CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sessão: 1852/17 Hora: 15:32 Fase:
Orador: Data: 29/11/2017



DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO


NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES


TEXTO COM REDAÇÃO FINAL


Versão para registro histórico


Não passível de alteração



COMISSÃO DE CULTURA EVENTO: Audiência Pública REUNIÃO Nº: 1852/17 DATA: 29/11/2017 LOCAL: Plenário 10 das Comissões. INÍCIO: 15h32min TÉRMINO: 16h34min PÁGINAS: 19


DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO


MARIA DE LOURDES PELUSO - Vice-Presidente da Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente. CHRISTINA PENNA - Colaboradora da Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente. EURÍPEDES GOMES DA CRUZ JÚNIOR - Secretário-Geral da Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente.


SUMÁRIO


Discutir a importância das artes nos tratamentos de transtornos mentais e prestar homenagem ao trabalho realizado pelo Museu de Imagens do Inconsciente. Requerimento nº 116/2017 - Deputada Jandira Feghali e Deputado Thiago Peixoto.


OBSERVAÇÕES


Há exibição de vídeo. Houve exibição de imagens. Há oradores não identificados.






O SR. PRESIDENTE (Deputado Thiago Peixoto) - Declaro aberta a reunião extraordinária de audiência pública para debater a importância das artes nos tratamentos de transtornos mentais e prestar homenagem ao trabalho realizado pelo Museu de Imagens do Inconsciente.

A audiência atende ao Requerimento nº 116/2017, de autoria da Deputada Jandira Feghali.

Eu queria convidar para presidir esta audiência pública a Deputada Jandira Feghali e dizer da minha alegria e do orgulho de poder participar desta audiência pública, dada uma relação de parentesco que eu tenho com uma doutora que todos entendem ser a grande referência neste assunto. Ela é prima primeira da minha bisavó. Parece muito distante, mas nós conhecemos bem a história dela, e nossa família tem muito orgulho disso. A minha bisavó fazia referências importantes a ela, como amiga, como médica, como mulher.

A Nise tem uma história muito importante na Medicina, mas também foi presa política durante um determinado período de tempo, por ter livros que eram considerados marxistas. Enfim, é uma pessoa que tem uma história interessante e é referência. Eu me considero um parente distante, mas, como membro da família, fico muito orgulhoso de participar desta audiência pública.

Vou passar a palavra à autora do requerimento que vai presidir a audiência e convidar todos a participarem. Eu vou ficar aqui também acompanhando de perto.

Obrigado.

O SR. DEPUTADO CELSO PANSERA - Deputada Jandira Feghali, eu vou ter que sair, porque eu tenho outra reunião de bancada agora. Eu gostaria de ficar com vocês. Acabando rápido lá, eu retorno para cá.

Quero parabenizar pela iniciativa. Este é um bom motivo para audiência pública.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Obrigada, Deputado Celso Pansera.

Primeiro, eu quero testemunhar a emoção do Presidente da Comissão. Foi fato que, quando nós fizemos o requerimento da audiência pública, ele ficou impactado, porque ele não esperava o pedido da audiência. Quando nós o fizemos, de fato, ele registrou com emoção esta possibilidade.

É uma homenagem importante por tudo que significou e o que significa até hoje Nise da Silveira na história do Brasil, na história de saúde pública brasileira, na história de saúde mental e a sua intercessão com a cultura.

Como aqui é a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, isso tem uma força enorme. É importante que nós consigamos, a partir da Comissão de Cultura, tratar deste assunto e deste tema.

Como já disseram em vários artigos, ela deu voz à loucura. Ao ler os artigos dela e até no filme que foi feito em relação à Nise, há aquela frase dela: “Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu nunca convivi com pessoas muito ajuizadas”.

Então, diante dessa fala da Nise, eu quero trazer para cá as pessoas que mantêm viva a sua história, a sua trajetória, por meio do Museu das Imagens do Inconsciente, no Instituto Nise da Silveira, que hoje se mantém dentro de uma instituição, inclusive, que continua lidando com essas pessoas que mostram sua realidade mais profunda.

Então, eu vou chamar Maria de Lourdes Peluso, Vice-Presidente da Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente, que está aqui conosco; Eurípedes Gomes da Cruz Júnior, Secretário-Geral da Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente; e Christina Penna, Colaboradora da Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente.

Estão os três aqui conosco, para que nós possamos realizar esta audiência pública que está na Internet da Câmara e ao vivo na nossa página também. Eu tenho certeza de que este registro histórico da nossa audiência pública é importante para a história deste Parlamento. Aliás, este Parlamento precisa de histórias assim. Nós estamos num momento muito difícil aqui. Eu espero que esta audiência oxigene as nossas cabeças e o nosso universo.

Eu acho que eu não preciso falar do currículo de Nise, porque acho que vocês vão tratar do tema. Eu acho mais importante que vocês falem do que eu, mas eu quero registrar que eu me sinto muito honrada, muito orgulhosa. Quando eu fui Secretária de Cultura do Rio de Janeiro, nós instituímos o Prêmio Nise da Silveira. Fizemos vários ciclos de debate em torno da figura de Nise da Silveira, entregamos essa premiação a várias figuras importantes no Rio de Janeiro.

Então, Nise sempre esteve presente no histórico político, cultural e da saúde. São relações de identidade que nós construímos na vida, e Nise é uma referência para todos nós.

