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DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA EVENTO: Audiência Pública N°: 1040/08 DATA: 02/07/2008 INÍCIO: 14h34min TÉRMINO: 18h54min DURAÇÃO: 4h20min TEMPO DE GRAVAÇÃO: 4h19min PÁGINAS: 93 QUARTOS: 52
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO |
MARLENE ROSSI SEVERINO NOBRE - Presidente da Associação Médico-Espírita do Brasil - AME/BR. REGINA COELI VIOLA - Coordenadora da área técnica da Saúde da Mulher no Ministério da Saúde, representante do Ministério da Saúde. ABNER DE CÁSSIO FERREIRA - Pastor da Igreja Assembléia de Deus, do Rio de Janeiro. TÉLIA NEGRÃO - Secretária-Executiva da Rede Feminista de Saúde , do Rio Grande do Sul. LENISE APARECIDA MARTINS GARCIA - Presidenta do Movimento Nacional da Cidadania em Defesa da Vida - Brasil sem Aborto, representante da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. GILDA CABRAL - Representante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria - CFEMEA. SILAS MALAFAIA - Pastor da Igreja Assembléia de Deus, do Rio de Janeiro. JOSÉ HENRIQUE RODRIGUES TORRES - Secretário do Conselho Executivo da Associação dos Juízes para a democracia.
SUMÁRIO: Debate sobre o PL nº 1.135/91, que suprime o art. 124 do Código Penal Brasileiro, eliminando o crime de aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento.
OBSERVAÇÕES
O início da reunião não foi gravado. Houve intervenções fora do microfone. Inaudíveis. Há falha na gravação. Houve exibição de imagens. Há orador não identificado. Houve exibição de vídeo. Há expressão ininteligível.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - (Início não gravado) ...Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Pauta: audiência pública.
Autor do Requerimento: Deputado Eduardo Cunha.
Tema: Projeto de Lei nº 1.135/91, que suprime o art. 124 do Código de Penal brasileiro, artigo que tipifica o crime de aborto.
Convidados: Regina Coeli Viola, Coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher, do Ministério da Saúde, representante do Ministro da Saúde, José Gomes Temporão; Lenise Garcia, representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); Gilda Cabral, representante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA); Silas Malafaia; Abner Ferreira; Télia Negrão; Marlene Nobre.
O rol de convidados para esta audiência pública foi fruto de acordo na Comissão para que houve equanimidade entre as posições.
Antes de chamar os convidados para tomarem assento à mesa, gostaria de fazer um breve comentário inicial.
O parecer ao projeto já foi lido na semana passada. A nossa intenção é, após a audiência pública, dependendo da Comissão, talvez na próxima semana ou na seguinte, submeter o parecer à votação. O objetivo desta audiência pública, que foi por mim requerida, na condição de Relator da matéria, não é para que eu me convença quanto a uma posição, porque a minha posição já foi manifestada no parecer. Requeri esta audiência para que a Comissão pudesse conhecer as diversas opiniões tanto contrárias quanto favoráveis ao projeto de lei, para que formasse o seu juízo para a votação. Então, tomei a iniciativa de propor esta audiência pública não para mim, mas para que a Comissão pudesse ter condições de deliberar sobre o assunto, a partir da exposição da opinião de diversos segmentos da sociedade.
Esse era o esclarecimento que eu queria fazer, para que não se levantasse indagação sobre o porquê da convocação da audiência pública, se o parecer já foi apresentado. Não há nada que eu precise como subsídio no tocante ao parecer já apresentado. Esta audiência é para que a Comissão forme a sua convicção e o seu juízo livremente, ouvindo de forma equânime as opiniões dos 2 lados.
Com a palavra o Deputado José Genoíno.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Sr. Presidente, quando apresentamos a V.Exa. alguns nomes para as duas audiências públicas foi com o objetivo de fazer um debate com um número igual de pessoas a favor e contra essa questão. E V.Exa. foi extremamente aberto a fazer duas audiências públicas com a participação dos nomes que sugeri. Agora, fui informado que a representante da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Dra. Beth Saad, e o Dr. Juiz Torres foram desconvocados para as audiências públicas. O Dr. Juiz Torres estava no meu requerimento e citei a representante da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Mas hoje, pela manhã, ela recebeu um comunicado da assessoria da Comissão de Constituição e Justiça desconvocando-a. Então, faço essa reclamação, solicitando inclusive informações a V.Exa.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Não, eu não encaro como uma reclamação. Vamos fazer esclarecimento sobre o que houve.
Estava acertada a presença da própria Ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Não havia designação de representante, como fez o Ministro da Saúde. Tomei conhecimento dessa substituição hoje, na hora daquele debate aqui, por volta do meio-dia. Foi esse o horário em que se quis apresentar um representante da Ministra para vir hoje mesmo. Como procuramos fazer uma composição equânime da Mesa, se eu concordasse, ao meio-dia, que alguém viesse para a audiência das 14h, eu tiraria a equanimidade, processo pelo qual V.Exa. tanto lutou, com justa razão, e que teve acolhimento. Por isso, ao meio-dia, ao tomar conhecimento de um pedido de representação da Ministra, eu não teria condições, já tendo divulgado quem estaria presente, de acolher para hoje. Se houver possibilidade para amanhã, havendo equanimidade, acolho a sugestão com o maior prazer, independentemente de convite ou não. Eu apenas não poderia tirar a equanimidade da composição da Mesa desta audiência ao meio-dia. Não houve comunicação feita com a antecedência devida, o que teria sido acolhido com o maior prazer, como se a Ministra aqui viesse teria preferência sobre qualquer outro. Não houve outro intuito.
Quanto ao Juiz Torres, o que aconteceu foi que ele solicitou a passagem, e a Câmara negou.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Eu dei a passagem para ele vir.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Pois é, só que ele esqueceu de informar isso à Comissão.
(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Mas não há problema. Eu acolherei a presença do Juiz Torres e compensarei o tempo que darei a ele, distribuindo-o entre os outros que têm posição contrária ao tema. Nosso objetivo aqui é permitir um debate equânime. Não cometeria descortesia de não permitir que falasse uma pessoa que se deslocou para cá e está presente.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Até porque, Sr. Presidente, como ele foi informado que a Câmara dos Deputados não forneceria a passagem, e eu, achando importante...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Mas como diria o Garrincha, esqueceram de combinar com o lateral.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Eu forneci a passagem em respeito à competência do Juiz Torres.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Está certo.
Como eu vou chamar os convidados para fazer parte da Mesa, peço que se coloquem cadeiras para que todos se acomodem aqui.
Convido para compor a Mesa a Sra. Regina Viola, a Sra. Lenise Garcia, a Sra. Gilda Cabral, o Sr. Silas Malafaia, o Sr. Abner Ferreira, a Sra. Télia Negrão e a Sra. Marlene Nobre.
Em virtude de solicitação da Sra. Marlene Nobre, que terá que sair quase que imediatamente, vou iniciar com ela a audiência da Comissão. A mesa está livre para que todos façam parte dela porque dá muita alegria à Comissão a participação de todos. (Pausa.)
Estou tentando combinar um procedimento, porque temos muitos expositores, senão vamos extrapolar demais o tempo. E os Parlamentares vão querer debater.
O Juiz Torres também pode estar presente aqui. (Pausa.)
Fui informado de que o jogo está empatado, pelo menos na Mesa. Espero que não na Comissão.
Vamos tentar fazer um acordo. Se for necessário, depois eu faço uma segunda rodada. Normalmente, daríamos 20 minutos para cada expositor. Mas temos 8. Então, vou conceder 10 minutos para cada expositor, abrir o debate e, depois, no curso do debate, vamos equalizando as intervenções, tentando possibilitar a participação de todos, senão vamos esgotar o tempo praticamente com a exposição dos convidados.
Todos de acordo? (Pausa.)
Não havendo oposição, vou começar com a Sra. Marlene Nobre. V.Sa. tem 10 minutos para falar sobre o tema.
O avulso do projeto está à disposição para quem quiser comentá-lo.
A palavra está coma a Sra. Marlene Nobre.
A SRA. MARLENE ROSSI SEVERINO NOBRE - Boa tarde a todos e muito obrigada pelo convite.
Primeiramente, quero explicar que vamos falar do ponto de vista da ciência, porque nossos argumentos contra o aborto são científicos.
A vida começa na concepção, segundo os embriologistas, os maiores conhecedores do assunto. E na última (falha na gravação) solenemente que a vida começa na concepção, na união do gameta masculino com o feminino. A partir do zigoto, nós temos um novo ser. Temos alguém com um genoma próprio, completamente diferente da mãe. Recebeu dela a metade dos genes, mas não todos.
Também quero afirmar que, diante daquilo que se tem ouvido sobre o início da vida, como o aparecimento do sistema nervoso e tudo o mais, é tudo diletantismo, não é científico. Houve uma discussão sobre pré-embrião na Inglaterra, depois ridicularizada, porque não tinha embasamento científico. Não existe pré-embrião. Existe o zigoto, e a continuidade da vida até o último suspiro. Quer dizer, a vida é um contínuo que vai desde o zigoto até o último suspiro da vida física. Essa é uma questão.
A outra, basicamente, é que a vida não se explica por acaso. Para a constituição de uma célula, nós precisaríamos de 2 mil enzimas. Dois físicos do CERN, o centro de pesquisas físicas da Europa, e alguns matemáticos tentaram fazer a seguinte equação: para a formação de uma célula são necessárias 2 mil enzimas. Pois bem, pelos cálculos matemáticos feitos, para colocar metade dessas enzimas dentro da célula, mil delas, seria necessário tempo muitíssimo superior ao tempo previsto para a existência do universo. É uma impossibilidade estatística. Daí não podermos explicar a vida por acaso. Se não é por acaso, existe um planificador.
Michael Behe, bioquímico, também descobriu que a célula é planejada, e isso através de cálculos muito bem feitos. E esse planejamento, sem dúvida nenhuma, não é atribuído ao acaso. Então, a quem obedece esse planejamento? É uma pergunta que nós devemos fazer.
Outra questão básica também da ciência é que a vida tem convenções. E essas convenções não podem ser explicadas pelas teorias científicas até o momento.
Muitos dizem que até determinada data não existe sistema nervoso no embrião e que isso só vai aparecer mais tarde. No entanto, a Dra. Candace Pert, da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, descobriu os neuropeptídios, substâncias ligadas ao sistema nervoso e que fazem a conexão entre o sistema endócrino, o sistema imunológico e o sistema nervoso. Esses neuropeptídios começam a circular desde a embriogênese. Portanto, aqueles que dizem que não há sistema nervoso estão errando.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Só um minutinho, doutora. Peço àqueles que não tiverem interesse na audiência que, por favor, deixem o recinto. Nós estamos aqui para debater um tema relevante, importante para a sociedade, e não para assistir à conversa da platéia. Se não houver respeito, eu serei obrigado a deixar aqui apenas os Parlamentares e os palestrantes.
A SRA. MARLENE ROSSI SEVERINO NOBRE - Então, a respeito do que eu estava falando, nós não podemos de maneira nenhuma dizer que não existe sistema nervoso, porque, desde o começo, esse sistema nervoso está funcionando através dos neuropeptídios.
A outra questão também básica é que com 21 dias o coração está com batida fortíssima, irrigando tudo quanto se inicia na formação do novo ser.
Outra questão básica e escabrosa foi denunciada por Carlos Heitor Cony, no dia 11 de abril de 2008, no jornal Folha de S.Paulo: os jornalistas Michel Litchfield e Susan Kentish fizeram uma pesquisa sobre a indústria do abordo e escreveram um livro intitulado Babies for Burning - bebês para queimar -, e a matéria saiu na Serpentine Press, em Londres. Não é um ensaio sobre o aborto, mas é um trabalho jornalístico sobre o último elo de uma cadeia, o destino final dos fetos que anualmente são retirados dos ventres das mães que não desejam filhos. O que eles observaram? Que a indústria do aborto gera uma indústria subsidiária. Esses subprodutos são vendidos para cosméticos. Há venda de fetos humanos para fábricas de cosméticos. E, no rol dos cosméticos, para a produção de sabonetes. Eles seguem a linha hitleriana, porque na 2ª Grande Guerra matavam os judeus aos milhões e aproveitavam a pele para fazer bolsas e sabões.
Segundo Carlos Heitor Cony, o trabalho desses jornalistas é muito grande e espantoso, porque eles entrevistaram um ginecologista que diz que a criança é, em geral, retirada com vida nos abortos e ficam meia hora ainda, talvez, com vida. E depois ele é obrigado a incinerar. E essa incineração vai para a vizinhança, que reclama porque se trata de incineração de carne humana.
E essa questão eu queria também deixar como fundamental. O aborto está profundamente ligado à violência. E é uma violência impressionante, o que pode ser verificado pelo depoimento desses jornalistas.
Outra questão também que eu gostaria de levantar aqui é que quando nós somos contra o aborto, nós estamos sendo a favor da criança, a favor do feto e a favor da mãe, porque, se estatísticas tivéssemos no mundo todo, nós ficaríamos impressionados com o número de mulheres que entram em depressão, muitas vezes profunda, na menopausa, a partir dos abortos realizados na fase reprodutiva.
Trago aqui esses pontos de reflexão reafirmando que a ciência tem dados muito positivos contra o aborto. Nós temos que nos debruçar sobre o assunto, porque estamos tratando de seres humanos. E se são seres humanos nós devemos perguntar: quem tem o direito de tirar a vida de um ser biologicamente vivo? O pai? A mãe? O Estado? Respondemos do fundo da certeza que temos sobre este assunto: ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém, porque a vida é um bem indisponível e está ligado, principalmente, à própria criatura que a tem e que a recebeu.
Era essa a posição que queríamos expor. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Muito obrigado. Agradeço à Sra. Marlene Nobre a contribuição e a presença aqui, prestigiando este debate importante da Comissão. A senhora tem compromisso. Quando for inevitável a sua retirada não se acanhe. A Comissão entende e já de pronto a libera. Se puder permanecer será uma honra para todos nós.
Vou passar a palavra agora à Sra. Regina Viola, Coordenadora da Área Técnica da Saúde da Mulher, representando o Ministro da Saúde, não sem antes lamentar a ausência do Ministro José Gomes Temporão. Aliás, o adiamento da audiência da semana passada para esta semana foi feito única e exclusivamente atendendo ao pedido do Ministro, e S.Exa., que foi um defensor público do tema, até fora da sua atribuição governamental, porque não era uma discussão de Governo, mesmo com o pedido de adiamento atendido, não compareceu. Isso não diminui a presença de V.Sa. Nós temos muita honra em recebê-la. Agradecemos a sua presença e a aceitação do convite. Temos certeza de que a sua contribuição será relevante. Mas o Ministro é sempre uma autoridade.
Tem a palavra a Sra. Regina Viola.
A SRA. REGINA COELI VIOLA - Agradeço a gentileza com que esta Casa me recebe.
Trago os lamentos do Ministro José Gomes Temporão, que, por compromissos inadiáveis, não pôde estar presente nesta reunião.
Volto a parabenizar a iniciativa de promover e aprofundar a discussão em torno do tema que nós, no Ministério da Saúde, consideramos da maior relevância.
Eu vou apresentar aos senhores alguns dados que dão base às ações que o Ministério da Saúde desenvolve no campo da garantia dos direitos sexuais reprodutivos das mulheres brasileiras. Vou falar rapidamente, porque temos o nosso tempo contado, sobre quais são as principais ações que nós desenvolvemos e que nos levam a marcar a posição do Ministério em torno do tema. (Pausa.)
Lamento que esteja havendo um problema técnico. Hoje é um dia positivo, pois marca os 20 anos do Sistema Único de Saúde, o que, no campo da saúde da mulher é uma data muito importante. Mas não está aparecendo o slide. Houve algum problema técnico. (Pausa.)
Podemos começar?
(Segue-se exibição de imagens.)
É bom lembrar que vamos discutir aqui questões que envolvem um universo de cerca 62 milhões de mulheres em idade fértil, das quais 74% são usuárias do Sistema Único de Saúde. E é para essas mulheres que nós temos atuado e pensado a questão dos direitos sexuais reprodutivos neste País.
O Ministério tem basicamente 3 linhas de ação com relação ao tema. Uma é a linha do planejamento reprodutivo, com a preocupação de garantir o exercício do direito constitucional à escolha de ter ou não ter filhos, no sentido de não ter os filhos ou de definir quando tê-los e quantos serão. Trabalhamos arduamente nesse sentido.
Temos avançado muito na prevalência do uso de métodos contraceptivos. A última pesquisa nacional realizada apontou prevalência de 77,6% das mulheres em idade fértil fazendo uso de algum método contraceptivo. Embora vejamos veiculada na mídia uma série de críticas, na verdade, os nossos dados - e amanhã, dia 3, vamos lançar a nova edição da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Mulher e da Criança - demonstram que estamos avançando nesse campo também.
Agora, essa questão, é sempre bom destacar, não esgota a questão do abortamento, porque todo método contraceptivo apresenta uma taxa de falha, inclusive a vasectomia e a laqueadura. Nós não podemos ter a fantasia de achar que, investindo maciçamente na garantia da atenção ao planejamento familiar, vamos conseguir resolver essa questão, porque não conseguiremos.
Outra linha de trabalho que o Ministério desenvolve é a de organização dos serviços de atenção ao aborto previsto em lei. Eu gosto muito de, ao apresentar esses dados, fazer 2 lembretes. Nós, da saúde, tivemos os nossos dados bastante criticados. Agora, em verdade, nós somos um dos poucos países do mundo que tem um sistema único de saúde com a abrangência do nosso Sistema Único de Saúde, um sistema que tem mais de 63 mil unidades de saúde, mais de 6 mil maternidades e um sistema de informação que vem, desde 1995, com cobertura muito boa e com dados bastante consistentes.
Somos também um dos poucos países no mundo que tem um sistema nacional de informação de mortalidade. E há inclusive alguns especialistas que consideram que, com a consistência do nosso sistema, na verdade somos o único.
Volto a comentar o dado que apresento. Desde 1996, o Ministério da Saúde tem, respeitando a legislação em vigor, organizado e estimulado a organização do serviço de atendimento ao aborto legal como parte de uma rede de atenção integral à saúde das mulheres em situação de violência, que não se esgota no atendimento ao abortamento legal. Essa rede é muito mais ampla e dialoga com os diferentes setores e segmentos envolvidos no atendimento à mulher que está vivendo essa situação.
O que nós observamos quando percebemos os dados do Ministério foi que, em 1998, quando o sistema começou a registrar os primeiros dados de aborto previsto em lei, foram computados 2.431; hoje, em 2007, nós temos 2.128. Não houve um grande acréscimo, apesar de ter havido aumento substancial no número de serviços que atendem ao abortamento legal. E isso se dá porque as nossas redes são organizadas com a preocupação de cortar o ciclo da violência. São redes que trazem orientações para os nossos profissionais, para evitar que as mulheres que recorrem ao Sistema Único de Saúde voltem a ser vitimizadas, voltem a viver situações constrangedoras, como o que acontecia antes da organização dessas redes de atenção às mulheres em situação de violência.
Por fim, eu sei que já esgotei o meu tempo, mas gostaria de apresentar os dados relativos às curetagens pós-aborto realizadas no SUS, que são em torno de 213 mil por ano e que mostram que o problema de que estamos tratando é um grande iceberg. A princípio, recebemos a observação de que poderiam ser os dados superestimados e que, por isso, justificariam a questão do abortamento no Brasil como uma questão de saúde pública. Com a realidade lamentável que estamos vivendo no Estado do Mato Grosso, esses dados estão sendo não só reafirmados, mas também apontados como dados que estão realmente muito aquém da realidade do que vem acontecendo neste País.
Então, para o atendimento a essas mulheres que recorrem aos serviços muitas vezes por conta de abortamentos inseguros e, na maior parte das vezes, são as mulheres que têm menos acesso a bens e serviços, mulheres que, por sua cor, são muitas vezes mais atingidas até mesmo com a violência institucional. Temos organizado os nossos serviços para atenderem e fazerem uma mudança nos seus paradigmas e humanizarem a atenção ao abortamento inseguro.
O meu tempo já se encerra, e eu gostaria de finalizar reafirmando que o Ministério da Saúde entende que a questão do abortamento inseguro neste País é um problema de saúde pública que temos enfrentado com muita transparência e com muita disposição.
Avançamos muito nos últimos anos, principalmente buscando a institucionalização das nossas políticas, buscando a execução de políticas estratégicas como a instalação de Xapuri, que permite a produção de preservativos e pode nos tirar da armadilha que temos vivenciado com os problemas de aquisição e distribuição dos métodos anticoncepcionais.
Temos enfrentado a questão com resoluções, como a recentemente aprovada pela Agência de Vigilância Sanitária que cria os parâmetros para a ambiência de atenção ao parto, com base nos paradigmas de humanização da atenção obstétrica. É um avanço, porque, daqui para a frente, todas as maternidades no território nacional terão de se organizar segundo essa nova lógica, que atende aos compromissos que temos com a garantia dos direitos sexuais reprodutivos.
Temos tido ações como a publicação da regulação da vigilância epidemiológica acerca da morte materna, uma ação recente, que torna essa prática, tão importante para evitar os óbitos maternos, uma atribuição dos Estados e Municípios. Então, é com essa preocupação, entendendo que o abortamento inseguro é um problema de saúde pública que, muitas vezes, penaliza as mulheres até mesmo com a morte - não é a toa que o aborto é a quarta causa da mortalidade materna e que temos de avançar na garantia dos direitos sexuais reprodutivos, compromisso assumido pelo País e reafirmado por esta Casa -, que temos desenvolvido nossas ações, consolidando a cada passo os nossos compromissos com a saúde das mulheres brasileiras.
Obrigada. (Palmas).
O SR. DEPUTADO LEONARDO PICCIANI - Sr. Presidente, pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Antes de conceder a palavra a V.Exa., informo que vou tentar sempre equilibrar o processo. A Dra. Regina falou por 14 minutos. Vou ver se, extrapolando de um lado e do outro, por fim, os tempos ficam equilibrados, de modo que um lado não utilize tempo maior que o outro. Como ela estava no meio de seu raciocínio, não quis interromper.
Deputado Leonardo Picciani, tem V.Exa. a palavra.
O SR. DEPUTADO LEONARDO PICCIANI - Sr. Presidente, sem nenhum demérito à palestra da Dra. Regina, que competentemente trouxe a posição do Ministério da Saúde, quero mais do que lamentar a ausência do Ministro Temporão. Considero o não-comparecimento do Ministro a esta Comissão uma afronta à Câmara dos Deputados, um desrespeito para com esta Comissão. E, pessoalmente, vou propor um requerimento, dentro das prerrogativas constitucionais desta Casa, para convocar o Ministro com data e hora marcada, porque queremos ouvi-lo.
A não-vinda do Ministro aqui reforça a minha opinião de que S.Exa. utiliza o debate sobre o aborto e sobre a proibição de propaganda de bebidas como temas midiáticos para mascarar a péssima gestão da saúde, para mascarar o fato de não conseguir enfrentar as filas nos hospitais e os problemas que atingem a população no seu dia-a-dia.
Então, Sr. Presidente, informo a V.Exa. que, o mais breve possível, apresentarei esse requerimento e peço que V.Exa. o coloque em pauta, porque defenderei a convocação do Ministro com data e hora marcada.
É lastimável que a saúde tenha os piores índices de aprovação do Governo no País. Nós queremos ouvir o Ministro. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - É um direito de V.Exa. Não cabe à Comissão comentar.
O SR. DEPUTADO EDUARDO VALVERDE - Sr. Presidente, eu acho que...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Não vamos desvirtuar o objeto da audiência.
O SR. DEPUTADO EDUARDO VALVERDE - Por isso, Sr. Presidente, peço a palavra para uma questão de ordem, porque o assunto aqui é outro, não é sobre o Ministro Temporão.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Deputado Eduardo Valverde, não vamos desvirtuar o objeto da audiência para não prejudicar nosso objetivo.
