos convidados será de 10 minutos. Os Deputados interessados em interpelar os convidados deverão se inscrever pelo aplicativo Infoleg e terão 3 minutos para fazer suas intervenções.

Feitos esses esclarecimentos, vamos dar início à nossa audiência.

Para abrir este evento, eu vou fazer uma fala inicial e logo depois chamarei os nossos convidados.

Quero aqui agradecer a presença do Deputado Nilto Tatto, que está por aqui, na nossa sala, pela Internet.

Bem-vindo, Deputado, sempre muito presente. Obrigado por sua atuação na defesa do meio ambiente brasileiro. Nós temos um enorme respeito por V.Exa.

O SR. NILTO TATTO (PT - SP) - Boa tarde, Deputado Israel Batista. Boa tarde a todas e a todos os convidados.

Eu vou participar ouvindo e mais tarde pedirei a palavra.

Parabéns pela iniciativa do requerimento, tão necessária nessa conjuntura que estamos vivendo de desmonte de todo o patrimônio ambiental do povo brasileiro.

O SR. PRESIDENTE (Professor Israel Batista. PV - DF) - Obrigado, Deputado Nilto Tatto.

Eu também quero registrar a presença da Deputada Professora Rosa Neide, que inaugurou esses trabalhos, que teve uma preocupação imensa no momento em que as queimadas assolavam o Pantanal e que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais apontava um aumento estrondoso dessas queimadas. Estivemos todos nós Deputados aqui presentes também lá no Pantanal, liderados pela Deputada Rosa Neide.

Muito obrigado, Deputada, inclusive por me dar a honra de presidir esta sessão. Fico muito honrado, porque V.Exa. conhece o meu amor e a minha devoção pelo Cerrado, onde se encontra o Distrito Federal, que é o lugar que me deu tudo que tenho na vida, inclusive a minha família.

A SRA. PROFESSORA ROSA NEIDE (PT - MT) - Boa tarde. Quero parabenizar o Deputado Professor Israel Batista e o Deputado Nilto Tatto, grandes parceiros na questão ambiental.

Deputado Professor Israel Batista, não há ninguém melhor do que um filho do Cerrado para conduzir esta audiência de hoje. Tenho outro compromisso paralelo a este, mas até o final estarei aqui para ouvir as palestras. Muito obrigada por estar nessa condução hoje. Isso é muito importante, assim como também é a participação do Deputado Nilto Tatto, que é o nosso conselheiro-mor aqui na Comissão.

O SR. PRESIDENTE (Professor Israel Batista. PV - DF) - Obrigado, Deputada.

O Cerrado é a savana com a maior diversidade biológica do planeta Terra, sendo também a mais ameaçada. Ela é um dos 34 hotspots mundiais. O bioma constitui um mosaico de fisionomias vegetais que variam de formações campestres a ecossistemas florestais, áreas úmidas e secas, com alta riqueza de espécies e grande número de endemismo, especialmente entre as plantas vasculares.

O bioma responde por 5% da biodiversidade do planeta e possui mais de 12 mil espécies de plantas, muitas delas endêmicas e usadas na produção de cortiças, fibras, óleos, artesanato, além do uso medicinal e alimentício. Calcula-se que 40% das plantas lenhosas e 50% das espécies de abelhas só existam neste bioma.

As três principais bacias hidrográficas do País têm nascentes no bioma:

a Amazônica-Tocantins-Araguaia, a do Paraná-Paraguai e a do São Francisco. Lembro que a cabeceira dessas três nascentes fica no pequeno Distrito Federal, não à toa chamado de berço das águas.

Possui ainda 420 espécies de árvores e arbustos esparsos, sem contar as 759 espécies de aves que se reproduzem na região, 180 espécies de répteis e 195 de mamíferos, sendo 30 tipos de morcegos catalogados na área. O número de insetos é surpreendente. Apenas na área do Distrito Federal há 90 espécies de cupins, 1.000 espécies de borboletas e 500 tipos diferentes de abelhas e vespas.

Todavia, apesar de sua grande importância ecológica e de sua alta biodiversidade, o processo de ocupação do Cerrado, sobretudo nos últimos 50 anos, vem promovendo a dilapidação acelerada desse bioma. A ocupação humana do Cerrado segue os mesmos princípios e objetivos que nortearam os ciclos da história econômica do Brasil em outras regiões, que promoveram a devastação ambiental de extensas porções do nosso território, sobretudo da Mata Atlântica.

A maior parte da região viveu um regime de isolamento econômico e social entre o declínio da mineração e a década de 1950. A partir de então, ocorreu intenso fluxo migratório promovido pela construção de Brasília, pela abertura de estradas e pela política agrícola. A modernização da agricultura, em especial da cultura da soja, trouxe consigo a expulsão de comunidades locais e extenso desmatamento. O agravante, no caso do Cerado, é a velocidade da devastação, pois esse processo foi promovido em menos de cinco décadas, com políticas públicas em que a questão ambiental não estava colocada.

As perdas sofridas pela Mata Atlântica e os alertas das primeiras gerações de conservacionistas brasileiros sobre a necessidade de proteger vegetação nativa não surtiram efeito no sentido de aprimorar o processo de ocupação das regiões interiores do País. O resultado é que o Cerrado, que é o segundo maior bioma do Brasil, uma área de recarga de seis das oito grandes bacias brasileiras e a savana com a maior biodiversidade do planeta, é também uma das ecorregiões mais ameaçadas do mundo.

Em 50 anos, esse bioma, que alcança a área de mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, perdeu praticamente metade da sua cobertura original e está vivendo um profundo processo de destruição. Essa devastação se materializa no aumento dos índices de desmatamento, de queimadas, de incêndios florestais e pela ocupação desordenada. No caso específico de queimadas e incêndios florestais, o bioma foi duramente atingido no ano passado, com 63.819 focos de calor, sendo que em 2021, antes mesmo do período da seca aqui na nossa região, já atingimos 3.737 focos de calor, conforme monitoramento do INPE.

O planejamento das atividades produtivas é essencial, não pode continuar ocorrendo à custa de mais desmatamentos, queimadas e incêndios florestais no Cerrado.

A expansão da fronteira de ocupação sobre os remanescentes de vegetação nativa tem que ter controle do Estado. Para controlar a ocupação desordenada e conter a fragmentação do bioma, é necessário o fortalecimento dos órgãos de controle ambiental, é necessário ter uma política mais ambiciosa, voltada para a consolidação e para a criação de unidades de conservação e, dentre outras medidas, é necessário diversificar a economia regional, abrindo espaço para novos projetos, como aqueles voltados para a exploração sustentável da biodiversidade.

É difícil constatar que a política ambiental brasileira vigente aponta justamente no sentido inverso, com enfraquecimento dos órgãos ambientais e, notadamente, do aparato fiscalizatório ambiental federal. Precisamos proteger a nossa caixa d'água. Nós de Brasília, a minha terra, precisamos sempre nos lembrar com tristeza da crise hídrica que nos assolou aqui.

No âmbito parlamentar, estamos lutando pelo meio ambiente e, de forma especial, pela proteção do Bioma Cerrado, cobrando das autoridades responsáveis, das diversas formas possíveis, uma ação mais transparente e mais eficaz em torno da proteção de todos os biomas, sob pena de não cumprirmos nossos compromissos no âmbito do Acordo de Paris, ensejando retaliações comerciais dos maiores mercados do mundo.

Também precisamos jogar luz sobre a necessidade de aprovação da PEC 504, de 2010, que inclui o Cerrado e a Caatinga entre os biomas considerados patrimônios nacionais, conferindo assim o reconhecimento de toda a sua importância. Precisamos também aprovar o Projeto de Lei nº 4.933, de 2020, que insere dispositivos na Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, para proibir o desenvolvimento de atividades econômicas em áreas que forem queimadas sem autorização.

Assim, entendemos como muito oportuna e de importância diferenciada a apresentação desse diagnóstico, cujos resultados poderão ser utilizados pelos órgãos governamentais responsáveis pelo assunto, com ênfase especial para a Secretaria de Meio Ambiente do Distrito Federal.

Começaremos agora a ouvir as nossas convidadas.

Nossa primeira oradora será a Profa. Dra. Mercedes Bustamante, professora na Universidade de Brasília, que usará a palavra por até 10 minutos.

Bem vinda! Muito obrigado por ter aceitado o nosso convite!

A SRA. MERCEDES BUSTAMANTE - Boa tarde! Muito obrigada, Deputado Professor Israel Batista!

Deputada Professora Rosa Neide, agradeço o convite para participar deste evento tão importante na Comissão Externa sobre Queimadas nos Biomas Brasileiros.