Antes mesmo de passar a palavra a vocês, eu acho que seria importante... O vídeo já está no ponto? Talvez seja importante vocês dois virem para cá para verem o vídeo. Nós fizemos até um vídeo de iniciativa nossa, mas achamos que este vídeo da UNESCO está mais completo. É um vídeo curto, mas é importante assisti-lo. Não sei se é o caso de diminuir a luz, se for possível, porque fica melhor para ver o vídeo. Tem como diminuir a luz um pouquinho?

Então, vamos ao vídeo.

(Exibição de vídeo.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Muito bom. (Palmas.)

Aliás, quem não conhece esse museu deveria conhecê-lo, porque, de fato, é impactante, é uma emoção conhecer as obras, o ambiente. O confronto entre o prontuário médico antigo e a obra é algo espetacular. Há diagnóstico de embotamento afetivo de pacientes que só expunham paixão nas suas obras. É uma coisa fenomenal.

Convido para fazer uso da palavra a nossa primeira convidada, a Sra. Maria de Lourdes Peluso, Vice-Presidente da Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente.

A SRA. MARIA DE LOURDES PELUSO - Boa tarde a todos.

Antes de tudo, eu gostaria de agradecer à Deputada Jandira Feghali e toda a sua incansável equipe pela oportunidade de estarmos aqui apresentando aos senhores o trabalho desta grande psiquiatra Dra. Nise da Silveira.

A Deputada Jandira Feghali conhece o trabalho desenvolvido no Museu de Imagens do Inconsciente e tem nos apoiado com emendas e com sua energia. Obrigada, Deputada.

Não vou falar sobre o trabalho da Dra. Nise, nem mesmo do Museu de Imagens do Inconsciente, que será apresentado pelo museólogo Eurípedes Júnior, grande conhecedor do assunto.

Antes da exposição, gostaria de dizer algumas palavras sobre a Sociedade de Amigos. A sociedade foi criada em 1974, pouco antes da aposentadoria da Dra. Nise, para ser o braço executivo do Museu. Desde então, vem desenvolvendo projetos e trabalhando na difusão e divulgação das suas atividades, cumprindo a sua missão de salvaguardar esse valioso patrimônio público.

Recentemente, concluímos um projeto de reestruturação do museu, que prevê mudanças profundas e necessárias, que vão desde a ampliação de sua sede até a proposta de uma estrutura de funcionamento administrativo que seja capaz de englobar sua vocação multidisciplinar, abrangendo as áreas de saúde, educação e cultura.

É muito especial estarmos aqui, na Casa do Povo, onde entendemos que nossos representantes discutem e implementam ações e políticas públicas que visam a diminuir as desigualdades e os sofrimentos humanos e, assim, beneficiar todo o corpo social do nosso País.

Gostaria apenas de ressaltar o exemplo de pessoa e cidadã que foi Dra. Nise, uma grande lutadora por seus ideais humanitários, que resistiu com bravura, resiliência e ética e, efetivamente, possibilitou uma vida mais digna àqueles que sofrem de transtornos mentais. Tudo isso foi feito com cuidado e afeto. Sua indiscutível importância na área de saúde mental extrapola os limites de sua especialização, atuação e nacionalidade e vem ao encontro daquilo que é humano e que a Ciência precisa conhecer mais.

Vivemos tempos em que as doenças físicas, emocionais e mentais estão muito perto de nós, dentro das famílias, na sociedade em geral. Exemplo disso são os altos e crescentes índices de câncer, depressão e suicídios. A sociedade está severamente doente, física e emocionalmente.

Desconhecemos a nós mesmos, desconhecemos as raízes desses problemas. Estamos afastados dos saberes e valores básicos e eternos da nossa natureza e condição humana. O exemplo disso são a ausência da reta e justa conduta e os ataques à inocência e à segurança de nossas crianças.

O legado da Dra. Nise, apesar de inúmeros trabalhos acadêmicos, ainda não é amplamente conhecido pelos profissionais da área. Na nossa opinião, ele diz respeito a todos nós, não apenas às pessoas que estão claramente com perturbações mentais, mas também a toda a humanidade.

Nossa incapacidade de amarmos, de sermos éticos, de desenvolvermos uma personalidade coletiva tem nos afastado daquilo que realmente desejamos e necessitamos para uma vida saudável, alegre e pacífica, para uma vida que dê o sentido e que faça sentido viver.

Ao finalizar, gostaria de convidar os senhores para conhecerem, se inspirarem e se encantarem com o fundamental trabalho da Dra. Nise, que permanece vivo no Rio de Janeiro, em Engenho de Dentro, no Museu de Imagens do Inconsciente.

Obrigada. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Obrigada, Sra. Maria de Lourdes.

Passo a palavra imediatamente à Sra. Christina Penna, colaboradora da Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente.

A SRA. CHRISTINA PENNA - Boa tarde a todos.

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à Deputada Jandira Feghali, que nos deu a oportunidade de virmos à Comissão de Cultura da Câmara para falar desse extraordinário legado chamado Nise da Silveira, representado por toda a sua produção intelectual e por todas as ações que levaram tão longe seus grandes desafios.