O SR. DEPUTADO EDUARDO VALVERDE - Que situações como essa possam ser restringidas, caso haja outras.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Não posso censurar Parlamentar numa audiência pública. Como não censuro V.Exa., não posso censurar qualquer outro. Apenas quero cumprir o objetivo desta audiência.
O SR. DEPUTADO EDUARDO VALVERDE - Então, que possamos rebater, ao mesmo tempo, a contradita do Deputado Leonardo Picciani.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Nesse caso, vamos transformar em contradita a réplica, virá a tréplica, e vamos fugir do objeto.
O SR. DEPUTADO EDUARDO VALVERDE - Eu não sou do PMDB. Faço a defesa do Ministro Temporão sem ser do PMDB.
O SR. DEPUTADO LEONARDO PICCIANI - Sr. Presidente, deixe S.Exa. defender o indefensável. A saúde é lastimável!
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Deputado Leonardo Picciani, eu não vou permitir diálogos paralelos. O objetivo da audiência pública vai ser cumprido. Se quiserem outro fórum, outro dia, quando V.Exa. apresentar o requerimento, serei obrigado a colocar em pauta qualquer requerimento de convocação. E porei o seu e qualquer outro. E V.Exas. poderão debater o tema sem nenhum problema.
Com a palavra o Sr. Abner Ferreira, que disporá de 10 minutos, iniciando às 15h10min.
O SR. ABNER DE CÁSSIO FERREIRA - Sr. Presidente, Srs. Parlamentares, agradeço a V.Exas, o convite e, num primeiro momento, parabenizo V.Exa. pelo brilhante voto no seu parecer, que mostra a flagrante inconstitucionalidade desse malfadado projeto de lei que trata da descriminalização do aborto.
Ouvi atentamente os pronunciamentos. Entendo que, se partimos do pressuposto de que a vida anterior ao nascimento tem o mesmo valor que a vida posterior ao nascimento, então, podemos dizer com certeza, por coerência, que o aborto deveria ser punido nos mesmos termos que o homicídio. Se tivéssemos de mudar ou suprimir o art. 124, teríamos de redefinir também o art. 121, que fala sobre matar alguém com requintes de crueldade, sem dar direito de defesa.
O aborto não é um crime sem vítima. O aborto tem uma vítima: o feto, a criança não nascida. Trata-se de uma vítima particularmente indefesa, tão indefesa que, como se vê nessas discussões, há até quem ignore ou despreze a existência dessa criança. Por tudo isso, o caráter particularmente em defesa da vítima do aborto não enfraquece; antes, acentua a necessidade da sua proteção. Aborto é assassinato. Isso é fato. Qual é a diferença entre se esfaquear - sim, esfaquear - um bebê dentro ou fora da placenta?
Existem outros argumentos. Aqueles que defendem a legalização do aborto dizem que os abortos continuarão a ser realizados, mesmo que não haja a descriminalização e que, sendo assim, vale mais a pena descriminalizar e, desse modo, fornecer melhores condições às mulheres que desejam abortar. Isso é uma falácia, é um engodo!
Roubar também é crime. No entanto, existem roubos. Se partirmos desse pressuposto, será melhor descriminalizar o roubo e, desse modo, fornecer melhores condições aos ladrões. Para acabar com os traficantes basta descriminalizar o uso de drogas; para acabar com o jogo do bicho basta descriminalizar o jogo do bicho, e por aí vai. Quando uma determinada coisa é legalizada no Brasil, implica necessariamente que nada seja praticado de maneira ilegal e criminosamente em relação a essa mesma coisa?
É muito engraçada essa suposição, porque o Brasil inteiro sabe que os brasileiros pobres, quando necessitam de atendimento médico, travam lutas terríveis para conseguir assistência. Milhares de pessoas ficam diariamente madrugadas inteiras nas filas do SUS, muitas vezes debaixo de frio, para marcar uma consulta.
A fabricação de medicamentos é legal no Brasil. No entanto, essa legalização não impediu que os criminosos continuassem a agir, e a indústria clandestina continua a fabricar remédios falsificados que matam milhares de brasileiros. Mas os aborteiros continuam a querer iludir o Brasil, acreditando que o fato de legalizar esse crime vai impedir que mulheres morram nas mãos dos clandestinos. Quer dizer que o aborto, a ser legalizado no Brasil, deixará de ser feito por clandestinos? Será que os médicos farão aborto de graça, só porque a prática estará legalizada no Brasil, para que não morra mais nenhuma mulher nas mãos de clandestinos?
Sr. Presidente, se permitirmos a descriminalização do aborto, estaremos autorizando assassinatos em larga escala.
Coloco em discussão, em segundo lugar, o argumento feminista de que o corpo é da mulher e que ela sabe o que deve fazer com ele. Esse argumento foge da questão, pois as feministas nunca chegam a dizer nada acerca do estatuto moral do feto, nunca dizem se o feto tem ou não direito à vida. Independentemente de como queiram responder essa questão, uma coisa é certa: ao admitir que não é moralmente permitido abortar no nono mês, uma feminista terá abandonado o argumento de que o corpo é da mulher e que ela sabe o que deve fazer com ele. O máximo que uma feminista poderá dizer é que, até determinado estágio da gravidez, é moralmente permitido abortar. A partir dessa altura, o feto adquire direito à vida.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, o corpo da criança não é o corpo da mãe. Retirar um feto não é como retirar um pedaço de carne, uma pele, uma espinha, uma verruga ou algo estranho que surge em nosso corpo, como pedra de rim ou vesícula. Portanto, ter direito a dispor de seu corpo é uma coisa, ter direito a dispor do corpo do filho é outra. A mulher é dona do seu corpo, sim, mas ela não pode fazer de seu corpo o que quiser. Ela não pode se automutilar, também não pode se suicidar.
Outro argumento existente em debates como este é o de que o aborto é errado porque vai contra a dignidade da pessoa humana. É atribuída alma ao feto no momento da concepção, pelo que é imoral matá-lo em qualquer momento da gravidez. O feto é uma personalidade independente que apenas se hospeda no organismo materno. O aborto é contra a criança. Lembro aos médicos e ao Sr. José Temporão, que ora exerce o cargo de Ministro, mas é médico, que eles fizeram um juramento. Nesse juramento, que os médicos têm procurado obedecer aos longos dos séculos, consta expressamente o dever de não fornecer às mulheres meios de impedir a concepção ou o desenvolvimento da criança.
Não traia o seu compromisso, Sr. Ministro.
O aborto é errado porque o feto tem direito à vida. O estatuto moral do feto não varia de acordo com o modo que ele foi gerado. Logo, o simples fato de a mulher não ter gerado o feto voluntariamente, em caso de violação, não é suficiente para justificar a permissibilidade moral do aborto em caso de violação. O aborto é uma questão de vida e está muito além das convicções ou das conveniências religiosas. Um feto com 4 semanas de vida já tem DNA com tudo registrado, cor de olhos definida, cor de cabelo, coração pulsando, cor da pele e toda a programação de um ser humano.
O aborto é contra a vida. A Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que todo indivíduo tem direito à vida. Assim, qualquer referendo ou decreto-lei que legitime a morte de um ser humano indefeso é um atentado claro contra a vida humana e viola a própria Constituição e os direitos fundamentais do ser humano expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o valor da vida de um ser humano não se mede pelo tamanho do seu corpo. Se legalizarmos o aborto, estaremos na emergência de uma cultura de morte. Somos contra o aborto, a eutanásia e a pena de morte. Somos contra a eutanásia, porque acreditamos que não é verdade que as pessoas estejam sempre em condições de decidir o que é melhor para elas. Somos contra a pena de morte, porque não acreditamos em justiça retributiva, olho por olho e dente por dente. O essencial da Justiça não é castigar as pessoas pelos seus crimes, mas, sim, ressocializá-las, reeducá-las.
A mulher tem o direito de escolher de ter ou não o filho. Que direito é esse? E quem luta pelos direitos daquela vida dentro da barriga? Se não formos nós que já fomos embriões, quem será, então, a voz daqueles que ainda não nasceram? É direito do feto continuar a viver, desenvolver-se e nascer. Que culpa ele tem de ter sido gerado em determinada situação? Se a mãe não tem culpa, por que o feto é responsabilizado pela sua vida? Para que combater a violência e a desigualdade com mais violência? Ou ainda devolver com mais violência a violência à qual já foi submetida a mulher? Para que fazer mais uma vítima inocente dentro de uma história tão trágica, se não deve existir distinção de valores? Se uma vida não é melhor que a outra, por que, então, uns devem ter mais direitos que os outros?
Sr. Presidente, a defesa da vida é uma questão de direitos humanos e cidadania. Mas os abortistas dizem que o aborto é uma questão de direito e cidadania. Pergunto: se a legalização do aborto é uma questão de direitos humanos, a partir de que idade um ser humano passa a ter direitos? Só porque o ser humano ainda não saiu da barriga da mãe deixará de ter direitos? Quando se defende a aprovação do aborto não é levado em conta que ele é uma discriminação abominável do feto, pois se trata de um ser humano no início do seu desenvolvimento anatômico e biológico.
Existe outra questão: o Estado é laico. Em nome disso, tenta-se desmerecer o debate. "Não, isso é coisa de religiosos, de Bíblia, de evangélico, de católico". O aborto não é uma questão apenas religiosa, mas de dignidade humana, de Direito Constitucional, de inviolabilidade da vida, de ética e de moral. O aborto é uma questão de vida, está muito além das conveniências religiosas. E a moral cristã - eu não tenho medo de dizer - é muito clara: não se pode fazer o bem por intermédio de um meio mau.
Outro argumento levantado é o de que o Estado é democrático. Muito bem. Noventa e três por cento da população é contra o aborto. Vamos respeitar a democracia. É uma questão de justiça social - é o que se coloca sempre no debate. Será que vamos praticar justiça social assassinando inocentes em nome da lei? É uma questão de saúde pública, como foi dito aqui. Pergunto, então, ao Sr. Ministro, que deveria estar aqui hoje: devemos combater o caos na saúde pública matando inocentes? É uma questão de liberdade sexual.
Sr. Presidente, termino dizendo o seguinte: liberdade sem responsabilidade é sinônimo de libertinagem. Não se pode ajudar uma adolescente grávida com o assassinato de seu filho ainda não nascido. É preciso encontrar soluções certas e concretas para esses problemas. É preciso educar essas meninas para não engravidarem antes do casamento, a não usarem o sexo fora do plano de Deus, e não lhes oferecer o aborto para sanar o seu eu, porque um abismo chama outro abismo. Pais e governos precisam educar os jovens para viverem o sexo apenas no casamento, que é o seu lugar, e não os empurrarem para o sexismo por meio da deseducação sexual dada nas escolas e nas cartilhas do Governo.
Não sou a favor do aborto. Sou a favor do planejamento familiar, da educação sexual nas escolas, daquela que nos é dada tanto pelas mães quanto pelos pais. Sou contra a hipocrisia instalada. Sou a favor da gravidez consciente, responsável, sentida. Sou contra famílias numerosas sem condições de serem assistidas pelo Estado, sou contra crianças abandonadas em supermercados, crianças maltratadas, esfomeadas, iletradas. Sou contra crianças serem mães de crianças.
Diz Mário Quintana:
"O aborto não é, como dizem, simplesmente um assassinato. É um roubo. Nem pode haver roubo maior. Porque, ao malogrado nascituro, rouba-se-lhe este mundo, o céu, as estrelas, o universo, tudo. O aborto é o roubo infinito"
Tenho dito, Sr. Presidente. ((Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Com o excesso de tempo utilizado, igualou-se o relógio, volta-se tudo ao campo da igualdade.
Convido a Sra. Télia Negrão para fazer uso da palavra.
A SRA. TÉLIA NEGRÃO - Boa tarde a todas e todos.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, a Comissão de Constituição e Justiça deste Poder agendou esta audiência pública e nos arrolou entre os integrantes da sociedade e do Estado brasileiro para debater o Projeto de Lei nº 1.135, de 1991, que revoga o art. 124 do Código Penal, o qual prevê a detenção de 1 a 3 anos para a mulher que provocar aborto em si mesma, ou consentir que outro o faça.
Agradecemos à Comissão o convite, no entanto, saibam todos os presentes, que foi longo e intenso o debate para que a Rede Feminista de Saúde, a qual represento, fornecesse o aval para minha participação.
Talvez tão importante quanto expor os elementos que expressam os agravos à vida e à saúde das mulheres, de forma a dimensionar o significado da nossa presença nesta audiência, seja trazer algumas perguntas que as coordenadoras da Rede Feminista fizeram no processo de discussão sobre essa audiência.
A minha fala, portanto, trará algumas histórias, algumas perguntas e alguns questionamentos.
Os últimos 30 anos têm enorme significado para o movimento de mulheres do Brasil. Foi o período em que muitas mulheres, retornando do exílio, ao qual haviam ido nos períodos do obscurantismo, e desejando construir um país mais justo, mais democrático e livre, se juntaram a outras, em busca da dignidade, igualdade, respeito, ao lado das que ficaram por aqui, também lutando.
Essa história do movimento de mulheres passa pelas profundas desigualdades reveladas desde o Ano Internacional da Mulher, 1975, até chegar às conferências que marcaram o ciclo social da ONU, no qual o Brasil assumiu um conjunto de compromissos frente à sociedade, em especial frente às mulheres.
Entre essas conferências, é importante citar algumas das que elaboraram convenções. Destaco a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, que define o que é viver com igualdade e respeito, sem violência; a Declaração de Direitos Humanos de Viena, que nos inclui, nós, mulheres, como seres humanos portadores de dignidade; a Plataforma de Pequim, que mostra as desigualdades sociais e de poder como obstáculos ao desenvolvimento da humanidade, e, por fim, a Plataforma de Ação do Cairo, de 1994, que será um marco fundador na defesa da saúde sexual e reprodutiva das mulheres como um direito humano a ser considerado e respeitado.
Ao longo das duas últimas décadas, por força do movimento de mulheres e da luta dessa sociedade brasileira pela sua democratização e sua reconstrução, inúmeras políticas públicas foram construídas, ancoradas nessas normativas internacionais, reconhecendo as mulheres como cidadãs, com iguais direitos, consideradas as diferenças entre nós mesmas.
Entre as mais importantes iniciativas, temos de destacar aquela que desembocou em 2005, a pedido do movimento de mulheres, e uma proposta consensuada entre sociedade civil, Governo e Legislativo, buscando descriminalizar o aborto em nosso País. Ela ficou conhecida como a proposta da Tripartite, mas acabou não sendo analisada por esta Casa, apesar do imenso esforço de algumas Parlamentares e do movimento de mulheres.
A base daquela proposta não era outra senão reconhecer que o aborto inseguro em nosso País é um gravíssimo problema de saúde pública, que faz vítimas fatais e deixa milhares de sobreviventes com seqüelas, todos os anos. Vários estudos têm demonstrado isso.
A Dra. Alaerte Leandro Martins, uma enfermeira negra, analisou a mortalidade materna no Brasil e as relações entre mortalidade materna, aborto e condição étnica, racial e de classe das mulheres. Ela chegou à conclusão de que as chances de uma mulher pobre, negra, discriminada morrer são muito maiores do que as de mulheres de outras classes sociais. (Palmas.)
Enquanto em países desenvolvidos, nos quais a decisão de abortar é assegurada às mulheres, a estimativa é de uma morte a cada 100 mil mulheres que se submetem a esse procedimento, no Brasil a estimativa é de uma morte a cada 100 mulheres.
Um estudo apresentado pelo médico Cristião Rosas, da FEBRASGO, demonstra que, se forem colocados 2 mapas mundiais, mostrando os países do mundo onde o aborto é proibido e os países do mundo onde ocorrem mortes maternas, nós faremos quase que um encaixe perfeito.
Se pegarmos 2 mapas, mostrando onde, no mundo, o aborto é proibido e onde, no mundo, existem os maiores índices de morte materna, eles vão se encaixar perfeitamente, mostrando a relação direta entre morte materna e aborto. E outro mapa vai demonstrar que, nos países em que o aborto foi legalizado, não só reduziu o número de abortos. Na África do Sul, por exemplo, em 5 anos, conseguiram reduzir em 91% as mortes maternas.
Esse problema não pode ser subestimado. Ele é de saúde pública, na medida em que traz imensos custos para o sistema de saúde, porque no Brasil há 213 ou 250 mil hospitalizações por ano para tratar das complicações do aborto inseguro, feito sem condições sanitárias. Mas também é um problema de saúde pública porque grande parte das mulheres que se submetem a esse tipo de aborto - mais de 1 milhão de abortamentos inseguros são realizados por ano no País - ficam com seqüelas.
São mulheres que vão ter inúmeros problemas pelo resto da vida, pelas condições em que o aborto foi realizado e não pelo aborto em si: infertilidade, dores, traumas, seqüelas.
É importante dizer que a decisão pelo aborto, para uma mulher, não é a mesma coisa que tomar um copo d'água. A decisão pelo aborto, para a mulher, não é a mesma coisa que tomar ou deixar de tomar uma pílula anticoncepcional. Nesse momento, ela tem de analisar todos os argumentos, agir de acordo com a sua própria consciência e tomar a decisão de ter ou não ter esse filho.
O fato é que, segundo pesquisa realizada por 3 universidades em 3 Capitais brasileiras - Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador -, chegou-se à conclusão de que 17% das jovens de 18 a 24 anos realizam abortamento na primeira gestação.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, 31% das gestações terminam em abortamento no Brasil. Para a OMS, os abortamentos, no País, chegam a 1,4 milhões. Há muito aborto inseguro. Há muito aborto indesejado, inclusive. Muitas vezes as mulheres são obrigadas a realizá-lo em momentos radicais de sua vida, quando não existe outra alternativa.
Ao longo do último ano, o tema "aborto" voltou a ser mencionado. Primeiro, houve a visita do Papa; depois, o posicionamento do Ministro Temporão, que considerou o aborto inseguro um grave problema de saúde pública, devendo ser enfrentado tecnicamente. Por fim, o movimento de mulheres foi instado a estar presente nesta Casa praticamente todas as semanas, durante o ano passado, para dar conta dos debates que aqui se estabeleceram. Em todos eles, falou-se sobre o retrocesso em relação aos direitos sexuais e aos direitos reprodutivos neste País.
Inventaram inúmeros projetos - bolsa-estupro, parto anônimo -, que nos ocuparam e nos fizeram ir à luta. Tivemos de estudar muito e nos preparar para esse debate, que não foi fácil em nenhuma sociedade do mundo. Estamos tratando de bioética. Estamos tratando de vida. E estamos tratando de vida das mulheres. Das mulheres que são as cuidadoras das crianças do mundo, das mulheres que não são contra ou a favor do aborto, mas que têm necessidade de decidir pelas suas vidas em determinado momento.
Nesse mesmo período o Congresso Nacional foi ocupado por segmentos religiosos. Nós, que somos defensoras da liberdade de expressão religiosa, achamos que há alguns séculos já se decidiu pela separação do Estado e da Igreja. Precisamos resgatar neste País o significado do Estado laico. O Estado laico não é um Estado ateu. O Estado laico não é um Estado que proíbe a religião. Pelo contrário, o Estado laico é aquele que permite todas as expressões religiosas. No entanto, nenhuma expressão religiosa pode ser capaz de impedir que o conjunto da sociedade tenha a oportunidade de decidir.
Por isso, a minha rede, a Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, existente há 17 anos neste País, presente em todos os Estados brasileiros, fez as seguintes perguntas frente à convocação: estaremos aqui apenas para dar legitimidade a um debate em que as posições já estão decididas? Adianta estarmos presentes nesses espaços, se sabemos que existem quase 10 mil mulheres sob risco de responder a processos no Estado de Mato Grosso do Sul, sendo indiciadas, sendo imposta a elas a pena de cuidar de crianças, como forma de aprenderem a serem mães? Será que esses juízes que impõem esse tipo de pena às mulheres que estão sendo acusadas de abortar não merecem ser julgados por terrorismo moral contra elas?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Peço-lhe que conclua. V.Sa. já extrapolou 4 minutos do seu tempo.
A SRA. TÉLIA NEGRÃO - Portanto, senhoras e senhores, neste momento tão importante em que se discute o avanço ou o retrocesso deste País em relação à garantia dos direitos humanos para as mulheres, é preciso fazer apenas mais uma pergunta: a criminalização proposta não viola o direito da igualdade das mulheres? Mulheres ricas têm liberdade de fazer aborto e mulheres pobres têm apenas de se submeter aos riscos do aborto e até à morte.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Peço-lhe que conclua, pois S.Exa. já extrapolou o tempo em 5 minutos.
A SRA. TÉLIA NEGRÃO - Concluindo, Sr. Presidente, esse não é o único assunto que nós, do movimento de mulheres, queremos discutir nesta Casa. Gostaríamos de debater muitos outros. Mas esse tema, com certeza, traz de volta um debate fundamental na sociedade, que é o direito à autonomia das mulheres de decidir pelo seu corpo. Esse direito vem sendo retirado das mulheres há muitos séculos, e há muitos séculos elas têm lutado por ele.
Desejamos, sinceramente, que esta Comissão tenha a capacidade e a consciência de remeter ao plenário da Casa esse debate. Espero que possamos promover um grande debate nacional sobre esse tema.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Obrigado.
Houve 6 minutos de acréscimo ao tempo, que serão dados aos palestrantes com posições diferentes.
Informo que essa matéria, por estar relacionada ao Código Penal, é de plenário. Não é matéria conclusiva nas Comissões. Então, nem é preciso fazer essa solicitação, porque, regimentalmente, mesmo sendo apreciada aqui, a matéria é de plenário.
(Intervenção fora do microfone. Inaudível.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Espero que não. Espero que vá com parecer contrário. Mas não é o caso.
(Não identificado) - Sr. Presidente, é necessário ater-se ao tempo, para que todos sejam ouvidos.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Estou pedindo que os palestrantes se atenham ao tempo, mas farei a compensação rigorosamente. Os 6 minutos que ela falou a mais serão compensados pelo posicionamento do outro lado, sem dúvida nenhuma. Se a pessoa extrapolar o tempo e eu não conseguir interrompê-la, compensarei o outro lado.
Concedo a palavra à próxima oradora, Sra. Lenise Garcia, iniciando às 15h42min.
A SRA. LENISE APARECIDA MARTINS GARCIA - Sr. Presidente, inicialmente agradeço a D. Dimas, que solicitou que eu o substituísse nesta sessão, exatamente por desejar que seja feita uma apresentação muito mais científica do que do ponto de vista religioso. Inclusive, tentarei fazer a distinção entre o que é âmbito da ciência, âmbito da ética e âmbito da religião neste debate, dentro dessa perspectiva interdisciplinar e plural sobre a mesma realidade, que é o embrião humano.
(Segue-se exibição de imagens.)
Começo com aquilo que nos diz a ciência.
A ciência, hoje, nos permite entrar dentro do útero. Ela permite a todas as mulheres verem os filhos, por meio de uma ecografia. E a ciência nos diz que tudo aquilo que somos está programado no DNA de cada um.
O projeto do genoma humano, que mapeou todo o nosso genoma, caracterizou esse programa do ser humano, do homo sapiens. São 3 bilhões de pares de base - as letras genéticas. Se isso fosse publicado, daria um volume de 160 listas telefônicas, de 600 páginas. É um programa extremamente complexo.
Nós temos nos 2 pares de 23 cromossomos cerca de 30 mil genes. É um imenso livro, que estamos começando a ler, mas que cabe inteiro no zigoto, na primeira célula que se forma no momento da fecundação.
E já está definido, a essa altura, se é homem ou se é mulher; se tende a ser alto ou baixo; se terá cabelo louro ou moreno, encaracolado ou liso. Também estão definidas a cor dos olhos, as eventuais doenças genéticas e, inclusive, as tendências herdadas, como o dom para música, para pintura, para poesia. Então, o zigoto de Mozart já tinha dom para música, o zigoto de Carlos Drummont de Andrade já tinha dom para poesia.