Eu gostaria de fazer uma breve apresentação e, se for possível, compartilhar a minha tela para trazer alguns dos dados mais recentes das pesquisas sobre queimadas no Bioma Cerrado.

(Segue-se exibição de imagens.)

Antes de iniciar esta apresentação, eu gostaria de indicar que os resultados aqui apresentados são, na verdade, fruto da colaboração científica de várias instituições que se dedicam há anos ao estudo do Bioma Cerrado, como a Universidade de Brasília, a Universidade Federal de Minas Gerais, e de organizações não governamentais, como o IPAM e o Projeto MapBiomas. Esses resultados foram financiados por um projeto do CNPq numa chamada conjunta com o Prevfogo e o Projeto FIP Cerrado.

Este primeiro quadro nos apresenta a distribuição das formações fisionômicas do Cerrado. Como já colocado na apresentação pelo Professor Israel, o Cerrado é a savana mais biodiversa do mundo e apresenta também uma grande variação estrutural. Então, ele se encontra dividido em formações campestres, formações savânicas e formações florestais.

Então, o que observamos aqui é como estão distribuídas essas formações vegetais nos últimos remanescentes do Cerrado. E observamos a diferença, em termos de conservação do Cerrado, nessa porção mais norte e na porção sul, que foi desmatada nas décadas anteriores.

E o que podemos observar já neste segundo quadro? Este segundo quadro apresenta um compilado das queimadas acumuladas entre o ano de 2000 e o ano de 2019, e observamos a sobreposição dessas queimadas acumuladas precisamente onde nós temos os últimos grandes remanescentes de vegetação nativa do Cerrado. Então, o primeiro aspecto importante a destacar aqui é a correlação espacial muito forte entre as novas frentes do desmatamento no bioma e a ocorrência, com maior frequência, de queimadas no Bioma Cerrado.

Esta outra figura traz um pouco dessa distribuição dessas queimadas, porque não são só as áreas que queimaram entre 2000 e 2019, ela indica a frequência de queima nesse período. Então, observamos - sobretudo, eu peço que vocês atentem para essas barras aqui, no caso, são as áreas que não queimam, são aquelas áreas que já foram abertas - que nós temos, dentro do bioma, áreas, por exemplo, que queimaram mais de sete vezes nesse período de aproximadamente 20 anos. Isso indica que essas áreas vêm queimando em grandes extensões e vêm queimando inúmeras vezes ao longo dessas décadas, e há uma série de consequências ecológicas.

Então, o que nós fizemos nesse Grupo de Trabalho da Universidade de Brasília foi compilar resultados de queimadas prescritas ou queimadas experimentais distribuídas em várias partes do Bioma Cerrado. Ou seja, nós fomos a campo entender efetivamente quais eram os resultados dessas queimadas frequentes e de grande extensão sob aspectos de funcionamento e de biodiversidade dentro do Bioma Cerrado.

Então, este mapa apresenta aqui os diferentes estudos em diferentes partes dos Cerrados, em diferentes fitofisionomias, que nos permitiram compilar um grande banco de dados com informações ecológicas sobre os impactos do fogo no Cerrado.

A partir desses estudos, nós trabalhamos a forma como se comporta o fogo no Cerrado, qual é o comportamento do fogo no Cerrado, quais são aquelas variáveis - da vegetação ou do microclima - que determinam diferenças na velocidade do fogo, na intensidade do fogo e no calor liberado. Todas essas variáveis são importantes para colocar o impacto do foco e também para determinar quais são os principais preditores do fogo no Cerrado. Dessa forma, isso pode nos ajudar a modelar ou projetar onde seriam as áreas provavelmente mais impactadas por queimadas.

E esse trabalho foi feito considerando novamente que é muito importante olharmos a gradação, o gradiente fitofisionômico do Cerrado, ou seja, ele foi feito coletando dados nas florestas do Cerrado, nas formações savânicas e também nas formações campestres.

E nós olhamos, então, os dados da vegetação e as variáveis microclimáticas, como velocidade do vento e quantidade de umidade relativa na atmosfera. E o principal preditor da formabilidade foi precisamente a quantidade de combustível fino ou biomassa seca, sobretudo gramíneas e ramos finos, na propagação desses incêndios, dessas queimadas no Bioma Cerrado.

Então, tendo a modelagem dos dados de campo, que nos permitiram modelar quais eram os principais preditores do comportamento do fogo no Cerrado, nós voltamos a olhar os dados ambientais, agora analisando a cobertura do Cerrado como um todo e considerando novamente a sua heterogeneidade espacial. Reforço que estamos falando de um bioma que representa quase um quarto do território nacional, que tem uma variação latitudinal e longitudinal bastante ampla, o que significa que as condições ambientais também são bastante variáveis. E nós dividimos, então, o bioma, a partir dessas condições ambientais, em sub-regiões ou ecorregiões que estão representadas nestas diferentes cores, apresentadas nesta figura, e consideramos a variação da quantidade de biomassa vegetal por um índice que é derivado de imagens de satélite.

A partir daí, nós modelamos a dinâmica do combustível no Bioma Cerrado para entender exatamente se, como o combustível é um dos principais preditores da formabilidade do Cerrado, ao mapear a quantidade de combustível de matéria seca, conseguiríamos avaliar, com antecedência, quais seriam aquelas áreas que teriam que ser protegidas, onde o fogo teria que ser manejado para evitar danos maiores. E nós fizemos isto aqui. É uma sequência que vai mostrando, ao longo do ano, como essa dinâmica do combustível vai se transformando. Então, observem que neste período que compreende a estação seca, entre julho e agosto, temos as cores mais fortes, cores estas que representam maior acúmulo de massa seca, que é efetivamente o combustível que alimenta essas queimadas no Cerrado.

Isso nos permitiu, então, a partir dessa modelagem, da biomassa seca mais o histórico de queima das áreas - e a gente observa essa variação ao longo do Bioma Cerrado em todos os meses -, gerar mapas de probabilidade do fogo, incluídas aí outras variáveis importantes, como, por exemplo, o relevo que tem uma influência muito grande na propagação desse fogo.

A partir do momento em que a gente traz os dados de campo, compila essas informações, faz a modelagem de quais são os preditores de fogo, faz a modelagem da biomassa seca, a gente consegue gerar esses mapas que nos permitem identificar as probabilidades de fogo, em que regiões elas ocorrem dentro do Bioma Cerrado e organizar melhor o planejamento e o monitoramento dessas queimadas.

Outro aspecto importante, como colocado, é que essas queimadas cada vez mais extensas e mais frequentes têm um impacto sobre a dinâmica da vegetação do Cerrado. O Cerrado é um sistema que evoluiu com o fogo, mas ele evoluiu num determinado regime de fogo. O que a atividade humana faz, como a gente vê nesta correlação espacial entre as frentes do desmatamento e o aumento das queimadas, é modificar esse regime de fogo, o que acaba gerando, então, impactos sobre a dinâmica da vegetação.

Portanto, novamente, nós coletamos dados de várias parcelas experimentais, distribuídas ao longo de todo Bioma Cerrado, para entender como o fogo impactava a vegetação, sobretudo a recuperação da vegetação, porque isso tem consequência para a liberação de gases de efeito estufa no momento da queimada e para a reabsorção do carbono no momento da regeneração da vegetação. A partir daí, então, novamente geramos um modelo específico de fogo para o Cerrado em que avaliamos o que aconteceria se tivéssemos só uma queimada e o que aconteceria se tivéssemos, por exemplo, duas queimadas com intervalo de 2 anos entre elas.

O que podemos observar nesta figura - vou passar só um pouco mais rapidamente, por conta do tempo - é que aqui temos a variação da biomassa, quando consideramos árvores, e aqui, no primeiro quadro, o que acontece quando temos duas queimadas. Então o que percebemos? Quando temos só uma queimada, existe a possibilidade de que a vegetação recupere muito prontamente a sua biomassa, mas, quando já introduzimos uma segunda queimada num intervalo de 2 anos, já não recuperamos a biomassa da vegetação arbórea e lenhosa na mesma proporção de quando tínhamos só uma queimada.

Nesta figura são observados também outros componentes da vegetação - aqui no caso, os arbustos, por exemplo. E vemos que a vegetação arbustiva é aquela que tem mais dificuldades de se recuperar, exatamente pela altura, porque ela fica mais suscetível ao fogo no Cerrado, que passa a uma altura de aproximadamente 2 metros.

Isto é o que acontece com a biomassa das plantas herbáceas. Percebemos, então, a dificuldade de recuperação quando temos queimadas cada vez mais frequentes.

E, nesta outra figura, temos a vegetação graminosa.