Todo esse conjunto de lutas, ações, sonhos e realizações produziram um patrimônio que podemos dividir em dois grandes conjuntos. O primeiro deles é o arquivo pessoal Nise da Silveira, que é o conjunto documental formado por cerca de 8 mil itens, entre documentos textuais, iconográficos, bibliográficos e impressos produzidos e reunidos no decorrer de suas atividades profissionais e pessoais e que formam o testemunho no núcleo de sua vida e obra.

Esse acervo foi doado em vida por Dra. Nise à Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente, que é uma associação civil, sem fins lucrativos, fundada em 1974, com o objetivo de preservar e dinamizar o patrimônio do Museu de Imagens do Inconsciente, para onde foi transferido após o seu falecimento. O arquivo testemunha a ininterrupta luta de Dra. Nise contra os tratamentos violentos da Psiquiatria - eletroconvulsoterapia, lobotomia, confinamento, etc. - e o estigma e o preconceito social de que eram vítimas os doentes mentais.

A correspondência e o contato com estudiosos e pesquisadores de várias partes do mundo; os registros das exposições, onde sempre procurou destacar a riqueza do mundo interno dos indivíduos rotulados como loucos; os textos publicados por críticos de arte e a documentação jornalística das efemérides ligadas às principais realizações suas, que são o Museu de Imagens do Inconsciente, o grupo de estudos e a Casa das Palmeiras; registros e anotações pessoais de viagem; os documentos e materiais de divulgação de eventos em instituições afins; os manuscritos de seus livros, documentários, cursos e textos publicados ou proferidos em conferências; as fotografias; os títulos; os prêmios e outros documentos cuidadosamente organizados e acumulados segundo o rigor científico que a caracterizava. Tudo isso sobrevaloriza o conjunto, tornando-o uma herança ímpar para o Brasil e para o mundo.

Recentemente, a UNESCO concedeu ao arquivo pessoal Nise da Silveira o registro mundial do Programa Memória do Mundo, reconhecimento internacional da maior relevância.

O segundo conjunto a que me refiro aqui é ao acervo do Museu de Imagens do Inconsciente, criado em 1952, a mais importante contribuição da psiquiatria brasileira à psiquiatria mundial e também à museologia, já que esse é um dos únicos museus no mundo a tratar do assunto.

O acervo do museu é resultante das atividades dos ateliês de atividades expressivas e influenciou toda uma geração de artistas, além de ter revelado uma dezena de artistas que hoje são reconhecidos como parte da história e das artes visuais brasileiras.

Além de documentar a transformação dos tratamentos psiquiátricos ao longo de décadas, a partir de um ambiente de isolamento e práticas desumanas, a Dra. Nise criou um serviço inovador e humanitário. Sua pesquisa desenvolveu método de leitura transdisciplinar das imagens espontâneas produzidas por indivíduos rotulados como loucos. Esse método permitiu a compreensão de processos psíquicos que se desenrolam no inconsciente, cujo conhecimento auxilia o terapeuta em sua função.

Estamos falando de um museu que quebrou o estigma da loucura de uma comunidade marginalizada pela ciência e pela sociedade, cujo acervo se renova a cada dia, pois está diretamente ligado aos ateliês criativos, que funcionam diariamente no Engenho de Dentro.

Reunindo cerca de 360 mil obras, entre pinturas, desenhos e esculturas, esse é o maior acervo do gênero no mundo, tendo conseguido manter grande integridade no seu conjunto graças a um permanente e cuidadoso trabalho de conservação, acondicionamento e catalogação.

Do total desse singular acervo, 127 mil peças foram tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 2003. Todo esse patrimônio reunido nesses dois conjuntos, o arquivo pessoal Nise da Silveira e o Museu de Imagens do Inconsciente, são testemunhas de uma história que constitui uma fonte única e inestimável de pesquisa e estudo da história da saúde mental no Brasil e no mundo. E as peculiaridades que resultaram em profundo enraizamento na cultura nacional a tornam única.

Ao finalizar, gostaria de dizer que não bastam as homenagens e os tombamentos dessas coleções, é necessário continuar a luta pela sua preservação. Precisamos acondicioná-las melhor em uma reserva técnica, obedecendo aos princípios da moderna museologia. Precisamos de mais espaço expositivo para apresentar melhor o nosso acervo, precisamos estudar mais profundamente nossas coleções, através de grupos de estudos, de publicações, de seminários e de exposições, para que elas continuem a ser o fermento de ideias e práticas inovadoras.

Viva Nise da Silveira!

Obrigada. (Palmas)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Convido para fazer uso da palavra o nosso último convidado, o Sr. Eurípedes Gomes da Cruz Júnior, museólogo.

O SR. EURÍPEDES GOMES DA CRUZ JÚNIOR - Boa tarde a todos.

Quero saudar aqui o Deputado Thiago Peixoto, Presidente da Comissão de Cultura, a Deputada Jandira Feghali, que é amiga do trabalho do museu e militante do campo da saúde desde sempre.

Quero saudar também os Parlamentares e as demais pessoas presentes, manifestando o meu agradecimento pelo convite recebido desta Comissão. É uma dupla honra para mim, porque, além do privilégio de estar aqui, eu fui escolhido pelo diretor e equipe do Museu de Imagens do Inconsciente para representá-los nesta audiência pública com a minha fala.