A impressão digital genética é usada nos testes de paternidade. Eu posso verificar, numa pessoa, quem é o seu pai, quem é a sua mãe, pela sua genética. Isso está definido desde o primeiro dia. Esse teste já poderia ser feito naquele zigoto. Então, o embrião é um indivíduo original, irrepetível. Isso é indiscutível. Todos nós fomos, um dia, uma célula assim. Se ela tivesse morrido, eu não estaríamos aqui. Então, aquela célula era eu. Eu já fui unicelular, mas nunca fui protozoário. Não sou eu que estou dizendo isso, mas sim a ciência.
Veremos um pequeno vídeo feito pela National Geographic, narrado em português de Portugal. São imagens de microscopia, não é animação.
(Exibição de vídeo.)
A SRA. LENISE APARECIDA MARTINS GARCIA - "Na altura da fertilização, muito do seu futuro já está previsto". Foi isso que acabamos de ouvir no vídeo.
Eu acho que todos sabem que a National Geographic não pertence à Igreja Católica.
Então, no momento da fecundação, forma-se esse indivíduo, que somos nós: o indivíduo da espécie homo sapiens. E assim nos chamaram porque a humanidade se caracteriza pela sabedoria. Ser sapiens é uma propriedade da espécie. O embrião humano é sapiens mesmo que não lhe permitam desenvolver, aprender. É sapiens mesmo antes que surjam as células do cérebro.
Aos que querem negar isso, eu pergunto: se o embrião não é homo sapiens, a que espécie ele pertence? Nós não nascemos girinos, não nascemos protozoários, não nascemos minhocas. Somos humanos desde o momento da fecundação.
O desenvolvimento... A partir do momento da fecundação, que normalmente ocorre na trompa, essa primeira célula já conversa quimicamente com a sua mãe. Cada um de nós, no dia em que fomos gerados, mandou um recado químico para a mãe, dizendo: "Cheguei. Neste mês as coisas vão ser diferentes. Prepare o útero, porque estou chegando. Daqui a poucos dias estou chegando ao seu útero e vou me implantar -- porque é o embrião que se implanta -- e, a partir disso, vou desenvolver". A mãe ainda não tem consciência dessa conversa, mas os seus hormônios, sim. Ou seja, o próprio embrião é que está comandando o corpo da mãe, a partir do momento em que ele é gerado. É o embrião que manda na mãe, não o contrário. É isso que a Biologia nos diz. Na quinta, na sexta semana, nós podemos ver que ele já vai sendo formado com características próprias.
Ainda o vídeo da National Geographic.
Aparecerá aí uma câmara intra-útero.
(Exibição de vídeo.)
A SRA. LENISE APARECIDA MARTINS GARCIA - O vídeo está mostrando que a criança está desenvolvendo os músculos para andar. Onze semanas.
(Exibição de vídeo.)
A SRA. LENISE APARECIDA MARTINS GARCIA - Quando os pés tocam a base do útero, o sistema nervoso, automaticamente, já vai programando.
(Exibição de vídeo.)
A SRA. LENISE APARECIDA MARTINS GARCIA - O feto salta e pula, usando as paredes como trampolim.
(Exibição de vídeo.)
A SRA. LENISE APARECIDA MARTINS GARCIA - Ele está fortalecendo os músculos da perna e desenvolvendo a enervação que controla isso.
(Exibição de vídeo.)
A SRA. LENISE APARECIDA MARTINS GARCIA - Aumenta 5 vezes de tamanho, em 5 semanas.
(Exibição de vídeo.)
A SRA. LENISE APARECIDA MARTINS GARCIA - Sete centímetros inteiramente formados. Isso é o que nos diz a ciência.
Agora, podemos olhar o que nos dizem a Sociologia e a Ética.
Eu abri esta apresentação para vocês com a imagem de uma criança, de um feto no útero da mãe. Mas não é qualquer feto. Essa é a Brenda. Essa é a segunda foto da Brenda. E foi exatamente assim que eu baixei essa foto da Internet, do álbum de Orkut de um amigo meu. No dia em que a Brenda tirou essa primeira foto, ele colocou lá: "Sou papai". Ele não colocou: "Serei papai". Colocou: "Sou papai. Aqui está a Brenda. A Brenda chegou". Então, é assim que a nossa sociedade vê essa criança, como essa criança é querida. Por que eu quero enganar, dizendo que ainda não existe essa criança ali e que ela não é sujeito de direito?
Essa é a Brenda alguns meses depois. Eu não posso pegar essa criança nascida, matá-la, jogar pela janela, como fez uma mãe louca outro dia. Temos clareza de que não se pode fazer isso. Por que eu poderia matar essa criança e jogá-la no lixo? São poucos meses de diferença entre uma e outra. Já é a Brenda!
Aí, sim, entra o aspecto religioso da questão, que se apóia no aspecto científico.
Então, como eu não sou D. Dimas e não tenho autoridade para falar do ponto de vista religioso, trouxe aqui palavras de quem tem autoridade, do Papa João Paulo II. Disse ele: "Mesmo por entre dificuldades e incertezas, todo homem sinceramente aberto à verdade e ao bem pode, pela luz da razão e com o secreto influxo da graça, chegar a reconhecer na lei natural inscrita no coração o valor sagrado da vida humana, desde o seu início até o seu termo, e afirmar o direito que todo ser humano tem de ver plenamente respeitado esse seu bem primário. Sobre o reconhecimento de tal direito é que se fundam a convivência humana e a própria comunidade política".
Isso, sim, eu posso dizer que é uma perspectiva religiosa. Não é que a vida humana começa na fecundação, porque isso quem diz é a ciência; não é que aquele embrião de poucas semanas é um ser humano, porque isso me diz a ciência. O que pode a religião dizer é que essa vida é sagrada. Isso, sim. A ciência não tem um conceito de sacralidade, mas a ética tem um conceito de dignidade. E isso independe de qualquer religião.
O Papa Bento XVI disse: "Quando seres humanos, no estado mais fraco e mais indefeso da sua existência, são selecionados, abandonados, mortos ou utilizados como puro material biológico, como negar que esses são tratados não mais como alguém, mas como algo, colocando assim, em questão, o conceito próprio de dignidade do homem?"
Eu acho que algumas falas aqui já nos mostram como essa dignidade é deixada de lado. Fala-se do aborto legal como se nesse aborto não pudesse haver morte. Esquecem que a morte acontece em 100% dos abortos.
Outra fase do então Cardeal Ratzinger: "O homem desceu até o fundo do poço do poder, até a fonte de sua própria existência. A tentação de agora finalmente construir o homem direito, a tentação de fazer experimentos com humanos, a tentação de encarar os homens como lixo e eliminá-los não é uma fantasia de moralistas inimigos do progresso".
Infelizmente, é algo que vemos acontecendo na nossa sociedade atual, e não é isso que queremos para o povo brasileiro.
Estou quase concluindo, Sr. Presidente.
Talvez à doutrina dos direitos humanos devesse, hoje em dia, ser acrescida uma doutrina acerca dos deveres humanos e dos limites do homem. Isso poderia ajudar a atualizar a pergunta sobre se não pode haver uma razão da natureza e, portanto, um direito racional para os homens e sua posição no mundo.
Existe, sim, um mandamento na Lei de Deus que diz: "Não matarás." Também está dito que não se pode roubar, não se pode mentir. Mas, se nós formos considerar que isso são perspectivas religiosas, então podemos pegar o nosso Código Civil e o nosso Código Penal e jogar no lixo (palmas), porque a sociedade se apóia nesses princípios. Então, não é porque o Estado é laico que "o não matarás" está subvertido. Pode a humanidade suprimir esse mandamento sem renunciar a si mesma?
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - A Sra. Lenise Garcia ultrapassou 6 minutos de seu tempo, exatamente como ocorreu com a oradora que a antecedeu.
A próxima oradora é a Sra. Gilda Cabral, iniciando sua fala às 15h58min.
A SRA. GILDA CABRAL - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, senhoras e senhores, fiquei pensando o que é que eu poderia falar sobre o Projeto de Lei nº 1.135, de 1991, com os Srs. Parlamentares da CCJC.
Eu estou representando o Centro Feminista de Estudos e Assessoria - CFEMEA, uma organização feminista que atua no Congresso Nacional em defesa dos direitos das mulheres há quase 20 anos.
Nossa luta, ao logo de todos estes anos, nos corredores desta Casa, desde a Constituinte, foi em prol das normas legais que garantissem a igualdade, a dignidade e a plena cidadania das mulheres.
O CFEMEA teve participação ativa na elaboração, na discussão e na promulgação da Lei do Planejamento Familiar. E, mais recentemente, na Lei Maria da Penha, que trata da violência doméstica.
Legalizar o aborto é uma das lutas do Movimento Feminista e do CFEMEA.
Ser contra ou a favor do aborto é uma questão que não é real; é uma falsa questão. Em princípio, ninguém é a favor do aborto; ninguém gosta e tem prazer em sofrer um aborto. Nós, feministas, também temos como objetivo diminuir ao máximo o número de abortos. Feminista também quer diminuir o número de abortos.
Eu vou passar agora um vídeo de 30 segundos de uma campanha feita pelo IPAS, uma entidade parceira do CFEMEA, para o qual peço, por gentileza, a atenção de todos.
(Segue-se exibição de imagens.)
Pois é. Vai pensando aí. Vamos pensando nós, que estamos aqui.
Todos nós, aqui nesta sala, conhecemos mulheres que já fizeram aborto: uma vizinha, a prima da amiga, a mulher do cara da venda, uma filha, uma sobrinha, a namorada do filho e por aí vai. Com toda certeza, cada um de nós, aqui nesta sala, conhece ou já soube de pessoas que interromperam uma gravidez indesejada. Não se trata de ser contra ou a favor do aborto: todos nós temos que discutir este assunto. Mesmo que você seja totalmente contrário ao aborto, você tem que discutir o assunto.
Conforme o próprio Ministério da Saúde já disse aqui - e eu vou até ser mais pessimista; não vou nem falar do número de 1,4 milhão de abortos apontado Organização Mundial da Saúde; eu estou calculando o número mais pessimista, de 1 milhão de abortos, o número oficial do Ministério da Saúde -, a cada ano, neste País, são feitos 1 milhão de abortos. Não é nada, não é nada, isso dá, por dia, 2.740 abortos; por hora, 114 abortos; por minuto, 1,9, quase 2 abortos. Ou seja, nos meus 10 minutos - e eu me vou ater ao tempo estabelecido, bem bonitinha, Sr. Presidente; pelo menos é o que eu espero -, serão feitos 20 abortos. Querendo ou não, há aborto neste País. Entenderam? Não adianta querermos tapar o sol com a peneira!
Eu gosto de fazer contas e gosto também de dizer como é a vida real. Eu sou nordestina, com muito orgulho, e digo que a vida real é esta: as mulheres fazem abortos, estando ou não no Código Penal, sendo ou não crime.
Eu vou contar umas histórias que eu acho interessantes, porque são uma forma de aproximar da realidade os Srs. Parlamentares que estão discutindo este projeto - se descriminaliza ou não; se tira o aborto do Código Penal. Eu acho isso importante, porque, infelizmente, os homens não engravidam, mas eles podem ser companheiros e partilhar conosco a angústia de decidir por interromper uma gravidez.
Olha, nessas 5 horas de audiência, 570 abortos foram feitos.
Não vim aqui só para mostrar números - mesmo porque pessoas que me antecederam hoje e tantas outras amanhã estarão nesta Comissão farão isso com muito mais competência; eu vim aqui falar para as senhoras e os senhores como uma mulher igual à mãe dos senhores, à filha dos senhores, à vizinha, a uma amiga querida que fez um aborto. E como nós sofremos ao tomar essa decisão! Não é fácil! Não é fácil decidir sobre o aborto!
E eu questiono aos senhores: alguém já se perguntou por que, sendo crime, tantas e tantas mulheres fazem aborto? Um milhão de mulheres! Olha, dos mais de 5.500 municípios que há neste País, apenas 13 cidades têm mais de 1 milhão de pessoas. E por que, por ano, tantas mulheres fazem aborto? Será que a responsabilidade é só delas?
Eu trouxe alguns casos reais para os senhores tentarem entender essa angústia que nós, mulheres, passamos quando decidimos por um aborto.
Vou ler rapidamente, porque eu estou emocionada. E, como ainda é crime praticar aborto - espero que não por muito tempo; espero que esta Comissão reveja isso ao mandar o projeto para o plenário -, vou usar o nome "Maria" para todos os casos, que são verídicos e reais.
Maria, uma atriz nossa conhecida, diz: "Eu fiz aborto e não lido como um trauma. Eu teria trauma se colocasse uma criança no mundo sem ter condições de educá-la. Eu era muito jovem e tinha outras prioridades. Não era o momento certo. Tomava pílula, mas o método falhou. Costumo pensar da seguinte forma: 70% das mulheres que têm filhos não têm a menor condições de criá-los e educá-los. Então, é difícil abortar. Uma criança é uma coisa muito séria; não dá para trazê-la ao mundo para depois pensar sobre isso".
Esta mulher fez um aborto. Ela não é uma criminosa; ela não deve ser presa; ela precisa de nosso apoio, compreensão e compaixão.
Outra Maria, de 20 anos, mora na casa da mãe, aqui na periferia de Brasília. É mãe solteira. Tem um filho de 2 anos. Ficou grávida e o namorado não quis assumir. Ela estava desempregada. Então foi com as amigas, tomou chá, arrumou Citotec, teve muitas e muitas dores e hemorragia. Foi muito maltratada no hospital pelo médico e pelos funcionários.
Esta mulher fez um aborto. Ela não é uma criminosa; ela não deve ser presa; ela precisa de nosso apoio, compreensão e compaixão.
Outra menina, de 16 anos, concluindo o 2º grau, foi estuprada. Não teve coragem de falar para a mãe o que tinha acontecido, porque foi ameaçada. O estuprador disse que, se ela contasse para alguém, a família e ela morreriam. Então, ela se lavou à exaustão; sentiu-se suja; tinha nojo do próprio corpo. Vomitou muito, chorou, mas ficou em silêncio. Teve um sangramento. Achou que era a menstruação tinha descido, mas não foi. Ela ficou grávida e sofreu uma verdadeira lacuchia nesses hospitais para conseguir ser atendida depois do sangramento.
Outra Maria, de 30 anos, nasceu em Teresina, no Piauí. Casada, mãe de 4 filhos pequenos, marido desempregado, ela é empregada doméstica e cuida da mãe doente. Ficou grávida, mesmo tomando pílula. A patroa tinha dito que não aceitava, em hipótese alguma, ela trabalhando grávida na casa dela. Então, ela interrompeu a gravidez e foi-se confessar. O padre a mandou rezar 2 terços. Ela cumpriu a penitência. Não pode ter mais que 4 filhos, nem pode ficar desempregada. Se ela engravidar novamente, o que ela vai fazer? Ela é uma católica praticante! Bom, ainda bem que no confessionário os padres têm compaixão; estão perdoando as mulheres que fazem aborto.
Essas mulheres não são criminosas. Elas não têm que ser presas; elas precisam do nosso apoio, compreensão e compaixão.
Quantos minutos eu tenho, Sr. Presidente?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Acabou de completar 10 minutos.
A SRA. GILDA CABRAL - Então, eu vou extrapolar o tempo só para concluir a minha intervenção.
Muitos e muitos casos eu poderia citar para os senhores: são pessoas que morrem. Aqui em Brasília, recentemente, esteve na mídia o caso de uma mulher da cidade-satélite do Paranoá que passou 3 dias no hospital e morreu, deixando 4 filhos, o menor deles com 5 anos.
São mulheres que não são criminosas. Morrem porque não têm condições de ser atendidas e são forçadas a, de modo inseguro, interromper uma gravidez.
São muitas Marias com as quais nos deparamos todos os dias neste mundo real do abortamento, e, como as senhoras e os senhores podem observar nos casos que relatei, não são mulheres possuídas pelos demônios nem levianas que abortam. Não! São mulheres como eu, como você, como a sua mãe, a sua filha, a sua vizinha, a sua colega de trabalho, a sua patroa. São mulheres mães de família, casadas, jovens, que cuidam e sustentam a casa.
A lei, hoje, trata a mulher como criminosa. E mesmo as mulheres que sofrem aborto espontâneo e vão para um hospital público são atendidas como bicho: ficam esperando de 8 a 10 horas pelo resultado de um exame para fazer curetagem, e, nesse período, além do sofrimento emocional, ainda são alvo de chacota dos médicos, dos funcionários, das enfermeiras e das pessoas religiosas fundamentalistas que circulam nesses hospitais públicos.
Falo isso, senhores, porque vivi essa situação no Hospital de Base, em Brasília, em 1981. Eu sofri um aborto espontâneo, e, como sou uma mãe solteira de 2 filhos, 2 filhas e uma neta, fui tratada como uma criminosa - apesar de adorar a minha família.
(O Sr. Presidente faz soar as campainhas.)
A SRA. GILDA CABRAL - E é desumano o atendimento que se dá a essas mulheres, porque o aborto é crime. O verdadeiro crime, entretanto, não é o aborto por iniciativa das mulheres. É muito injusto individualizar esse ato e responsabilizar e tratar como criminosas apenas as mulheres pelo aborto. Ninguém tem nada a ver com isso, senhores? Só porque a mulher está grávida, e de uma gravidez indesejada, é a única responsável por isso?
A ocorrência da gravidez indesejada nunca pode ser individualizada. Eu pergunto: por que não são igualmente responsáveis a ciência e a indústria farmacêutica, que fazem métodos falíveis, e o serviço de saúde, que não disponibiliza informações e não dá às mulheres condição de realizarem uma laqueadura, uma vasectomia, enfim, algum procedimento contraceptivo, que é um direito das pessoas?
Onde estão os governantes que sucatearam o serviço público de saúde para cumprir metas fiscais? Onde está o homem com quem a mulher teve relações sexuais e engravidou, seja ele o marido, o companheiro, o namorado, o ficante ou o cliente? Onde estão o patrão e a patroa que ameaçaram de demissão e efetivamente demitiram quem ficou grávida, como foi o caso da mulher que morreu aqui em Brasília? Onde estão a família, que não orienta seus filhos, e a escola, que se recusa a promover uma educação sexual esclarecedora? Onde está o Congresso Nacional, que não revê a legislação punitiva do aborto, senhores? Os senhores, como eu, estão nesta mesma jogada! Eu, hoje, com 60 anos, não engravido mais, mas não é porque sou mulher que, se interrompesse uma gravidez indesejada, seria mais responsável do que os senhores, legisladores, que podem rever essa injustiça!
Como os senhores podem ver, há vários fatores envolvidos! Não é só a mulher que pode ser considerada culpada e punida! Considerar as mulheres criminosas porque fazem abortos é um mecanismo que se usa para a manutenção dessa irresponsabilidade e dessa hipocrisia coletiva. A lei considera criminosa a mulher, mas onde estão os outros? Ninguém tem nada a ver com isso? O Poder Público não tem? Só as mulheres? É preciso pensar nisso; é preciso rever o Código Penal!
O CFEMEA defende a descriminalização do aborto e a sua legalização.
Muito obrigada, senhores. (Palmas.)
Desculpem-me por ter ultrapassado o tempo.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Foram 4 minutos de excesso de tempo, que serão compensados.
Com a palavra o próximo orador, Sr. Silas Malafaia, que inicia sua exposição às 16h12min.
O SR. SILAS MALAFAIA - Sr. Presidente, Srs. Deputados, demais presentes, agradeço a oportunidade de estar aqui e começo respondendo algumas afirmações que ouvi.
O Estado é laico mas não é laicista; o Estado é laico, mas o povo não é. (Palmas.) O Estado é laico, mas, no preâmbulo da Constituição... (Apupos na platéia.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Peço respeito. Aliás, peço que não haja manifestações durante as exposições dos palestrantes. Aqui não é lugar para apupos. Aplausos podem ser para todos; apupos não têm lugar aqui. Todos estão participando com dignidade e têm o direito de emitir sua opinião, mesmo que contrária à de quem quer que seja que aqui esteja.
O SR. SILAS MALAFAIA - No preâmbulo da Constituição do Brasil, porque este Estado não é ateu, está escrito "sob a proteção de Deus". Está na nossa Constituição.
Todos sabem que não se trata de uma questão religiosa. Houve uma inquisição religiosa, que todo mundo conhece, e agora existe a tentativa de se fazer uma inquisição científica, isto é, o que não for da ciência, como se ela tivesse o domínio absoluto da verdade, é ridicularizado. Há a tentativa de ridicularizar qualquer postura que envolva questão religiosa, como se o povo não tivesse questões religiosas.
Farei agora apenas uma colocação - eu não vou fazer abordagem religiosa: quando uma pessoa tem problemas nos olhos, vai ao oftalmologista; quando tem problemas nos ossos, vai ao ortopedista. Quem, na ciência, tem autoridade para dizer quando começa a vida? A biologia, amparada pela embriologia e pela medicina fetal! Isso todo mundo já sabe! Qual é a diferença, senhores, entre cada um que está aqui e o óvulo fecundado? Eu lhes respondo: o tempo e a nutrição. O óvulo fecundado tem 10 dias, 20 dias, 30 dias, 2 meses, 4 meses; e nós temos 30 anos, 40 anos, 50 anos, 60 anos. Nós comemos arroz e feijão, e o óvulo fecundado está em simbiose com a mãe, para obter nutrientes.
Já foi dito e eu repito: na gestação, o agente ativo é o feto; o agente passivo é a mãe. É o feto que se protege com aquela cápsula para não ser expulso do corpo da mãe como um ser intrujão. É o feto que regula o líquido amniótico. É o feto que, em última instância, determina a hora de sair.
Senhores, o feto não é prolongamento do corpo da mulher, como as unhas e os cabelos, que podem ser cortados ou aparados! E eu gosto de analisar a frase feminista: "toda mulher tem o direito de determinar sobre seu próprio corpo". Vamos analisar a frase.
Comecemos pelo primeiro trecho: "toda mulher...". Pelo menos 50% - a metade - dos fetos são mulheres e não tiveram o direito de determinar sobre seu próprio corpo. Que defesa é essa? (Palmas.)
Agora a segunda parte: "...tem o direito...". Também já foi dito aqui e eu repito: ninguém, juridicamente, tem direito absoluto sobre seu próprio corpo - o que dirá sobre o dos outros.
Por fim: "...tem o direito de determinar..." Determinar indica responsabilidade de ação. A maioria dos abortos são fruto de promiscuidade e de falta de educação. Essa é que é a verdade que não querem aceitar! (Palmas.)
Agora, senhores, o que me envergonha é o seguinte: defende-se mico-leão-dourado, punindo com crime inafiançável que o mata; defendem-se matas, defendem-se baleias, defende-se até capim; mas a vida humana é coisificada. É a coisificação do ser. É uma vergonha! Faz-se propaganda; há entidades para defender matas, capim, passarinho, gato e cachorro. Mas o ser humano é tratado como lixo.
Nenhum ser humano é mais humano do que outro! Ser e humanidade são inatos; não se adquirem. Não há como adquiri-los; eles são inatos. Nenhum corpo vivo pode tornar-se pessoa, a não ser que já o seja em essência. Esta é uma verdade cristalina.
Se a vida começa na concepção, como é científico, abortar é matar uma vida. Esse fato cristalino não pode servir a interesses políticos, econômicos e sociológicos.
Agora, o que eu estranho é o esconder dos dados. É verdade! É uma questão de saúde pública, sim, mas eu vou dizer o quê: é o depois do aborto, que todo mundo que defende o aborto esconde. E eu estou com os dados aqui. Independe de ser legal ou ilegal o aborto o que vou citar aqui.
Escutem, senhores: 25% das mulheres que abortam freqüentam continuamente a psiquiatria; 60% experimentam estresse emocional pós-aborto e desordens de estresse pós-traumático; as mulheres que abortam têm 138% mais probabilidade de depressão do que as mulheres que mantêm a gravidez até o fim; as mulheres que abortam apresentam 260% mais probabilidade de serem hospitalizadas para tratamento psiquiátrico do que as mulheres que dão à luz; as mulheres que abortam são 7 vezes mais propensas ao suicídio do que as outras mulheres; de 30% a 50% das mulheres que abortam têm alguma disfunção sexual.