Isso nos permitiu indicar que é importante que consideremos - nesses estudos de modelagem do carbono, que aqui no caso é a modelagem das liberações de CO2, por conta da queimada - o intervalo com que essas queimadas ocorrem, porque elas modificam a dinâmica de regeneração da vegetação.

Outro aspecto importante é não só olhar a estrutura - como a estrutura da vegetação é modificada pelo fogo e a sua velocidade de recuperação -, mas o que isso implica em termos de diversidade biológica. Então, novamente reforçando, o Cerrado é a savana mais biodiversa do mundo. Nós temos mais de 12 mil espécies diferentes de plantas com características e atributos que permitem responder de forma diferenciada a essas modificações da frequência de fogo. Então, uma preocupação é não só olhar se a vegetação se recupera ou não, mas, dentro dessa vegetação, se estamos perdendo ou não riqueza biológica quando aumentamos a frequência de queimadas.

Novamente nós lançamos mão aqui de estudos de campo de longa duração - esses feitos aqui na área do Distrito Federal, na Reserva Ecológica do IBGE e nas áreas do Jardim Botânico de Brasília - e observamos também que, quando você tem uma segunda queimada consecutiva, a vegetação reduz a sua velocidade de recuperação, e perdemos riqueza biológica também.

Por fim, só para fechar, eu gostaria de destacar, como eu comentei com vocês, todos esses estudos que nos permitiram avançar significativamente no entendimento, na modelagem, na capacidade preditiva de queimadas no Cerrado e nos impactos sobre a biomassa e a diversidade biológica. Eles são frutos de um projeto de pesquisa financiado pelo CNPq e pelo Prevfogo. E é muito importante neste momento também destacarmos a necessidade de financiamentos para pesquisas ambientais no Brasil, porque são essas pesquisas de longo prazo que nos permitem fornecer evidências robustas para a tomada de decisão.

Destaco que, em particular, no caso do Bioma Cerrado, essa chamada tem vários projetos financiados, que incluem projetos sobre o fogo em unidades de conservação, em terras indígenas e também em áreas privadas.

Para as considerações finais, eu gostaria de destacar que hoje nós temos avanços significativos no conhecimento sobre o comportamento do fogo, a modelagem preditiva e os impactos sobre a regeneração da vegetação.

Esses resultados apontam para uma abordagem que tem que considerar diferentes formações vegetais dentro do Cerrado, como campos, savanas e florestas - essas formações vegetais não podem ser manejadas da mesma forma; elas exigem respostas diferenciadas - e a heterogeneidade espacial do bioma nas ações de manejo do fogo.

A frequência e os intervalos de queimadas variam ao longo do bioma e têm impactos sobre a regeneração da vegetação, com consequências para o balanço de carbono e para a biodiversidade.

Há grande correlação espacial entre as novas frentes do desmatamento e a frequência de queimadas nos remanescentes do Cerrado.

Então, ao se falar em queimadas no Cerrado, é importante considerar também o controle do desmatamento no Cerrado, que neste mês de março, por exemplo, bateu recorde, com mais de 600 quilômetros quadrados desmatados, sobretudo, exatamente, nesta região que nós conhecemos como MATOPIBA.

Eu encerro aqui e agradeço, mais uma vez, a oportunidade de poder participar deste debate.

O SR. PRESIDENTE (Professor Israel Batista. PV - DF) - Muito obrigado, Profa. Mercedes, pela sua brilhante explanação. A Comissão fica muito agradecida.

Eu chamo agora, para fazer uso da palavra, por 10 minutos, a Profa. Dra. Alessandra Tomaselli Fidelis, da Universidade Estadual Paulista, que já está na sala.

A SRA. ALESSANDRA TOMASELLI FIDELIS - Olá, boa tarde a todos!

O SR. PRESIDENTE (Professor Israel Batista. PV - DF) - Boa tarde! Obrigado, por ter vindo.

A SRA. ALESSANDRA TOMASELLI FIDELIS - Eu é que agradeço o convite e a oportunidade de estar aqui com todos vocês. É impressionante, eu não combinei com a Profa. Mercedes, mas eu acho que o que vou falar aqui vai complementar um pouco do que ela falou até agora.

Eu também quero rapidamente fazer uma pequena apresentação para vocês. Pretendo falar um pouco sobre como é que o fogo afeta a vegetação.


(Segue-se exibição de imagens.)

Eu quero falar uma coisa: nós sempre temos essa imagem de que o fogo é muito ruim, de que está muito ligado ao desmatamento, o que é verdade em grande parte das áreas, mas, quando olhamos esta foto aqui da NASA, ao longo do tempo, nós vemos que várias partes do mundo estão pegando fogo. E nós vemos que o nosso Cerrado aqui, principalmente a partir do mês de julho, agosto e setembro, está tomado por esses pontos vermelhos, que são pontos de focos de incêndio. E nós sempre ficamos olhando e pensando nesses focos de incêndio, pensando no fogo com essa ação destruidora que sempre vemos. Mas nós temos que pensar que o fogo, em alguns sistemas, não em todos, é muito importante para processos ecológicos, para a distribuição de alguns ecossistemas. E também tem um efeito ecológico e evolutivo em muitos tipos de vegetação.

E geralmente associamos a presença do fogo com o homem, o que é um pouco óbvio, porque o homem coloca o fogo. Mas, se formos observar, desde que o homem ficou em pé, há mais ou menos 10 milhões de anos antes do presente, quando começou a usar o fogo, veremos que a presença do fogo no planeta é muito mais antiga do que isso. Há mais ou menos 400 milhões de anos o planeta já lida com esses eventos, com essas queimadas, com esses incêndios.

E como o próprio Deputado falou anteriormente, sobre o Cerrado ser um dos hotspots de biodiversidade no mundo, e é verdade, esta é a grande importância desse sistema. Quando olhamos alguns outros hotspots de biodiversidade no mundo, nós vemos que eles coincidem muito com áreas que pegam muito fogo. E isso nos faz questionar, então, o papel do fogo nesses sistemas, inclusive, se formos ver aqui, no próprio Cerrado.

Portanto, é muito importante - e isso a Profa. Mercedes já falou muito bem - mostrar que existem diferenças entre os nossos biomas e como o fogo vai afetar esses biomas. Nós temos áreas, como a Floresta Amazônica e a própria Floresta Atlântica, que são ecossistemas muito sensíveis ao fogo. O fogo tem um poder de degradação muito grande. E nós temos em outros sistemas, como no Cerrado, do qual estamos falando aqui, que é o foco desta Comissão neste dia, a questão de que é um sistema que lida de forma um pouco diferente com o fogo.

A vegetação é adaptada ao fogo, evoluiu na presença do fogo.

Mas, é claro, como a própria Profa. Mercedes mostrou, o Cerrado é muito heterogêneo. Dentro do próprio Cerrado nós temos tipos de vegetação, temos plantas, temos animais que são mais ou menos sensíveis à presença do fogo. Então, o fogo vai ter um efeito diferente nessas plantas, nesses animais, nesses sistemas. Por isso é tão importante entender como o fogo funciona em cada um desses diferentes tipos de vegetação, dentro do próprio Cerrado.

Como já foi dito anteriormente, o Cerrado evoluiu na presença do fogo, e o fogo está presente no Cerrado há milhões de anos. É claro que a presença do homem mudou muito o que era aquele regime natural de fogo que existia no Cerrado: como queimava, a época em que queimava, quantas vezes queimava. E o homem também fragmentou muito essa paisagem. Fragmentando muito, através de desmatamento, de mudanças no uso da terra, o homem modificou muito a forma como o fogo, então, afeta o Cerrado como um todo.

O Cerrado, como já foi dito, mas nunca é pouco repetir, tem vegetações extremamente importantes. Ele é dominado por gramíneas e por capins que são bem típicos da região dos trópicos. Gostam de bastante sol, sabem lidar com esse tipo de ambiente. O Cerrado tem uma grande riqueza de plantas herbáceas e capins, ou seja, plantas pequenas e subarbustos. São plantas às quais, geralmente, não se dá muita atenção, porque estamos muito acostumados a olhar para as árvores, mas a grande riqueza do Cerrado está, realmente, nesse estrato mais rasteiro. É um estrato ao qual se dá menos atenção, porque se acha que não tem importância. É mais fácil até de uma pessoa passar lá com um trator e modificar essa área. Mas essa é a área onde há a maior biodiversidade no Cerrado. Como já foi dito, é a savana tropical mais rica em espécies vegetais do mundo - tem essa grande importância -: plantas de diversas formas, com diversas adaptações ao fogo, à seca prolongada, à grande exposição ao sol.

Sabemos, então, que o fogo é um fator ecológico evolutivo importante. Então, não podemos deixar de falar sobre ele.

