![]() |
|
|||||||||||
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
Versão para registro histórico
Não passível de alteração
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS EVENTO: Audiência Pública REUNIÃO Nº: 0492/16 DATA: 25/05/2016 LOCAL: Plenário 9 das Comissões INÍCIO: 14h42min TÉRMINO: 18h54min PÁGINAS: 88
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO |
PAULO FONTES - Diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Floresta do IBAMA. JOSÉ LUIZ FURQUIM WERNECK SANTIAGO - Representante da Samarco Mineração S.A. THIAGO ALVES DA SILVA - Coordenador Estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens da Cidade de Barra Longa, Estado de Minas Gerais. ANTÔNIO GERALDO DOS SANTOS - Atingido por barragem do Município de Mariana, Estado de Minas Gerais. DEBORAH DUPRAT - Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal. MILENA BEATRIZ ALVES GUADALUPE - Representante da Samarco. GUILHERME DE SOUSA CAMPONÊZ - Atingido por barragem de Governador Valadares, Estado de Minas Gerais, e Coordenador Estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB. REGIANE SOARES ROSA LORDES - Atingida por barragem de Baixo Guandu, Estado do Espírito Santo. EDSON RODRIGUES MARQUES - Defensor Público Geral Federal em Exercício. EDMUNDO ANTÔNIO DIAS NETTO JÚNIOR - Procurador-Regional dos Direitos do Cidadão da Procuradoria da República de Minas Gerais e integrante da força-tarefa do Rio Doce. |
SUMÁRIO |
Avaliação do acordo relativo ao rompimento de barragem em Minas Gerais entre as famílias atingidas e as autoridades responsáveis. |
OBSERVAÇÕES |
Houve exibição de imagens. Houve intervenção inaudível. |
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Boa tarde a todas e a todos, quase boa noite. Desculpem-me o atraso. Eu estava em uma atividade externa.
Declaro abertos os trabalhos da presente audiência pública, que tem como finalidade avaliar o acordo sobre o rompimento da barragem em Minas Gerais com as famílias atingidas e autoridades responsáveis.
Esta audiência atende a requerimento de nossa autoria, aprovado no âmbito desta Comissão.
Contando com a compreensão de vocês em relação ao espaço um pouco limitado, teremos dois momentos aqui à mesa.
Convidamos para compor a Mesa o Sr. Thiago Alves da Silva, Coordenador Estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens da cidade de Barra Longa; o Sr. Antônio Geraldo dos Santos, atingido por barragem, do Município de Mariana; o Sr. Paulo Fontes, Diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas do IBAMA; o Sr. José Luiz Furquim Werneck; a Sra. Milena Beatriz Alves Guadalupe; a Dra. Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal.
Dra. Deborah, é um prazer ter a senhora novamente aqui conosco.
O que nos levou a fazer esse requerimento foi o acordo judicial firmado entre os órgãos federais, os Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e as companhias Vale, BHP Billiton e Samarco, e o que foi destacado como um vício de origem, já que, na construção do acordo, excluíram-se as vítimas do Movimento dos Atingidos por Barragens do Fundão e os representantes do Ministério Público Federal que acompanharam o processo.
Em outra reunião de audiência pública, outras entidades destacaram que o acordo era ruim. Entendiam ser importante um acordo, desde que ele tivesse outra configuração, incluindo também como sujeitos do processo os próprios atingidos e o Ministério Público, o que poderia evitar uma judicialização e que pessoas ficassem prejudicadas por 10 anos, 15 anos, 20 anos.
Esse contexto estava um pouco confuso, e o acordo ainda não tinha sido homologado quando apresentamos o requerimento.
Para nós, o ocorrido configura-se um crime socioambiental que gerou várias violações aos direitos humanos. Mais de uma vez estive em Mariana e em Barra Longa. É preciso que todos os envolvidos, inclusive as empresas responsáveis, tenham a clareza de que a rejeição ao acordo não será uma questão passageira e de que ele não está superado simplesmente porque foi homologado.
Eu acho que o importante era que se buscasse um envolvimento direto com os próprios atingidos, como eu já disse, evitando assim qualquer judicialização, e que nenhuma pessoa ficasse prejudicada, porque, durante uma judicialização, sabemos que pessoas morrem sem alcançarem os seus direitos, o que é uma grande injustiça, às vezes com a participação da própria Justiça, sem contar as pessoas que adoecem, entram em depressão e às vezes até se suicidam, como já pudemos acompanhar.
Além da judicialização no âmbito nacional, esse acordo já é alvo de uma denúncia acompanhada de um apelo urgente à Organização das Nações Unidas, que foi enviado no dia 13 de maio a quatro relatores especiais da ONU e ao Presidente do Grupo de Trabalho sobre Empresas e Direitos Humanos.
Essa denúncia e esse apelo à ONU foram apresentados também por um conjunto de entidades que acompanham o caso. Nessa denúncia, as entidades demonstram que o termo de ajustamento de conduta ratificado pela Justiça Federal é ilegítimo, ilegal e agrava as violações aos direitos humanos provocadas pelo rompimento da barragem.
Quero inclusive cumprimentar as entidades que assinaram a denúncia: o Movimento dos Atingidos por Barragens, a Conectas Direitos Humanos, o Fórum Capixaba de Entidades em Defesa da Bacia do Rio Doce, a Justiça Global, a Artigo 19, o Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais da Universidade Federal de Ouro Preto, o Coletivo Ame a Verdade e o Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular.
Sugiro aos nossos convidados que, nas suas respectivas falas, proponham encaminhamentos que contribuam para a busca de soluções que estejam no quadro de respeito aos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Eu acho que é muito importante, já nessas falas, trazer propostas para corrigir essa situação, para fazer valer o direito.
Depois também vamos conceder a palavra às pessoas interessadas e aos Deputados que ficaram de passar por aqui. Sabemos que os trabalhos iniciados ontem foram até as 4 horas da manhã de hoje e que muitos viajaram, mas encontrei o Deputado João Daniel agora à tarde, e ele me disse que passaria por aqui.
Toda a audiência está sendo transmitida ao vivo pelo Internet.
Nós vamos compor duas Mesas, teremos uma segunda Mesa depois desta. Peço que cada um utilize 10 minutos. Necessitando de prorrogação, poderemos tolerar, mas peço que todos colaborem com o tempo de 10 minutos. Nós vamos conceder mais tempo a quem precisar fazer esclarecimentos. De maneira alguma o tempo irá prejudicar os expositores, mas fazemos esse apelo.
Seguiremos a ordem. Vamos começar pelo IBAMA, porque aí já nos trará o cenário.
Concedo a palavra ao Sr. Paulo Fontes, Diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas do IBAMA.
O SR. PAULO FONTES - Boa tarde a todos.
Inicialmente, em nome do IBAMA, agradeço ao Deputado e à Comissão o convite e já cumprimento V.Exa., Deputado, pela iniciativa, pois entendo que a discussão desse tema é mais do que importante e mais do que necessária, e quanto mais ela vier a público e for provocada e promovida no âmbito da sociedade brasileira melhor.
Trata-se de um tema extremamente complexo, de um desastre de proporções jamais vistas neste País. Então, entendo e acredito que, quanto mais se falar, se conversar e se discutir sobre essa questão, mais importante e mais necessário ficará encontrarmos soluções com a urgência, a forma e a condição necessárias para se fazerem todas as ações em relação a esse desastre, a esse acontecimento.
Eu trouxe uma apresentação porque, na verdade, eu não sabia exatamente o tempo que teríamos e toda a tratativa que haveria na Comissão. Ela é mais no sentido de mostrar a atuação do IBAMA em face do desastre, mas eu acho que é muito extensa, porque há muita coisa para se falar em relação à atuação do IBAMA, e eu estou vendo que o foco aqui é bem direcionado para a questão do acordo. Dentro da minha apresentação, eu falo um pouco do acordo e acho que vou me restringir a falar mais dele, como nós o vemos, como nós nos colocamos. Depois, nós poderíamos, se for o caso e se for interessante, falar mais das ações e do que está acontecendo em relação à atuação do IBAMA.
Eu pediria para colocarem, então, a apresentação ali na tela, só para nós podermos ir acompanhando. (Pausa.)
Eu vou tentar agilizar a apresentação.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu fiz um resumo das principais ações do IBAMA, desde a ocorrência do desastre.