Não acabou, não, senhores! Seja legal ou ilegal o aborto, ocorrem ainda perfuração do útero, embolia, pancreatite, necrose - estou citando apenas alguns dos problemas, porque a lista é grande -, cancro da mama, da cervical e do fígado, complicações numa gravidez futura, lacerações, endometrite. Sete vezes! Ouçam isto! E não estou falando se é legal ou ilegal; estou falando do ato do aborto! Sete vezes mais! As mulheres que abortam também podem ter a placenta prévia, e isso pode levar à sua morte e à do feto nas futuras gestações.
A verdade, senhores, é que esta é uma questão de saúde pública e que ninguém traz o mapa aqui para mostrar. É bonito dizer: eu vou mostrar o mapa dos países desenvolvidos que têm o aborto legalizado e vou trazer o mapa dos países desenvolvidos para mostrar a morte. Traga aqui o mapa das doenças das mulheres depois do aborto. Vai ver o que está acontecendo. Isso aqui é um filetinho do que acontece com as mulheres que abortam.
Eu estou aqui com os dados do SUS - eu fico ouvindo tantos dados! -, que mostram as mulheres mortas em gravidezes que terminaram em aborto. Em 1996, foram 146; em 1997, 163; em 1998, 119; em 1999, 147; em 2000, 128; em 2001, 148; em 2002, 115. Em contrapartida, há 0,5% - não é 1%, não! - de morte no conjunto total das mulheres no período de gestação, até dar à luz. Onde estão arrumando esses dados? Onde estamos querendo chegar?
Minha gente, sabem o que é o aborto? É o poder dos poderosos contra os indefesos. Esta é a verdade! Vamos dar educação! Vamos ensinar lá na escola, como eu vi na América: dá-se para a menina uma bonequinha que chora de madrugada e tem várias reações por causa das quais a menina é obrigada a acordar e ter atitudes com ela, porque é registrado na escola. Isso é feito para mostrar a ela como é a brincadeira de ter uma criança antes da hora.
O Brasil quer atacar a conseqüência, e não cuidar da prevenção. Vamos educar as nossas meninas! E a verdade, minha gente, é que um mal não vai encobrir o outro. Esta é a verdade cristalina e certa!
Quando se fala em saúde pública em nosso País, eu fico imaginando: hospital sem médico, sem equipamento para fazer radiografias, sem leitos. E aí se levanta a lebre da questão de saúde pública, quando honestamente não se mostra o que acontece com as mulheres após o aborto.
Esta aqui é a verdade cristalina dos fatos.
Senhores, ninguém tem o poder de determinar completamente sobre a sua própria vida. Qual é a prova final, cabal, de que o óvulo fecundado não é prolongamento do corpo da mulher? Aqui está a prova: do óvulo fecundado de um casal negro implantado no útero de uma mulher branca vai nascer um negro; do óvulo fecundado de um casal branco implantado no útero de uma negra vai nascer um branco. Que conversa é essa de que a mulher pode determinar sobre seu próprio corpo, se o feto não é prolongamento dela? (Palmas.) Que história é essa? (Palmas.) Que conversa é essa, minha gente? (Palmas.)
Eu estou falando de ciência! Eu não estou falando de religião, de conceitos teológicos, porque eles estão andando em conjunto com o que a ciência fala.
Deixe-me dar minha pitadinha, para encerrar, Sr. Presidente: já que neste País 90% das pessoas são cristãs, eu quero apenas dizer que Deus se fez homem na concepção. Lucas, Capítulo I, diz assim: "E conceberás e darás à luz um filho." Se você quer dissociar a religiosidade das pessoas do seu modus operandi de vida, você vai ter que dissociar educação e tudo o mais.
Senhores, aborto é crime, porque mata uma vida, e uma vida indefesa! (Palmas.) Nós precisamos defender a vida (palmas), não por questões religiosas, não por princípio da minha religião, mas por princípio da ciência e por princípio da valorização do ser humano porque, quando um ser humano não respeita o outro, ele vai respeitar o quê? (Palmas.) Aonde ele vai? Aonde nós vamos?
Muito obrigado, Sr. Presidente. Tenho dito. (Palmas prolongadas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Ainda restou um crédito de 2 minutos para igualar. Depois, se houver excesso do próximo orador, concedo a um dos palestrantes aqui para completar o tempo, a fim de ser equânime.
O próximo orador é Juiz José Henrique Torres, iniciando às 16 horas e 25 minutos.
O SR. JOSÉ HENRIQUE RODRIGUES TORRES - Boa tarde a todas, boa tarde a todos, boa tarde, Sras. e Srs. Deputados, especialmente Sr. Presidente, a quem agradeço imensamente o convite para estar aqui nesta data, e estou aqui exatamente para atender a convocação de V.Exa.
Para contribuir com a reflexão das Sras. e Srs. Deputados sobre esse tema extremamente interessante, devo dizer, inicialmente, que algo me deixou encantado, particularmente, na tarde de hoje... (Falha no microfone.)
Alô? Está sendo possível ouvir?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Se o senhor usar outro, é melhor. Se o senhor quiser vir para o lado de cá, será bem-vindo.
O SR. JOSÉ HENRIQUE RODRIGUES TORRES - Muito obrigado.
O que me deixa mais emocionado é exatamente isso, porque percebi, e invoco para isso um verso de Pablo Neruda, que, no coração, hoje, estamos todos nós juntos.
Foi perfeitamente perceptível, durante os debates nesta Mesa, e agora aceito o convite de ir para o lado de lá porque não há lados nesta Mesa. Todos nós estamos do mesmo lado, todos nós estamos unidos no mesmo objetivo (palmas), todos nós somos contra o aborto. Isso ficou absolutamente claro. Ninguém aqui demonstrou ser favorável ao abortamento, absolutamente.
O abortamento não é desejável, senhoras e senhores, nem para a sociedade, nem para as mulheres. O abortamento não deve ser utilizado como método anticonceptivo em hipótese alguma, e todos nós disso somos concordes.
Todos nós, sentados nesta Mesa, e V.Exas. também, estamos aqui em homenagem à cultura da vida. Nenhum de nós está aqui para cultuar a morte, absolutamente. O abortamento, para todos nós aqui, é um problema social; é um problema, sim, de saúde pública, e é um problema que deve ser enfrentado pela sociedade e por seus representantes, as Sras. e Srs. Deputados, porque a proteção à vida deve ser garantida, sim, para todas e para todas. A inviolabilidade do direito à vida é um dogma que tem de ser garantido em todo nosso sistema, em todos os nossos momentos.
Qual é, Sr. Presidente; qual é, Srs. Deputados, a nossa divergência? O que nos coloca em oposição nesta Mesa? A nossa divergência, senhoras e senhores, é apenas uma questão de métodos, apenas uma questão de métodos. Como responderemos a esta pergunta: como proteger a vida? Como proteger a vida? Como proteger a vida dos fetos? Como proteger a vida das mulheres também? Esse é o nosso problema.
Falo agora tecnicamente às Sras. e aos Srs. Deputados, os quais conhecem o processo legislativo muito melhor do que eu. Quando a sociedade brasileira resolve proteger um determinado bem, ela tem de enfrentar esse problema. Por exemplo, a propriedade, a liberdade, a segurança, a igualdade, a honra, a dignidade são direitos, interesses, bens que devem ser protegidos também. E quais são os métodos de que dispomos para isso? Temos métodos informais, formais; temos promoção de valores, que é realizada, e muito bem, pela família, pelas igrejas, pelas organizações sociais de modo informal; temos a atuação do Estado com políticas públicas no sistema educacional, no sistema de saúde, e também através dos senhores desta Casa de leis, através da criação de um sistema legal e jurídico; um sistema legal e jurídica que protege bens, que evita condutas violadoras no âmbito administrativo, no âmbito comercial, no âmbito cível, no âmbito tributário e, finalmente, no âmbito penal, no âmbito repressivo, que gera a criminalização das condutas.
Pois bem, Sras. e Srs. Deputados, é esta a reflexão que trago: a criminalização não é o único meio de proteção de bens; a criminalização não é o meio mais eficaz de proteção dos bens. Ao contrário, a criminalização no Estado Democrático de Direito deve ser utilizada como última ratio, como última alternativa, quando todos os demais meios, métodos falharem, fracassarem, porque o sistema penal repressivo é extremamente violento e causador de conseqüências drásticas socialmente.
Dou alguns exemplos a V.Exas., que sabem muito bem disso. O casamento, que tem seu valor social, é uma instituição que deve ser preservada induvidosamente. É evidente que o adultério e a infidelidade devem ser censurados, não devem ser aceitos, e não o são em nosso contexto social. Todavia, V.Exas., há muito pouco tempo, descriminalizaram o adultério. (Palmas.) Isso não significa que as senhoras e os senhores estão aprovando o adultério, absolutamente! Isso não significa que V.Exas. estão aprovando, estimulando a infidelidade conjugal no âmbito da propriedade, que deve ser também garantida.
Vejam, senhores, que a propriedade também deve ser garantida, mas nem todas as condutas violadoras da propriedade, hoje, são criminalizadas. Os senhores sabem bem, são os senhores que fazem as leis. Vejam bem, quantos ilícitos civis atingem a propriedade e não são criminalizados!
Observem que o dano culposo é resolvido em outras esferas e não no âmbito da criminalização. O esbulho possessório só é criminalizado em casos absolutamente extremos e é resolvido em outro âmbito. Isso não significa que o Congresso Nacional aprovou ou estimula a violação à propriedade.
A saúde pública é um valor social também inestimável. A saúde pública deve ser preservada, e as Sras. e Srs. Deputados, Congressistas decidiram que o tráfico de drogas deve ser reprimido, porque viola a saúde pública. Pois bem, mas nem toda venda de drogas está criminalizada. Por exemplo, a venda do tabaco, do cigarro, do álcool não está criminalizada, senhoras e senhores! Isso não significa que o Ministério da Saúde, os senhores, as senhoras, a sociedade brasileira esteja incentivando o alcoolismo ou a embriaguez.
A vida, especificamente, também deve ser preservada. Não duvido disso, não questiono e não discuto com ninguém. A vida tem, sim, de ser preservada. Mas se os senhores observarem, existem muitas condutas de violação da vida que não são criminalizadas. Por exemplo, o homicídio. O homicídio é criminalizado. É óbvio que é criminalizado. Todos sabem. Mas o homicídio em legítima defesa e o homicídio em estado de necessidade não estão criminalizados. Isso não significa que o Congresso Nacional abandonou a proteção à vida.
Todos sabem, as Sras. e Srs. Deputados sabem que, na técnica legislativa, o Direito Penal, e isso é técnico; no Estado de Direito Democrático, é essencialmente subsidiário. Ele só atua como subsidiário em relação aos outros direitos. E ele é essencialmente fragmentário, ou seja, o Direito Penal não trabalha para proteger todos os bens. Ele seleciona alguns bens apenas. E mesmo ao selecionar alguns bens, ele seleciona algumas condutas violadoras desses bens para serem reprimidas.
A criminalização não é a única forma de proteção dos bens, nem é a única forma de controle social de condutas. A descriminalização não significa deixar de proteger os bens. Significa apenas que a sociedade optou por outra forma de proteção desses bens. A criminalização não é a única, nem a melhor forma de se proteger um bem. Muitas vezes, senhoras e senhores, nós sabemos disso, a criminalização torna-se ineficaz e acarreta mais problemas do que o próprio problema que ela visa arrostar, enfrentar.
O abortamento especificamente, senhoras e senhores, por favor, lembrem-se disso, é criminalizado, todos sabem, mas o abortamento culposo não é criminalizado. Se um médico praticar um abortamento culposo, não há crime. Ele pode ser julgado no âmbito da ética médica, da indenização civil etc., mas no âmbito criminal, não, porque não existe o crime de aborto culposo. O abortamento sentimental está descriminalizado; o abortamento necessário está descriminalizado. Isso, senhoras e senhores, não significa que o Congresso Nacional e a sociedade abandonaram a proteção da vida.
Ou seja, o abortamento, o enfrentamento desse problema, o qual nós, a sociedade, temos de enfrentar, passa por esse questionamento: a criminalização é um método eficiente para proteger a vida do feto? Estou falando da vida do feto. O abortamento deve tratado como crime, ser criminalizado, ou enfrentado por outros métodos? Deve ser tratado como um crime que merece castigo ou um drama social que merece acolhimento? Há necessidade de repressão e punição ou esse problema pode ser enfrentado com assistência, com tolerância, com amor, com compreensão? Como a sociedade brasileira deve enfrentar esse problema? Como?
Aí vemos, Sras. e Srs. Deputados, e tudo aqui ficou muito claro, que a criminalização do abortamento tem sido um método absolutamente ineficaz para evitar os abortamentos. É inegável a quantidade de abortamentos praticados no Brasil; são 1 milhão de abortamentos por ano, 250 mil pessoas internadas no SUS em razão de abortamento. Enfim, não vou repetir os dados que foram ditos aqui à saciedade. Mas além de a criminalização não ser eficaz para evitar a prática do abortamento, ela gera conseqüências, danos, riscos e mortes.
Agora me lembro daquele livro O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz, que foi levado para a tela, e mostra muito bem o drama de uma mulher que morre em razão do abortamento. Temos que nos lembrar das mortes das mulheres, e aqui foi dito por todos quantas mulheres morrem no mundo, na América Latina, no Brasil, por dia, por minuto, em razão da prática de abortamento inseguro! E a mortalidade materna? Esses dados estão na própria CPI da Mortalidade Materna, os documentos internacionais. Enfim, V.Exas. conhecem muito melhor do que eu todos esses dados.
Mas não é só, e o orador que me antecedeu tem razão: e as seqüelas terríveis que traz para as mulheres a prática do abortamento? Não é só morte; são seqüelas terríveis. Nem vou repetir porque já foram todas mencionadas. Enfim, as mulheres suportam drasticamente as terríveis conseqüências do aborto inseguro que é gerado pela criminalização do aborto, porque joga a mulher na clandestinidade.
Pois bem, Sras. e Srs. Deputados, como o Estado brasileiro responde a isso? Simplesmente criminalizando o abortamento, esquecendo-se das experiências internacionais, inclusive, que mostram que quando não há criminalização a morte materna cai; quando há criminalização, a morte materna aumenta. O exemplo da Romênia é muito claro nesse sentido. Por isso no Egito as nações se uniram para dizer que os Estados não podem promover o abortamento com método anticonceptivo e reconhecem o aborto como problema de saúde pública. Em Beijing o Brasil subscreveu, e V.Exas. são representantes da sociedade brasileira... Por causa de todo esse problema, em Beijing afirmamos o compromisso internacional de rever a nossa legislação repressiva e em Nova Iorque reafirmamos esse compromisso.
Aliás, por uma questão...
Quantos minutos eu tenho?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Já extrapolou 3 minutos.
O SR. JOSÉ HENRIQUE RODRIGUES TORRES - Dois minutos apenas, para terminar, Excelência.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - O tempo que lhe der vou ser obrigado a dar para o outro lado.
O SR. JOSÉ HENRIQUE RODRIGUES TORRES - Vou citar uma reunião de teólogos, mais de 40 teólogos, reunidos na Bélgica, afirmaram que a descriminalização é a solução para isso. Depois, mais de 40 teólogos reunidos em Chiang Mai afirmaram a mesma coisa, que a descriminalização é a solução desses problemas.
Eu me aproximo do final, vou saltar uma parte do que deveria dizer, mas quero que V.Exas. se lembrem que temos 2 grandes sistemas: o sistema repressivo e o sistema promocional. Eles não se confundem. Não adianta querermos criar um sistema repressivo como promocional porque ele não funciona dessa maneira. Temos princípios democráticos de criminalização que devem ser seguidos, e nenhum deles é seguido quando se olha para o abortamento.
Enfim, descriminalizar o aborto não significa deixar de proteger a vida. Há outras formas de proteção da vida. (Palmas.) Descriminalizar o abortamento não significa abolir o direito à vida, absolutamente; apenas constitui uma forma de se garantir a vida com outros métodos, por outras maneiras.
Para terminar, digo que o abortamento é um problema social que deve ser enfrentado, sim, mas fora do âmbito das políticas repressivas, excludentes, fortalecedoras da violência e reprodutoras de dor e sofrimento. O abortamento é, sim, um problema social que deve ser enfrentado, mas no âmbito das políticas públicas, dos sistemas educacional e de saúde, com fomento à educação sexual reprodutiva, com garantias ao acesso pleno e informado aos meios anticonceptivos. O abortamento, senhoras e senhores, é um problema social que deve ser enfrentado com acolhimento, com tolerância, com respeito aos direitos das mulheres também e, principalmente, com amor; nunca com punição e com repressão.
Espero que essa mensagem seja refletida por V.Exas. e que afastem do nosso sistema penal o tratamento desse problema pela repressão.
Obrigado, Sr. Presidente. Desculpe-me por ter excedido. (Palmas prolongadas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Obrigado pela colaboração.
Houve excesso de 5 minutos do orador, mais 2 minutos que havia de crédito da intervenção anterior, são 7 minutos que vou conceder rigorosamente. Cortarei a palavra ao fim dos 7 minutos, mesmo que não tenha concluído o raciocínio.
Convido o Sr. Silas Malafaia, se quiser... Os senhores têm 7 minutos. São 16 horas e 41 minutos.
O SR. ABNER DE CÁSSIO FERREIRA - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, louvo a participação e tinha razão o Deputado José Genoíno quando fez questão da presença do brilhante magistrado a sentar-se conosco.
Acho, Excelência, que estamos em posição comum mesmo. A diferença talvez exista na seguinte forma: do lado de cá, à minha esquerda, está se defendendo o direito das mães e, do lado de cá, estamos defendendo o direito da criança. Essa talvez seja a nossa grande diferença neste debate. Mas estamos todos em defesa da vida, V.Sa. tem razão.
Em relação ao art. 128, se não me engano, ou seja, a permissão jurídica que existe para a prática do aborto, no caso do estupro ou no caso em que a mãe está correndo risco de vida, quero só lembrar que essa posição que V.Sa. colocou não é majoritária, porque existem doutrinadores que entendem que o crime existe, sim. Existe e é uma excludente de ilicitude ou uma antijuridicidade, no caso do estupro e no caso da violência ou (ininteligível.) quando a mãe coloca a sua vida em risco, assim como o art. 121 tem pelo menos duas excludentes de ilicitude que eu me lembro aqui agora: matar alguém em legítima defesa. O crime existe, mas existe uma excludente de ilicitude. Matar alguém em estado de necessidade. Existe, sim, mas existe uma antijuridicidade. Isso é claro, é transparente, mas respeito o posicionamento de V.Sa.
Em relação a descriminalizarmos o aborto porque a lei é ineficaz, ela não cumpre seu desiderato, então temos que descriminalizar também o tráfico de drogas, porque apesar de as leis estarem aí e serem rígidas, não conseguimos o desiderato que a lei propõe. (Palmas.) Temos que pegar o Código Penal e jogar fora, porque tudo o que diz respeito a crime temos que realmente entender que a lei é ineficiente e ineficaz.
O SR. SILAS MALAFAIA - Gostaria de dizer à Excelência, que é o juiz, que temos, sim, uma discordância, mas não é de método, é de conceito. Não é método. Nós aqui estamos defendendo a mulher e a criança, porque em nenhum momento se mostra as seqüelas pós-aborto, seja ele legal, como nos Estados Unidos, na Alemanha, no Canadá, na França, na Finlândia. Ninguém quer mostrar porque é de uma calamidade incrível. Isso é escondido como já mostrei aqui. Então, nós aqui estamos defendendo a mulher, sim; estamos defendendo a criança, sim. O que não estamos defendendo é o assassinato de inocentes e de indefesos.
O SR. ABNER DE CÁSSIO FERREIRA - Eu incorporo plenamente o pronunciamento do meu companheiro Reverendo Silas Malafaia ao meu pronunciamento. Retifico: estamos todos em favor da vida.
Eu encerro lembrando as palavras de Rui Barbosa: jogar com os princípios quando eles nos favorecem ou não é o vezo e a desgraça dos povos. Se esta Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania não procurar preservar e defender o princípio absoluto da Constituição, que é o princípio inviolável da vida, da inviolabilidade da vida, ela não tem razão de existir.
O princípio dos princípios é o princípio ao direito da inviolabilidade da vida. Deus deu a vida; só Deus pode tirar.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Peço que passe para o microfone por gentileza, porque não vou poder prorrogar o tempo.
A SRA. LENISE APARECIDA MARTINS GARCIA - Aproveitando esses poucos minutos quero citar só um dado estatístico mundial: quando se libera o aborto o aborto clandestino não diminui. Simplesmente o número total de abortos aumenta, porque muitos continuam buscando o aborto clandestino.
Procura-se o aborto clandestino porque a menina não quer que a mãe saiba que ela engravidou, ela vai continuar procurando o aborto clandestino. O rapaz não quer que a namorada tenha o filho, ela vai continuar procurando o aborto clandestino.
As pessoas não vão à busca do aborto legal onde elas precisem dizer o seu nome e sobrenome no hospital, dizendo que estão entrando para fazer um aborto. Elas querem continuar fazendo o aborto escondido. Vão continuar fazendo o aborto clandestino. O aborto clandestino continua e o aborto legal faz com que o número total de abortos aumente. Essa é uma estatística mundial. (Palmas.)
A SRA. MARLENE ROSSI SEVERIANO NOBRE - Sr. Presidente, agradeço muitíssimo a oportunidade de ter falado. Peço desculpas por ter de me retirar, mas continuo com o mesmo modo de pensar, quer dizer, aborto é falência do Estado.
Precisamos educar os nossos jovens, mostrar a eles a necessidade de compreender o seu corpo, de compreender os métodos anticoncepcionais, e isso absolutamente não tem sido feito. Oxalá a gente possa ter isso do Brasil num prazo mais curto.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. SILAS MALAFAIA - A vida começa na concepção e é um ato contínuo, quer intra ou extra-uterino, até à morte. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Agradeço rigorosamente a utilização do tempo.
Vamos passar para a ordem dos Parlamentares. A preferência para a utilização do tempo é do autor do requerimento.
Vou utilizar o tempo de 10 minutos, que me cabe como autoria, não para debater nem fazer perguntas. Apenas vou usar o meu tempo para ler o voto, a fim de que todos tenham conhecimento sobre o posicionamento colocado no voto, e que os Parlamentares possam debater em função do voto, restrito aos 10 minutos.
De imediato, é interessante trazer à tona algumas considerações sobre esse tema que sempre ensejou - e com toda razão - profundas reflexões na sociedade, a começar pelo conceito do aborto, seguido de um breve intróito sobre sua história, na verve de Orlando Soares, verbis:
"Aborto é a interrupção da prenhez, antes que o feto seja viável, ou seja, que possa viver fora do útero materno, possibilidade essa que ocorre aos sete meses da gestação.
Quer dizer, a duração normal da gestação é de nove meses (duzentos e setenta dias), e, excepcionalmente, duzentos e setenta e sete dias. Assim, quando nasce uma criança de sete ou oito meses, não se diz que houve aborto, mas parto prematuro.
Nessa ordem de idéias, o aborto pode ser espontâneo (em conseqüência de estados patológicos da gestação ou do feto, impeditivos de prosseguimento da gestação), ou provocado (legal ou criminoso).
A morte do feto é requisito indispensável para a configuração do aborto. Provocado aborto e nascido feto vivo, não terá havido aborto, mas aceleração de parto, que caracteriza lesão corporal de natureza grave (arts. 124 a 128, e 129, § 1º, IV, do Código Penal).
Historicamente, verificou-se a prática do aborto desde a Antigüidade, nem sempre constituindo objeto de incriminação, ficando, de regra, impune, quando não acarretasse dano à saúde ou a morte da gestante.