Eu fico muito feliz pelo fato de a Profa. Mercedes já ter apresentado muitos dados sobre as queimadas, falando como é esse fogo no Cerrado, as áreas que são mais propensas. É um fogo rápido, de superfície. É um fogo como o fogo de outras savanas que existem no mundo.

O fogo natural no Cerrado ocorre por raios. Para que ocorram raios, tem de haver tempestade, geralmente no final da época chuvosa ou no começo da época chuvosa. E o homem alterou essa época em que se coloca fogo no Cerrado. Então, aumentou muito mais o fogo durante a época seca, que era uma época em que naturalmente não ocorriam esses incêndios no Cerrado.

Nós temos uma resposta. Vou mostrar para vocês algumas coisas que acontecem após a passagem do fogo, principalmente nesse estrato rasteiro. Temos uma resposta muito rápida da vegetação. Uma delas é a floração. Todo o mundo sabe que, quando pega fogo no Cerrado e se vai visitar essa área depois de um tempo, já se veem muitas plantas florescendo, muitas já verdinhas, rebrotando.

Esse tempo que a vegetação vai levar para se recuperar vai depender muito de como foi esse fogo, de que época ele foi, como ele foi. Isso é extremamente importante para se poder diferenciar quando o fogo tem um efeito muito negativo e quando o fogo não tem esse efeito tão negativo na vegetação como um todo.

Uma coisa extremamente importante é que, nesse estrato, quando existem fisionomias mais abertas, as savanas, os campos no Cerrado, há uma grande proporção do carbono armazenado debaixo da terra. E esse carbono debaixo da terra, na forma de raízes, no solo, na forma de outros tipos de órgãos subterrâneos, fica ali, mesmo depois da passagem do fogo. Há um pouco de perda, mas o carbono que está ali e as raízes não se queimam. Na maior parte das vezes, esse carbono não é perdido. Então, isso também auxilia a que essa vegetação se regenere muito rapidamente depois da passagem do fogo.

Um problema muito sério que nós temos em vários lugares, um dos problemas sérios do Cerrado, é a introdução de gramíneas exóticas, muito utilizadas para o pasto, para a pecuária. Essas gramíneas têm alterado muito o regime, o comportamento do fogo. Elas deixam o fogo mais severo, e o combate pode ser mais difícil. Isso acaba alterando toda a vegetação desse extrato herbáceo. Então, é muito importante que se preste atenção na invasão dessas gramíneas africanas, que está ocorrendo. Isso é uma grande ameaça para a vegetação e para o Cerrado como um todo.

O que acontece quando se altera o regime do fogo é que muitas áreas mudam de fisionomia. Áreas abertas, quando há muito pouco fogo, quando mudamos, começam a ficar mais fechadas. Podemos pensar: "Nossa, mas houve um aumento de carbono! Há mais árvore, isso é muito bom". Mas lembrem-se de que eu falei que uma grande parte do carbono dessas áreas abertas está debaixo do solo. Ganha-se muito em carbono com as árvores indo para essas áreas. Quando existe uma árvore, é difícil existir capim embaixo, essas plantas que gostam de sol. Então, há uma grande perda de espécies de plantas de savanas, dessas pequenas que gostam de sol e, consequentemente, de toda a fauna que está associada a esse tipo de vegetação mais aberta.

Isso quer dizer que eu posso sair colocando fogo, que o fogo é bom, que a gente pode deixar tudo queimar? Não. Como eu falei para vocês, nós alteramos isso. Alteramos todo o sistema. É muito importante discutirmos, então, como usarmos o fogo a nosso favor, e não só olhar como se fosse algo tão ruim assim. Realmente, na maioria das vezes, acaba prejudicando muito. Mas também temos que ver o outro lado.

Uma das coisas que é muito importante para quem trabalha na lida, no manejo, é o que sabemos: se uma área aberta fica muito tempo sem pegar fogo, acumula muito material combustível, muita biomassa, muito capim. A consequência disso é uma dificuldade muito grande do manejo, incêndios catastróficos, que acontecem de tempos em tempos. Muitas vezes, acabam atingindo áreas que não deveriam queimar dentro do Cerrado, como essa área que eu mostrei para vocês, a de uma mata de galeria, que é sensível ao fogo.

Vamos que esses incêndios têm ocorrido muito no Cerrado. Na Chapada dos Veadeiros, isso ocorreu em 2017, por causa desse grande acúmulo. Por isso é tão importante falarmos do manejo integrado do fogo, que tem sido feito ultimamente nas áreas de conservação de Cerrado do Brasil e que têm tanta importância.

Portanto, eu acho que um dos pontos relevantes de que a Profa. Mercedes já falou - para terminar minha fala agora - é que esse incentivo a pesquisas que estejam ligadas ao monitoramento do fogo e também ao manejo integrado do fogo é muito importante na hora das ações, das tomadas de decisão, e principalmente para conservar essas áreas abertas que nós temos de savana e campo, que são tão importantes dentro do Cerrado e para as quais não se dá muita atenção, porque não vemos uma árvore nesse sistema.

Como a Profa. Mercedes também disse, as nossas pesquisas são praticamente todas financiadas com dinheiro público, tanto as do Estado de São Paulo - digo isso por estar no Estado de São Paulo -, como também as do CNPq e de outras agências. Isso é fundamental para que continuemos produzindo dados que auxiliem as tomadas de decisão e também que ajudem no manejo do fogo, na prevenção de incêndio e nas modelagens, como a Profa. Mercedes mostrou.

Eu agradeço a todos este tempo que tive para poder apresentar. Muito obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Professor Israel Batista. PV - DF) - Muito obrigado, Profa. Alessandra, pela excelente explanação. A sua apresentação foi muito útil para a nossa compreensão sobre o tema.

Eu queria convidar para fazer uso da palavra a Sra. Maria do Socorro Teixeira Lima, Coordenadora-Geral da Rede Cerrado.

A Sra. Maria do Socorro já está presente?

A SRA. MARIA DO SOCORRO TEIXEIRA LIMA - Oi, boa tarde!

O SR. PRESIDENTE (Professor Israel Batista. PV - DF) - Boa tarde! Seja bem-vinda!

A SRA. MARIA DO SOCORRO TEIXEIRA LIMA - Boa tarde a todos e a todas!

Obrigada pelo convite.

Depois de ouvir as meninas, nós ficamos, assim, um pouco... É que foi tão bem colocado o que elas falaram! Foi um levantamento muito bem colocado, muito bem feito, porque é verdade o que elas falam sobre as queimadas. Com o Cerrado todo queimado, todo acabado, fica muito difícil para nós.

Por outro lado, quanto à questão do manejo e do monitoramento, poucos anos atrás, as pessoas, os agricultores tinham aquela prática de brocar, de derrubar a floresta, de derrubar a mata para fazer roçado. E eu lembro que era um fogaréu doido. E era aí por conta... Mas nós fomos vendo que aquilo era ruim e começamos a estudar e pensar nas matas sem fogo.

A primeira coisa que veio aqui para a nossa região do Tocantins foi o Prevfogo e o Proteger, que faziam cursos com o pessoal, criando as equipes de agentes que faziam a prevenção das queimadas, que apagavam o fogo com as ferramentas, com as bombas, com os apagadores, com aquelas coisas. Aquele projeto ensinava a largura dos aceiros, quando os agricultores faziam as roças; ensinava a fazer o coletivo na hora de tocar fogo, para o fogo não se evadir; ensinava o melhor horário em que o fogo não avançaria muito. Aquilo foi muito bom naquela época. Eu não sei por que não deram continuidade, não fizeram um investimento para assegurar isso.

Vieram os grandes investimentos das empresas, dos fazendeiros. Com o desenvolvimento do capital, dizia-se: "É melhor acabar com tudo". Aí acabou a nossa segurança, a de nos protegermos contra o fogo. Como as meninas já falaram, o fogo pega naquele resíduo que já está preparado ali, que é o mesmo que gasolina. Se uma ponta de cigarro bate ali, já era, acaba com o mundo.

Aqui eu moro no meio da mata, no meio do assentamento. E há época em que o assentamento, que o meu lote fica rodeado de fogo. É fogo que vem não sei de onde. É muito fogo, que vem do mundo!

E eu fico pensando também na periodicidade. Por exemplo, se o verão começa cedo, chega cedo, a chuva para, e aí o povo começa as queimadas pelo mês de agosto. Se a chuva demora a voltar, são 3 meses de queimadas. Aí, meu povo, queima o País todo! Vocês são cientes disso. Queima o País todo!

Aí ficamos rezando: "Ô, senhor, mande chuva para apagar essa fumaça, para apagar esse fogo". Só nos apegamos com Deus, porque só a chuva apaga. Não há brigadista, não há bombeiro que definhe aquele fogo, o mais terrível do mundo, porque, quando eles estão em um lado fazendo o controle, o outro vai se incendiando.