Embora eu atualmente exerça o cargo de museólogo no Museu Nacional de Belas Artes, do Instituto Brasileiro de Museus, também desempenho o cargo de Secretário-Geral na Sociedade Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente, aqui tão bem representado pela nossa Vice-Presidente e colaboradora Christina. Mas eu creio que foram também os 24 anos que eu trabalhei ao lado da Dra. Nise, dentre os 35 anos que eu dediquei ao Museu de Imagens do Inconsciente que pesaram nessa escolha. Então, eu quero saudar todos os presentes, em nome da equipe do Museu de Imagens do Inconsciente.

Eu também fui comissionado pelo Presidente do Instituto Brasileiro de Museus, o Sr. Marcelo Mattos Araújo, para representar formalmente a instituição nesta ocasião. Solicitou-me o Presidente, Deputada, que, ao cumprimentá-los, eu consignasse uma saudação especial ao Museu de Imagens do Inconsciente, ressaltando, segundo as palavras literais do Presidente, a importância de suas atividades para a cultura brasileira e a necessidade de encontrarmos os meios adequados para a plena realização dos seus objetivos.

(Segue-se exibição de imagens.)

Não é difícil falar sobre Nise. Eu poderia ficar horas aqui falando sobre a Nise e seu trabalho, dada a vastidão do assunto. É difícil não falarmos sobre a Nise quando o assunto é história da ciência e da arte do Brasil, porque a Nise é, sem dúvida, a maior figura feminina da nossa história nessas áreas.

Nenhuma outra mulher trouxe tão ricas contribuições a variados campos do conhecimento e tantas áreas da nossa cultura. É difícil enumerar as iniciativas, os espaços, as criações, as associações, obras de artes que foram inspirados no espírito libertário e profundamente humano dos princípios que defendeu, com a bravura e a tenacidade próprias dos sertanejos nordestinos.

Eu poderia iniciar a minha fala partindo de várias abordagens do trabalho de Nise. Mas, pelo fato de estarmos na Casa do Poder Legislativo, que hoje encena esta justa e apropriada homenagem, eu quero lembrar que o Brasil possui hoje uma das legislações mais avançadas na área de saúde mental.

A Lei nº 10.216, de 2001, de autoria do Deputado Paulo Delgado, que instituiu a reforma psiquiátrica no Brasil, pôs fim ou iniciou o final de um século e meio de cancelamento dos doentes mentais no Brasil, pessoas que eram compulsoriamente submetidas ao isolamento e à punição, travestidos de tratamento, tendo como um dos mais sombrios resultados aquilo que ficou conhecido como o holocausto brasileiro.

Pois bem, senhores, essa lei foi resultado de um movimento social que varreu o País de norte a sul, a Luta Antimanicomial. Pacientes, familiares, técnicos e sociedade civil se uniram em torno de uma bandeira de liberdade e construíram uma das páginas mais belas da história da saúde em nosso País. É difícil mensurar a importância da contribuição de Nise e do Museu de Imagens do Inconsciente nesse processo. Em meados dos anos 80, o museu realizou a exposição Os Inumeráveis Estados do Ser, cuja primeira parte intitulava-se Miséria do Hospital Psiquiátrico, que dava voz aos pacientes, que, através de textos, poemas e pinturas, denunciavam o espaço prisional do hospital e os maus-tratos a que eram submetidos.

Essa exposição quebrou o recorde de visitação por onde passou, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre. E, por sua repercussão, acabou representando também o Brasil em eventos, como as comemorações do Cinquentenário da ONU em Roma. Nessa mesma época, o museu apresentava exposições itinerantes, cursos, seminários, congressos, encontros de saúde mental, e Nise lançava os seus dois principais livros: o Imagens do Inconsciente e o Mundo das Imagens.

As ideias de Nise, acompanhadas pelas belíssimas imagens do acervo do museu, abriram um caminho, aplainaram essa transformação num imaginário social, no que diz respeito ao estigma e ao preconceito contra a doença mental e o seu portador. A imagem cônica de Nise, como defensora dos loucos e pregadora da liberdade, serviu de baluarte em centenas das manifestações que aconteceram no Brasil ao longo das décadas de 80 e 90.

A influência da Nise não foi só uma inspiração ou uma coisa espiritual. Eu mesmo fui testemunha dos encontros que o Deputado Paulo Delgado teve com a mestra, em sua franciscana residência na Rua Marquês de Abrantes, no Bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, para discutir aspectos da lei que então elaborava.

E não podemos esquecer que, segundo o próprio Deputado Paulo Delgado, foi o acontecimento, a violência perpetrada contra uma integrante desta Casa, a Deputada Dirce Tutu Quadros, internada à revelia em uma clínica psiquiátrica, supostamente a mando do próprio pai, que o fizeram decidir pela encampação dessa luta no âmbito do Legislativo. Paulo dizia: “Poxa, se um Deputado Federal pode ser dessa maneira submetido a essa violência, sem ter nenhuma proteção, imagina o restante da população do País?”

Havia alguma coisa da minha fala - nós temos outro vídeo - sobre a parte histórica num vídeo que já foi mostrado. Por isso, eu vou ser um pouco mais rápido.

Pergunto: como essa mulher, uma mulher tão franzina, de aparência tão frágil, conseguiu reunir uma potência tal que desenvolveu essa incrível capacidade de agregar pessoas dos mais variados níveis de formações em torno dos seus ideais. A Nise era uma fazedora de cúmplices, uma arregimentadora de corações e mentes que colaboravam em suas inúmeras realizações.