Todavia, Hipócrates (C.460-c. 355 a.C), cognominado Pai da Medicina, declarou em seu célebre juramento: (...) a nenhuma mulher darei substância abortiva."
Acontece que Platão (c. 427-c. 347 a.C) preconizava o aborto, em relação a toda mulher que concebesse depois de 40 anos; por sua vez, o mais famoso discípulo desse filósofo, ou seja, Aristóteles (384-322 a.C), aconselhava o aborto (desde que o feto ainda não tivesse adquirido alma), para manter o equilíbrio entre a população e os meios de subsistência; como se vê, sob esse aspecto, ambos revelaram precursores da teoria de Malthus sobre a problemática populacional, como lembramos alhures (O Fantástico e o Real, em 53 e seguintes.)"
É de se ver que a preocupação com o binômio "população e subsistência" se fazia presente desde os primórdios da história. Por essa ótica é que países muito populosos, como, por exemplo, África do Sul, China, Coréia do Norte e Vietnã, permitem o aborto como estratégia de controle demográfico.
O mesmo pode inferir-se das justificativas destes projetos, na medida em que a patente preocupação dos seus autores com a mulher carente que engravida está intimamente ligada ao chamado "aborto econômico", sobre o qual vale transcrever as lições de Rogério Greco, verbis:
"Muito comum no Brasil, principalmente na modalidade do auto-aborto, é o chamado aborto econômico. A gestante que se encontra grávida por mais uma vez, dada sua falta de conhecimento na utilização de meios contraceptivos, ou mesmo diante de sua impossibilidade de adquiri-los, não podendo arcar com a manutenção de mais um filho em decorrência de sua condição de miserabilidade, resolve interromper a gravidez, eliminando o produto da concepção, causando a sua morte. Não encontramos, nesses casos, qualquer causa de justificação ou mesmo de exculpação que tenha por finalidade afastar a ilicitude ou a culpabilidade daquela que atuou impelida por essa motivação econômica.
Aníbal Bruno, com peculiar brilhantismo, diz: 'A justificação da morte do feto pela consideração das vicissitudes financeiras da mulher contém em si muito individualismo e egoísmo, sinal da progressiva materialização das forças que orientam a cultura moderna. Corresponde ainda a um pensamento de desvalorização da vida do feto em face do Direito Penal e da proteção que este lhe concede, desvalorização que contrasta com a idéia de que a vida humana é bem jurídico fundamental, origem e suporte dos demais bens individuais e sociais'.
Caso a agente, que vive numa situação completa de exclusão social, abandonada pelo Estado, que não lhe fornece meios suficientes para que possa trabalhar e cuidar dos seus filhos, engravide, mesmo com todas as dificuldades que lhe sejam impostas, deverá, ainda sim, levar adiante a gravidez. A sua opção não está em causar a morte do feto, ou seja, de uma vida em desenvolvimento, em razão de não poder mantê-lo após o seu nascimento. A sua opção, nesse caso, infelizmente, será entregá-lo para fins de adoção, que é um minus em relação à conduta extrema de causar a morte de um ser, mesmo que ainda em formação."
Por outra ótica, não se pode ocultar o sofrimento suportado pela mãe que provoca um aborto, como bem salienta Wanda Franz, verbis:
"A verdade é que quando uma mulher aceita submeter-se a um aborto, ela concorda em assistir à execução de seu próprio filho. Esta amarga realidade que ela tem que encarar opõe-se vivamente àquilo que a sociedade espera que as mulheres sejam: pacientes, amorosas e maternais. Isso também vai contra a realidade biológica da mulher, que é plasmada precisamente para cuidar e nutrir o seu filho ainda não nascido. Assumir o papel de 'assassina', particularmente do seu próprio filho, sobre o qual ela própria reconhece a responsabilidade de proteger, é extremamente doloroso e difícil. O aborto é tão contrário à ordem natural das coisas, que automaticamente induz uma sensação de culpa. A mulher, entretanto, deve admitir a sua culpa para poder conviver com ela".
Passemos à análise da constitucionalidade.
Vou adiantar um pouco.
Trata-se do controle vertical, segundo o qual a validade da norma inferior depende diretamente de sua compatibilidade com a Constituição. Por isso os Poderes Públicos sofrem limitações no tocante à edição de leis, notadamente quando versarem sobre os Direitos e as Garantias Fundamentais.
Nesse contexto, o Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal, com sua habitual proficiência, destaca:
"O fato de os direitos fundamentais estarem previstos na Constituição torna-os parâmetros de organização e de limitações dos poderes constituídos. A constitucionalização dos direitos fundamentais impede que sejam considerados meras autolimitações dos poderes constituídos -- dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário --, passíveis de serem alteradas ou suprimidas ao talantes destes. Nenhum desses Poderes se confunde com o poder que consagra o direito fundamental, que lhe é superior. Os atos dos poderes constituídos devem conformidade aos direitos fundamentais e se expõem à invalidade se os desprezarem.
No âmbito do Poder Legislativo, não somente a atividade legiferante deve guardar coerência com o sistema de direitos fundamentais, como a vinculação aos direitos fundamentais. (...)
A vinculação do legislador aos direitos fundamentais significa, também, que, mesmo quando a Constituição entrega ao legislador a tarefa de restringir certos direitos, há de se respeitar o núcleo essencial do direito, não se legitimando a criação de condições desarrazoadas ou que tornem impraticável o direito previsto pelo constituinte. Nesse sentido, o STF já declarou a inconstitucionalidade de limitação, por desarrazoada, de um período de quarenta e dois anos, a que certa lei submetia os juízes aposentados, antes de passarem a exercer a advocacia."
Quis dizer com isso, em síntese, que as normas tendentes a abolir os Direitos e as Garantias Fundamentais insertas na Constituição devem ficar a salvo da ação erosiva do legislador. E, no caso concreto, as duas proposições que visam retirar do ordenamento jurídico o crime de aborto, colidem frontalmente com o disposto no artigo 5º da Constituição Federal:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)"
É importante ressaltar que o direito à vida integra o rol dos chamados direitos humanos fundamentais de primeira geração que, segundo Pedro Lenza, "dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos a traduzir o valor da liberdade". Noutro dizer, são as liberdades públicas negativas que limitam o poder do Estado, impedindo-o de interferir na esfera individual.
"O direito à vida - como diz Alexandre de Moraes - é o mais fundamental de todos os direitos, pois o seu asseguramento impõe-se já que constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos. A Constituição assegura o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, segundo a relacionada ao direito de continuar vivo (...)"
Vou pular, para não extrapolar o meu tempo.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Sr. Presidente, pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Pois não.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - V.Exa. está lendo o seu voto, o seu parecer?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Isso.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Esse parecer foi lido e apresentado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania antes da audiência pública.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Exatamente isso.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - V.Exa. está novamente lendo o seu parecer.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Estou usando o meu tempo regimental de autor de requerimento, de 10 minutos, para...
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Nesse caso, Sr. Presidente, eu quero levantar a seguinte questão: como eu tenho um voto em separado radicalmente oposto ao de V.Exa e...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - No seu tempo, na votação, V.Exa. falará.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - ... para que haja tratamento igualitário no âmbito da Comissão, já que V.Exa, como Presidente da Comissão, avocou o parecer para relatar - tudo bem! -, V.Exa. leu o seu parecer para os membros da Comissão - tudo bem! -, e V.Exa. está lendo-o agora, só estou fazendo esse registro porque me sinto, evidentemente, como me oponho ao seu parecer e vou fazer um voto em separado ...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - V.Exa ainda vai fazer, não o fez.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Tenho um voto em separado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Mas não está presente, anexado ao processo. Eu estou apenas usando os 10 minutos regimentais como autor para falar, porque eu poderia aqui rebater todas as afirmações.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Não, V.Exa. pode falar...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Estou usando os meus 10 minutos, porque eu tenho o direito regimental, como autor.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Tem o direito regimental.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Eu estou usando os meus 10 minutos para ler o meu voto, eu não estou afrontando o direito de alguém. V.Exa. pode usar o seu tempo como Parlamentar, ou o tempo na discussão da votação da matéria - V.Exa. tem o direito de 15 minutos - para ler o seu voto. E eu espero que V.Exa. o faça, para que nós possamos conhecê-lo.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Eu quero apenas fazer o registro, eu quero apenas fazer o registro, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - O seu registro está feito. Eu vou descontar...
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Está feito o registro, e vou apresentar um voto em separado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Pois não. Com o maior prazer, a Comissão o acolhe. Eu vou concluir os meus 2 minutos restantes.
O SR. DEPUTADO PASTOR MANOEL FERREIRA - Sr. Presidente, faço uma questão de ordem também, apenas a título de esclarecimento. Eu tenho também voto em separado nesta matéria e numa outra Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Da mesma forma, V.Exa. terá o direito, no seu tempo de discussão da matéria, que são 15 minutos, de ler o seu voto em separado.
O SR. DEPUTADO PASTOR MANOEL FERREIRA - Obrigado.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Esse tempo da discussão de hoje não conta para a discussão da matéria.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Não, claro que não. Não conta nada.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Está certo.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Esta é uma audiência pública, Deputado. A matéria não está em discussão aqui. Aqui é uma audiência pública informal, não há o rito da formalidade da votação da matéria. Pode ficar despreocupado. Eu estou tentando ser equânime e cumprir rigorosamente o Regimento.
Logo, o aborto - vou concluir e passar para a parte final do voto - o aborto não constitui direito subjetivo da mulher, pois a sua prática somente está autorizada se as circunstâncias da gravidez se subsumirem às aludidas hipóteses que excluem a ilicitude.
Assim não fosse o Brasil estaria caminhando, a passos largos, para o aniquilamento do postulado da Dignidade Humana, não obstante tratar-se de princípio fundamental previsto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal. Apenas para argumentar, o mesmo ocorre no Direito Alemão, onde essa proteção integra os princípios fundamentais.
E sendo assim, precisa é a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
"Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade (...)"
Vou passar para a parte final.
Para ilustrar, além do Pacto de São José da Costa Rica, o Brasil já assinou, ao longo da sua história, vários tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, dentre os quais se destacam: Preceitos da Carta das Nações Unidas, em 26 de junho de 1945; Convenção contra o Genocídio; Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados; Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; Convenção contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes; e a Convenção sobre os Direitos da Criança.
Além disso, o § 5º do art. 109 da Constituição, também acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, autoriza o Procurador-Geral da República, na hipótese de grave violação dos direitos humanos, com a finalidade de assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes dos tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte, a suscitar perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento.
Logo vou concluir, que o meu tempo está extrapolando, dizendo que o meu voto é pela inconstitucionalidade, injuridicidade e boa técnica legislativa do projeto de lei e, no mérito, pela rejeição.
Era o que eu queria usar como meu tempo de autor.
Vou fazer a chamada dos Parlamentares, regimentalmente.
O SR. DEPUTADO ZENALDO COUTINHO - Sr. Presidente, pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Pois não, Deputado Zenaldo Coutinho. Primeiro, o Deputado Zenaldo Coutinho.
O SR. DEPUTADO ZENALDO COUTINHO - Na verdade, não é pela ordem. Pedi a palavra para me inscrever como Líder.
A SRA. DEPUTADA SOLANGE AMARAL - Presidente, eu gostaria de pedir, como a única Parlamentar do sexo feminino, se eu pudesse, para usar a palavra primeiro.
O SR. DEPUTADO LEONARDO PICCIANI - Quero consultar se V.Exa., regimentalmente, dará preferencialmente a palavra aos membros da Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Sou obrigado pelo Regimento, Deputado.
V.Exa. pode falar.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Eu queria só comunicar que a Senadora Ingrid Betancourt acabou de entrar em liberdade - uma pessoa que estava há seis anos presa. Fazemos este comunicado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania solidariza-se e reconhece este evento como de grande importância para os direitos humanos no mundo.
Como Líder, o Deputado Zenaldo Coutinho tem direito a 6 minutos.
O SR. DEPUTADO ZENALDO COUTINHO - Sr. Presidente, Sras e Srs. Deputados, senhoras e senhores palestrantes, eu gostaria de cumprimentar V.Exa., como Relator dessa matéria, pelo brilhante voto apresentado.
Esta Comissão tem, como sua competência, a análise constitucional e jurídica das matérias aqui apresentadas. V.Exa. foi muito firme ao identificar uma ofensa gravíssima, insuperável, ao direito à vida, consagrado na Constituição brasileira.
É óbvio que, quando falamos de fetos, de crianças sendo ainda amadurecidas no útero, estamos falando já de pessoas concebidas, que já detêm o direito à vida, garantido na Constituição brasileira. Portanto, independentemente de posicionamentos teológicos e religiosos, eu diria que, científica, jurídica e constitucionalmente, não há dúvida em relação à proteção à vida, não há dúvida em proteção ao bem maior que todos possuímos, que é o direito à vida.
Da mesma forma, fica evidente que não há prolongamento corpóreo entre a mãe e o filho. Não há prolongamento corpóreo, há uma nova vida concebida e, sendo uma nova vida concebida, ela detém todos os direitos inalienáveis a qualquer cidadão brasileiro ou a todos aqueles que ainda têm expectativa de direitos, sobretudo esse direito constitucional ferido, afrontado e agredido na pretensa proposta legislativa apresentada.
Por isso, Sr. Presidente, na minha breve intervenção - e terei tempo, durante a discussão do projeto, para me aprofundar nos debates -, eu gostaria de fazer este registro de cumprimento, de parabéns, pelo brilhante voto proferido por V.Exa. e deixar minha integral adesão ao pensamento constitucional e jurídico de defesa à vida.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Obrigado.
O SR. DEPUTADO PASTOR MANOEL FERREIRA - Sr. Presidente, apenas a título de esclarecimento, devo informar que, há cerca de mais ou menos de 30 dias, estivemos em missão oficial na Colômbia, representando esta Casa, naquela comissão de negociação da libertação de Ingrid Betancourt. Por isso também estamos muito satisfeito por esse acontecimento histórico para o Brasil, especialmente para a Colômbia e para o mundo.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Parabéns, Pastor Manoel Ferreira!
Vou fazer blocos. Acho que temos 9 inscritos. Pelo adiantar da hora, não vamos conseguir um debate, porque a Comissão inclusive tem uma audiência com o Ministro Gilmar Mendes às 18h. Seria muito difícil para a Mesa Diretora extrapolar o tempo. Vou passar - cada Parlamentar tem o prazo regimental de 3 minutos - o bloco inteiro e darei a palavra a cada um, para que faça a consideração final.
Concedo a palavra ao Deputado Eduardo Valverde, por 3 minutos.
O SR. DEPUTADO EDUARDO VALVERDE - Sr. Presidente, quero manifestar-me como católico praticante. Se eu fosse do sexo feminino, talvez eu relutasse em fazer o aborto, mas eu não poderia, enquanto cidadão, impedir que outras pessoas que pensam diferente de mim pudessem fazê-lo, garantindo a essas pessoas o direito de decidir sobre o seu corpo.
No nosso ordenamento jurídico, já que estamos tratando de constitucionalidade, a Constituição de 88 recepcionou dispositivos do Código Penal que tratam do aborto terapêutico e do aborto mediante estupro. Então, não há ofensa à Constituição Federal o aborto no Brasil, tanto que é permitido nas condições estabelecidas pela lei ordinária.
Na verdade, o texto que estamos discutindo, que é objeto do relatório de V.Exa., não é o texto que a Comissão Especial, há 2 anos, cuja Relatora foi a Deputada Jandira Feghali, produziu, que foi muito mais harmonioso, contemplando diversas contribuições de Parlamentares que tratavam dessa matéria de maneira menos emocional, menos emocional. Infelizmente, a Deputada Jandira Feghali não foi reeleita, esse texto foi arquivado e tramitou o texto da Deputada Sandra Starling e do Deputado Eduardo Jorge, que altera o Código Penal e que não é o texto que deveríamos estar, neste momento, discutindo nesta Comissão, à luz das conferências internacionais de que o Brasil participou e dos documentos da ONU que já ratificou. Deveríamos estar modernizando a nossa legislação.
Porque no Estado laico - não quero entrar num debate religioso, mas o Estado é laico, apesar de o preâmbulo da nossa Constituição Federal fazer referência a Deus, pedindo proteção a Deus - a separação entre Estado e religião foi uma conquista do Estado Republicano brasileiro, e devemos mantê-lo nessa separação, até porque há várias religiões, há várias denominações evangélicas, denominações católicas e outras, de matriz africana, enfim. Obviamente, existem formas de pensar e de se organizar. Cada cidadão ou cada grupo social tem essa liberdade de se organizar e pensar, e o Estado tem de garantir essa liberdade.
Nesse ponto, entra um fato importante, um direito que não estamos considerando nesse debate, que é o direito reprodutivo das mulheres. Ao longo do tempo, as mulheres vêm conquistando direitos que até determinado momento lhes eram negados. E quanto a esse direito à reprodução, a definir sobre seu corpo, a definir se interrompe ou não de acordo com suas convicções, se são católicas ou se professam outra religião, elas poderiam decidir o contrário. Essa é uma decisão de foro íntimo.
O Estado brasileiro, nós legisladores temos de garantir o direito a essas pessoas, nos limites que a lei estabelece - e a lei estabeleceu limites no caso do aborto terapêutico e no caso de estupro -, para que, dentro do limite estabelecido pela lei, a mulher possa exercitar um direito que constitucionalmente lhe seria assegurado, se nós "desemocionalizássemos" este debate.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Conclua, Deputado, senão vamos extrapolar o tempo ainda mais.
O SR. DEPUTADO EDUARDO VALVERDE - Houve uma redução. Como o tema é polêmico...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Regimentalmente, são 3 minutos para cada Parlamentar.
O SR. DEPUTADO EDUARDO VALVERDE - Vou concluir.
Seria uma preocupação afrontar qualquer tipo de eleitorado que represento, mas manifesto de maneira sincera meu ponto de vista. E quero, de forma democrática, contraditar o relatório de V.Exa. Não seria o papel que caberia à Comissão de Constituição e Justiça entrar no mérito dessas discussões. Só deveríamos discutir se se afronta ou não a Constituição Federal, que recepcionou dispositivos do nosso Código Penal, tanto que o aborto hoje é exercitado em caso estabelecidos em lei.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - O próximo orador é Deputado Leonardo Picciani. Antes, porém, quero dizer ao Deputado Eduardo Valverde que o despacho dos projetos submetidos à Comissão é quanto à constitucionalidade e ao mérito. É o despacho que está na Mesa da Casa. Não fui eu que inventei o despacho.
Com a palavra o Deputado Leonardo Picciani.
O SR. DEPUTADO LEONARDO PICCIANI - Sr. Presidente, vou tentar ficar dentro do tempo estabelecido.
Rapidamente cumprimento os debatedores, que, sem entrar no mérito do posicionamento de cada um, discutiram com altivez, com galhardia, trazendo de forma sincera um ponto de vista.
Sr. Presidente, vamos iniciar sobre aquilo... Não sou religioso praticante, por isso já declaro aqui que não discutirei... Aliás, não acho que os representantes religiosos debateram sobre aspectos religiosos, mas sobre aspectos técnicos.
Quero dizer ainda que, do ponto de vista constitucional, que é a atribuição maior desta Comissão, temos, sim, uma afronta à norma constitucional. A Constituição brasileira, o Constituinte democrático de 1988 definiu a vida como uma cláusula pétrea, como um bem a ser tutelado. E por que faz isso? Justamente porque, sem a vida, não há mais o que ser tutelado! Como se tutelar a liberdade, se não há vida para desfrutar a liberdade? Como se tutelar o direito ao regime democrático, ao voto livre, se não há vida para exerçam esse voto? Portanto, Sr. Presidente, o projeto é flagrantemente inconstitucional.
Quanto aos argumentos do Exmo. Juiz José Henrique Torres, posso dizer que S.Exa. faz uma análise muito boa. Existem casos em que o homicídio não é crime. Isso é verdade! Legítima defesa, o que é legítima defesa? É você tirar a vida de alguém em defesa da sua própria vida ou em defesa da vida de outro. No aborto também! Quando a gravidez coloca em risco a vida da mãe, o aborto é autorizado, legalmente autorizado, não há crime, porque é a legítima defesa da vida da mãe. Ela tira para proteger a própria vida. Assim, o Estado também tutela o aborto quando há o caso de estupro, que é fruto de outro crime, e não se pode compactuar com outro crime.
Quero concordar com algumas ponderações da Sra. Gilda Cabral. Concordo. E o que me preocupa não só na questão constitucional mas, sobretudo, na questão prática? Não resta dúvida de que, se existe 1 milhão de abortos e o aborto é crime, ao descriminalizá-lo, ele vai aumentar. Não resta dúvida!
Além do mais, como a Sra. Lenise Garcia defendeu, não é só o fato de que o aborto aumenta somente porque as mulheres não querem se expor. É isso, mas é também porque o Sistema Único de Saúde não tem capacidade de atendê-las. Se for autorizado o aborto, o SUS não terá condição de atender a esse 1 milhão de abortos! E a senhora fala muito bem da forma indigna como se trata o cidadão brasileiro nos hospitais públicos deste País.
E é por isso que comecei a reunião encarecendo a presença do Ministro Temporão, para perguntar a S.Exa.: se liberarmos o aborto, como será o tratamento? Será digno ou indigno, como é o Sistema Único de Saúde atualmente, que não garante ao cidadão a assistência básica? Perguntaria ainda a S.Exa. o que vem sendo feito para resolver o problema das filas nos hospitais, com pessoas que morrem sem atendimento. E perguntaria também, olhando S.Exa. nos olhos: "Ministro, sinceramente, esse tema é de fundamental importância ou o senhor o defende só para esconder as mazelas? Usa desavergonhadamente um tema que comove as mulheres, que comove a sociedade, para esconder as mazelas do Sistema de Saúde e a incompetência de V.Exa. e de sua equipe em resolver esses problemas?" (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Para concluir, Deputado.
O SR. DEPUTADO LEONARDO PICCIANI - Sr. Presidente, o projeto é inconstitucional. Parabenizo V.Exa. pelo brilhante trabalho.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Com a palavra o Pastor Pedro Ribeiro.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Sr. Presidente, procurarei ater-me aos 3 minutos somente para dizer que, hoje, sinto-me muito feliz porque vejo que estamos caminhando para o final de um tempo de muita vigilância, de muita acuidade no que se refere ao andamento de projetos, como o de nº 1.135, que transitou 17 anos nesta Casa. Às vezes ficou parado, mas procurava caminhar algumas vezes sorrateiramente nesta Casa, e muitas vezes foi manipulado para que passasse despercebidamente. Contudo, ultimamente, houve a mobilização de muitos que aqui estão, mas muitos mesmo, não apenas Deputados, mas também assessores e pessoas vigilantes dessa área. E no dia 7 do último mês de maio, na Comissão de Seguridade Social, tivemos, com certeza, pela aprovação e pelo trabalho denodado de toda essa equipe e até pela graça de Deus, uma vitória contundente. Enviou-se esse projeto para cá.
Hoje, já alicerçados no excelente relatório de V.Exa., trazendo para cá debatedores da mais alta excelência também, hoje apenas ouço e comprazo-me com esta Mesa. Em razão do que foi explicitado, do que foi publicado, do que foi posto nesta Mesa, estamos caminhando para finalmente resolver essa questão. E tenho certeza de que a decisão desse projeto atenderá ao povo brasileiro e aos 93% que dizem "não" ao aborto. Essa é a minha posição.
Parabéns a V.Exa. pelo relatório!
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Muito obrigado.
O próximo orador é o Deputado Marcelo Itagiba. (Palmas.)
O SR. DEPUTADO MARCELO ITAGIBA - Sr. Presidente, quero parabenizar V.Exa. por esta reunião, que traz aqui 2 pontos de vista divergentes. Mas, 2 pontos de vista que merecem reflexão por parte desta Câmara dos Deputados.
Mas, nada pode se sobrepor ao texto constitucional. Aqui leio o art. 5º da Constituição: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes."