Eu acho que uma medida para isso tem que ser mesmo da parte do Governo, uma medida pesada, uma medida segura, para que o pessoal venha nos ajudar a controlar o fogo, porque não é só o Cerrado que é queimado, a Amazônia é também! Eu sou Guardiã da Floresta, sou uma das Guardiãs da Floresta, e sou Presidente de uma entidade que é a Rede Cerrado, mas também Vice-Presidente do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais e sou do Conselho Nacional dos Seringueiros, que também é da mesma luta. As reservas que o pessoal preserva com tanto carinho, o fogo as invade.

Portanto, ficamos felizes com esses estudos que já foram apresentados e confiamos que vamos chegar lá.

Quero parabenizar os Deputados que me fizeram este convite. Quero dizer que é por aí. Vamos ver no que é que dá. Estamos juntos, companheiros!

Muito obrigada pelo espaço.

Muito obrigada às meninas que apresentaram até agora. Gostei da fala. Gostei da apresentação.

Obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Professor Israel Batista. PV - DF) - Muito obrigado, Sra. Maria do Socorro, pela sua fala. É muito importante ouvir o depoimento da senhora e entender o que as populações tradicionais têm passado com o descontrole dessa situação. Muito obrigado pela sua presença.

Eu passo a palavra, neste momento, ao Sr. Ivan Diniz, que é o Coordenador de Operações da Rede Contra Fogo, aqui da Chapada dos Veadeiros. O Sr. Ivan Diniz já está presente.

Sr. Ivan, muito obrigado pela presença.

O SR. IVAN DINIZ - Eu é que agradeço o convite para estar aqui falando em nome da Rede Contra Fogo e em nome das Brigadas Voluntárias. É uma honra, realmente, estar aqui participando deste momento e valorizar sempre momentos em que a democracia se faz presente, em que a voz da sociedade é ouvida. Eu acho que isso é algo que sempre precisamos fortalecer no Brasil, especialmente.

Eu estou aqui falando em nome da Rede Contra Fogo, uma ONG que se formou em 2017, na Chapada dos Veadeiros, em um momento citado pela Professora na apresentação dela: quando houve incêndios gigantescos, de proporções colossais. Na época, os dirigentes e o pessoal do IBAMA disseram que era a maior operação contra incêndios já realizada no Brasil até aquele momento.

Naquela ocasião, cerca de 200 voluntários, entre brigadistas e pessoas que se colocaram à disposição para a logística, para a comunicação, para fazer lanche, para levar comida, etc., em Alto Paraíso de Goiás, uniram-se para defender a Chapada dos Veadeiros, para defender o Cerrado brasileiro, com todo o amor e com o que possuíam. Naquele momento, íamos para o combate com calça jeans, com a roupa do corpo, com o que tínhamos. Imediatamente se viu, pela proporção, que era necessário levantarmos algum recurso.

Fizemos uma grande campanha na Internet naquele momento e conseguimos levantar um bom recurso, em um curto período de tempo, o que possibilitou que organizássemos posteriormente alguns cursos, mas que, naquele momento, foi praticamente aplicado na compra de equipamentos, de EPIs - equipamentos de proteção individual. Foi aplicado também no custo desses recursos de combate aos incêndios, porque há o combustível, a alimentação, toda uma série de custos que é muito presente também durante os períodos de combate.

Nesse momento, através dessa união, conseguimos capacitar posteriormente esses brigadistas. Formamos quase uma centena de brigadistas voluntários na Chapada dos Veadeiros. Desde então, vimos atuando em parceria com o IBAMA e o ICMBio nos incêndios dentro e fora do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, muitas vezes também contribuindo com recursos para o próprio IBAMA e para o ICMBio na área também de combustível e de alimentação. Nós realizamos um curso em Cavalcante, um em Alto Paraíso e um em São Jorge. Vamos organizar agora um quarto curso em Alto Paraíso de Goiás também.

Mais do que só a força toda da Rede Contra Fogo, eu acho que é importante falarmos aqui das Brigadas Voluntárias, que estão espalhadas pelo Brasil. Hoje, eu sinto que estou aqui representando a Rede Contra Fogo, mas posso falar também em nome da Rede Nacional de Brigadas Voluntárias, que é um grupo já formado por 15 Brigadas Voluntárias, espalhadas em dez Estados brasileiros, crescendo a cada tempo, a cada mês. Novas brigadas vêm se estruturando para se formar pelos Estados brasileiros, em uma clara visão da necessidade de nós, enquanto sociedade civil, tomarmos a frente nos combates, por perceber que os esforços feitos pelo Governo, de maneira geral, não são suficientes. São deficitários naquilo de que precisamos, especialmente no Cerrado brasileiro, especialmente no entorno das unidades de conservação, especialmente na Chapada dos Veadeiros, onde atuamos desde 2017. Então, é importante salientar a existência da Rede Nacional de Brigadas Voluntárias.

E solicito que, em uma outra oportunidade, representantes da Rede Nacional também sejam ouvidos, para que possam falar até com mais propriedade sobre todos os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos pela Rede Nacional.

Mas o importante é, acima de tudo, percebermos que a atuação da sociedade civil no combate direto aos incêndios, hoje, tem sido um grande apoio para o ICMBio e para o IBAMA, para essas instituições federais que, ao longo dos últimos anos, especialmente, vêm sendo sucateadas e que têm restrição nos seus recursos. Nós temos sido um parceiro importante para essas instituições, assim como eles são sempre reconhecidos por nós como nossos professores, os professores brigadistas.

Eu faço sempre questão de salientar que foi o pessoal do Prevfogo que nos treinou, que foi o pessoal do ICMBio que nos ensinou o que sabemos. E é muito importante que atuemos em consonância com essas instituições, que tão bem conhecem os territórios, especialmente em se tratando das unidades conservação.

A Rede Contra Fogo hoje tem um trabalho principal de atuação dentro da região da Chapada dos Veadeiros, mas também somos uma das forças presentes entre essas 15 brigadas voluntárias da Rede Nacional de Brigadas Voluntárias, movimento que a cada dia tenta se fortalecer e crescer mais. Todas as brigadas são unidas por esse amor à preservação ambiental, especialmente ao Cerrado e à Amazônia, lugares onde a maioria dessas 15 brigadas estão dispostas hoje. Temos brigadas voluntárias no Estado do Pará, já conhecidas nacionalmente. Temos também no Estado do Tocantins, no Goiás, em Minas Gerais, em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Espírito Santo, no Paraná. E há possibilidade de formação de novas brigadas tanto em Mato Grosso quanto em Mato Grosso do Sul, para ampliar o número de Estados atendidos por essas brigadas voluntárias.

Quero mais uma vez agradecer, em nome da Rede Contra Fogo, esse espaço. Eu acho que é superimportante discutirmos esse assunto. Agradeço também às Professoras, que fizeram essas brilhantes apresentações, que enriqueceram muito o debate de todos nós que somos apaixonados pelo Cerrado e, de maneira geral, pela natureza.

Agradeço também ao Deputado que abriu este espaço. Que tenhamos sempre tem esse lugar de troca com a Câmara dos Deputados. Que isso sempre seja um caminho aberto para que tenhamos uma compreensão mais completa da problemática do fogo no Cerrado e no Brasil como um todo.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Professor Israel Batista. PV - DF) - Muito obrigado, Sr. Ivan, pela sua fala. Eu achei superimportante nós termos uma dimensão de como funcionam também essas brigadas voluntárias. Eu acho isso essencial.

Quero passar a palavra agora ao Sr. Bruno Mello, Diretor Presidente da Fundação MAIS Cerrado.

O Sr. Bruno Mello já está presente?

Seja muito bem-vindo!

O SR. BRUNO MELLO - Obrigado. Boa tarde, Deputado Professor Israel Batista!

Agradeço também à Deputada Professora Rosa Neide o convite.

Para discutir esse assunto tão importante, nós gostaríamos que a Casa hoje estivesse cheia, com a grande maioria dos Deputados também empenhada neste tema tão importante.

O Cerrado passa por uma situação de abandono em todas as questões. Para começar, é um bioma que não é considerado patrimônio nacional. Não há nenhuma legislação de proteção do Bioma Cerrado. Desde 2014, há um projeto do ex-Deputado Sarney Filho que vem procurando colocar regramentos para o nosso bioma. Um fato muito importante é a questão das carvoarias, que têm essas transições de grandes áreas, como vem acontecendo em MATOPIBA, que passa por um processo de desmatamento, onde a questão do fogo está inserida.