Até hoje, o IBAMA já aplicou 6 autos de infração, com multas totalizando 291 milhões de reais, e 41 notificações. Foi elaborado um laudo técnico preliminar, isso ainda no final de novembro, logo antes de se completar 1 mês do acidente, até para que a ação civil pública que foi proposta no dia 15 de dezembro, para reparação estimada no valor de 20 bilhões de reais, pudesse ter alguma fundamentação.
O IBAMA também coordenou e coordena até agora o grupo de trabalho técnico do Governo Federal, que tem e teve uma ação importante.
Quanto à questão dos programas socioambientais, foi proposto um Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta desde março.
O IBAMA também montou recentemente os pontos de controle semanal e a Operação Áugias, para fazer o acompanhamento.
Além do grupo de trabalho do Governo, o IBAMA tem um grupo interno também, devido à complexidade do acidente e à multidisciplinaridade das ações que precisam ser avaliadas e acompanhadas.
O órgão cobrou da empresa, logo de início, um plano de recuperação ambiental. A empresa apresentou um plano, na época, que o IBAMA considerou muito preliminar e muito pouco abrangente, e ele não foi aceito. Foi dado um novo prazo para a empresa apresentar um segundo plano, algo mais consistente, dentro daquilo que ela entendia ser um plano de recuperação para a área, e foi apresentado um projeto, já um pouco mais robusto. Nós estamos até hoje nos debruçando sobre esse plano, para uma análise, agora, muito mais aprofundada de todas as ações que ali estão sendo propostas.
Isso tudo ocorreu em paralelo ao termo de ajuste que estava sendo construído, ao acordo que estava sendo feito. Independentemente de como o acordo estava sendo realizado junto à empresa e junto aos órgãos do Governo, o IBAMA fazia o acompanhamento da situação, porque havia ações emergenciais - e elas existem até hoje - que não poderiam parar, que não poderiam esperar. Nessa linha, foi feito o acompanhamento das obras emergenciais, o monitoramento da dispersão da pluma lá no oceano e o monitoramento, orientação e também análise dos dados do período com relação a toda a bacia, até a foz do Rio Doce.
Eu vou passar a descrição dos autos de infração, porque eu acho que não interessam. Vamos entrar direto no Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta, que os senhores já conhecem, pelo menos em parte, assinado pela Samarco, pela Vale e pela BHP. Essa assinatura foi feita no dia 2 de março e homologada no dia 5 de maio pela Justiça Federal.
O que esse termo traz? Ele traz sete capítulos e os considerandos. Eu fiz um resumo aqui, porque ele é composto por 260 artigos, só para que aqueles que ainda não o conhecem ou não tiveram contato com ele possam ter uma noção do que há nesse termo.
Há os considerandos iniciais, nos quais se trata do impacto do evento, da mitigação dos danos, da recuperação do meio ambiente, das condições socioeconômicas e do acordo em si, do porquê desse acordo, e tudo o mais.
O Capítulo Primeiro contém as Cláusulas de 1 a 17, nas quais se apresenta uma série de definições. Trata-se de cláusulas gerais que trazem algumas definições e conceitos do que vai ser tratado no acordo. Então, programas e projetos estão citados ali.
Depois, o Capítulo Segundo trata dos programas socioeconômicos. Eles - eu acho importante destacar isto aqui - foram elencados em 7 eixos principais, com 23 programas, sobre os quais eu vou falar rapidamente.
O Capítulo Terceiro abrange as Cláusulas de 145 a 184, que tratam dos 18 programas socioambientais, distribuídos em 8 eixos.
O Capítulo Quarto trata de regras gerais aplicáveis aos programas socioambientais e socioeconômicos. Aí se fala de planejamento, de fiscalização, de auditoria e de revisão dos programas e dos projetos que o acordo traz no seu bojo.
O Capítulo Quinto trata da gestora e executora dos programas socioeconômicos e socioambientais, que é a fundação cuja constituição está sendo proposta. Haverá também o Conselho Interfederativo e o Painel de Especialistas. Esses são, na verdade, aspectos mais de gestão de todo o plano e estão também definidos.
O Capítulo Sexto trata das penalidades, em caso não cumprimento de tudo aquilo que foi acordado.
E o Capítulo Sétimo traz as cláusulas finais e as regras transitórias.
Esse acordo contém, então, 260 cláusulas.
Eu não sei se vale a pena e se nós teríamos tempo, mas eu destaquei algumas definições que, para aqueles que ainda não têm conhecimento, talvez fossem interessantes. Acho que, pelo tempo aqui, nós podemos passá-las. Esse é um material que vai estar à disposição também, Deputado.
As definições dizem respeito ao que se considera, dentro do acordo, evento e impactados; o que é a Área Ambiental 1; o porquê da distribuição em Área Ambiental 1 e Área Ambiental 2; qual a área de abrangência socioeconômica, quando se está falando da questão socioeconômica; e quais são os programas socioeconômicos e os programas socioambientais.
Eu queria só fazer um destaque. Os programas socioeconômicos são o conjunto de medidas e ações que serão executadas de acordo com um plano fundamentado, necessárias à reparação, mitigação, compensação e, claro, indenização pelos danos socioeconômicos decorrentes do evento.
Os programas socioambientais, que vão na mesma linha, são o conjunto de medidas e de ações que serão executadas de acordo com um plano tecnicamente fundamentado, necessárias à reparação e compensação pelos danos socioambientais decorrentes do evento, fiscalizadas e supervisionadas pelo poder público.
Aí vem a definição também dos órgãos ambientais que o acordo traz. São eles: o IBAMA; o ICMBio; a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos - SEAMA, do Espírito Santo; a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - SEMAD, de Minas Gerais; o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos - IEMA, do Espírito Santo; o Instituto Estadual de Florestas - IEF, de Minas Gerais; e a Fundação Estadual do Meio Ambiente - FEAM, de Minas Gerais. Esses são os órgãos ambientais ali classificados.
Há também os órgãos de gestão de recursos hídricos, que são, no caso, a Agência Nacional de Águas - ANA; a Agência Estadual de Recursos Hídricos - AGERH, do Espírito Santo; e o Instituto Mineiro de Gestão das Águas - IGAM.
É importante destacar aqui - e eu acho que esta é uma das coisas que é importante entender dentro do acordo - que os programas têm aspectos reparatórios e aspectos compensatórios. Os programas classificados como reparatórios e os seus projetos não têm custo definido, nem poderiam ter, porque, se são reparatórios, têm que ser feitos, independentemente do que vão custar ou do quanto vai ser disponibilizado para isso. Então, isso está muito claro dentro do acordo. O programa é reparatório, quer dizer, o dano tem que ser reparado? Então, isso terá que ser feito, independentemente do custo que tenha. Isso está claro no acordo.
Os programas compensatórios, esses, sim, têm um valor estipulado, porque são aqueles programas realmente de compensação. Há danos que não é possível reparar, então, eles têm que ser compensados de alguma forma. Aí, eu acho que o acordo avança um pouco na questão dos programas compensatórios, mas peço que me desculpem, porque, no IBAMA, que, no caso, é o órgão que eu aqui represento, nós tratamos mais da parte dos programas socioambientais. Eu não teria condições de falar, nesse aspecto, com relação especificamente aos programas socioeconômicos.
O que aconteceu? Na divisão de trabalhos, na divisão de tarefas, estabeleceu-se, durante toda a discussão do acordo, que a parte dos programas socioeconômicos ficaria mais sob a gestão, acompanhamento e coordenação da Casa Civil, e ela determinou outras instituições, outros órgãos para acompanhar todo esse processo dos programas socioeconômicos. O IBAMA ficou na coordenação dos programas socioambientais. Então, se eu posso falar alguma coisa um pouco mais aprofundada sobre o que está acontecendo é com relação aos programas socioambientais, à forma como eles estão sendo tocados.
Aí há o aspecto da criação da fundação de direito privado, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei. Ela será instituída pela Samarco, que tem até a primeira semana de junho para fazê-lo, e bancada ou sustentada pelos acionistas, no caso a BHP e a Vale. O objetivo é que essa fundação seja, então, a executora de todos esses programas, projetos e ações que estão previstos no acordo. Tudo isso vai ser trazido à tona e à discussão, agora de uma forma muito mais detalhada, para execução por essa fundação.