Então, Sr. Presidente, eu acho que a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania tem um problema a enfrentar: se essa questão legal, que ora está em discussão, encontra-se recepcionada na Constituição. Parece-me, a olhos vistos, que não encontra respaldo constitucional, embora haja méritos em todas as propostas que aqui são trazidas. Mas a mim me cabe, única e exclusivamente, como membro desta Comissão, apreciar sua constitucionalidade.
E aqui busco um trecho, Sr. Presidente, que acho importante registrar, que diz o seguinte: "No feto, existe vida. Há personalidade no nascituro. Essa vida, essa personalidade, merece ser respeitada e protegida. A tutela e a proteção vêm da lei civil e da lei penal. Esta, a lei penal, ampara-lhe a existência; aquela, a civil, resguarda-lhe a personalidade civil."
Portanto, Sr. Presidente, senhoras e senhores, parece-me que a questão que estamos debatendo é jurídica, é legal, e temos que preservar e garantir o direito à vida, porque em nada seria diferente se nós cometêssemos um crime de infanticídio logo após o parto, porque o que está dentro e o que está fora é o mesmo ser, Sr. Presidente.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Obrigado.
Próximo orador inscrito, o Deputado Odair Cunha.
O SR. DEPUTADO ODAIR CUNHA - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, quando a votação for ocorrer, temos que enfrentar algumas questões de conceitos, que são e devem ser enfrentadas por esta Comissão, como já o foram em outras Comissões.
Primeiro, tem a ver exatamente com essa questão ligada ao início da vida. O ilustre Juiz de Direito falou bem que é inviolável o direito à vida. Isso é pacífico entre nós. Eu prefiro ter um posicionamento de preservação. Nós podemos dizer que há outros cientistas que falam diversas coisas, mas neste caso é preciso termos precaução, e a ciência nos manda frisar que a vida começa com a concepção.
Nós não podemos correr o risco de violar a vida. Por essa razão, sob o ponto de vista jurídico, e tendo precaução com o olhar da ciência, este projeto, tenho para mim, ser inconstitucional.
A segunda questão que eu acho que nós precisamos desmistificar entre nós: o Estado é laico; nós sabemos disso e entendemos assim. Agora, os valores das religiões estão presentes nas nossas decisões. Então, nós também não podemos fazer um discurso hipócrita de anulação dos valores que cada um de nós carrega, mesmo os ateus.
Eu vou me posicionar também levando em conta minha posição religiosa. Mas, nesta matéria, Sr. Presidente - e percebo que meu tempo está encerrando...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Para concluir.
O SR. DEPUTADO ODAIR CUNHA - Mas, nesta matéria, nós não podemos e não precisamos buscar argumentos religiosos. Há argumentos de sobra do ponto de vista científico, do ponto de vista sociológico, do ponto de vista filosófico e do ponto de vista jurídico para nos posicionarmos contra esse projeto.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Com a palavra o próximo orador, Deputado Luiz Bassuma.
O SR. DEPUTADO LUIZ BASSUMA - Sr. Presidente, em primeiro lugar quero parabenizá-lo pela condução dos trabalhos e também pelo relatório.
É bom lembrar que, no dia 7 de maio, a Comissão de Seguridade Social, depois de 17 anos de debates e polêmica, rejeitou, por unanimidade - 33 votos a zero -, o projeto quanto ao mérito, projeto que agora está aqui, na CCJ.
Quero dizer que, nos mais de 30 debates sobre o assunto de que participei nos últimos 4 anos, nunca precisei usar de nenhum argumento religioso, que é o mais forte de todos, porque o científico, o filosófico, o sociológico e o jurídico já bastam por si sós.
Recentemente, Sr. Presidente, deu-se o caso da menina Isabela, assassinada aos 5 anos e meio. A mídia deu vasta cobertura ao caso, que chocou e deixou indignada quase toda a população. Por que? Não porque uma criança foi assassinada, que muitas o são, mas porque o suspeito era o pai. Isso chocou nossa população, o que mostra como pensam o brasileiro e a brasileira.
Sr. Presidente, antigamente eu usava nos debates a palavra "feto", um termo biologicamente correto. Nunca mais a empreguei. Passei a usar a palavra "nascituro", um termo juridicamente correto. Abandonei também essa palavra. Não emprego mais feto ou nascituro para designar o que é assassinado pelo aborto, mas "criança" - não tem outro termo. (Palmas.)
É o crime mais hediondo de todos!
Quero encerrar dizendo que pesquisa do Datafolha de poucos meses atrás registrou que 65% dos brasileiros e brasileiras são contrários ao aborto. E mais: registrou também que 87% são a favor de que a lei continue como está. Eu quero dizer que eu quero que a lei mude, que estou entre os 13% que querem mudança no Código Penal, mas não para legalizar o aborto, e sim para agravar a pena do aborto, e não só para quem o faz e para o médico, como também para o marido, para o companheiro, para quem for. Quero a penalização de todos os envolvidos, que esse é o crime mais hediondo de todos, porque a criança não se pode defender.
Imaginem-se sofrendo a forma mais comum de aborto: braços e pernas arrancados, cabeça despedaçada. Imaginemos isso acontecendo em nós. Agora, imaginemos a dor do ser humano sabendo que quem está fazendo isso nele são seus pais, ajudados por médicos. Isso é grave, e nós não vamos permitir que aconteça. O Brasil não vai copiar os países ditos desenvolvidos, vamos copiar o que é bom e rechaçar o que não presta. O Brasil vai ser modelo mundial em defesa da vida, para mulheres, para homens e para crianças.
(Pausa.)
(Manifestação das galerias.)
(O Sr. Presidente faz soar as campainhas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Não cabe à platéia se manifestar. Em respeito à Comissão, peço à segurança que convide quem está se manifestando a se retirar do plenário.
A platéia muito nos honra com sua presença, e tenho sido liberal permitindo algumas manifestações, mas não posso admitir interferências diretas.
Com a palavra a próxima oradora inscrita, Deputada Solange Almeida.
A SRA. DEPUTADA SOLANGE ALMEIDA - Primeiro quero parabenizar o Presidente da Comissão, Relator da matéria, por seu voto.
Gostaria de dizer que quanto mais a ciência evolui mais ela certifica que já na concepção existe um indivíduo, um ser humano pleno, com suas características futuras definidas. Gostaria de dizer que sou contra a gravidez indesejada, mas gravidez indesejada se combate com educação, não com aborto. Sou a favor da vida, sou contra o aborto. (Palmas.)
Eu teria algumas perguntas a fazer, mas só quero deixar aqui registrado que questão de saúde pública são as mulheres que não sabem onde vão dar à luz, onde vão ter seu parto. Vagam de hospital para hospital tentando uma vaga. Enfrentam condições indignas, desumanas, e muitas vezes pagam com a própria vida o direito que teriam de ser mães. Questão de saúde pública é hoje, por problema de teto nos municípios, Deputado Leonardo Picciani, as cirurgias de mioma não mais serem autorizadas. As mulheres passam 2 anos sangrando, precisando de tratamento cirúrgico de mioma e não têm; questão de saúde pública é a mulher não ter direito à mamografia; questão de saúde pública é a mulher não ter direito à radioterapia quando contrai um câncer de mama, um câncer de colo de útero, as causas que mais matam as mulheres em nosso País. (Palmas.)
Aqui se falou muito na mulher pobre, nas crianças debaixo das pontes, na mulher negra, favelada. Então, a rica que pratica aborto é uma criminosa? Essa pergunta ninguém respondeu. Eu quero saber se vamos criminalizar as mulheres com poder aquisitivo que banalizaram a vida.
Vou contar aqui uma historinha da Tônia Carrero. Casou-se aos 17 anos e foi obrigada, pelo marido, a fazer o primeiro abordo e o segundo aborto. No terceiro aborto, ela disse: "Não, eu vou ter o meu filho."
Se legalizarmos o aborto, as mulheres não terão o direito de ser mães. Será um direito do pai. É o homem, o qual tem ainda a supremacia da força neste País, quem vai dizer quantos filhos quer. "Não, podemos fazer de qualquer jeito, não precisamos de planejamento familiar, porque depois você vai lá e aborta." (Palmas.)
Vou contar aqui também uma história, a qual conhecemos no dia-a-dia, de uma menina de 15 anos que engravidou: tomou Citotec, procurou-me desesperada, não sabia o que fazer, com medo da mãe. Eu disse a ela: "Vamos juntas à sua mãe e nós vamos conversar." A nenê nasceu e essa mãe dá a vida pela sua filha.
A quantidade de mulheres que tentaram abortar e que não conseguiram e depois se arrependeram...A maior alegria delas é ser mãe.
Digo a todos os presentes - homens, mulheres, Parlamentares, autoridades religiosas - que a mulher negra, favelada, pobre quer ter direitos. Ela quer ter direito à família; ela quer ter direito a ter seus filhos; ela quer ter direito a trabalho; ela quer ter direito à saúde, à educação, à creche, à habitação; ela quer ter direito a viver. É isso que a mulher pobre, negra e favelada quer.
Admira-me muito a D. Gilda Cabral relatar aqui que a patroa, muitas vezes, induz a mulher a fazer o aborto para que ela não perca o emprego. Essa é a coisa mais hedionda que ouvi. Ouvi também, na minha Comissão de Seguridade Social, na qual, graças a Deus, derrotamos por 33 a 0, de um professor de Direito da UERJ, um jurista, que isso é comum. Então, nós temos de autorizar o aborto, se não ela vai perder o emprego? Há muitas domésticas que perdem o seu emprego, as patroas não querem mais ou induzem ao aborto, por estarem grávidas. Não posso aceitar isso.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Conclua, Deputada.
A SRA. DEPUTADA SOLANGE ALMEIDA - Eu estou aqui defendendo as mulheres, sim, estou defendendo as mães, estou defendendo as famílias deste País e as crianças que estão por nascer, mas que já existem. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Conclua, Deputada.
A SRA. DEPUTADA SOLANGE ALMEIDA - Palestrante Silas Malafaia, eu brigo pelo ovo da tartaruga, eu brigo pelo boto-cor-de-rosa, eu brigo pela semente da mata nativa, mas eu brigo pelo ser humano.
Nós, nesta Casa, tivemos a coragem de discutir, penalizar e criminalizar mais a questão da bebida com direção. Há pouco tempo, um pai matou sua filha sem intenção de matar. Ele não queria, mas está preso, porque não podia ter bebido e ter usado a direção. Então, sabemos que todos nossos atos têm conseqüência.
Vou deixar aqui uma reflexão: estamos sofrendo problemas mundiais de aquecimento global; estamos enfrentando sérios problemas...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Conclua, Deputada.
A SRA. DEPUTADA SOLANGE ALMEIDA - Estou concluindo. Estamos enfrentando sérios problemas porque agredimos a natureza; estamos enfrentando problemas de aquecimento global, entre outros; estamos, agora, acordando para esse mal que fizemos à natureza em nome do progresso e do desenvolvimento. Já imaginaram o que estamos fazendo com a natureza humana?
Parabenizo todos aqui pelos depoimentos.
Continuem respeitando a Constituição e continuem fazendo justiça. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Cunha) - Obrigado, Deputada.
Antes de passar a palavra para o próximo orador, declaro encerrados os debates dos Parlamentares.
O ritual será o seguinte: cada Parlamentar inscrito concluirá sua participação por 3 minutos. Finda essa participação, cada palestrante terá também direito a 3 minutos para suas considerações finais.
Eu e o Primeiro Vice-Presidente da Comissão, Deputado Régis, precisamos nos ausentar para uma audiência com o Presidente do Supremo Tribunal Federal. O Segundo Vice-Presidente da Comissão, Deputado João Campos, para assumir a Presidência e concluir o restante da audiência pública, lembrando que amanhã, a partir das 10 horas, haverá continuidade desta audiência pública.
Espero que o debate continue no mesmo clima de hoje, com respeito mútuo de todas as partes; que a Comissão possa fazer seu juízo; que eu possa levar à votação, semana que vem, o relatório com meu parecer, e que a Comissão tenha a consciência sobre aquilo que vai deliberar.
Passo a Presidência ao Deputado João Campos.
Agradeço a todos vocês. (Palmas.)
O SR. DEPUTADO JEFFERSON CAMPOS - Pela ordem, Sr. Presidente, Deputado João Campos.
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Deputado Jefferson Campos, com a palavra.
O SR. DEPUTADO JEFFERSON CAMPOS - Deputado Eduardo Cunha, antes que se retire, em nome da Bancada Quadrangular, parabenizamos V.Exa. pelo brilhante relatório. Com certeza, vamos votá-lo e aprová-lo. Os compromissos realmente são urgentes.
Não poderia deixar de registrar aqui essa manifestação em nome da Igreja Quadrangular e dos seus representantes, aqui presentes, que defendem a vida e que estão com V.Exa. nesse brilhante relatório.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Vamos dar seqüência, portanto, à nossa audiência pública na forma anunciada: 3 minutos para cada Parlamentar.
Com a palavra o Dr. Talmir.
O SR. DEPUTADO DR. TALMIR - Sr. Presidente, gostaria de parabenizar o Deputado Eduardo Cunha pelo brilhante relatório favorável à vida, contra o PL nº 1.135. Também tenho voto em separado, realizado na Comissão de Seguridade Social e Família, justamente contrário a esse PL.
Ulysses Guimarães já dizia que precisamos rasgar a Constituição brasileira, caso queiramos legalizar o aborto no País e sermos contrários ao art. 5º, o qual considera como cláusula pétrea a inviolabilidade da vida.
No relatório do Deputado Eduardo Cunha foi citada a Dra. Wanda Franz, a qual conhece, quem fundou, nos Estados Unidos, o movimento das mulheres vítimas do aborto. Mais de 200 mulheres, nos Estados Unidos, dão palestras em todo o País e em outros países, quando são convidadas, sobre um problema decorrente do aborto: a síndrome pós-aborto, a qual não acomete só mulheres, mas também muitos homens, porque não se trata somente de problema físico, mas de problemas psicológico, mental e espiritual.
Foi muito citada aqui a questão do abordo inseguro. É necessário diferenciarmos aborto clandestino de abordo legal. Todo aborto é inseguro. Tanto faz ser clandestino ou legal. Ele assassina, sim, uma vida humana que está em sua vida intra-uterina.
Sr. Presidente, foram passados aqui dados falsos. Não estão comprovados no Brasil 1 milhão ou 3,5 milhões de abortos. É necessário que haja prova. Quando pessoas vêm aqui afirmar, por exemplo, que o Ministério da Saúde anuncia que há mais de 1 milhão de aborto no Brasil, isso é errado. Esse dado é falso. Já demonstrei diversas vezes em audiências, através do Requerimento de Informações nº 311, de minha autoria, que no Brasil, no ano de 2006, segundo o Ministro, houve uma média de 233 mil abortos clandestinos. Em decorrência a esses abortos, o número de mortes é cerca de 30 por ano.
É claro que não queremos nenhuma morte. Somos contrários. Agora, esses dados são falsos. Essa alegação de que em países onde foi legalizado o aborto houve uma queda é uma mentira muito grande, comprovada pelo Dr. Bernard Nathanson no seu filme O Grito Silencioso. Se todas essas pessoas que estão nos ouvindo nesta sala, Parlamentares, assessores, etc, e pelo País afora desejarem, podemos passar esse filme no meu Gabinete 454 ou colocá-lo à disposição de todos.
Sra. Télia Negrão, desafio a senhora a demonstrar aqui, no Congresso Nacional, no Brasil os gastos da MacArthur Fondation, da IPPF, do CFEMEA, de todas as ONGs internacionais aqui dentro do Congresso Nacional no Brasil ligadas à questão do aborto. Eu gostaria que V.Sa. apresentasse em público todos os gastos dessas ONGs.
O Dep
utado Luiz Bassuma já fez um apanhado de assinaturas. Por isso, já temos assinaturas para que seja instalada nesta Casa a CPI do Aborto. Assim, com a CPI do Aborto instalada, poderemos ter certeza do que realmente está ocorrendo.
Para concluir, Sr. Presidente, justamente o Pastor Manoel Ferreira citou que ajudou na liberação da Senadora Ingrid Betancourt. S.Exa. é do Partido Verde. Eu também e, através do nosso Partido Verde, ajudamos muito e realizamos diversas audiências públicas na Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
Gostaria de agradecer aqui à Sra. Suzy Gomes, que é nossa assessora Parlamentar, na Frente Parlamentar contra a Legalização do Aborto. Ela que diz que o Estado é laico e, obrigatoriamente, tem que ser ético. Devemos respeitar, pela ética, todas as religiões e respeitar a vida. A mentalidade em prol da vida existe em nosso País e devemos continuar defendendo.
Parabenizo a Dra. Maria Dolly Guimarães, que sempre está aqui nos corredores desta Casa, juntamente com os Grupos Pró-Vida do Brasil, e a Dra. Lenise Garcia, que assume a Presidência do Movimento Nacional pela Vida.
Obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Só esclarecer, seguindo a ordem de inscrição feita pelo Presidente, Deputado Eduardo Cunha, inicialmente falarão os membros da Comissão. Depois, quem sabe, algum Deputado que não seja membro, estiver inscrito, que não foi chamado e queira se pronunciar, poderá fazê-lo.
Anuncio, portanto, a palavra ao Deputado Dr. Pinotti, por 3 minutos.
O SR. DR. PINOTTI - Queria cumprimentar o Presidente por ter montado esta audiência púbica. Eu acho que a questão precisa ser continuamente discutida. O que precisamos mais em relação à questão do aborto é discutir a questão, para esclarecer os pontos.
Penso, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, que a discussão ainda está muito desfocada. Não conheço ninguém que seja a favor do aborto. Não existe alguém que seja a favor do aborto e alguém que seja contra o aborto. Todos nós, mesmo aqueles como eu - que sou totalmente a favor da descrimininalização - sou contra o aborto.
Eu não acho também que a gente deve negar, até porque não se deve negar que o feto é um ser vivo, seja ele em que momento da vida esteja. Não tenho nenhuma preocupação em comparar o que é mais importante: a vida da mulher ou a vida do feto. São ambas extremamente importantes.
O que é preciso discutir, em primeiro lugar, é se a mulher que faz o aborto é uma criminosa. E posso garantir, em meus 50 anos de médico ginecologista, que vou fazer este ano, lidando com mulheres, inclusive com mulheres que abortam - eu nunca fiz um aborto -, eu não conheço nenhuma mulher que abortou pelo simples prazer ou pelo prazer de fazer o crime de abortar.
As mulheres abortam porque não têm educação reprodutiva na escola, porque não têm uma oferta e um acesso livre à anticoncepção, porque não têm, quando querem levar para adiante uma gravidez indesejada, apoio da família, da sociedade e do núcleo familiar, apoio da assistência médica, para poder ter um bom pré-natal e ter um parto em condições adequadas e criar o seu filho.
Chamar uma mulher que aborta de criminosa é esquecer que os criminosos são aqueles que não oferecem essas condições para as mulheres. (Palmas.)
Portanto, o que temos que ver aqui nesta Casa, independente da posição religiosa de cada um - eu sou católico praticante, estudei em colégio de padre, sou totalmente favorável à descrimininalização - é o que é melhor para diminuir o aborto. Eu posso garantir que manter o status quo sem descriminalizar, sem regulamentar, é uma forma de você aumentar ou deixar tudo como está.
E tudo como está é o seguinte: faz-se aborto em qualquer idade da gravidez; não há respeito à delimitação de idade. Faz-se aborto para as mulheres ricas, em bons hospitais, com toda segurança, com anestesia geral, e as mulheres pobres abortam com grande risco.
Discriminalizar é combater o aborto. E as experiências internacionais, Sr. Presidente, estão todas nessa direção. Basta ver o que aconteceu na Itália, na França, na Romênia e em Portugal: depois da descriminalização, diminuiu o número de abortos, diminuiu sensivelmente o número de mortes maternas. Até porque - e termino em seguida -, quando se faz um aborto clandestino, como se realizam milhões no nosso País, não há preocupação em se evitar um segundo aborto; mas, quando se faz um aborto legal, regulamentado, a mulher é obrigada a comparecer a aulas, a fazer planejamento familiar, a ter acesso a isso, àquilo etc., etc.
Portanto, quero apresentar minha posição e cumprimentar esta Comissão e a Casa. É preciso discutir para chegarmos a coisas mais claras e evitarmos as posições extremistas, porque todos nós somos contrários ao aborto.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Com a palavra o Deputado Paulo Rubem Santiago, por 3 minutos.
O SR. DEPUTADO PAULO RUBEM SANTIAGO - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, em primeiro lugar, ratifico a preocupação do Deputado Dr. Pinotti de que possamos ter outras oportunidades de debate. Uma vez que todos aqui entendem que a questão tem aspectos educativos, devem ser discutidas na Comissão de Educação e Cultura as questões pertinentes à educação para a saúde pertinentes ao enfrentamento do aborto clandestino.
Vou partir do que nos deixou o Dr. José Henrique Torres, até porque sou membro de um Poder Público, e não posso, sob pena de ser omisso, desconhecer os tratados internacionais dos quais o meu País é signatário.
Desconhecer que o Brasil assinou tratados internacionais e que, segundo a nossa Constituição, esses tratados têm efeito de norma constitucional diretiva é cometer a prática da omissão.
Em segundo lugar, vou repetir o que já disse em outras oportunidades: não estamos neste debate - e o afirmo na qualidade de educador e de quem tem formação católica - como quem vai para uma disputa de final de campeonato, em que um segmento se declara vencedor, e os demais, vencidos. Até porque quem nos conforta no debate dessa matéria é a história.
Houve um tempo neste País, quando ainda não éramos uma República, nos idos do século XVI, em que os colonizadores que aqui chegaram impuseram aos povos indígenas a supremacia da sua religião católica, tratando as nações indígenas como povos impuros. Ao mesmo tempo, no século XX, em pleno Estado Novo getulista, enviava-se a Polícia Civil às casas de santo, para que fossem impedidos os cultos de origem africana. Os pais e mães de santo tinham de comparecer às delegacias de polícia para serem intimados.
E, mais recentemente, já no século XXI, membros de igrejas de denominações não católicas agrediram imagens católicas, associaram cultos afro-religiosos a procedimentos satânicos e outras coisas absurdas que ofendem o Estado laico e a liberdade de expressão religiosa.
Lembraria ainda aos nobres debatedores, de um lado e de outro da mesa, que a pressa e a ansiedade de tornar hegemônica a minha compreensão e a minha resposta ao fato não encontra parâmetro na história. Quanto tempo o Congresso brasileiro levou discutindo até que o divórcio, a descriminalização do adultério e o reconhecimento da união estável, independente de registro em cartório, fossem admitidos como normas legais no Brasil?
Imagino quantas sessões não se fizeram aqui, de um lado, os defensores da família e, de outro, os defensores da infidelidade da família, que eram favoráveis ao divórcio.
Quero passar aos debatedores, sobretudo àqueles que parecem desconhecer a realidade, um exemplo relativo à inspeção que fizemos na maternidade do Hospital Dom Malan, em Petrolina, cidade de 180 mil habitantes. Diferentemente do que nos disse, com muito respeito, a Dra. Lenise Garcia, a ciência não assegura a todas as mulheres o conhecimento do seu processo gestacional. O Município de Petrolina tem 180 mil habitantes, e a maternidade do Hospital Dom Malan não tem equipamento de ultra-sonografia. Isso, inclusive é um dos instrumentos que vem provocando a falência do atendimento materno-infantil tanto às mulheres gestantes, quanto àquelas que foram atendidas em caso de abortamento.
Então, quero lembrar isso - e já vou concluir, Sr. Presidente.
O Código Penal está completando 68 anos. A criminalização do aborto foi inscrita no Código Penal com um objetivo: prevenir o ato considerado criminoso do aborto. Diante disso, pergunto: essa norma se impôs à realidade social sanitária e da saúde da mulher do País? Não.
Por fim, falo na condição de membro da CPI do Sistema Carcerário: quem fala em criminalizar uma mulher que pratica o aborto não conhece o que é o sistema carcerário brasileiro. Deveria saber muito bem que, se a presunção é de que a Constituição - e aqui estamos para defendê-la - coloca em primeiro plano a defesa da vida, nós temos que execrar o sistema carcerário brasileiro.