E há a importância de a Casa e de o Congresso Nacional voltarem a discutir não só a questão do fogo, mas também todas as questões relativas ao bioma Cerrado, e darem o real valor a esse bioma riquíssimo (falha na transmissão).

Na questão do Cerrado, há uma grande dificuldade de regeneração dessas áreas, como a Profa. Mercedes demostrou. É um bioma que está diretamente ligado a todos os outros biomas nacionais. Há uma ligação, como o Deputado disse, da caixa d'água do nosso País. Nós precisamos olhar com mais cuidado para esse bioma.

Direcionando-nos à questão específica do fogo, como anteriormente os outros convidados mostraram, há a grande atuação do ICMBio, do IBAMA e do PREVFOGO. Nós temos que parabenizá-los, porque são os atores fundamentais no combate aos incêndios florestais no nosso País.

E há a atuação brilhante das Brigadas Voluntárias. Parabenizamos o trabalho muito importante que a Rede contra o Fogo vem fazendo aqui na região da Chapada dos Veadeiros. Realmente, é preciso que haja essa união e esse apoio, para se fortalecer esse movimento todo, assim como a criação de novas brigadas e de mais voluntários. Que eles tenham melhores condições para poderem atuar. Que haja uma participação maior de apoio, tanto do poder público federal quanto dos poderes públicos estaduais e municipais.

Como pudemos ver nesta audiência, foram citados o ICMBio, o PREVFOGO e as Brigadas Voluntárias. E nós vemos uma ausência muito grande dos Estados, da participação das Secretarias Estaduais de Meio Ambiente. Há esse desmonte que vem havendo hoje no ICMBio, que vem enfraquecendo todas as pautas ambientais no IBAMA, no ICMBio, no Ministério do Meio Ambiente. E, mais do que nunca, é importante que os Srs. Deputados convoquem os Secretários Estaduais de Meio Ambiente, para que consigamos estipular políticas públicas em que o Estado também comece a ter atuação nesse cenário.

Um exemplo foi citado aqui, da Chapada dos Veadeiros, o da APA de Pouso Alto, onde se tem, nesses anos todos, o ICMBio e o IBAMA cuidando do fogo dentro da Unidade de Conservação federal e tendo que atuar dentro da APA de Pouso Alto, que é uma APA estadual. Agora, com esse aumento do número de incêndios, como foi demonstrado, é importante que seja criada uma política pública para que os Estados também criem as suas bases de incêndios florestais, de acordo com as áreas em que devem ter atuação, para manter esses últimos remanescentes do bioma Cerrado.

A maioria das terras do Cerrado estão em áreas privadas.

Lembremos que o ICMBio e o PREVFOGO têm a obrigação e a atuação principalmente em Unidades de Conservação federais, e, mesmo assim, já têm uma limitação muito grande de brigadistas e colaboradores para atuar nessas áreas. E hoje, voluntariamente - vamos chamar assim -, o ICMBio ainda ajuda as APAs estaduais, as áreas privadas.

Enquanto nós tivermos esse modelo, vai existir uma sobrecarga em cima do ICMBio e em cima também das Brigadas Voluntárias, enquanto atores importantes, como Estados e Municípios, também devem estar participando. Mas não é apenas uma participação do SCI, do Comando de Fogo, ao fazer apoios logísticos. Nós precisamos que os Estados criem uma estrutura parecida com a do PREVFOGO, mas estadual, onde cada um possa estar cuidando do que é seu, do seu território, e, quando possível, todos ajudarem a todos.

Precisamos conseguir hoje, com um pouco de investimento do Estado, com equipamentos, com assistência às Brigadas Voluntárias, com trabalho de prevenção, de aceiros, pautados pela comunidade científica, pelos pesquisadores, ter prevenção, para que não esperaremos vir o fogo e tenhamos o caos, e assim tenhamos que locomover toda a máquina pública.

No Cerrado, esse trabalho de prevenção e esse trabalho de educação dessas novas gerações é um trabalho também com as propriedades privadas, porque a grande parte dos incêndios vem das propriedades privadas, com o descontrole desse fogo. Portanto, nós precisamos, dentro dessa discussão do fogo, começar a chamar todos esses atores.

Vou dar o exemplo daqui, do nosso Governo do Estado do Goiás. Nós tivemos uma política pública de 20 anos do Governo que fez um desmonte ambiental em todas as áreas ambientais no Estado. Nós temos hoje 67% do Estado desmatado, sendo que 70% dele foi desmatado clandestinamente.

Portanto, quando se envolve a falta de fiscalização e a falta de atuação do próprio Estado dentro da própria área, como é o caso da APA de Pouso Alto e também de alguns parques estaduais, como o de Terra Ronca, que faz divisa com a RESEX, que é uma unidade gerida pelo ICMBio, nós precisamos colocar esses atores juntos, na mesma Mesa. Precisamos tirar essa carga ou sobrecarga que vem no ICMBio, em todos os aspectos, que vem desde a formação de brigadistas, a formação fora das suas Unidades de Conservação, da atuação de pegar o seu contingente e ter que tirá-lo da sua unidade e deslocá-lo para áreas privadas.

Nós temos hoje um sistema básico em que há dois atores importantes: o ICMBio e as Brigadas Voluntárias. Nós precisamos incorporar os outros atores também, que devem estar presentes nessa união de esforços, e fortalecer essas Brigadas Voluntárias, que é uma coisa fenomenal que acontece no Brasil, aqui na região da Chapada. Há pessoas que dedicam suas vidas a isso sem receber absolutamente nada, a não ser a retribuição de estar vendo aquela vida sendo salva. Que tenham apoio de verdade, um apoio consistente tanto do Governo Federal como do Governo Estadual e Municipal.

Portanto, eu gostaria que os Deputados, se for possível, convidassem os Secretários Estaduais de Meio Ambiente e os colocassem junto com o representante do ICMBio para tratar da pauta dos incêndios florestais e que fizessem uma provocação, porque é muito necessário que aumentemos, como o Ivan comentou, o contingente. Os voluntários vêm segurando essa necessidade há muito tempo. Mas é necessária essa interação entre os Governos, os voluntários, a sociedade civil. A educação e a prevenção são ferramentas que têm que ser trabalhadas sempre em conjunto.

Esgotou o meu tempo. Eu agradeço novamente ao Deputado e o parabenizo por essa disposição, por ser um brasiliense. Eu sou brasiliense, mas também sou chapadense, aqui da Chapada. E quero pedir a colaboração para voltarmos a levantar a temática do Cerrado, da proteção dele, na nossa Casa principal do poder nacional.

Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Professor Israel Batista. PV - DF) - Sr. Bruno, muito obrigado. Nós, que somos de Brasília, temos essa preocupação com o Cerrado, essa região alta, essa caixa d'água do Brasil. Nós temos que nos preocupar com isso aqui, porque é uma preocupação com o País inteiro, com o abastecimento dos aquíferos. Essa é uma característica muito própria das pessoas daqui de Brasília mesmo. Obrigado pela sua participação.

Eu tenho uma série de perguntas para os nossos convidados de hoje. Eu queria colocar essas perguntas e depois abrir uma última rodada para que todos possam falar por 3 minutos e já se despedirem. Mas eu queria que vocês já usassem esses 3 minutos respondendo às perguntas, se possível.

A primeira pergunta é esta: como essas queimadas e esses incêndios florestais ocorridos no Cerrado se diferenciam dos eventos ocorridos em outros biomas brasileiros, ou seja, como a queimada do Cerrado se diferencia da queimada na Floresta Amazônica, por exemplo? Essa é uma questão que nós precisamos colocar aqui.

Outra questão que eu quero colocar é a seguinte: quais são as peculiaridades que precisariam ser endereçadas, do ponto de vista de estrutura fiscalizatória, sistemas de alerta e controle e ações de prevenção e combate ao desmatamento e a incêndios no Bioma Cerrado?

Então, do que precisamos em termos de fiscalização, controle, prevenção, combate a desmatamentos e queimadas aqui no Cerrado?

Outra pergunta que eu coloco para os senhores é a seguinte: está sendo realizado hoje algum trabalho pelas universidades em parceria com as ONGs locais, com as Brigadas Voluntárias ou com as comunidades afetadas pelos incêndios? Ou seja, como é que está sendo a participação da universidade brasileira nesse assunto?

Outro ponto que eu quero colocar é este: como tem sido a integração das Brigadas Voluntárias com as brigadas do PREVFOGO?

Também quero pôr outra questão. Hoje, temos aqui na Câmara, em tramitação, o Projeto de Lei nº 11.276, de 2018. Esse PL institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo e é um PL que veio do Poder Executivo. Eu queria perguntar se vocês conhecem a minuta dessa proposição e se gostariam de sugerir a esta Comissão alguma alteração para aprimorar o Projeto de Lei nº 11.276, de 2018.