Como já foi dito pelo nosso diretor no vídeo, Nise se formou em 1926, numa turma que tinha 150 homens. Ela mesma disse que não tinha vocação para a Medicina.

Não era o corpo humano que atraía a jovem Nise. A tese de conclusão dela no curso não deixa dúvida quanto ao caminho que ela iria seguir: ela escreveu seu trabalho sobre a situação das mulheres encarceradas na Bahia - isso em 1926.

Vindo para o Rio de Janeiro após a morte do pai, como já foi citado, Nise prestou concurso para o serviço público como médica psiquiatra e foi trabalhar no Hospital da Praia Vermelha, onde, como já vimos, ela foi denunciada por ter alguns livros vermelhos no seu apartamento.

Nise contou uma história muito interessante na ocasião. Ela disse que morava no próprio hospital e tinha um sono muito pesado. Uma das pacientes a servia. O nome dessa paciente era Luiza e ela tinha o diagnóstico de catatonia, cujo um dos sintomas é o embotamento afetivo, a pessoa não tem afetividade, ela é incapaz de ter sentimentos.

Luiza tocava o sino, acordava Nise, que fazia sua higiene matinal, enquanto Luiza colocava o seu café da manhã. Tempos depois, já na prisão, Nise soube que essa paciente havia dado uma surra fantástica na enfermeira que a havia denunciado, que deixara a enfermeira prostrada de cama.

Esse fato chamou muito a atenção de Nise. Como uma pessoa que foi designada pela psiquiatria tradicional como embotada afetivamente pode ter uma reação dessas?

Anistiada - essa é a ficha da prisão da Nise pelo DOPS -, ela voltou ao serviço público. O filme que está em cartaz, de Roberto Berliner, Nise- O Coração da Loucura, se inicia nessa parte da vida da Nise. Muitos de vocês já devem tê-lo visto. É um filme muito bem realizado, bastante fiel aos fatos e ao trabalho da Nise.

Ela, como já foi dito, não consegue aceitar as novas práticas que estavam sendo utilizadas pela psiquiatria, por considerá-las desumanas e agressivas, então ela entra por outro caminho, que é considerado modesto, que é considerado subalterno no leque da terapêutica da Medicina, da psiquiatria, até hoje.

Em 1946 ela organiza as primeiras oficinas da sessão de terapêutica ocupacional. Mas não era um conjunto de atividades para passatempo. Nise tinha uma prática solidamente fundamentada nos estudos e conceitos teóricos da época. Desde o início, sua intenção sempre foi a utilização de atividades com fins terapêuticos.

A sessão cresceu rapidamente e chegou a ter 14 oficinas. Logo, a riqueza da produção dos ateliês de pintura e de modelagem chamou a atenção de Nise, porque não só as oficinas proporcionavam benefícios terapêuticos visíveis logo de início, como sua produção era de grande qualidade estética também.

Nise começou a utilizar e a estudar essas pinturas como meio de acesso ao mundo interno desses pacientes. Como foi dito, é um mundo muitas vezes hermético e inacessível pela palavra, em virtude da própria definição da doença esquizofrenia, que significa schizo, cisão, phrenos, pensamento. Nos estados da loucura, geralmente o pensamento racional se encontra fragmentado e a pessoa não consegue muito elaborar as suas vivências em palavras. E muitas das vivências que acontecem dentro da loucura - a pintura e o acervo do museu deixam isso muito claro e o trabalho de Nise mostra isso com uma clareza fantástica - são praticamente impossíveis de serem narradas em palavras.

O interesse de Nise na compreensão das imagens foi ridicularizado por alguns de seus colegas médicos, mas essa hostilidade não lhe arrefeceu o ânimo e ela começou a estudar. Seus estudos começaram a refutar essas ideias que os psiquiatras atribuíam a esses estados de que eram processos regressivos de desumanização, de degeneração.

Nise via o contrário desse fatalismo que a psiquiatria impunha em relação a essa doença na prática nos ateliês. Ela via que as pessoas estavam procurando um caminho, estavam exercendo um caminho de volta mais próximo da realidade, e não se afastando cada vez mais, conforme a psiquiatria. Ela dizia: “Eu não sou médica de ficar trancada no meu gabinete. Foi observando como os pacientes executavam as atividades que eu pude verificar a emoção em seus rostos crispados e o ímpeto que movia as suas mãos”.

Nise sempre considerou seus pacientes como mestres. Ela mesma se recusava a chamá-los de pacientes, preferindo a palavra “cliente”, pois dizia que um processo terapêutico não poderia se estabelecer em uma posição de passividade do indivíduo - a palavra “paciente” vem da ideia de passividade. Ela preferia chamá-los de clientes, uma palavra mais próxima da raiz da clínica.

Mas foi o encontro com Jung que lhe deu realmente a chave para o entendimento dos significados das pinturas, dos desenhos, de modelagens realizados pelos frequentadores dos ateliês, como Luiz Carlos falou no vídeo. Ela dizia que esse foi o acontecimento mais importante ocorrido em suas buscas, porque Jung ofereceu instrumentos de trabalho, chaves, rotas para que se compreendessem essas distantes circum-navegações que empreendiam esses cosmonautas do mundo interior, essas viagens para o âmago da alma.