Eu queria passar para o Capítulo Terceiro, que traz os oito eixos dos programas socioambientais de que eu falei, que são: gestão de rejeitos e recuperação da qualidade da água; restauração florestal e produção de água; conservação da biodiversidade; segurança hídrica e qualidade da água; educação, comunicação e informação; preservação e segurança ambiental; gestão e uso sustentável da terra e gerenciamento do plano de ações. Esses são, na verdade, sete eixos do acordo, porque o oitavo se refere mais ao gerenciamento dos próprios projetos, das próprias ações que vão acontecer dentro do acordo. Eles trazem, no seu bojo, uma série de programas para lhes dar consistência e ditar aquilo que é necessário fazer em cada um desses eixos, em cada uma dessas direções.
O Capítulo Segundo tem sete eixos também, que são: organização social; infraestrutura; educação, cultura e lazer; saúde; inovação; economia; e gerenciamento do plano de ações dentro de todos os programas dos eixos socioeconômicos. Esses eixos trazem, no seu bojo, uma série de programas. Depois, eu posso até listar todos aqui. Não o fiz porque achei que a apresentação ia ficar muito longa. Dentro desses programas, eu acredito que estão, se não tudo, muito daquilo que está sendo tratado. O que se precisa fazer agora é o detalhamento desses programas, para haver o entendimento do que cada programa desses atinge ou não.
Foi criado o Comitê Interfederativo, e eu acho importante falar um pouco sobre ele, porque é o arranjo institucional que foi dado em termos de como vai acontecer o acordo, definindo quem fala com quem, quem decide o quê, de que forma será a execução.
O Comitê Interfederativo foi criado para orientar, acompanhar, aprovar, monitorar e fiscalizar a execução das medidas impostas à fundação de direito privado que será criada. Ou seja, ele foi constituído como instância externa e totalmente independente da fundação e das empresas. Trata-se de um comitê de governo. E esse comitê não afasta a necessidade de obtenção - e é fruto de uma discussão também bastante longa - das licenças ambientais que a empresa precisa ou necessita, junto aos órgãos ambientais competentes. E muito menos esse comitê substitui a competência legal prevista para cada um desses órgãos licenciadores ou para os demais órgãos públicos.
Ou seja, aquilo que precisa ser feito vai ser acordado junto ao Comitê Interfederativo, mas qualquer órgão público que entenda, dentro da sua competência, que não está sendo atendida alguma coisa, tem toda a autonomia para autuar, para pedir, para solicitar, para acompanhar. E as licenças também que, porventura, sejam necessárias na consecução de alguma obra, de alguma recuperação, de alguma restauração, a empresa - ou, no caso, a fundação, que está representando as empresas - tem por obrigação solicitar e conseguir junto a esses órgãos. Então, isso, em nenhum momento, exime ou tira a competência de nenhuma instituição, de nenhum órgão. Isso precisa ficar claro.
Quem são os integrantes desse Comitê Interfederativo? É o Ministério do Meio Ambiente, a Casa Civil, o Governo de Minas Gerais, o Governo do Espírito Santo, representantes dos Municípios afetados em Minas Gerais e dos Municípios afetados no Espírito Santo, além do representante do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce. Esses foram os representantes nesse Comitê Interfederativo. Até agora, quem está na coordenação desse Comitê é a Presidência do IBAMA.
Finalizando essa parte do documento, acho que é importante falar que se pensou que, como é um Comitê que vai tomar as decisões, e ele não tem um caráter técnico, mas um caráter apenas de tomador de decisões, nesse caso, muitas vezes, muitos desses assuntos que serão trazidos ao Comitê, em termos de programas e de projetos, carecem de um debate mais técnico, de um clareamento ou de uma propositura mais técnica. Então se entendeu que era necessária a criação de Câmaras Técnicas para subsidiar as decisões do Comitê Interfederativo.
No caso dos programas socioambientais, foi proposta a criação de quatro Câmaras Técnicas, que são: a Câmara Técnica de Gestão dos Rejeitos e Segurança Ambiental, sob a coordenação do IBAMA; a Câmara Técnica de Conservação da Biodiversidade, sob a coordenação do ICMBio; a Câmara Técnica de Restauração Florestal e Produção de Água, sob a coordenação do IBAMA; e a Câmara Técnica de Segurança Hídrica e Qualidade da Água, sob a coordenação da Agência Nacional das Águas.
Por outro lado, outras quatro Câmaras Técnicas foram propostas, para atender aos programas socioeconômicos, isso tudo no âmbito do Comitê Interfederativo: a Câmara Técnica que vai tratar da Organização Social e Auxílio Emergencial, sob a coordenação do Ministério de Desenvolvimento Social; a Câmara Técnica de Reconstrução e Recuperação de Infraestrutura, sob a coordenação do Governo do Estado de Minas Gerais; a Câmara Técnica de Economia e Inovação, sob a coordenação do MAPA; e outra Câmara Técnica que seria - ainda é uma proposta - interdisciplinar entre os dois programas, o socioeconômico e o socioambiental, e que trataria de toda a parte de saúde, educação, cultura, lazer, informação e comunicação. A coordenação dessa Câmara até este momento não está definida.
E como é que isso vai acontecer? Haverá distribuição dos documentos. Todos os documentos que chegarem ao Comitê serão distribuídos para análise e acompanhamento pelo órgão responsável. Ou seja, dependendo da temática do documento ou da solicitação, ele será dirigido ao órgão que tem competência para tratar daquilo. Se esse órgão achar interessante e necessário, encaminha isso para uma dessas Câmaras Técnicas para ter maior subsídio e melhor avaliação. A Câmara Técnica, então, avalia e retorna para o Comitê, que vai aprovar ou não a solicitação, para que a fundação execute aquelas ações, execute aquele programa ou execute aqueles projetos. E o órgão daquela área da sua competência vai acompanhar, então, a execução dessas atividades.
Essa é, basicamente, de uma forma bastante rápida, a ideia do que é o acordo, de como ele vai funcionar e de como ele já está funcionando, porque essas reuniões já começaram a acontecer, mais ou menos nessa linha que eu coloquei de forma bastante rápida.
Há outra parte aqui que eu não sei se nós teríamos tempo de tratar. É sobre as ações do IBAMA. Se acharem interessante, posso continuar, ou posso parar aqui e retomar depois. Essa parte se refere ao que o IBAMA tem acompanhado mais recentemente com toda a questão do desastre e do acidente.
Deputado, eu posso falar...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - O senhor usou 22 minutos até agora.
O SR. PAULO FONTES - Pois é. (Riso.) Então, eu acho que é melhor parar aqui e ouvir.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Como o senhor detalhou bem o organograma, se podemos assim dizer, todo o processo, surgiram dúvidas. Eu, pessoalmente, já tenho dúvidas em relação a isso. Creio que podemos levantar as questões e deixar para o senhor responder mais nas palavras finais. Pode ser assim? (Pausa.) Está bem.
Passo a palavra, então, ao Sr. José Luiz Furquim Werneck.
O senhor acha que consegue fazer sua exposição em 10 minutos?
O SR. JOSÉ LUIZ FURQUIM WERNECK SANTIAGO - Eu estou com alguns eslaides também. Vou tentar ser breve.
Antes de tudo, eu queria agradecer a oportunidade de estar aqui participando deste diálogo.
Eu gostaria também de reforçar que a Samarco não tem se furtado a participar deste tipo de diálogo. Estamos sempre participando deles, quando somos convidados, e valorizamos muito essa participação, porque é sempre um momento de diálogo, um momento de ouvir, de trazer pontos para nossa reflexão, pontos que podem nos ajudar nos ajustes das ações que temos tomado desde o dia do rompimento da barragem.
Gostaria de reforçar também que o nosso foco tem sido realmente nas pessoas e na recuperação das áreas ambientais. Nosso foco maior, sem dúvida nenhuma, é nas pessoas impactadas e na recuperação das áreas que foram impactadas. E realmente a Samarco não tem medido esforços para atender aos nossos compromissos. Esses são pontos importantes.
Antes de começar a apresentar os eslaides, eu só queria ressaltar que desde o início as nossas ações têm seguido alguns princípios. E na elaboração e na assinatura do acordo tivemos esse cuidado também. Um dos nossos princípios tem sido a transparência. Nós temos buscado sempre trabalhar com muita transparência, com amplo acesso a todas as informações, aos trabalhos que nós temos feito.
Outro princípio é a execução eficaz e responsável das ações que precisamos tomar, da gestão dos nossos recursos e do que precisa ser feito.