Por último, eu quero saber o seguinte: na opinião dos senhores e das senhoras, como é que a Câmara dos Deputados poderia contribuir melhor para o enfrentamento desse problema? Existe alguma norma, algum ponto da legislação que poderia ou que deveria ser modificado?

Eu abro de novo as rodadas.

Profa. Mercedes, a senhora quer fazer o uso desta última palavra por 3 minutos? Eu abro para a senhora, porque eu sei que a senhora precisa sair.

A SRA. MERCEDES BUSTAMANTE - Muito obrigada, Deputado.

Eu lamento. Realmente, tenho outro evento, que vai discutir exatamente a questão da sustentabilidade da agricultura no Cerrado.

Eu queria muito brevemente colocar que o Cerrado tem características próprias, quando o comparamos com outros biomas. Como já foi colocado aqui, é um bioma que evoluiu com o fogo. No entanto, a presença humana tem modificado três aspectos que são centrais para o fogo: o clima; a quantidade de material combustível, quando manejamos e transformamos a vegetação; e as fontes de ignição, que, agora, já não são só as fontes naturais, são as fontes humanas também. Então, a presença humana tem alterado três dos fatores de um fenômeno que era natural dentro do Cerrado, e precisamos avaliar isso.

Acho que hoje já temos condições, Deputado, com o conhecimento que temos acumulado até o momento, de ter um bom sistema de alerta e controle de queimadas no Cerrado. Precisamos ter a vontade política de minimamente estruturar esse sistema com os órgãos. Como foi muito bem colocado aqui, não é só o Governo Federal, mas os Estados também têm uma contribuição importante a dar. Precisamos reunir todo esse conhecimento acumulado e estruturá-lo. Acho que não é um sistema de relativo alto custo, dado que boa parte do desenvolvimento já vem sendo testado em diferentes momentos.

As universidades têm um papel central e são parceiras, sem dúvida, nesse processo. Nessa chamada que eu coloquei do CNPQ e do PREVFOGO, muitos desses trabalhos já são feitos em conjunto com povos indígenas, comunidades locais e tradicionais, porque elas também detêm o conhecimento tradicional sobre o uso do fogo no Cerrado, o que é muito importante de ser avaliado, discutido, considerado e valorizado neste momento.

E eu gostaria muito de agradecer também pelas palavras à Maria do Socorro. Acho extremamente importante entendermos exatamente a realidade de quem vive isso nessas áreas, nesses remanescentes do Cerrado, que são os Guardiões da Floresta, os Guardiões do Cerrado, os nossos biomas. Eles merecem esse espaço e essa voz neste momento também.

Então, eu lamento, pois eu gostaria muito de seguir nesse debate, mas me coloco prontamente à disposição para retornar aqui, para fornecer material ou para poder olhar com mais tempo todas as contribuições que podem ser dadas para a construção de um sistema bastante eficiente, ágil de monitoramento e alerta para queimadas no Bioma Cerrado.

Muito obrigada, Deputado. E eu lamento realmente por ter que me desconectar neste momento. Peço desculpa aos colegas também e aos convidados deste evento.

O SR. PRESIDENTE (Professor Israel Batista. PV - DF) - Professora, muito obrigado pela sua participação. A senhora muito nos honrou e esclareceu muito para nós. Muito obrigado. Fique à vontade.

A SRA. MERCEDES BUSTAMANTE - Muito obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Professor Israel Batista. PV - DF) - Eu quero convidar, para fazer uso da palavra e também para fazer suas considerações finais, a Profa. Alessandra Tomaselli Fidelis.

A SRA. ALESSANDRA TOMASELLI FIDELIS - Muito obrigada. Eu vou tentar responder algumas das perguntas que o Sr. Deputado fez. E, se tiverem mais alguma dúvida, estou à disposição para responder.

Em primeiro lugar, eu gostaria de dizer que não teríamos o Cerrado se não fossem os povos tradicionais que temos no Cerrado e, nesses últimos tempos, os brigadistas, que são os verdadeiros heróis, combatendo os incêndios e também tentando manejar toda essa vegetação, todo esse material combustível que temos no Cerrado, evitando, na maioria das vezes, que esses incêndios fossem piores ainda do que são. Eles são os que no momento estão precisando de mais apoio das Sras. Deputados e dos Srs. Deputadas, porque realmente o que eles fazem -- eu não sei se as senhoras e os senhores já tiveram oportunidade de conversar com eles ou de acompanhar o trabalho deles -- é um trabalho exaustivo, de amor ao Cerrado mesmo. Não há outra explicação. Eu aprendo demais com todos eles. Eles são os meus melhores professores.

A universidade tem se aproximado, sim, cada vez mais, e precisa se aproximar mais dos povos tradicionais. Essa chamada, como a Profa. Mercedes falou, visou integrar a universidade e fazer com que ela viesse a trabalhar nos territórios quilombolas e nos territórios indígenas que temos dentro do Cerrado e de outros biomas também. Eu faço parte dessa chamada assim como outros colegas. Então, além de trabalhar em território quilombola, no meu caso, também trabalho com brigadas e gestores de outras unidades de conservação e tenho vários colegas que estão trabalhando com o fogo em vários aspectos, desde os aspectos mais antropológicos até os aspectos ecológicos, com esses povos tradicionais e as brigadas, fazendo experimentos em conjunto, aprendendo com as brigadas e tentando fornecer dados. Mas precisamos de mais com certeza.

Só para finalizar, falando da diferença, que o senhor perguntou, do que é um incêndio no Cerrado e um incêndio na Amazônia, temos que lembrar que a Amazônia não pega fogo, assim, facilmente. Não é como disseram anteriormente, que você chega com um fósforo, risca no Cerrado, e, dependendo da época do ano, ele pega fogo. Na Amazônia, não. Você tem que derrubar a Amazônia para ela queimar. Essa é uma grande diferença. No Cerrado, nós dizemos que a vegetação é mais inflamável, ou seja, ela pega mais fogo. Na Amazônia, não. E o fogo na Amazônia vai ter sempre esse fator degradante muito forte, que vai ser potencializado por fatores climáticos. Mas, para as florestas tropicais pegarem fogo, elas têm que ser derrubadas. É muito difícil colocar fogo numa floresta dessas.

Então, eu agradeço também e, como a Profa. Mercedes, coloco-me à disposição para fornecer dados e auxiliar no que for possível, tanto eu como todo o meu grupo. Eu agradeço por esta oportunidade de estar aqui.

O SR. PRESIDENTE (Professor Israel Batista. PV - DF) - Muito obrigado, Profa. Alessandra, pela sua fala, pelas suas explicações e pela sua gentileza de atender ao nosso convite.

Eu quero convidar a D. Maria do Socorro.(Pausa.)

Eu acho que ela não está mais presente. Bem, vamos aguardar. Eu vou chamar o próximo. Se ela voltar, nós lhe passaremos a palavra.

Então, passo a palavra para o Sr. Ivan Diniz.

O SR. IVAN DINIZ - Boa tarde.

O senhor trouxe muitas perguntas, e a primeira delas que eu acho que cabe bem a mim responder é como é a relação das brigadas voluntárias com as brigadas do ICMBio e do IBAMA.

Eu posso lhe dizer que a nossa relação é quase familiar. Nosso trabalho com o PREVFOGO e com o ICMBio é de uma irmandade que nos traz muita alegria sempre. Então, em todos os incêndios que nós combatemos nós trabalhamos de maneira articulada e coordenada pelo ICMBio, no caso, aqui na região da Chapada dos Veadeiros. A nossa relação é muito boa, e o clima é de cooperação total no que tange, pelo menos, à região da Chapada dos Veadeiros. Nós cedemos equipamentos para o IBAMA utilizar, oferecemos recursos para combustível e para alimentação e recebemos deles o treinamento que temos hoje, sempre numa troca supersaudável e positiva.

Nesse sentido, é importante nós diferenciarmos as instâncias locais do IBAMA dos problemas que porventura venham da Direção Nacional. Então, é bem importante nós sabermos que existem, lá na ponta, profissionais e servidores muito capacitados e dedicados, mas que muitas vezes fazem seu trabalho individualmente, independentemente do que a Direção às vezes falhe. Eu acho que isso é importante dizer.

Sobre o Projeto de Lei nº 11.276, de 2018, a minha leitura é que ele parece ser positivo. Ele traz uma série de possibilidades para o manejo integrado do fogo, que é um assunto superimportante a se tratar. Então, eu acho que, de certa maneira, existem muitos avanços. Eu precisaria dar uma olhada no PL como um todo para poder fazer qualquer sugestão. Mas muitos avanços esse PL traria, principalmente por inserir já o manejo integrado do fogo, uma ferramenta tão importante para o nosso trabalho.