Nise dizia também que não lhe faltava o calor humano de ordinário ausente nos tratados de psiquiatria. Um conselho que ela dava muito para os estudantes, para nós técnicos era: “Em vez de vocês lerem esses massudos tratados de psiquiatria, vão ler Dostoiévski, vão ler Machado de Assis, que vocês vão aprender muito mais sobre a alma humana”.

Com a chegada da psicologia junguiana e o processo de autocura, como foi dito por Luiz Carlos, ela compreendeu que tinha que criar um ambiente favorável para que esses processos de autocura se desenvolvessem. No hospital isso era muito difícil acontecer - as enfermarias lotadas, a desindividualização, a desidentificação do indivíduo. Por isso, criou a Casa das Palmeiras, a primeira clínica brasileira em regime de externato, sem grades, com portas e janelas abertas.

Quando Nise abriu essa casa, foi muito criticada. As pessoas diziam: “Mas Nise, você está louca. Vão acontecer acidentes, as pessoas vão morrer”. Ela respondia: “Paciência. Acidentes acontecem. Mas a liberdade tem o seu preço”. A Casa das Palmeiras pagou o preço, continua funcionando até hoje e nunca aconteceu nenhum acidente lá. Mas o fato de ela, pela liberdade, nunca haver realizado convênios com o INSS, sempre mantendo o espírito de independência, tem custado bastante caro.

A partir da criação do Museu de Imagens do Inconsciente, em 1952, Nise começa a desenvolver todas essas pesquisas e o museu começa a realizar exposições e a participar de congressos internacionais. Lula falou do primeiro congresso em Paris. O museu também participou do segundo congresso internacional, em 1957, em Zurique, na Suíça. Abro parênteses para lhes dizer que foi descoberto recentemente um filme desse congresso em que a Dra. Nise aparece ao lado de Jung. Ele está disponível na Ocupação Nise da Silveira, que acabou de ser inaugurada nesse sábado, dia 25, no Itaú Cultural, em São Paulo.

Nos anos 70, o museu se consolidou como instituição realmente muito especial no imaginário social, principalmente no Rio de Janeiro. Estávamos no auge da ditadura. Como o museu ficava dentro do hospício, os intelectuais se reuniam em torno de Nise no grupo de estudos e os militares não os levavam muito em consideração - um hospício, no Engenho de Dentro. Eles não achavam que aquele bando de malucos lá estivesse fazendo alguma coisa.

Mas houve um recrudescimento muito grande também da psiquiatria nessa época. Como resultado do movimento de resistência, Nise, que estava prestes a se aposentar e muito preocupada com o destino do museu e do seu trabalho, criou, com um grupo de pessoas, a Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente, em 1974, para ser a principal via de articulação da sociedade civil com o museu, e foi responsável pelos principais projetos que garantiram a sobrevivência do trabalho até hoje. A sede do museu e toda a estrutura museológica que ele tem surgiram a partir de projetos desenvolvidos pela sociedade ao longo desses anos.

Aqui vemos um aspecto da fachada do museu e alguns aspectos internos - a reserva de telas, a reserva de obras em papel. O museu, como foi dito, no total do seu acervo, está se aproximando de 400 mil trabalhos.

Para mim, a maior realização de Nise não são propriamente as instituições que criou, mas o que elas simbolizam. Ao descobrir no interior desses indivíduos estigmatizados, rejeitados, encarcerados quase como criminosos, riquezas inusitadas, ao descobri-los artistas, ao devolver-lhes a dignidade, a identidade e a cidadania, ela fez um trabalho incrível do ponto de vista social, ético, moral e humano em seu aspecto mais amplo.

E foi além, ao revelar, através de estudos e pesquisas, comparando as produções desses indivíduos com outras produções da história da humanidade ao longo dos milênios, da história da nossa civilização, claramente que a emergência desse material da loucura é sadia e que não é exclusividade da loucura, faz parte do patrimônio imagético da espécie humana. Então, Nise ultrapassa essa coisa de loucura, de saúde mental, e esse trabalho vem se derramar na nossa vida, para todo e qualquer cidadão, independentemente de seu estado.

Nise acabou por receber todas as homenagens existentes neste País. Tudo que se imagine em condecorações, medalhas, prêmios, troféus, recebeu, fossem concedidos pelos poderes estabelecidos ou por movimentos sociais, e até títulos conferidos por comunidades indígenas, que eram uns dos seus preferidos.

A tudo isso vêm se somar três recentes acontecimentos dignos de nota, que vou citar em ordem regressiva e encerrar a minha fala.

O primeiro é justamente esta homenagem que está acontecendo agora, que, por ser prestada pela Comissão de Cultura de um dos Poderes da República, certamente orgulha todos nós que trabalhamos no legado de Nise e que temos dedicado nossa vida a sua consolidação, divulgação e preservação. Eu falo em nome não só da Sociedade de Amigos, mas de toda a equipe do museu e de todos aqueles que são admiradores e colaboradores do trabalho da Dra. Nise.

O segundo acontecimento já citei, a inauguração no sábado, dia 25, da Ocupação Nise da Silveira, no Itaú Cultural, um dos espaços culturais privados mais nobres do Brasil. Essa exposição está apresentando uma miríade fantástica de informações e de coisas inéditas sobre Nise, inclusive o filme de que falei para os senhores. Vale realmente a pena visitá-la.