Por fim, Sr. Presidente, creio que o que mais aqueles que nos concedem o voto para que aqui cheguemos - a população - esperam de nós é coerência. Ouvi muitos membros desta audiência criticando a situação do Sistema Único de Saúde, a falência desse sistema e a ausência do Ministro Temporão, mas aqui ao lado, no Plenário 2, está sendo discutido o relatório para a Lei de Diretrizes Orçamentárias do exercício de 2009. Sabe o que está escrito, Sr. Presidente, no § 3º do art. 4º deste relatório?
"Art. 4º. .....................................................................
§ 3º As metas e as prioridades da Administração Pública Federal devem refletir a todo o tempo os objetivos da política econômica, especialmente aqueles que integram o cenário em que se baseiam as metas fiscais."
Nós nos acostumamos, nesta Casa, a ouvir discursos exacerbados em defesa da vida e da saúde, mas os mesmos autores desses discursos, quando vão ao plenário, votam a favor da supremacia e das metas fiscais em detrimento do financiamento da Saúde. (Palmas no plenário.)
Portanto, que possamos agir de maneira coerente, se há a primazia da defesa da vida, que assim nos conduzamos em qualquer instância desta Casa e não apenas neste discurso, nesta audiência pública.
Vou integrar aos integrantes da Mesa um relatório das inspeções feitas na Maternidade Barros Lima, unidade de referência municipal em Recife e no Hospital Dom Malan, no Município de Petrolina, no Sertão de Pernambuco.
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Há ainda 3 Deputados inscritos. Por isso, peço compreensão com relação ao tempo.
Com a palavra o Deputado Darcísio Perondi.
O SR. DEPUTADO DARCÍSIO PERONDI - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, antes de mais nada, respeito as observações do Deputado Leonardo Picciani, ativo Deputado Federal, mas não concordo com as palavras que S.Exa. dirigiu ao Sr. Ministro da Saúde. S.Exa. é um homem preparado, estudioso, tem uma história e teve coragem de colocar na pauta a crise da saúde. Poucos Ministros tiveram a coragem de dizer publicamente que precisavam de mais recursos e mais gestão e saíram à luta para buscar. Essa é uma virtude do Sr. Ministro.
Em segundo lugar, dizer que S.Exa. levantou a questão da descriminalização da mulher para escurecer e fazer esquecer a crise da saúde é não enxergar, é realmente não enxergar, pelo tamanho que tem o Ministério da Saúde, pela estatura, a responsabilidade e a história do Ministro Temporão.
Em terceiro lugar, se for nessa linha, temos de lamentar profundamente o Rio de Janeiro Saúde dos 2 Governadores do meu partido e de quem o Deputado Leonardo Picciani e o seu tutor, Deputado Eduardo Cunha, foram patrocinadores. O Governo Rosinha e o Governo Garotinho (palmas no plenário), que gastaram sempre bem menos do que tinham deveriam para cumprir os 12% que os Estados têm que cumprir. Sempre gastaram menos. Aliás, colocaram dinheiro da saúde para fazer piscinão, restaurante popular, pagamento de aposentados, asfaltamento e não investiram na saúde.
Portanto, o Deputado Picciani precisa rever ou pensar a saúde do Rio de Janeiro, porque a responsabilidade é do Prefeito e do Governador. Evidentemente, o Governo Federal também a tem, mas devagar.
Lamento que os Deputados tenham saído. É preciso mais respeito e não se misturar questão paroquiais ou, no mínimo, estudar o que falar - e procuro ao menos estudar um pouco para falar de assunto que eu não conheço. Portanto, é lamentável como o meu companheiro do PMDB, o Deputado Picciani, se referiu ao Ministro Temporão.
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Para concluir, Deputado.
O SR. DEPUTADO DARCÍSIO PERONDI - Já concluo em um minuto, Sr. Presidente.
Respeito a posição de quem não é favorável à despenalização. Respeito. Eu acho que nós temos que debater muito mais essa questão do aborto, muito mais. O Deputado Dr. Pinotti é autoridade na área da Medicina. E eu, como médico de criança, trabalhei com mães adolescentes, com mães de 5, 6 filhos, mães solteiras, separadas, violentadas. Nenhuma, quando fez aborto, o fez por livre e espontânea vontade. Foi em situação de urgência e emergência, muita urgência e de muita angústia. Isso tem que ser respeitado. Não dá para transformar uma mulher em criminosa porque fez aborto. Nós temos que melhorar o Sistema SUS. E vejo aqui inúmeros Deputados que são parceiros da luta, que são pela manutenção das regras atuais em relação ao aborto, mas são parceiros da luta do SUS. Respeito-os. Os Deputados João e Talmir são lutadores pelo SUS. Mas temos que melhorar, sim, as condições, mas respeitar...
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Deputado, para concluir.
O SR. DEPUTADO DARCÍSIO PERONDI - Para fechar. Para fechar! Não estamos para votar. Mais um pouquinho!
Questão dos direitos. Respeitar os direitos da mulher. Precisamos respeitar. É uma questão de justiça social. É a preta, a pobre, a separada, a violentada que morrem.
Terceiro: uma questão de saúde pública. E o é. Em todo mundo o é. E quando foi despenalizado, o número de mortes de mulheres caiu, sim, em todo o mundo sensivelmente quando houve a despenalização. Nem a contracepção é garantida. Temos que dar uma alternativa à mulher quando não quer a gravidez. E mais: não podemos ser machistas. A questão do aborto é uma questão do homem e da mulher. E aí é só a mulher que é penalizada. E nós sabemos que tem homens violentos que não respeitam a mulher.
A questão do Estado laico é óbvio, nem vou nem comentar. Acho que nós tínhamos que discutir mais.
E sob o ponto de vista constitucional, o Relatório Eduardo Cunha foi pobre, mas muito pobre. Ele nem se preocupou em ler o relatório do Ministro do Supremo, Ayres Britto, sobre a questão da constitucionalidade do art. 5º da Lei de Biossegurança, do qual foi Relator. O Supremo ali se manifestou na questão da concepção. Portanto, S.Exa. não teve esse trabalho. Mas eu também respeito. Esta Casa é democrática, plural, e eu o respeito. Mas vamos despenalizar. Menos e menos mulheres vão morrer por aborto. Isso é provado no mundo inteiro. Mas eu respeito a posição dos senhores. Mas nenhuma mulher é criminosa por fazer aborto. E despenalizando, mais e mais mulheres vão continuar vivas neste País.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Deputado José Genoíno.
O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, eu queria, primeiro, dizer que é fato singular na história do debate nesta Casa - e eu acompanho este debate desde a Constituinte - ter aqui a fala lúcida de um Juiz, o Juiz Luiz Torres. É um fato singular! É um fato singular estar nesta Mesa a representante do Ministério da Saúde. É um fato singular! É também um fato singular fazermos uma audiência pública, o que não foi fácil, em condições de igualdade, porque a primeira proposta foi 9 a 1, e nós chegamos à igualdade. Mas eu não podia deixar de concordar inteiramente com o raciocínio do Juiz Torres. A criminalização do ponto de vista de quem é contra o aborto não é o caminho, porque todos os países mostram que a criminalizarão é colocar o aborto nos esconderijos do farisaísmo, da hipocrisia, da clandestinidade, e o Estado culpa a sociedade, culpa as mulheres, para não se culpar a si mesmo. A tese penal da criminalização. E olhem ao longo da história do Direito Penal. Quando se usa o Direito Penal, é exatamente para penalizar aqueles que o Estado não aceita ser penalizado. Por isso o Juiz tem toda a razão. Quem quer diminuir o aborto, defender a diminuição do número de aborto tem de descriminalizar, porque a criminalização é exatamente o caminho para se aumentar o número de casos, como mostra a experiência.
Particularmente, quero dizer das companheiras mulheres que enfrentam esse debate, a exemplo das Sras. Regina Viola e Télia Negrão. Sei que não é fácil. Por quê? É interessante o fato de que todos os projetos sobre aborto só se refiram à mulher. Não há um projeto que faça referência à paternidade presumida. Não há! Nunca vi um projeto fazer referência ao homem. E não existe um feto sem a participação do homem. É uma hipocrisia, um farisaísmo.
Mas, quero dizer que não é a primeira vez que as mulheres são discriminadas. As mulheres foram o alvo da Inquisição, porque era preciso punir a tentação para que aquela consciência moralista não fosse atentada pelas mulheres. Por isso que elas foram alvo da Inquisição.
Elas foram alvo nos momentos mais duros da história da humanidade: na inquisição, no nazi-fascismo - vítimas. A concepção machista e patriarcal considera a mulher um ser frágil, para ser dominada, a fim de estabelecer uma relação de apropriação. Por isso a consciência não aceita, e se respeitou as religiões, para dizer que a única concepção radical do ponto de vista democrático é a que considera a mulher como sujeito autônomo. E se ela tem direito à autonomia, ela pode, é a única que pode decidir, num momento limite da sua vida, a interrupção da gravidez.
Não é a delegacia, não é a sacristia, não é o tribunal nem é a catedral. É o íntimo da mulher, que, no momento da interrupção da gravidez, toma decisões dramáticas, e só ela pode decidir neste momento. E cabe ao Poder Público dar condições médicas, assistência social e psicológicas.
Vejam bem: ninguém está aqui defendendo o aborto. Estamos defendendo o direito da mulher - e não é o direito do ponto de vista pequeno. Estamos defendendo o direito de a mulher não ser criminalizada por um Poder Público, que não se criminaliza por falta de políticas públicas para a defesa das mulheres. Isso é uma luta histórica.
Lamentavelmente, vivemos uma época de fundamentalismo e de retrocessos. O mundo já foi mais progressista. Por trás desse fundamentalismo e desse retrocesso, seja de natureza ideológica ou religiosa, esconde-se uma sociedade que tem medo.
A sociedade não pode ter medo do amor, não pode ter medo do que é humano. Não pode ser criminalizada, porque a gaiola de ouro que criminaliza a mulher que pode abortar em clínicas bem pagas é gaiola, e ela se sente criminosa. E a pior coisa para a mulher é, no seu ser interior, ser criminalizada por uma cultura machista, punitiva e excludente.
Mas a gaiola de papelão da favela é que criminaliza a mulher, porque é obrigada a fazer o aborto em péssimas condições.
Vou para esse debate, Sr. Presidente, vou fazer um voto em separado. Acho que não devemos ter pressa em votar. Até alerto: não transformem a questão do aborto em bandeira e em moeda eleitoral às vésperas das eleições de 2008. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Com a palavra a Deputado Jusmari Oliveira.
A SRA. DEPUTADA JUSMARI OLIVEIRA - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, senhores debatedores, apresentando minha posição aqui, quero falar exatamente com o Deputado José Genoíno, que ainda se encontra no plenário, Deputado a quem respeito muito - e S.Exa. sabe que gosto muito dele.
Deputado José Genoíno, não é preciso que a lei ou que alguém diga que aborto é crime, para a mulher que aborta se sentir uma criminosa.
V.Exa., infelizmente, nunca terá um feto em seu ventre, porque nasceu homem, mas nós nascemos com a dádiva de Deus de ser mulher e de poder dar à luz. Então, qualquer ser como nós, mulheres, que tem outro ser dentro de seu ventre sabe que, ao interromper a sua vida, se torna uma criminosa.
Todas as mulheres que abortam, em qualquer condição, sabem que, dentro do seu ventre, interrompeu-se a vida de uma pessoa, de alguém que veio, inclusive, para complementar sua vida.
Trabalho há muito tempo e ouço mulheres que praticam aborto tecerem alguns comentários. E cada uma delas leva para o resto da sua vida a consciência de que praticou um crime.
Não adianta debatermos se temos de tirar da lei ou não, Dra. Gilda Cabral, Dra. Télia Negrão e Dra. Regina Viola - e as senhoras, que defendem a descriminalização, sabem disso. Sei que as senhoras não praticariam o aborto e, se o praticassem, teriam, no resto da vida, a consciência de que mataram alguém.
Sofri um aborto espontâneo, como já disse em outros debates. Não foi um aborto provocado. E, no dia em que meu filho morreu, era o meu filho morrendo. Meus outros filhos choraram comigo. Meu marido chorou comigo. Não adianta! Nós não vamos nos apartar dessa verdade! Podemos defender nossa ideologia política para um ou outro benefício, mas, dessa verdade, ninguém pode se afastar, nem o católico, nem o espírita, nem o evangélico, nem o umbandista. Ninguém!
A mulher, ao conceber, tem no seu ventre outra vida, outro corpo. Portanto, não é direito dela decidir sobre aquela vida.
Eu sou feminista e defendo os nossos direitos. Cheguei aqui militando em favor dos direitos das mulheres de conquistar seu espaço socioeconômico, de conquistar seu espaço na política. Não concordo em que venhamos a resumir a nossa luta feminista à idéia de que temos o direito de decidir sobre a vida de outrem.
Não adianta! Nós podermos descriminalizar o aborto. As mulheres podem até fazer aborto amparadas pelo Estado. Sairão do hospital tratadas, mas com a consciência de que são criminosas. Nunca se apartarão disso. Ninguém vai apartar as mulheres dessa consciência. Não adianta!
Falando em SUS, entristece-me saber que o meu País e o meu Ministro da Saúde, a quem respeito, porque sei que tem uma história para ser contada na luta pela saúde, encontram recursos para planejar o aborto. Que pena! Na minha cidade, centenas de mulheres morrem porque têm câncer no colo do útero ou têm câncer de mama e não conseguem chegar perto do tratamento, uma vez que isso só seria possível na Capital do Estado. Mulheres morrem de anemia, de doenças de chagas etc., porque não têm a quem recorrer. O SUS não tem dinheiro para tratá-las.
Então, é também uma questão de prioridade. Vamos, primeiro, tratar o que já está aí matando as mulheres. Sabem por que quando se oficializa, o número de abortos é reduzido? Porque se conta o número oficial. Sabem por quê, Deputado João Campos e Pastor Silas Malafaia? Porque as mulheres continuam fazendo na clandestinidade. Sabem por quê? Porque qualquer mulher que mata seu filho tem vergonha de dizer que matou. Ela continua na clandestinidade.
Não é a oficialização do aborto na rede SUS que vai evitar a clandestinidade. As mulheres têm vergonha.
Disse bem aqui o Deputado José Genoíno e o Deputado Darcísio Perondi. Com que dor, S.Exa. acompanhou adolescentes que interromperam a vida dos seus filhos. E todas fazem com grande dor.
Então, se o nosso País tem recurso, vamos investir na questão social das mulheres. Vamos investir para que elas tenham condições de criar seus filhos, porque esse é o verdadeiro direito da mulher, o direito de parir e o direito de criar seus filhos com dignidade. Depois, fala-se em outros recursos. Mas hoje o País não tem dinheiro para preparar suas mulheres para o trabalho, para uma profissão.
Para concluir, Sr. Presidente, o debate que temos de priorizar nesta Casa não é sobre a descriminalização, mas, sim, onde prioritariamente investir o dinheiro do nosso País. E, para mim, prioridade é capacitar as mulheres para que não passem pela tristeza que o Deputado Darcísio Perondi presenciou. S.Exa. ouviu de uma delas, com dor no coração: "Tive de interromper a vida do meu filho, que eu queria tanto, porque não tenho condição de criá-lo".
Vamos ver a prioridade do nosso País, primeiro. Essa é a nossa posição. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Eu gostaria de ouvir, excepcionalmente, o Deputado Costa Ferreira, a quem peço que colabore com o tempo.
O SR. DEPUTADO COSTA FERREIRA - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, debatedores em geral, Srs. Ministros do Evangelho e representantes da Igreja Católica, esse debate vem se arrastando ao longo da Constituinte. O que verificamos é que há os prós e os contras.
Surge, às vezes, uma mulher muito virtuosa, e até corajosa, e diz ser dona do seu corpo e que dele pode fazer o que bem entender, o que bem lhe aprouver. Gostaríamos de dizer que, em se tratando de concepção, se a mulher pudesse gerar o seu filho só e não necessitasse de companheiro para a reprodução, ela poderia sair alegando, em alto e bom som, que realmente é a dona do seu corpo. Mas quando ela concebe, é claro que ela deve ter a consciência de que aquela gravidez foi consensual, aquela gravidez adveio de acordo. No caso de mãe solteira, talvez aquela gravidez tenha sido até indesejada, porque, no contato sexual, na conjunção carnal com o parceiro em que houve concepção, ela queria apenas ser usufruidora da felicidade da conjunção. Agora, frustrada porque não queria ser mãe, alega que é dona do corpo e, em conseqüência disso, pode fazer o que bem entender com a criança que está no seu útero.
Neste debate aqui, muito já se divagou. Aqui já se fugiu da essência - foi trazido orçamento, foi contada a história da humanidade sob outros aspectos - tão-somente para convencer os seus altercadores de que vale a pena se seguir uma linha e se desprezar outra.
Nós aqui estamos pela vida. E a vida é um direito consagrado na Constituição brasileira. E não só nela. No Código Civil e no Código Penal também constam as determinações para se manter a família e, conseqüentemente, a vida.
Nós achamos o debate até estranho. Quando propuseram a legalização da pena de morte no Brasil, uma grande parte das pessoas não queria isso, alegando que quem iria morrer seriam apenas os pobres, os negros, os índios. Não pensavam no terrorista, nisso, naquilo e naquilo outro. Nós também nos juntamos a essas pessoas que não gostariam de que se implantasse a pena de morte no País, porque não seria a solução. Porém as pessoas que não queriam a aprovação da pena de morte no Brasil, aplaudiam a pena de morte em Cuba e em outros países pelo mundo afora. Não queriam que se fizesse isso no Brasil; queriam, porém, que se aprovasse a morte do nascituro, daquela criança indefesa que não pediu para vir ao mundo, mas veio em decorrência de uma conjunção carnal, talvez muito fascinante e, até certo ponto, feliz. Em conseqüência, a criança é que teria de pagar por algo de que não foi culpada.
Nesta oportunidade, queremos dizer que a vida começa na concepção. Em segundo lugar, o nascituro tem direito assegurado pela lei brasileira. Terceiro, ele recebe a sua personalidade ao nascer, quando tem o seu registro, inicia a sua vida fora do útero e começa a crescer.
Portanto, o direito à vida é universal. O direito à vida não vai depender da mulher que não quer a criança, que a considera incômoda no seu útero; do homem que fez a criança, que não quer e manda a mulher provocar o aborto. Precisamos pensar e fazer o melhor para o bem da humanidade, para o bem da família.
Alguém está alegando que não quer nada com Deus. Tivemos esse problema na Constituinte, quando da aprovação do preâmbulo da Constituição. Alguns dos que estão aqui debatendo diziam: "Vocês não estão defendendo a liberdade de culto? Nós também não queremos Deus; queremos a nossa liberdade". Precisamos saber que o Estado é laico, mas a religiosidade, a religião e a convicção não podem ser tiradas de ninguém.
Portanto, o direito à vida é universal e deve ser defendido com ênfase, com empenho, a fim de que façamos da nossa Pátria modelo, e não importemos modelo de "a" ou de "b" que não deu certo. Nos Estados Unidos há uma confusão tremenda. Um Estado aprova; outro não. Depois desaprova. O mesmo ocorre na Europa e na Ásia. Então, não precisamos aproveitar alguns exemplos para justificar por que se defende ou não o aborto.
Queremos que o nosso Brasil consagre o direito à vida, protegendo-a com educação, com saúde, com tudo aquilo que o Estado propicia aos seus súditos. Assim, poderemos construir uma pátria em que a prosperidade seja o tema da nossa felicidade.
Sr. Presidente, agradeço a V.Exa. a gentileza. Sei que estou sendo até um tanto impertinente, porque já o horário está avançado, mas este debate realmente é fascinante. E é preciso que cada um reflita, a fim de que tome uma decisão adequada e que possa trazer bons frutos para a felicidade da nossa Pátria.
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Está encerrada a fase de manifestação dos Deputados.
Vamos caminhar para a conclusão da primeira parte desta audiência pública, que terá seqüência amanhã, ouvindo, por 3 minutos, cada um dos convidados que estão à mesa.
Infelizmente, quase todos os meus colegas Deputados não colaboraram com a regra do tempo, mas solicito aos convidados que não façam o mesmo.
Inicialmente, concedo a palavra, por 3 minutos, à Dra. Regina Viola.
A SRA. REGINA COELI VIOLA - Obrigada.
Nós, do Ministério da Saúde, estamos seguros de que a criminalização do aborto está levando anualmente milhares, ou até milhões, de mulheres ao abortamento inseguro e que esse abortamento inseguro volta a penalizar essas mulheres pela falta de políticas...
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Peço que melhorem o som, por favor. (Pausa.)
A SRA. REGINA COELI VIOLA - Para finalizar, Sr. Presidente, volto a dizer que entendemos que a criminalização do aborto está levando milhares, se não milhões, de mulheres ao abortamento inseguro, que essa prática não é desejada, como já foi comentado aqui, mas é uma prática que expõe a saúde das mulheres. É inquestionável que leva à morbidade, leva à perfuração uterina, leva à histerectomia, leva à esterilidade e até mesmo à morte.
Estão aí os dados de mortalidade materna. Anualmente, são cerca de 1.600 os óbitos maternos, dos quais em torno de 100 a 150 são por aborto, ou seja, cerca de 7% a 10% dos óbitos maternos. E esses óbitos, em 92% dos casos, são evitáveis. E só um deles, pelo desdobramento que traz um óbito dessa natureza, já seria a razão de nos indignarmos e construirmos políticas públicas para enfrentá-los.
É esse o quadro. Para o Ministério da Saúde está configurado o abortamento como um problema de saúde pública. E o Ministério da Saúde que está sob a direção de um sanitarista que conhece a realidade social do País, que expressa com muita transparência as suas opiniões, mas que tem feito com que o Ministério atue dentro de critérios epidemiológicos bastante rígidos e, ao mesmo tempo, atendendo às demandas subjetivas dessa realidade, as demandas dos setores da sociedade civil organizada, tem buscado realmente dar conta dessa problemática com ações estratégicas, como ressaltei.
Naturalmente, das filas do SUS que se formaram durante décadas em nosso País não vamos conseguir dar conta em 2 anos de gestão. Mas estamos conseguindo avanços substantivos no sentido de garantir os direitos sexuais e reprodutivos.
Volto a enfatizar: estamos numa gestão que lançou, pela primeira vez, uma campanha de planejamento familiar; estamos numa gestão que, pela primeira vez, subsidiou os preços de anticoncepcionais - colocamos anticoncepcionais hormonais orais nas farmácias privadas, dentro do programa Aqui Tem Farmácia Popular. E essa é uma ação inédita no País.
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Peço a Dra. Regina que conclua.
A SRA. REGINA COELI VIOLA - Estamos numa gestão que promoveu a produção nacional dos preservativos nacionais em Xapuri e já está organizando outra fábrica em Vitória da Conquista. Estamos falando de uma gestão que está financiando uma rede nacional de atenção integral à saúde das mulheres em situação de violência. Isso significa o dobro dos serviços que temos hoje apoiados pelo Governo Federal, apoiados pelo Ministério da Saúde. É essa a ação estratégica, em termos de organização de violência. Estamos falando de uma gestão que está institucionalizando a humanização da atenção ao parto no País com essas RDCs, resoluções sobre as quais já falei e que podem parecer para o leigo uma ação que não tem tanta profundidade, mas que, para nós que somos profissionais de saúde, que trabalhamos no dia-a-dia dos serviços do SUS...
Há 20 anos, senhores, faço parte da família do SUS. Briguei pelo SUS. Trabalho como técnica. Hoje, respondo pela Coordenação, com muita honra, sendo dirigida por um sanitarista, como disse, mas sou um quadro do SUS. Sou uma profissional que tem uma história de atuação dentro do Sistema Único de Saúde e pelo Sistema Único de Saúde. Há 20 anos, senhores, não tínhamos no Sistema Único de Saúde qualquer ação de atenção ao climatério.