Um terceiro princípio nosso tem sido a participação das comunidades impactadas. Desde o começo temos tido diálogo direto com as comunidades impactadas. Distribuímos equipes em todas as áreas impactadas e temos mantido esse diálogo. Desde o início participamos de mesas de diálogo estruturadas que foram montadas. Então, a participação das comunidades impactadas tem sido, sem dúvida, nosso terceiro princípio.
E o quarto princípio é a fiscalização pelo poder público. Isso é fundamental que ocorra, tem ocorrido e precisa ocorrer. Entendemos que essa é a forma, realmente, de trabalhar nesse processo de recuperação que entendemos ser um longo processo.
(Segue-se exibição de imagens.)
Este mapa, que vai do ponto de rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, até a região de Linhares e Regência, está nos mostrando que iniciamos com ações emergenciais, como eu disse, cobrindo toda essa área, com uma equipe distribuída ao longo dela, e continuamos trabalhando ali. Acho que foi dito em alguns aspectos do acordo. É importante só ressaltar que essa é a área em que temos trabalhado.
Mais do que nunca, realmente, a Samarco resgatou algumas formas de trabalho que já fazíamos. Sem dúvida, uma delas foi a adoção, reforçando os princípios de direitos humanos listados pela ONU. O senhor disse que há algumas discussões com a ONU. Nós também tivemos a visita da ONU no final do ano passado, discutimos alguns aspectos das ações na época. E temos aí direito à informação e à participação, que é um dos pontos que eu até já tinha citado. Sem dúvida nenhuma, é um ponto fundamental.
Quanto ao direito à moradia adequada, nós demos uma resposta imediata, logo após o rompimento da barragem, quando as pessoas ficaram desabrigadas, desalojadas, e estamos agora já no processo de discutir o reassentamento das comunidades que foram impactadas com perda de moradia.
Quanto ao direito à educação, eu vou citar alguns pontos, mas as crianças retomaram as aulas uma semana depois do incidente. Realmente, de novo, seguimos o que precisa ser feito em relação ao respeito aos direitos humanos.
Não vou seguir ponto a ponto. Aí também estão listadas ações, e eu vou ressaltar algumas.
Quanto ao direito de grupos vulneráveis à proteção especial, de novo, temos trabalhado muito no aspecto de diagnosticar o que é necessário e implementar ações. É uma forma de trabalho que está bem clara no que já temos feito, nas nossas ações. Então, há uma etapa inicial de diagnóstico e, aí sim, de implementação. E esse diagnóstico e implementação das ações é sempre com muito envolvimento das comunidades.
Posso citar novamente formas como temos feito isso. Uma delas é até o próprio reassentamento, como disse antes.
Vou acelerar para tentar realmente me manter no tempo. Nos próximos eslaides ressaltamos os projetos socioeconômicos e socioambientais, algumas ações que já foram implementadas e quais são os nossos compromissos.
Ali há uma visão das duas dimensões, do que realmente assumimos como compromisso, desde o início dos trabalhos, após o rompimento da barragem, e muitas ações que já foram realizadas.
Nós estamos citando a reconstrução das localidades impactadas, como eu disse: Bento Rodrigues, Paracatu e Gesteira. Nós, junto com as comunidades, montamos comissões de trabalho.
As comissões de trabalho já têm trabalhado conjuntamente, definindo localidades, critérios de avaliação, critérios de escolha. A partir dessas definições, então, já chegamos ao ponto de realmente escolher uma área onde vai ser feito o reassentamento de Bento Rodrigues. E estamos no mesmo processo para Paracatu de Baixo e Gesteira.
O trabalho na reforma de casas, comércios e prédios públicos impactados é bem claro, principalmente, em Barra Longa. Nós temos feito esse trabalho também com o envolvimento da comunidade, com o envolvimento dos comerciantes locais.
Assumimos o compromisso de fornecer um cartão, um auxílio financeiro de subsistência. Já existem hoje distribuídos 6.547 cartões. São famílias que estão assistidas em termos de subsistência, famílias que sofreram algum deslocamento físico ou econômico.
Avançamos também com o pagamento de antecipações de indenizações para realmente dar condições de as famílias caminharem, no sentido de restabelecerem o modo de vida. São programas de execução, de ressarcimento e de indenização. Esses programas já estão sendo estruturados e, num futuro bem próximo já vão estar implementados. Esse é um dos nossos compromissos, e temos adotado as ações.
Esse eslaide está falando também, na linha dos nossos projetos socioeconômicos, de recuperação de bens culturais de natureza material e da preservação do patrimônio cultural. Nós já resgatamos aproximadamente 400 peças sacras. Foram resgatadas nas regiões de Mariana e de Barra Longa.
Também para restabelecer o modo de vida das pessoas, implementamos ações visando à recuperação da atividade econômica e da atividade produtiva.
Já foram visitados 172 produtores. Estamos distribuindo silagem. Ali está o número de 2.500 toneladas de silagem que distribuímos ao longo da área impactada. Pontes impactadas foram reconstruídas por nós.
Nas atividades de lazer e cultura, a Samarco está trabalhando no apoio a uma festividade em Regência, a do Caboclo Bernardo, uma festividade tradicional. A Samarco está trabalhando junto com a comunidade no apoio a essa festividade para que não haja impacto nisso.
Há também os compromissos socioeconômicos, na área de apoio a povos indígenas impactados, canais de comunicação, e são previstos programas de saúde e proteção social - e aí estamos falando de saúde física e saúde mental.
Eu gostaria só de voltar a ressaltar que todos os alunos das escolas impactadas concluíram o ano letivo no ano passado e iniciaram o ano de 2016 em dia, apesar de todo o impacto que ocorreu lá na comunidade, principalmente em Mariana, Paracatu e Barra Longa. Então, trabalhando com o Governo local, trabalhando com as comunidades, trabalhando com o poder público local, conseguimos que as crianças terminassem o ano letivo sem impacto no aspecto de educação. Reiniciaram o ano letivo, o ano letivo está correndo, e estamos fazendo, inclusive, um processo de monitoramento.
Mil cento e oitenta e cinco famílias tiveram atendimento psicossocial, e esse alinhamento, essa parceria com os Municípios, de novo, principalmente em Mariana e Barra Longa, tem ocorrido com recursos providos pela Samarco.
Entendemos que há mais a ser feito. Só estou dando alguns exemplos. Temos muito trabalho pela frente, mas esses são alguns dos trabalhos que temos feito.
E o último ponto nas ações já realizadas são postos de atendimento e reuniões regulares com as diferentes comunidades ao longo do Rio Doce, ao longo da área impactada, para realmente manter esse processo de diálogo e manter esse processo de ajuste das ações que precisam ser implementadas.
Está no processo também a disponibilização de recursos, a título compensatório, de 500 milhões de reais para determinados Municípios impactados, para a execução do plano de captação e tratamento de esgoto e de aterros sanitários. Esse é um dos processos que está dentro da nossa linha de trabalho.
E também estamos recuperando nascentes ao longo da bacia hidrográfica do Rio Doce. Fazemos um contínuo monitoramento da qualidade da água, trabalhando com as comunidades também e com as autoridades locais, para garantir a qualidade da água. Fazemos a análise da água para garantir qualidade.
Este eslaide está falando sobre recuperação das Áreas de Proteção Permanente, das áreas de APP, ao longo do Rio Doce, e da revegetação de mais de 4 mil metros quadrados das margens dos Rios Gualaxo, Carmo e Doce, trabalhos que Já foram concluídos.
E realmente o processo do resgate da vida marinha no Rio Doce é contínuo. Nós fizemos recuperação logo após o incidente e estamos monitorando o desenvolvimento dos peixes e crustáceos na região.
Estas são ações mais de cunho socioambiental que nós realizamos. Fizemos uma varredura com sonar em regiões do Rio Doce e a recuperação das 500 primeiras nascentes em Minas Gerais e no Espírito Santo.
Estas são ações que já foram concluídas também.
Para o reabastecimento de água nas cidades impactadas, fizemos um trabalho muito grande junto com as comunidades e com as autoridades locais. Tivemos uma larga distribuição de água nas regiões impactadas, com caminhões-pipas de água potável. Distribuímos cerca de 950 milhões de litros de água com carros-pipas, e em água mineral e potável foram cerca de 59 milhões de litros. Então, um esforço muito grande foi feito emergencialmente. Isso já tem diminuído, porque as condições já estão sendo restabelecidas. Em muitos lugares já foram até restabelecidas as condições para tratamento de água.