O terceiro foi o recebimento do registro mundial do Programa Memória do Mundo, concedido pela UNESCO ao arquivo pessoal da Dra. Nise, como foi dito aqui por Christina.

São muitas homenagens justas e dignas. Mas, ainda que com tanto reconhecimento, eu digo para os senhores que são extremamente preocupantes as condições em que se encontram as instituições criadas pela Dra. Nise, tanto a Casa das Palmeiras quanto o Museu de Imagens do Inconsciente.

O Museu de Imagens do Inconsciente foi municipalizado em 2000, devido à legislação do SUS, embora seu acervo ainda não tenha sido formalmente transferido. A partir daí ele tem vivido uma situação cada vez mais próxima do fechamento - os funcionários estão se aposentando, não há renovação do quadro. Nós somos a geração que recebeu de Nise esse legado e precisamos repassá-lo para outra geração, mas não conseguimos, até o momento, encontrar meios, por falta realmente de um projeto de sustentabilidade do museu, de parte especialmente do poder público, que é o proprietário e o responsável legal por esse acervo.

A Casa das Palmeiras tem outro estatuto, como entidade privada, mas, mesmo assim, também está em situação desesperadora.

Eu quero fazer o apelo a todos os senhores para que estejam atentos ao que está acontecendo com esse patrimônio cultural do Brasil e da humanidade, riquíssimo não só do ponto de vista artístico, documental, histórico, mas do que seus conhecimentos podem trazer para a sociedade em termos da importância da criatividade, da expressão e da utilização da atividade criativa como forma de se alcançar ou de se buscar o equilíbrio psíquico que todos nós precisamos obter.

Deixo esse chamamento, esse apelo, esse convite para que conheçam o Museu de Imagens do Inconsciente. Tenho certeza de que, ao entrarem em contato com esse trabalho, ao verem ao vivo essas obras, ao conhecerem as pessoas que criam aquelas obras dentro do museu, certamente os senhores não sairão ilesos.

Finalmente, quero deixar estas três frases da Dra. Nise, enfatizando a última, quando, já muito idosa, em cadeira de rodas, uma repórter, fez a seguinte pergunta, interrompendo sua fala: “Doutora, deixe-me fazer uma pergunta: a senhora já está tão velhinha, tão idosa, e ainda está fazendo planos. Como é isso?” Ela respondeu: “Minha filha, eu posso sonhar. Eu posso sonhar projetos para o ano 4000”. Eu diria: “Nós também, Nise”.

Obrigado. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Obrigada, Eurípedes. Você abre um panorama muito amplo, um acúmulo de saberes e de experiência pessoal com ela e traz dados que ninguém pode trazer, só quem conviveu e viveu.

Sua fala final traz a situação difícil dessas instituições. Nós vamos ter que tomar uma atitude. Já que você traz à Comissão, talvez nós possamos ajudar, a partir desse detalhamento da situação concreta, porque, segundo Lourdes, não há nenhuma inserção real do instituto na estrutura organizacional de lugar nenhum. Nós precisamos saber se é o Município, se é o Governo Federal, quem assume de fato, para dar continuidade inclusive à parte de recursos humanos. Vamos ter que estudar isso com vocês, para ver de que forma podemos ajudar.

O Deputado Jean Wyllys está presente e certamente quer falar. Vou lhe passar a palavra, antes de iniciar a Ordem do Dia, quando vão nos chamar a votar.

O SR. DEPUTADO JEAN WYLLYS - Obrigado, Presidenta Jandira Feghali.

Eu não tenho muito a acrescentar. Só quero declarar, desde já, meu apoio à Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente e dizer que me comprometo, junto com a Deputada Jandira Feghali, a pensar uma solução para o problema concreto trazido aqui.

Devo dizer que eu desconhecia a Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente. Conheço o Museu do Inconsciente, mas desconhecia a entidade da sociedade civil que mantém ou que cuida da sua manutenção.

Eu destinei uma emenda de 530 mil de reais para o Instituto Nise da Silveira, por meio de parceria com o Município, para o projeto de saúde mental Loucura Suburbana, que faz atividades, oficinas itinerantes.

Eu desconhecia essa distinção entre a Sociedade de Amigos e o Instituto Nise da Silveira. Agora ficou claro e vocês me têm, desde já, como parceiro. É um compromisso como Deputado Federal, alguém preocupado e encarregado de fiscalizar o Poder Executivo, junto com a Deputada Jandira Feghali e os demais membros da Comissão. Eles podem não estar presentes, mas boa parte se compromete em pensar uma solução para essas questões.

As falas foram muito enriquecedoras. Não posso deixar de pensar no movimento pendular da história, ao ver na história de Nise da Silveira, primeiro, a delação, por parte da enfermeira, pelo fato de ser comunista. Estamos vendo o retorno da palavra “comunista” como xingamento nas redes sociais e até no discurso político. A Deputada Jandira Feghali sabe disso, porque, na condição de membro do Partido Comunista do Brasil, de comunista mesmo (riso), vê o quanto nossos colegas, no plenário, muitas vezes usam esse termo como insulto contra nós pessoas de esquerda.

Nós vimos novamente um movimento de derrisão da mulher numa sociedade de dominação masculina, lamentavelmente, acontecer aqui, quando 18 homens decidiram pelo destino de 100 milhões de mulheres, metade da população do País, sobre os direitos sexuais e reprodutivos.