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Dra. Regina, peço a V.Sa. que conclua.
A SRA. REGINA COELI VIOLA - Já estou finalizando, Excelência. Por gentileza, mais um minuto.
Não tínhamos nenhuma ação de atenção ao climatério, há 20 anos. Não tínhamos no Sistema Único de Saúde nenhuma ação de atenção às mulheres em situação de violência. Há 20 anos, não tínhamos o controle das doenças sexualmente transmissíveis, organizado para mulheres e crianças. A transmissão vertical que hoje é responsável por um programa nacional chamado Projeto Nascer, que teve meta de 260 maternidades e está em 1.200, não estava implantada.
Então, temos segurança de que estamos caminhando, estamos construindo o SUS, e, se for a deliberação desta Casa, saberemos dar conta, sim, da introdução de novas ações no Sistema Único de Saúde, desde que sejam ações que nos façam avançar no sentido da garantia dos direitos sexuais reprodutivos das mulheres brasileiras. Direitos sexuais e reprodutivos.
Repito: trabalhamos para aquelas mulheres que, por alguma razão, interrompem uma gravidez indesejada e nos procuram, mas trabalhamos também para as que querem ter um filho e buscam a garantia de uma maternidade segura.
Obrigada pela oportunidade de apresentar a todos os senhores as ações que estamos desenvolvendo à frente do Ministério da Saúde, na gestão do Ministro José Gomes Temporão. (Palmas.)
O SR. DEPUTADO PASTOR MANOEL FERREIRA - Sr. Presidente, uma questão de ordem.
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Pois não.
O SR. DEPUTADO PASTOR MANOEL FERREIRA - Acho que deve ser assegurado aos demais participantes o mesmo tempo que a Sra. Regina Viola teve. A mesma tolerância.
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Por questão de justiça, inclusive.
O SR. DEPUTADO PASTOR MANOEL FERREIRA - Por questão de justiça inclusive.
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Será assegurado.
Com a palavra a Dra. Lenise Garcia.
A SRA. LENISE APARECIDA MARTINS GARCIA - Bom, apesar de considerar que é uma questão de justiça, acho que vou gastar até menos do que 3 minutos, inclusive porque verdade é uma coisa que falamos rápido.
Vou aproveitar este debate democrático, que nos permitem, para fazer alguns comentários sobre falas anteriores.
Primeiro, houve uma citação no sentido de que eu teria dito que a Ciência assegura que a mulher tenha uma ultra-sonografia. É claro que a Ciência não assegura, a Ciência permite, quem tem de assegurar é o Governo.
Então, se o hospital não tem ultra-sonografia, isso, sim, é um problema de saúde pública.
Há outra questão muito interessante: argumenta-se com casos extremos, mas várias das falas aqui deixaram claro que há pessoas que vêem o aborto como método de controle de natalidade. Acho que isso foi algo que ficou estampado e quero registrar essa questão.
Diz-se também que todos são contrários ao aborto, que ninguém é a favor do aborto. Assim, não consegui entender até agora uma fala que veio lá do outro lado da mesa, dizendo que o dado otimista mostra que há 1,4 milhão de abortos clandestinos e o dado pessimista que são 1 milhão. Então, estou até agora tentando entender essa visão otimista e pessimista. Quanto mais aborto tiver melhor? Foi isso mesmo o que ouvi? Eu ainda não consegui acreditar.
Outra coisa que também ouvi, participando de um debate na TV Câmara, foi uma crítica no sentido de que a Comissão de Seguridade Social e Família votou o projeto sem que houvesse discussão, quando o projeto está aí há 17 anos. Aliás, a mesma pessoa disse que, há 1 ano, todas as semanas, está nesta Casa discutindo esse assunto. Então, para mim, é muito difícil entender qual foi a discussão que não houve.
Um outro ponto que quero destacar é relativo ao fato de que várias falas consideraram como se só a mulher fosse criminalizada, quando a lei deixa absolutamente claro - o artigo da lei que se está querendo retirar - que todos os envolvidos são criminalizados, do médico à pessoa que induz. Está todo mundo criminalizado, não é só a mulher.
Aliás, muitas vezes, a mulher é, de fato, vítima de um pai que não quer assumir a criança, vítima de pessoas que a pressionam para abortar - uma vítima que não deixa de ter a sua culpa. E, como disse muito bem aqui a nobre Deputada, não é o fato de estar legalmente ou não criminalizado o aborto que vai fazer com que a mulher não perceba essa culpa.
Foi também dito - e não tenho aqui procuração do Deputado Eduardo Cunha, que já saiu da Mesa - que S.Exa. não leu o parecer do Ministro Carlos Britto, quando não só leu, como citou esse parecer do Ministro Carlos Britto em seu voto. Então, não sei bem o que não foi lido aí.
Por fim, quero comentar que existe uma mulher que, de fato, nunca pode abortar, é aquela mulher que foi abortada. Então, na realidade, o direito à vida é o direito que garante todos os outros. O abortar não é um direito, mas, certamente, aquela mulher que foi abortada nunca vai poder abortar.
Por isso, o direito à vida é um direito inalienável e que não pode, nesta Casa, ser desconsiderado.
Vou copiar aqui o que falou um dos colegas: que esta Casa cumpra a Constituição e faça a Justiça.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Com a palavra a Sra. Gilda Cabral.
A SRA. GILDA CABRAL - Vou tentar ater-me ao tempo, mas, como fui citada 4 ou 5 vezes, gostaria de pedir a tolerância dos senhores se, por acaso, eu me estender um pouco.
É pena o Deputado Leonardo Picciani não estar aí para, olho no olho, poder responder-lhe, mas o Deputado Dr. Pinotti já respondeu a S.Exa., dizendo que, em relação aos outros países, a legislação que legaliza o aborto reduziu significativamente não só o número de abortos, mas também o número de mulheres que morrem por aborto.
Também a representante do Ministério da Saúde já explicou - e isso está nos documentos e na minha fala e, amanhã, será novamente mostrado - que é muito mais barato, Deputado, prevenir uma gravidez indesejada do que atender a seqüelas. São em torno de 200, 220, 240 mil as internações motivadas por seqüelas como infecções e perfurações de útero.
Então, uma vez que estou falando de números, aproveito para dizer que não foi o caso, Dra. Lenise, de afirmar que eram mais abortos. Eu disse textualmente, repeti com toda ênfase e o faço novamente agora, com toda a verve: nós, feministas, também queremos reduzir ao máximo o número de abortos. Não queremos que as mulheres abortem, não queremos mulheres morram por conta de uma gravidez indesejada.
O que disse foi que, em vez de 2 abortos por minuto, se considerarmos os números da Organização Mundial de Saúde, veremos que são mais que 3 abortos por minuto. Então, foi nesse sentido. Não adianta distorcer minhas palavras.
E, com relação ao que a Deputada Solange Amaral disse sobre as empregadas domésticas, é verdade, sim. Infelizmente, as empregadas domésticas ainda não têm a estabilidade da gestante. E muitas e muitas patroas demitem a empregada que fica grávida, porque não que, em uma mulher grávida trabalhando em casa. Existe. Isso é verdade, como confirma a Deputada Jusmari Oliveira. Não adianta querer contar historinha. Aliás, tenho aqui muitas historinhas.
Eu também sofri um aborto espontâneo. Fui atendida no Hospital Distrital de Brasília, para onde, antigamente, em 1981, todo mundo ia. Não havia ainda essa febre dos planos de saúde. E, como sou mãe solteira, fui tratada igual a uma criminosa. Fui tratada lá, no Hospital Distrital, Deputada, como se eu tivesse provocado o aborto.
Eu havia caído e estava sofrendo horrores naquele leito, os médicos ficaram fazendo hora - e veja que eu tenho cara de classe média -, e fui extremamente mal atendida. Sou militante, reclamava os meus direitos, mas não adiantou. Eles fizeram hora, eu passei a noite toda sangrando, com dores, com cólicas horrorosas.
Além do sofrimento de estar perdendo um filho desejado, mesmo sendo solteira - meus filhos foram todos muito desejados -, eu tive de enfrentar as pessoas que passavam lá e diziam: "Por que você fez isso, minha filha, você não sabe que é crime? Vou te denunciar, você não sabe que você tem um filho?", não sei o quê?! Era uma loucura.
E isso acontece hoje nas maternidades. O Deputado Paulo Rubem Santiago trouxe um caso de Pernambuco. As mulheres chegam lá, e é como se fosse tudo farinha do mesmo saco: aborto espontâneo ou aborto provocado. Porque ninguém tem como... Apesar de todo o esforço do Ministério da Saúde, na vida real as mulheres continuam sendo tratadas como assassinas, mesmo quando perdem espontaneamente o filho. Mulheres que sofreram um aborto espontâneo são colocadas junto com mulheres que estão com filhos recém-nascidos. Isso é uma crueldade!
Espero que os senhores entendam que criminalizar, além de não resolver o problema, é um sofrimento a mais para as mulheres. Quando dizemos, com toda a ênfase, que não somos a favor do aborto é porque não somos mesmo. É um sofrimento muito grande para a mãe.
O que o Deputado falou sobre seqüelas é verdade. Pastor, é isso mesmo o que o senhor levantou sobre as seqüelas: as mulheres sofrem muito, sofrem porque são mal atendidas nos hospitais, não são respeitadas e são tratadas como criminosas.
E o que está em pauta neste plenário, Sras. e Srs. Deputados, é a responsabilização não só das mulheres. Os senhores, que têm a oportunidade de rever essa legislação, estão negando às mulheres deste País um tratamento digno, um tratamento de cidadãs, estão negando o direito de serem tratadas como pessoas honestas, íntegras. Porque quem faz aborto não é simplesmente leviano, não é isso, nem aquilo, nem nada. São pessoas que os senhores conhecem, são da sua relação familiar, são pessoas do seu convívio, são pessoas como eu, como sua mãe, como sua tia, como a sua filha; são essas as pessoas que fazem aborto. Entendeu? Fazem aborto.
E acreditamos que agora, com essa oportunidade de os senhores reverem essa legislação, o sofrimento não vai diminuir. Não vai mesmo, Pastor. O senhor nunca vai engravidar e nunca vai saber o que é isso. É um sofrimento muito grande para uma mulher perder um filho, desejado ou indesejado. Em qualquer caso, é muito, muito grande o sofrimento da mulher. Além disso, ainda ser criminosa, ainda ser desrespeitada, ser motivo de chacota?
Está nas mãos de V.Exas. reverem isso. Acredito que, em plenário, com certeza, V.Exas. vão recuperar a legislação que descriminaliza o aborto, porque as mulheres têm o direito de decidir. A sociedade respeita a decisão da mulher, mas o Estado tem de garantir isso, porque não somos só nós as responsáveis. O Estado, a saúde sucateada, os gestores públicos e V.Exas., também, Parlamentares, são responsáveis, junto conosco, por ter a mulher criminalizada pelo aborto.
Obrigada, senhores. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Com a palavra o Pastor Abner Ferreira.
O SR. ABNER DE CÁSSIO FERREIRA - Sr. Presidente, eu quero, em primeiro lugar, agradecer à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania a honra do convite para participar desta tarde de debates. Agradeço ao Presidente, ao Deputado Eduardo Cunha, ao Deputado Pastor Manoel Ferreira, meu pai, aos demais Srs. Deputados e a toda a Mesa da Comissão.
Eu estava aqui pensando sobre a importância de viver em um país laico. É tão importante estarmos neste debate refletindo sobre isso, porque, se este País não fosse laico, talvez a maioria de nós não pudesse estar aqui ou talvez nenhum de nós estivesse aqui. O princípio constitucional da laicidade preserva exatamente essa condição de não ficar aqui uma voz somente falando, mas poder haver a diversidade de pensamento e de opiniões. É daí que vem o fundamento do princípio da laicidade. Rui Barbosa foi muito feliz quando esculpiu isso na nossa Constituição Federal.
Pensando nisso, encerro minhas palavras exatamente evocando a Constituição da República Federativa do Brasil, que, em seu preâmbulo diz:
"Nós, representantes dos povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir o Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil."
Continuo com a nossa gloriosa Constituição, agora citando o art. 5º, cláusula pétrea, que só pode ser reformada por uma nova Assembléia Nacional Constituinte:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"
E, para finalizar, leio o art. 227 da nossa Constituição da República Federativa do Brasil:
"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
E agora cito uma lei menor, só para deixar esculpido na minha última participação o art. 2º do Código Civil Brasileiro:
"Art. 2º A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida" - do homem quer dizer da pessoa humana -; "mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro."
Abortar é crime, e o criminoso precisa ser punido na forma da lei do Brasil, sem prejuízo de outras sanções no mundo espiritual.
Tenho dito.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Com a palavra a Sra. Télia Negrão.
A SRA. TÉLIA NEGRÃO - Bem, apesar de todos os anos em que este projeto tramita nesta Casa, parece-me que este é um debate que está em permanente recomeço. Já temos, inclusive, toda uma cultura discursiva. Todas as vezes em que este tema volta ao debate, reavivam-se argumentações já conhecidas. Às vezes, tenho a impressão - não sei se sou um pouco pessimista ou cética - de que não se movimentam muito as idéias.
Existe uma mulher que disse uma vez que aborto é uma palavra feia que sangra e dói. Para as mulheres que engravidam e abortam ou para as mulheres que gestam e abortam espontaneamente, sem ser um aborto provocado, sempre será uma dor, sempre haverá sangue.
No entanto, este tema, na maioria das vezes, vem sendo tratado com hipocrisia: fazemos de conta que não vemos. O tema tem sido tratado como um problema da clandestinidade: a mulher que se arrisque. Tutelada, a mulher não tem direito de escolher. Como uma manipulação, usam-se os dados de acordo com a oportunidade. Tudo isso num ambiente em que essa coisa que sangra e dói é considerada crime. É um crime! No entanto, do ponto de vista penal, é inócuo, porque ninguém vai colocar 1 milhão de mulheres na cadeia, por ano, neste País. Então ela é inócua. Ela deixa de ser inócua quando se estouram clínicas para prender mulheres e apreender as fichas, os prontuários dessas mulheres, para usar como prova contra elas. Agora, ela extremamente eficaz para ferir e matar. E ferir e matar não só no sentido físico da palavra, mas no seu sentido mais metafórico, a morte social, a ferida social, a humilhação, o desvalor para as mulheres e, em especial, o desvalor para o direito de as mulheres decidirem sobre as suas próprias vidas.
A despeito da discussão sobre quando começa a vida, esta vida está dentro do corpo das mulheres e, cessada ou não cessada, é no corpo das mulheres que se processarão todas as transformações e as modificações. E, não cessada, com o nascimento, um outro fato social se instala, a maternidade, e nada há pior do que a maternidade não desejada.
Então, penso que, apesar de muitas vezes termos o desconforto de que essas discussões não nos deslocam dos nossos lugares, acho que, no mínimo, propicia uma reflexão profunda sobre todos os que estão envolvidos nessa questão, em especial as mulheres.
Aí é inaceitável a argumentação de que os homens têm que decidir junto com as mulheres sobre abortar ou não. Eu sinto muito, mas 30% das crianças brasileiras não carregam o nome de seus pais, por absoluta omissão desses homens. (Palmas.)
A maior causa de busca das mulheres junto às defensorias públicas brasileiras é pensão de alimentos para os seus filhos. Que história é essa agora de os homens ganharem todo esse protagonismo nas decisões das mulheres sobre o que acontece dentro do corpo delas? E, na maioria das vezes, os homens já viraram as costas há muito tempo, porque não se responsabilizam pela prevenção da gestação. Quando uma mulher engravida a responsabilidade foi dela. É como se se processasse uma gravidez do Divino Espírito Santo. É bem isso. E aí a regra é outra.
Então, penso que, se este momento serve para que possamos fazer uma reflexão, tenho que deixar aqui muito nítido o seguinte: nós, mulheres, não gostamos de abortar, mas realizam-se mais de 1 milhão de abortos no País. E as mulheres que não morrem ficam com seqüelas, não pela realização do aborto em si, mas pela forma como é realizado. Ou seja, a decisão da mulher de interromper a gravidez não se torna um procedimento que se resolveria tecnicamente num hospital e numa clínica, mas se transforma num grande drama e muitas vezes numa grande tragédia, há muito denunciada, já muito relatada nos espaços das Nações Unidas, onde muitas vezes nos sentidos envergonhados pelos indicadores que lá chegam. E nos perguntam: "Mas aquilo não é uma Nação que tem compromissos internacionais? Ela não os cumpre então?" Eu ouvi isso em julho do ano passado, no plenário das Nações Unidas.
A Rede Feminista de Saúde tem 2 grandes compromissos. O primeiro deles é que as mulheres possam viver em dignidade, e isso inclui compromisso com a defesa da saúde integral de todas as mulheres. Nós não defendemos só a descriminalização do aborto. E a outra questão para a Rede Feminista é a defesa do Sistema Único de Saúde - SUS. Poucos países do mundo conseguiram construir um sistema como esse, e as mulheres da rede feminista estão em conselhos municipais, estaduais e nacionais, em comitês de morte materna, em todos os tipos de espaço de controle social, porque acreditamos no acesso universal à saúde. E acreditamos também que só se pode falar em acesso à saúde se todas as pessoas, independentemente de raça, etnia, credo e classe social, tiverem possibilidade de utilizar desse sistema para ter saúde, ou seja, um estado de completo bem-estar e não só a ausência de doenças.
Agradeço a oportunidade e espero que as nossas palavras hoje possam ter, em algum momento, sensibilizado os senhores e as senhoras pela realidade vivida pelas mulheres brasileiras.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Por último, para suas considerações finais, concedo a palavra ao Pastor Silas Malafaia.
O SR. SILAS MALAFAIA - Presidente, eu agradeço a oportunidade de estar neste debate de idéias e de convicções.
Quero deixar aqui o meu repúdio e protesto por quererem nos tachar de fundamentalistas. O que vou falar aqui é histórico, sociológico e antropológico: quem tirou o mundo de 300 anos de obscurantismo foi a reforma protestante de 1517. Só depois dessa reforma foi que se produziu ciência no mundo. Então, vamos deixar a conversa fiada de querer tentar desviar o debate para a questão religiosa, porque não vim aqui com a Bíblia. Era isso que queriam, que usássemos aqui um argumento teológico para nos combater. Estamos aqui usando argumentos científicos e sociológicos. Então, isso aí é conversa fiada para boi dormir - e eu não sou boi -, essa história de que ninguém aqui é a favor do aborto. São, sim, a favor do aborto, tanto que querem oficializá-lo na rede pública de saúde. Isso é conversa para boi dormir, e eu não sou boi. Quero deixar isso bem claro.
Outra coisa: vou continuar batendo na tecla de que em todo o mundo se faz aborto, quer esteja oficializado, quer não esteja, mas ninguém traz os dados das seqüelas para as mulheres. Ninguém! Esse é um jogo macabro, armado para ludibriar a opinião pública. Eu vou repetir somente 3 informações - o caderno é grande e não dá para citar tudo - sobre seqüelas das mulheres que abortam nos Estados Unidos, na Europa, aborto oficial e não-oficial. Eu cito 3, só para relembrar.
As mulheres que abortam têm 260% mais probabilidade de serem hospitalizadas para tratamento psiquiátrico do que as mulheres que dão à luz - isso é dado, em qualquer lugar, seja aborto clandestino, seja legal. Essas mulheres estão 7 vezes mais propensas ao suicídio do que as mulheres que dão à luz - isso é ciência, é dado sociológico. Outra: as mulheres que abortam correm de 7 a 15 vezes mais risco de placenta prévia, isto é, nas gestações futuras, correm risco de vida a mãe e o feto.
Sou psicólogo e entendo as seqüelas que sofrem as mulheres. Aqui não tem um estúpido que só está aqui para abordar teologia, não. Eu sei o que estou falando e sei quais as seqüelas psicológicas profundas, graves e irreparáveis numa mulher.
Agora pergunto aos senhores que entendem de lei: por que um crime tem uma pena de 2 anos e outros têm penas de 4, 6, 8, 10, 12, 30 anos? Parece-me que é pela gravidade do crime. A vida está acima de toda essa argumentação que foi apresentada. A vida está acima de tudo.
Isso aqui não é teoria científica. Pelo amor de Deus, vamos ser coerentes! O feto não é prolongamento do corpo da mulher. Isso é fato científico! Se não fosse a placenta e a cápsula protetora, o corpo da mulher botava para fora o feto, porque é um corpo estranho. Que conversa é essa, minha gente? Como a mulher, que não tem direito de decidir totalmente nem sobre o seu próprio corpo, vai decidir sobre o corpo de outro? Que argumentação é essa? Não tem nem graça, minha gente. Ficam inventando dados, tentam trazer dados para causar emoção, mas o feto não é prolongamento do corpo da mulher. Portanto, matar o feto é matar uma vida. Isso não adianta discutir. Não é questão do que acho ou do que você acha. Estou falando sobre fatos.
Vou relembrar para as mulheres o que foi dito aqui: esperam-se 2 anos para uma mulher operar um mioma na rede hospitalar do SUS; 2 anos para ter vaga, quando tem. O SUS é um caos para os viventes! Coitado daquele que depende de hospital público, seja homem, seja mulher, seja criança. Agora vão querer me convencer de que a rede pública de saúde vai resolver esse caso?
Outra questão: em todas as Nações onde o aborto foi legalizado o aborto clandestino não diminuiu. Isso é fato, é real, mas querem esconder.
Portanto, parabéns ao Relator, Deputado Eduardo Cunha, parabéns aos Deputados.
Eu acho engraçada a Esquerda brasileira, com todo o respeito aos senhores - tenho amigos da Esquerda e até voto, muitas vezes, em Deputados da Esquerda. Ela fala mal dos Estados Unidos, dizendo que é o Tio Sam, que é um império, falam mal das economias do Primeiro Mundo, mas depois vêm trazer o lixo desses países aqui para dentro.
Sejam coerentes, senhores! Sejam coerentes, senhores! Se falam mal dos americanos, dizendo que são imperialistas, então por que vamos trazer para cá o lixo deles, quando, na América, há um debate violento sobre a questão do aborto? Esta é a verdade: nós não podemos aprovar crime. Já foi exaustivamente dito que se dê educação, que se ensinem as meninas, que se protejam as meninas. Nós não vamos aqui apoiar o aborto.
É aquela história: vocês sabiam que o Rio de Janeiro tem aproximadamente 800 mil dependentes de drogas? Vamos liberar a cocaína, a maconha, porque há 800 mil usuários! Senhores, números e dados não são a fonte para aprovarmos alguma coisa. A justiça, a verdade e o direito à vida é que têm que nos nortear para aprovarmos leis.
Eu não quero nem falar, porque não sou Deputado da Comissão. Já foi lido e dito o que está na Constituição. Mas vêm aqui me dizer que temos que respeitar tratado internacional. Temos que respeitar primeiro a nossa Constituição. Tratado internacional se quebra, muda, volta, quebra, faz de novo! Isso é conversa, isso é história.
Eu não estou aqui contra mulheres. O que não se fala aqui é das seqüelas com que as mulheres ficam, porque tudo é escondido. Não há dados. Quem defende a legalização do aborto não traz um dado a esse respeito. Eu não ouvi aqui um dado sobre as seqüelas das mulheres que abortam, nos países onde é legalizado. Não trazem, porque, se trouxerem, vão ver a vergonha desse lixo da imoralidade, da promiscuidade humana, que querem proteger com uma lei.
Que Deus tenha misericórdia do nosso País e que seja reprovada essa lei. Cada um é responsável pelos seus atos, seja quem aborta, seja o médico aborteiro, seja qualquer um na sociedade.
Tenho dito.
A SRA. GILDA CABRAL - Amém, pastor. Compaixão com as mulheres.
O SR. SILAS MALAFAIA - Obrigado pelo seu amém.
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Campos) - Eu quero agradecer a presença aos Deputados, aos assistentes e dizer que amanhã nós teremos a segunda etapa desta audiência pública.
Está encerrada a audiência.