Nós estamos falando sobre acompanhamento também da turbidez da água, que tem sido feito diariamente. E há laudos de diferentes órgãos, é importante ressaltar isso, dizendo que a água, após o tratamento, já cumpre as exigências da Portaria 2.914 do Ministério da Saúde. Então, essas são algumas das ações que nós temos tomado.
Acho que este é um dos últimos eslaides, se não for o último. Já mencionei alguns desses pontos sobre a coleta de peixes que foi feita.
Este eslaide está falando sobre as adutoras e as alternativas de suprimento de água que estão sendo implementadas. Foram feitos sistemas em Colatina. Demos também apoio à conclusão da captação alternativa da água no Rio Guandu, que é uma obra executada pela Prefeitura de Baixo Guandu; construção do sistema alternativo de captação do Córrego de Santaninha, no Município de Resplendor. Então, são algumas ações que nós fizemos, de novo, sempre em trabalho conjunto com as Prefeituras, com as autoridades locais, com as comunidades, para restabelecer as condições de suprimento de água e modos de vida.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Em seguida, eu passo a palavra para o Sr. Thiago Alves da Silva, Coordenador Estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens, em Barra Longa.
O SR. THIAGO ALVES DA SILVA - Aproveito este momento para dizer que é muito importante que a primeira manifestação do MAB nesta Mesa seja em repúdio ao golpe que está ocorrendo no Brasil. É muito importante reafirmarmos a nossa posição contra a ruptura da democracia aqui no Brasil. Esta Casa tem uma participação importante nessa ruptura institucional, no sentido de violar direitos humanos e de ampliar a retirada de direitos. É muito importante que reafirmemos isso para a sociedade brasileira.
O tema do golpe no Brasil tem a ver diretamente com os atingidos, porque ele produz um ambiente político, nesta Casa, especialmente, no sentido de mudar leis e de fazer novas leis que retiram ainda mais os direitos dos atingidos tanto por barragens como por grandes empreendimentos, o que fragiliza toda a legislação ambiental no Brasil. Um dos efeitos do golpe é mais uma retirada de direitos. Isso é muito importante reafirmar.
A segunda coisa que é muito importante neste debate, e que nós ouvimos pouco até agora, apesar das apresentações gerais... Eu quero sugerir que façamos um instante de silêncio pelos 19 mortos e pela mulher que sofreu um aborto forçado pela lama, no dia 5 de novembro. É por eles que nós estamos aqui. É por eles que nós não queremos deixar que essa tragédia caia no esquecimento.
Eu peço licença ao Antônio, que é de Bento Rodrigues, em respeito aos seus colegas, amigos e vizinhos que faleceram. É muito importante que nesta Casa hoje nós façamos uma homenagem à memória deles, antes de aprofundarmos os temas.
(O Plenário presta a homenagem solicitada.)
O SR. THIAGO ALVES DA SILVA - Grato. (Palmas.)
Todo o nosso trabalho, enquanto Movimento dos Atingidos por Barragens, na Bacia do Rio Doce, que é uma das regiões onde o MAB atua... Nós somos um movimento que hoje está em 18 Estados brasileiros, em todas as regiões, com 2 objetivos fundamentais, entre outros, mas 2 merecem destaque. O primeiro é levar informação para as pessoas - é para isso que nós existimos - e, a partir disso, construir a autonomia e o protagonismo das mais variadas formas, desde estar aqui neste lugar, hoje, ocupando este espaço, até construir a pressão popular, que é a linguagem que as grandes mineradoras e as grandes empresas entendem. O que eles entendem não é a linguagem da lei, não é a linguagem da sanção de governos, é a linguagem da pressão popular. Essa é a nossa experiência.
Então nós estamos em todo o Brasil e na região da Bacia do Rio Doce, entre Mariana e Regência, com esse objetivo. Os nossos colegas vão detalhar essa situação e os grandes desafios que estão colocados para os atingidos por barragens, especialmente da Samarco.
É importante lembrarmos - e todos nós aqui sabemos disso - que as palavras têm força. As palavras são forças vivas. E eu quero dizer que é um crime reafirmar a nossa posição sobre o que aconteceu. Não foi um acidente. Não foi, digamos, nenhum desastre. Foi uma tragédia criminosa. E isso não é uma opinião. Isso é uma constatação dos fatos de quem morava naquela região e conviveu com essa situação durante décadas, inclusive debatendo com a Samarco essa possibilidade. Ou seja, não foi algo que ocorreu simplesmente. Não foi um ocorrido, algo que de repente aconteceu. A tragédia se deu pela soma da negligência do Estado brasileiro com a arrogância e a ganância da Samarco, da Vale e da BHP, o que representa, digamos, o ápice da falência de um modelo no Brasil.
O modelo de mineração no Brasil, especialmente, é um modelo que está organizado para violar os direitos humanos das comunidades atingidas e dos trabalhadores, fazendo o Brasil repetir uma lógica de colônia. E nós sabemos o que isso significa: é deixar para trás o buraco e todos os efeitos de uma forma de desenvolvimento predatório, para exportar um produto para o exterior e fazer o Brasil viver esse desenvolvimento tacanho, atrasado, que nós vivemos hoje.
E o rompimento da barragem é um crime, como está nos autos do inquérito da Polícia Civil de Minas Gerais - isso não é uma opinião, é a constatação dos fatos -, é, digamos, o exemplo para o mundo da falência desse modelo. Essa é uma observação que nós precisamos deixar clara e aprofundar nesse evento sobre essa tragédia, esse crime.
Há uma urgência da sociedade brasileira de rediscutir o modelo de mineração. Propaganda, publicidade e bons discursos não resolvem os problemas das famílias e dos trabalhadores. E, nesse caso específico, não salvou as 19 pessoas que morreram, sobretudo os trabalhadores terceirizados. Se esse discurso tivesse sido posto em prática até o dia 5 de novembro, se toda essa construção publicitária fosse realidade, haveria uma sirene em Bento Rodrigues. É simples assim. Ninguém teria morrido em Bento Rodrigues - ninguém! -, mesmo com o rompimento da barragem. Mas não havia ali uma simples sirene.
Há uma falha fundamental aqui. O discurso não bate com a realidade. Nós poderíamos ficar aqui meses nesta mesa descrevendo situações para comprovar isso, porque nós estamos lá junto com os atingidos, morando com eles, sentindo o dia a dia deles. Essa é outra observação.
Se esse discurso fosse realidade, se saísse do papel e da publicidade e fosse para a realidade, a cidade de Barra Longa teria sido avisada do rompimento oficialmente, e não o foi. A lama chegou com força total 12 horas depois do rompimento da barragem, 70 quilômetros adiante, em uma cidade de 6 mil habitantes. A cidade foi destruída. Muitos aqui foram lá e sabem o que aconteceu. E até hoje a cidade está um caos. A cidade não foi avisada oficialmente. Houve muito boato, muitas ligações desencontradas, muita desconfiança. Mas como o rio estava seco e não havia chuva - nenhuma gota caiu do céu -, como acreditar que viria essa avalanche de lama, se não houve aviso oficial?
Vejam, se o discurso fosse aplicado à realidade, isso não teria acontecido. No mínimo um helicóptero teria chegado. Nessa reunião da ONU já citada, um atingido de Barra Longa disse: “Se da Samarco tivesse saído alguém a pé, de Mariana até Barra Longa, com um megafone na mão avisando as pessoas sobre o rompimento, teria chegado antes da lama em Barra Longa”. Isso é verdade. São oito horas de caminhada, em certo trajeto, entre Mariana e Barra Longa. Isso não aconteceu.
E, ao refletirmos sobre o quanto há de discurso, de publicidade, e o quanto há de contradição nisso, temos a justificativa para estarmos aqui, enquanto movimento social.
Foi dito aqui que o direito à informação é o mais respeitado e o mais importante, e nós vivenciamos isso. Nós não achamos isso, não é uma opinião, é uma experiência. É o contrário, é justamente o contrário do que acontece lá. Nesse caso específico - e isso vale para os outros empreendimentos e para as obras de barragem também -, o direito à informação foi o principal direito violado. Essa é uma denúncia a fazer aqui. Por quê? Já citamos a sirene, já citamos o não aviso em Barra Longa, e ficaríamos aqui muito tempo.