Depois vimos também o retorno do desmonte da política de saúde mental antimanicomial e todo esse discurso da internação compulsória das comunidades terapêuticas que querem internar as pessoas que fazem usos abusivos de drogas ilícitas compulsoriamente.

É lamentável que a história de Nise revele esse movimento pendular e esse retorno de fantasmas, para os quais seu espectro tem que ser evocado.

Parabenizo a Deputada Jandira Feghali por esta audiência pública; vocês três, Christina, Eurípedes e Maria - a Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente -, por suas falas; e o Itaú Cultural pela Ocupação Nise da Silveira. É preciso, mais do que nunca, evocar seu espectro, num momento em que fantasmas como esses retornam para nós.

Obrigado.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Obrigada, Deputado Jean Wyllys.

Finalizando a audiência pública, quero agradecer muito a vocês por nos terem trazido esse oxigênio, esse reforço de energia e de emoção. As homenagens que fazemos são muito singelas, mas são formas de divulgar, de reforçar e de reenergizar. A forma de enfrentar o retrocesso é fazer mais, é reafirmar, é dizer de novo aquilo em que acreditamos. A reafirmação é uma das formas de resistir e de enfrentar o que ouvimos aqui todo dia. Eu tenho dito que aqui nós adoecemos. Se nós não nos reenergizarmos nos valores e nas coisas em que acreditamos, a tendência é adoecermos.

A palavra dele foi “fantasma”. As pessoas têm usado muito esses monstros que surgem, os neofascismos. É do espaço que surgem. Toda vez que a democracia se rompe, os preconceitos crescem, e a tendência do retrocesso é a que se põe para nós. E as saídas piores também se apresentam até no processo eleitoral. Então, precisamos, de fato, ter muito cuidado.

Eu acho que, para além de soluções mais imediatas, Eurípedes, que você traz, vocês podiam nos apresentar as soluções em que estão pensando sobre organização, estruturação, onde alocar a estrutura do instituto e do próprio museu, já que não está em nenhum lugar por ser terapia organizacional, onde colocá-lo, renovação de recursos humanos...

Eu acho que esta Comissão e a Comissão de Seguridade Social deveriam, até como forma de adensar esse apoio ao museu, receber um convite formal para uma visita. As pessoas apoiam quando conhecem. A ideia de trazer como homenagem para conhecimento é boa, mas ir lá tem impacto diferente. Conhecer de perto o processo, vivenciar, visitar dá outra liga e possibilita um apoio maior.

Eu acho que nós deveríamos, no início do ano, quando retomarmos o trabalho legislativo, antes de a questão eleitoral ser mais intensa, procurar ir em comitiva, as duas Comissões, e, ao conhecermos, lá mesmo apresentar uma proposta de ser do Município, do Governo Federal, onde acharmos melhor destinar essa alocação. Acho que esse Governo não vai resolver nada. Talvez o Município, apesar da falência da atual gestão municipal, seja um caminho mais curto para uma solução. Acho que devemos discutir se é o caso de ser de lá ou daqui. Acho que por aqui tudo está muito mais difícil atualmente, apesar dos desesperos.

Talvez vocês não tenham conhecimento real do que esteja acontecendo aqui. É claro que a solução não pode ser vista somente sob o aspecto da conjuntura imediata, porque a estrutura tem que ser vista a médio e longo prazo. Nós podemos convidar os Deputados para que façam uma visita. Talvez isso seja bem concreto. Não sei se o Deputado Jean Wyllys concorda, mas talvez a presença no lugar e a apresentação do espaço, da estrutura, do funcionamento e dos limites, em razão da falta de pessoal, tenham impacto maior para que as pessoas possam ajudar.

O SR. DEPUTADO JEAN WYLLYS - Deputada Jandira Feghali, nós dois podemos propor essa diligência. V.Exa. também é membro da Comissão de Seguridade Social, não é? Nós podemos fazer a proposta dessa diligência aqui e lá.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Aqui e lá. Mas um convite formal ajuda.

O SR. DEPUTADO JEAN WYLLYS - Sim.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - O convite formal facilita a proposta de fazer uma visita lá para ajudar. Acho difícil que essa visita seja feita em dezembro. No início do ano é mais fácil.

O SR. DEPUTADO JEAN WYLLYS - Em fevereiro.

(Não identificado) - O convite já pode ser feito, não é?

O SR. DEPUTADO JEAN WYLLYS - O convite já pode vir sim.

(Não identificado) - Então, vocês vão resolver.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - O convite pode chegar. Depois decidiremos a data da visita.

O SR. DEPUTADO JEAN WYLLYS - Provavelmente, vai ser em fevereiro.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Eu acho que isso ajudaria muito. Até lá vocês podem apresentar uma proposta, podendo juntar a visão do IBRAM - Instituto Brasileiro de Museus relativa a esse processo e a de vocês.

(Não identificado) - Nós temos um projeto.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Jandira Feghali) - Eu conheço pouco. No que se refere a recursos humanos, é preciso apresentar uma proposta mais redonda que nos possibilite encaminhamento. Isso vai nos ajudar.

No mais, toda a nossa homenagem à loucura e a vocês que lidam com ela de forma tão afetuosa e solidária.

Muito obrigada. (Palmas.)

Declaro encerrada a audiência pública.