E, como eu sou poeta, vou terminar com uma curta poesia que se chama Vida de Brigadista. Eu a escrevi e está no meu livro. Ela diz assim:

O céu fica cinza

O ar ainda mais seco

A natureza grita

Encurralada em um beco

O fogo se alastra

A vida vira drama

A tristeza toma conta

Do coração de quem ama

Uma árvore cai

Dominada pela chama

Animais que se vão

Cedo demais para o céu

Labaredas de vida

Queimam como papel


Os guerreiros se unem

Abafadores em punho

Imagens da seca

Que se agravam em junho

Buritis em chamas

Nos invade o desgosto

A luta que aumenta

Chegamos em agosto

A cegueira faz um homem

Botar fogo no mato

Sem perceber que é a si mesmo

Que ele queima de fato

É isso.

Muito obrigado, mais uma vez, pelo espaço. Estamos sempre à disposição, tanto a Rede Contra Fogo quanto a Rede Nacional de Brigadas Voluntárias.

Um grande abraço a todos!

Vamos lutar pelo Cerrado! Como sempre dizemos, mexeu com o Cerrado, mexeu comigo!

O SR. PRESIDENTE (Professor Israel Batista. PV - DF) - Ivan, muito obrigado por sua participação e por essa poesia também. Nós precisamos disso. Nesta vida agreste do Congresso Nacional, não é todo dia que nós podemos ouvir poesia.

Muito obrigado.

Eu quero convidar, para fazer uso da palavra, o Bruno Mello. Em seguida, se a Sra. Maria do Socorro tiver voltado, nós passaremos a palavra para ela.

O Bruno Mello tem a palavra.

O SR. BRUNO MELLO - Eu acredito que todas as perguntas foram praticamente respondidas, mas eu gostei da pergunta sobre o que nós podemos fazer para avançar neste debate, buscando soluções propositivas, de forma que nós possamos mudar o cenário que existe hoje.

Eu sugiro hoje que esta Comissão convide os secretários estaduais e peça a eles que apresentem as propostas criadas por cada Estado para o combate ao incêndio, para que este trabalho seja integrado juntamente com o Governo Federal. É muito importante que cada um possa pautar o que está fazendo no seu Estado e que se abra uma discussão entre os secretários do Bioma Cerrado, que têm um grupo, também colocando nisso pautas importantes como o reconhecimento, o que eu nem acredito que esteja nesse PL, do brigadista como uma profissão, porque eles hoje não são reconhecidos.

Também sugiro a criação de um comitê em que se consiga juntar as universidades pesquisadoras com o ICMBio, com as brigadas voluntárias, com as Secretarias de Estado de Meio Ambiente, para, com as expertises que já existem, criar um modelo, vamos dizer assim, de como seria possível melhorar o processo que nós temos hoje em dia; como poderíamos ter mais cursos para a formação de brigadistas; como poderíamos dar assistência a essas brigadas; como os Estados poderiam formar o seu PREVFOGO. A experiência que o ICMBio já adquiriu em muitos anos pode ser levada para os Estados. Eu sei que é muito difícil, hoje, pelo momento fiscal dos Estados, que haja grandes recursos para nós chegarmos ao ideal que nós gostaríamos, mas, pelo menos neste momento em que estamos nesta crise climática e de incêndios florestais, que se inicie um trabalho que possa de fato trazer um legado para o nosso Cerrado e para o nosso País.

Nós não podemos continuar desta forma, com tudo nas costas de um, tudo nas costas das brigadas voluntárias. Nós precisamos mudar esse cenário de políticas públicas, de forma que haja a participação de todos nesse processo. Se cada um trouxer a sua contribuição, trouxer o melhor de si, nós poderemos criar uma nova política pública de combate a incêndios florestais para o Cerrado e, quem sabe, até para o nosso País.

Eu agradeço a participação e o parabenizo. A Fundação Mais Cerrado está à disposição para essas audiências junto com os secretários estaduais.

Nós temos feito um trabalho com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Goiás e temos procurado criar esse sistema que ainda não existe. Nós estamos aqui à disposição para poder contribuir nesse processo.

Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Professor Israel Batista. PV - DF) - Bruno, muito obrigado pelas suas palavras.

Eu quero agradecer imensamente a todos os nossos convidados que estiveram aqui hoje e dizer que eles produziram uma reflexão importante. E, neste encerramento, eu quero apenas completar essa reflexão dizendo que os problemas que nós enfrentamos aqui no Cerrado -- e, como morador de Brasília, eu tenho pensado muito sobre isto -- são decorrentes da ocupação urbana desordenada, que começou especialmente nos anos 50, com a criação de Brasília, com a abertura das novas fronteiras, que permitiram a interiorização da população brasileira. E nós, então, fomos desbravar o Mato Grosso, o Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins. Esse desbravamento, sempre rompendo novas áreas agrícolas, novas áreas para pecuária, era tido como desenvolvimento.

Eu penso que a única forma que nós temos para preservar o Cerrado e outros biomas brasileiros e mundiais também é repensarmos toda a economia, colocarmos esse modelo econômico de cabeça para baixo. O Brasil é um país que tem esse território imenso que é abençoado com essa natureza, mas se presta a um papel internacional de fornecedor de produtos agrícolas de baixo custo. É o país que guarda em seu território a maior biodiversidade do planeta e se presta ao papel de produzir, nas suas áreas riquíssimas, plantas baratas e estrangeiras, culturas exóticas. Produzimos café, cana-de-açúcar, soja, plantas que não são originárias do nosso riquíssimo País.

Eu vejo que nós estamos perdendo dinheiro. Hoje, preservação da natureza, da biodiversidade e foco na catalogação das espécies deveriam ser a nossa prioridade. Há estudos que demonstram que, hoje, só em medicamentos o Brasil teria um impacto comercial da ordem de 225 bilhões de dólares se conseguíssemos catalogar as espécies e fornecer para a indústria farmacêutica norte-americana. E nós preferimos destruir essa riqueza para plantar soja. Um punhado de baru, vendido no mercado parisiense, tem o mesmo preço de uma tonelada de soja, mas distribui renda. Essa tonelada de soja vai levar riqueza exclusivamente para o dono da fazenda, para o latifundiário, e o impacto negativo sobre o meio ambiente será pago por toda a sociedade.

Então, que essa nossa reunião de hoje nos traga, para muito além do pensamento sobre a necessidade de atacar o problema emergencial, apagar os incêndios, um pensamento sobre o modelo econômico que o Brasil adotou e que nos faz desperdiçar o que nós temos como maior riqueza,

que é o fato de termos a maior biodiversidade do mundo e que nos faz concentrar riqueza nas mãos de poucos e socializar os efeitos negativos desse modelo econômico. Ou seja, alguns poucos ganham dinheiro com a soja, mas é o Pantanal inteiro que seca, não é? Alguns poucos ganham dinheiro com a pecuária, mas é o Goiás inteiro que arde em chamas, e as pessoas não se enriquecem com isso.

Esse modelo econômico precisa ser contestado. Alguns podem dizer que eu sou do século XX, que eu estou ligado à Guerra Fria. Não tem nada a ver com isso! Eu estou dizendo que, se o Brasil quiser ser uma economia capitalista moderna e apontada para o futuro, ele tem que abandonar esse modelo econômico, ele tem que partir para outra, ele tem que investir nas suas potencialidades para ter diferencial no mundo e parar de ser o eterno fornecedor de produtos agrícolas de baixa complexidade, baixo valor agregado.

Então, é isso.

Eu quero agradecer aos nossos queridos convidados e dizer que vocês fizeram apresentações incríveis, que acrescentaram muito conhecimento ao Congresso Nacional.

Quero também agradecer aos Deputados que estiveram presentes nesta reunião e aos que tiveram que sair porque hoje o Congresso está extremamente cheio de atividades.

Quero agradecer também a toda nossa Assessoria, especialmente à Assessoria da Comissão e à Assessoria do meu gabinete, na figura da Luciana, da Liane. Muito obrigado.

Agradeço também ao nosso público, que, cada vez mais, tem se politizado e buscado acompanhar as atividades do Congresso Nacional, que é a Casa do Povo.

Muito obrigado a todos que participaram desta audiência pública.

Nada mais havendo a tratar, convoco reunião de audiência pública extraordinária virtual e de deliberação de requerimentos, se houver, para o próximo dia 27 de maio de 2021, quinta-feira, às 14 horas, com o tema: Diagnóstico dos incêndios florestais no Bioma da Mata Atlântica: características, consequências, peculiaridades e propostas para enfrentamento.

Assim, não havendo mais nada a tratar, declaro encerrada a presente reunião.