Informação sem transparência não existe. Por que a Samarco repassa as suas respostas para os atingidos por telefone, com número confidencial, e o atingido não pode retornar a ligação? Se eu quiser pedir o meu cartão, porque é o meu direito, pedir a reforma da minha casa, pedir um adiantamento de indenização, eu vou ao escritório e falam: “Estamos estudando, estamos avaliando”. Eles falam sempre no gerúndio: “avaliando”, “estudando”. E a pessoa recebe uma ligação no celular de um número confidencial. Isso é padrão até agora - padrão! Isso, em Barra Longa, Mariana e na bacia toda, é padrão.
É necessário que façamos estes questionamentos: que direito à informação é esse? Que transparência é essa? Ela não existe. Esses são questionamentos fundamentais.
Em Barra Longa isso foi debatido nas negociações. Este ponto foi tema de negociação com a Samarco: o direito a ter um documento assinado. E na semana passada foi a primeira vez que a representante da Samarco disse: “A partir de 4 de julho todos receberão as respostas assinadas”. A partir de 4 de julho, porque precisam de uma organização interna, etc.
Vejam que, para um cidadão receber um documento assinado como resposta de qualquer requerimento, o assunto tem que ser debatido em reunião exaustivamente. E aqui está o Ministério Público Federal como testemunha disso. Alguma coisa está errada.
Então, nós queremos questionar profundamente isso. E o movimento social, organizando as pessoas como protagonistas, está lá para fazer esse questionamento para que isso não ocorra.
Outro questionamento fundamental no quesito participação, transparência, etc.: foi dito aqui que o comitê do acordo - e aí, depois, em outras falas isso será aprofundado - terá a tarefa de acompanhar, aprovar, monitorar e fiscalizar, e que serão necessariamente membros de governos.
Onde estão as famílias atingidas? Esta é uma pergunta fundamental. Vamos discutir aqui ainda os detalhes jurídicos do processo, que são muitos. Mas a nossa pergunta é: onde estão as famílias no processo de decisão? No processo de construção, acabou, foi zero. No processo de execução, será negativo. Esse é o questionamento fundamental, é o principal questionamento aqui.
Qualquer discurso de um acordo, que vai resolver os problemas na bacia, sem a participação dos atingidos... E a participação tem que ser real. Não é uma participação de quem coordena o processo, a mineradora criminosa. Existe um problema político e um problema jurídico aqui. Quem causou o problema coordena o processo! Alguma coisa aqui está errada. Esse é o questionamento.
Nós achamos que é direito das famílias participar disso. Isso é fundamental. E aí propomos o encaminhamento em relação a isso. Além de ser questionado juridicamente o acordo e a sua homologação - o acordo foi homologado e está sendo discutido aqui -, é necessário que todos os atingidos da bacia, de forma organizada, participem da discussão do acordo.
Então, é necessário haver representações das cidades de Marina, Barra Longa, Valadares, Colatina, até Regência, pegando representações organizadas pelos atingidos de forma independente. A Samarco não tem que participar dessa parte. A sociedade civil tem o direito de organizar esse processo para entrar no processo do acordo e da fundação.
Para nós, a ideia de um acordo não está errada na sua raiz. O que nós estamos questionando é onde os atingidos estão. E disso nós não abrimos mão. Qualquer processo em que isso não ocorra vai aprofundar o autoritarismo, que vai avançar na sociedade agora, infelizmente, mas, nesse caso, nós poderemos criar mecanismos de participação popular. Se não, é engodo, é publicidade, é enrolação. Não é uma opinião isso. É uma experiência.
E aí, falando de Barra Longa especificamente, hoje nós temos cerca de 600 trabalhadores. Eu não tenho o dado exato sobre quanto a Samarco tem exatamente, mas a cidade de 6 mil habitantes se transformou em um canteiro de obras e chegou a 650 trabalhadores dentro da empresa. A cidade se tornou um canteiro de obras, com 15 empresas terceirizadas.
Em 2015, houve dois casos de dengue. Em 2016, em 90 dias, 100 dias, foram 400 casos de dengue, 400. Alguma coisa está errada ali. As condições do canteiro de obra e da tragédia produziram um problema de saúde pública generalizado. Nós ficaríamos horas aqui descrevendo o que estamos vendo. As crianças têm feridas na boca, muita gente tem doença de pele, as doenças respiratórias estão avançando. É só ir lá para ver, porque não dá nem para acompanhar. O sistema público de saúde está enforcado.
E hoje, neste momento, para encerrar - e aí não é para encerrar, mas para jogar a bola para os questionamentos -, hoje, parte das obras de reconstrução de Barra Longa estão paradas. Os atingidos se organizaram - e nós estamos juntos - e paralisaram as obras, porque o Rio do Carmo, que forma o Rio Doce, está abrindo o leito, está engolindo casas e quintais. De muitos quintais só sobraram 3 metros. Isso é claro, está lá para ver. E a Samarco está fazendo obras emergenciais nessa parte.
Nós queremos uma coisa mínima, que é fazer um muro gabião. Isso é necessário para recompor, para reparar os quintais e dar segurança a longo prazo. O que fez a Samarco? Marcou uma reunião. Nós chamamos o povo para ir à reunião, mas ela a desmarcou de casa em casa. Eu estava lá, eu vi. “Não vai haver a reunião que o Thiago do MAB marcou”. Ligaram para um monte de gente, para outros lugares da cidade, dizendo: “Não vá à reunião porque não vai haver reunião”. Beleza! Ontem chamaram os moradores para uma reunião às pressas, às 2 horas da tarde, no escritório da Samarco, ou seja, no espaço de poder dela. O povo não foi, porque repudia esse ato e porque não foi organizado para ir à reunião.
Vejam, o direito à participação, à autonomia e à organização está sendo violado hoje. É só irem lá ver, conversar. Mas nós vamos dar uma resposta. Eu espero que a Samarco tenha de fato uma postura acerca da negociação.
O muro gabião - eu estou trazendo aqui uma questão específica de Barra Longa - é um exemplo estrutural da bacia. Se não fizermos isso em Barra Longa, daqui a 5 anos nós vamos voltar a esta Comissão para dizer que o rio abriu e as casas caíram. Isso não é exagero, está lá para quem quiser ver.
Nós reafirmamos o nosso compromisso com a democracia, com a organização, com o protagonismo e com a reconstrução da Bacia do Rio Doce, com participação popular. Nós não abrimos mão disso. Vamos construir a negociação com a Samarco, com o Estado, a partir do protagonismo das famílias. Este é o único caminho para que de fato, daqui a 30 anos, 50 anos, outra geração possa vir a esta Casa e dizer: “O problema foi resolvido porque o povo participou e decidiu”.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Obrigado, Thiago.
A Deputada Erika está aqui desde a fala do Sr. Paulo, do IBAMA. V.Exa. quer se manifestar, Deputada? Temos que valorizar a presença de quem está se somando nesta luta.
A SRA. DEPUTADA ERIKA KOKAY - Com certeza, Sr. Presidente. Em primeiro lugar, eu gostaria de parabenizá-lo pela realização desta audiência. Por outro lado, quero saudar a Mesa, na figura da Dra. Deborah, que é hoje Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão. Ficamos muito felizes com isso. Com certeza, estabeleceremos uma parceria intensa, porque esta Comissão sempre dialoga muito com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, pois temos a intenção, a função e a missão de buscar os direitos da pessoa humana.
Penso que direitos humanos é mais do que cidadania, porque cidadania são direitos e deveres, e direitos humanos é dignidade humana. O fato de estarmos vivos e de sermos pessoas nos assegura uma série de direitos. Dentre esses direitos, está o direito de estarmos sendo protagonistas das nossas próprias vidas e de nos apossarmos do que nos querem tirar. Muitas vezes querem nos tirar o nosso corpo; querem nos tirar os nossos desejos, os nossos sonhos; querem nos tirar a forma como percebemos o outro ou como nos percebemos; querem se apropriar disso, numa invasão muito invisibilizada de nos roubar aquilo que é fundamental para que nós nos reconheçamos enquanto seres humanos.
Penso que isso acontece com a irresponsabilidade. Se me permitem, acho que isso soa extremamente absurdo. Lembrando o neologismo de Camus, quando fala da “absurdidade”, temos nos deparado com ela todos os dias. Nós estamos tropeçando nessa absurdidade, nesse absurdo, que está perdendo a modéstia.
Eu acho que talvez esse seja um dos maiores crimes ambientais que este País já vivenciou. Vinte pessoas não estão mais entre nós, porque foram levadas desta Terra pela irresponsabilidade e talvez até por um caráter, eu diria, doloso, porque, quando não se previne, não se discute, não se estabelecem as condições para que não sejam efetivados os danos à pessoa e à vida nas suas mais variadas espécies, nós estamos construindo, penso eu, um crime que tem características dolosas.
Então, quando se fala que a Samarco age com responsabilidade, não é isso que os fatos indicam. Além dessa tragédia, que tem dimensões imensas, surgiram muitas outras, inclusive a tragédia dos acordos que foram feitos nas sombras, nas trevas, que aparecem com todo o seu caráter cruel, lembrando-nos da lógica oligárquica e colonialista daqueles que acham que a sua forma de ver o mundo é universal e que cabe ao outro apenas acatá-la, internalizá-la, porque o outro não existe enquanto sujeito e sujeito de direitos.
Portanto, é um pouco desse comportamento que vejo na própria Samarco. Penso que, se nós vamos fazer um processo de controle, não apenas de reparação, mas de prevenção para que não aconteçam mais crimes como esse, que levam vidas de pessoas e vidas de todo um rio, com toda a sua miríade de expressões, nós devemos trabalhar na prevenção, na promoção e também na reparação.
Isso não pode acontecer - e tem razão o representante do MAB -, não pode acontecer sem a participação da própria sociedade. Senão vamos ver aquela mesma lógica colonialista ou a lógica do golpe que está em curso no Brasil, que são os acordos feitos com as casacas, com as bengalas, com as cartolas. São acordos oligárquicos que não podem ser ditos na sua dimensão. E, quando por algum motivo fortuito eles aparecem e nós temos conhecimento deles, isso apenas nos comprova o quanto são nocivos e como vêm na busca da retirada de direitos.
Por isso penso que nós deveríamos, Sr. Presidente - e faço aqui a minha proposta -, fazer uma diligência lá. Nós queremos que esta Comissão vá lá, in loco, falar desse muro que foi aqui citado e colher os depoimentos, a partir da riqueza desta audiência, com as várias falas que ouvimos aqui, de vários lugares, inclusive dos lugares dos que cometeram crime, dos que reagem ao crime e dos que estão sendo vítimas das barragens e inclusive das obras ou das instalações. Penso que deveríamos trabalhar na perspectiva de que a instalação de empresas ou de empreendimentos desse porte tem que ser pactuada, discutida com a própria sociedade. Tem que haver um plano não apenas de preservação ambiental, mas também um plano de preservação da vida, dos direitos.
Imaginem como uma obra como esta - falava-se em 600 trabalhadores - impacta a cidade. Ela cria outra dinâmica na cidade, ou seja, ela cria outras formas de movimento dessa própria cidade.
Portanto, parabenizo a realização desta audiência pública e a fala do representante do MAB, que me parece absolutamente fundamental, que é o olhar de quem nunca foi escutado, de quem nunca foi considerado como sujeito da sua própria história e da construção de uma história coletiva, até porque os sujeitos individuais esbarram nos limites - e há limites -, e os sujeitos coletivos dão dimensão à nossa condição de sujeitos individuais.
Faço então a proposta - vou fazê-la através de requerimento - de nós irmos à região, para ali ver todos os aspectos discutidos e fazer o que o Thiago nos sugere, que é também a fala das pessoas que ele aqui representa tão bem, mas a fala das pessoas com suas angústias, mostrando-nos o que mudou em suas vidas e o que está acontecendo.
Encerro, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: não é possível permitir, a não ser em regimes de exceção - e nós estamos vivendo um processo de exceção -, não é possível permitir a nossa exclusão ou da população na participação, na reparação, na elaboração dos acordos. Não é possível! Isso é coisa da oligarquia, dos que acham que dominam o pensamento, o comportamento, o sonho do outro. Eles vão nos dominando, porque nos consideram vazios. Mas nós estamos aqui com a fala dos representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB para dizer que nós estamos apenas sendo teimosos, porque queremos exercer essa condição humana que pressupõe a liberdade e pressupõe a condição de sermos sujeitos de nós mesmos, das nossas vidas, do chão que nós pisamos, das nossas histórias, da nossa memória, porque até isso tentam nos tirar, a condição de sujeitos da nossa memória e da nossa própria história.
Por isso, Sr. Presidente, faço esta sugestão, que façamos essa delegação, essa diligência, e que aí possamos contar com o máximo possível de representação, do Ministério Público, dos movimentos, mas que nós possamos fazer esta diligência e tirar desta audiência a concepção ou a proposta, a reivindicação desta Comissão de que nada seja feito sem aqueles que não podem ser considerados e ser vistos apenas quando são vitimadas pelos que os invisibilizam e pelos que os desumanizam na sua existência.
Era isso, Sr. Presidente. Obrigada e peço licença, porque eu vou ter realmente que me retirar.
Nós temos um padre, mais uma vez um padre. Esta Comissão já foi dirigida duas vezes por padres, Padre Luiz Couto e agora Padre João. Então nós temos, mais uma vez, um padre. Mas, independentemente de ser padre ou não, das crenças e das não crenças, nós temos o retorno de forma absolutamente sólida desta Comissão ao seu leito natural, com a sua condição de Presidente dela.
Nós tivemos um trauma nesta Comissão. Em 2013, ela foi sequestrada pelo fundamentalismo e pelo fascismo, mas nós conseguimos resgatá-la, e a sua eleição, Padre João, consolida isso. Esta Comissão jamais se transformará de novo em uma Comissão refém do fundamentalismo ou em uma Comissão refém da lógica que nega a sua própria existência e a sua própria função precípua.
Parabéns, Padre João. Fico muito feliz de termos V.Exa. presidindo esta Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Obrigado, Deputada Erika. Esteja certa de que temos aqui um padre despido de todo e qualquer preconceito, seja religioso, seja quanto à orientação sexual, seja de tudo, está certo?
Quero informar a V.Exa., Deputada Erika, que já foi aprovado o requerimento da diligência. Então agora é o Márcio e a Marina darem um jeito de marcar essa diligência. Que sejam rápidos.
Obrigado pela contribuição, pelas provocações, e vamos contar, sim, com V.Exa. nessa ida, sobretudo a Barra Longa, mas dialogando com os Deputados capixabas também. Acho que Barra Longa é muito importante, mas vamos também nos encontrar com as famílias, que, a meu ver, já deveriam estar num processo avançado de reassentamento e não estão.
Então, obrigado, Antônio Geraldo dos Santos, atingido por barragem em Mariana, por permitir que ouvíssemos a Deputada Erika.
V.Sa. tem até 10 minutos para a sua exposição.
O SR. ANTÔNIO GERALDO DOS SANTOS - Boa tarde a todos! Como todos já sabem, meu nome é Antônio, sou de Bento Rodrigues.
Eu queria começar a minha fala aqui agradecendo ao Thiago pelo minuto de silêncio que ele pediu pelas vítimas de Bento Rodrigues, porque foram crianças que eu estava vendo crescer e de repente foram embora com aquela lama. Eu cresci com as outras duas mais velhas, e a outra quinta pessoa eu não cheguei a conhecer, porque estava passando uma temporada. Então eu quero agradecer ao Thiago por isso.
Quero dizer também da obsessão do capitalismo, porque foi isso que culminou com esse crime. Não podemos chamar isso de tragédia. Isso para mim é um crime, porque, se sabiam de todo esse risco que nós corríamos, deveriam ter usado pelo menos parte desse dinheiro para prever essas ações, para haver ações preventivas para nossa comunidade, mas isso não aconteceu.
E também eu acho que nós não podemos aqui tirar a culpa do Estado, porque ele é quase que um parceiro nessa situação, porque, na minha opinião, ele foi omisso, tanto na liberação quanto na fiscalização das licenças das barragens, porque era o Governo que dava essas licenças, era o Estado que fiscalizava. Então ele também é coautor desse crime, na minha opinião. E agora ele está sendo ainda muito mais, está sendo complacente, por quê? Como eles assinaram esse acordo sem a nossa participação? Como isso pode acontecer, se os atores principais somos nós e não tivemos chance de dar nossas opiniões?
Então, eu acho que esse é um ponto muito específico. Eu tinha muita dúvida se era ingenuidade minha pensar que esse Governo era complacente. Mas agora, em sua fala, o Luiz colocou que devemos tomar esses cuidados. Ou seja, pelo jeito, esse acordo foi só uma imposição da Samarco, não foi o Governo que acordou. Foi a Samarco que trouxe o acordo para o Governo assinar. Então, essa é a ingenuidade que eu achava que tinha, entenderam?
Agora, não se contendo em ser complacente, pelo que eu entendi do acordo que li, o Governo ainda vai legitimar as ações que estão presentes no acordo através de seus órgãos. Para mim este é outro ponto muito triste de ver, nós que sofremos todo esse trauma, todo esse crime, como o Governo está lado a lado com a Samarco. É uma das minhas tristezas e repúdio ver isso aqui, entenderam?
Uma das coisas que hoje mais entristecem a mim e à comunidade em que moro são essas propagandas, essas falas da Samarco de que tudo está bem, de que tudo está funcionando direito. É pura ficção!
Hoje nós estamos vivendo um problema muito grande em Mariana, porque a comunidade começa a nos ver como culpados da situação. Por quê? Para a Samarco, como o próprio Luiz aqui relatou, há as antecipações de indenização, que estão dando cartão para todo mundo, mas na verdade não são todos que receberam, não são todos. Há muitos atingidos que nem foram reconhecidos ainda pela Samarco, porque ela mesma criou os critérios para reconhecer os atingidos e, dessa forma, muitos ainda não receberam. E a comunidade está achando que, como o País está em crise, está todo mundo desempregado, nós somos os culpados, estamos sendo hostilizados nas ruas, nos comércios.
Então, é muito triste saber que as pessoas que nos ajudaram naquele momento difícil hoje acham que nós somos culpados, por causa de tanta propaganda enganosa que a Samarco faz.
Vou dar um exemplo prático aqui agora. O Luiz falou que todos os alunos entraram para a escola na época certa. Ele falou alguma certa aí? Não. Por quê? Lá na nossa comunidade tínhamos da primeira à oitava série, e da oitava série para o ensino médio havia transição do Governo Municipal com o Governo Estadual. E eles não se preocuparam com isso. Então, as crianças que estavam na oitava série, no primeiro ano, no segundo ano, tiveram que se matricular e têm que andar a pé para irem à escola, enquanto os outros têm transporte.
Dizem que estão em parceria com a Prefeitura, como ele falou. Então, não é verdade. Isso é para que vocês vejam como as informações que chegam são o que eles querem falar, quando na verdade não estão tomando esse cuidado. Tudo o que eles falam é enganoso. Algumas coisas temos, sim, mas não há veracidade em tudo o que eles falam. Eu sou atingido e sei, eu vivo isso, eu vivencio isso dia a dia.
Eu vejo pessoas que vão ao escritório da empresa em Mariana procurar direitos que já estão acordados desde o dia 23 de dezembro, que estão acordados entre a empresa e os atingidos, mas eles ainda não cumpriram. Há pessoas que vão várias vezes. Eu, por exemplo, que me enquadrei no acordo da Samarco, fui receber depois de 6 meses o que era meu de direito e que foi acordado.
Ou seja, não é do jeito que eles estão falando, que entregaram 5 mil cartões. Se eles entregaram 5 mil ou alguma quantidade aí, com certeza, há uns 5 mil para eles entregarem ainda. Podem ter a certeza de que o número de atingidos é muito maior, porque os critérios adotados por eles - é isso o que está acontecendo - estão limitando os direitos das pessoas. Esse acordo prova isso. Esse acordo foi feito para limitar direitos. Por isso eu fico triste de ver que um governo que era para zelar pelo povo está andando lado a lado com a empresa, fazendo coisas que nós ficamos perplexos em ver.
A minha maior tristeza é sentir que nós sofremos todo esse trauma, que estamos vivenciando esse dia a dia, que tivemos de sair de nossas casas às pressas em 10 minutos! Exatamente, foi o tempo necessário para a comunidade lá de Bento Rodrigues. As pessoas se autoajudaram para fugir daquela lama que descia. E agora nós vemos tanta coisa errada acontecendo.
Então, uma sugestão que eu dou para qualquer pessoa que queira nos ajudar: não adianta ficar em salas fechadas, tentando fazer, criar alguma coisa para ajudar os atingidos, se não houver a participação deles. Isso tem que ser efetivo e claro; antes de pensarem, já devem chamar o atingido para ele dar a sua opinião, porque senão vão acontecer essas violações de direitos que estão acontecendo desde o dia 5 de novembro. Desde o dia 5 de novembro, o que tem acontecido? A desinformação. Vejam o que o Luiz falou: “Ah, existe diálogo”. Existe diálogo só do lado deles. O que eles acham que tem que ser feito é feito. Não atendem do jeito que estamos falando. Colocar em papel, colocar em propaganda é muito fácil. Agora, temos que vivenciar isso no dia a dia das pessoas. As pessoas estão sofrendo, estão tristes.
Eu, como atingido, o que vejo? Eu só fui dormir uma noite segura depois de 3 meses na casa em que eu estava morando. Por quê? Nós vivemos uma incerteza. Nós não sabemos mesmo, como ele falou, nem quanto à escolha do terreno. O terreno foi escolhido, mas será que ele foi validado? Restaram várias dúvidas no dia da votação. O próprio Ministério Público pode ser prova disso. O terreno não foi validado. Os estudos foram superficiais.
Mesmo que nós tenhamos escolhido o lugar, ainda não sabemos se vamos para lá, nós não sabemos o que há lá. Existe um aterro sanitário a dois quilômetros e pouco de lá. Será que isso vai ser sustentável para nós morarmos? São tantas coisas, como ele falou, a escolha foi feita, mas será que essa escolha vai ser aceita pelo Ministério Público, pelos peritos que estão fazendo outros estudos?
Então, há muita coisa errada. Esta Comissão pode agir desta forma: procurar os atingidos, na sua essência, onde eles estão, para ver como cada passo tem que ser dado, mas não através desses acordos feitos dentro de gabinetes com o Governo, que não sei onde foram feitos. É preciso haver a participação efetiva dos atingidos.
Eu acho que uma sugestão tem que ser levada em conta: se alguém puder fazer uma coisa é a revisão desse acordo. Na minha ingenuidade, como leigo, como pessoa que não entende de lei, de trâmite, dessas coisas, eu li aquelas 119 páginas e fiquei perplexo com tantos pontos que existem lá. Então, eu imagino como fica quem entende de lei, como o Dr. Edmundo, que está ali, entende.
Eu quero aqui, já de antemão, agradecer também ao Mistério Público Federal e ao Ministério Público Estadual, tanto o de Minas quanto o do Espírito Santo, que se empenharam contra esse acordo, que lutaram e estão tentando.
Eu acho que basicamente é isso mesmo. O encaminhamento que eu sugeriria é este: não deixar que nada seja feito sem a participação dos atingidos, porque só eles são capazes de definir o que é bom para o futuro deles próprios. Nós não podemos deixar a Samarco conduzir o nosso futuro do jeito que ela está conduzindo, porque, se ela conduzir o nosso futuro do jeito que acabou com o nosso passado, nós sabemos como é que isso vai terminar.
Então, aqui eu quero encerrar.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Agradeço a sua contribuição, Antônio.
Nós já passaremos agora a palavra para a Dra. Deborah Duprat nessa esperança, por último, porque nesse contexto, com todo o respeito a cada um, a atuação também da senhora aqui é mais importante no sentido de corrigir a omissão ou a ação, como nós podemos ir ao encontro desses atingidos para fazer valer o seu direito.
Mesmo em relação ao acordo, o que então pode ser revisto nesse acordo e na forma da sua execução, na forma do seu acompanhamento no dia a dia, se há transparência, de onde ela vem e de que forma ela vem. Mais do que transparência, a verdadeira transparência é a participação efetiva, de forma orgânica, dos próprios atingidos, sendo eles sujeitos desse processo.
Então, a senhora ficou por último foi também mais em função dessa expectativa de a senhora contribuir mais.
A SRA. DEBORAH DUPRAT - Obrigada, Padre João. Boa tarde a todas e a todos! Eu gostaria de dizer que vou fazer uma análise, uma abordagem, primeiro, mais geral e uma análise muito rápida, porque o Ministério Público Federal tem um dos seus maiores craques cuidando dessa questão, que é meu colega Edmundo.
O Edmundo tem acompanhado esse caso desde o início, e vai estar nesta mesa. Eu só venho aqui tentar reforçar tanto o que ele diz quanto o que faz e dizer que tenho absoluta confiança nas suas decisões.
Eu gostaria apenas de começar fazendo algumas observações. A primeira é a esta: diz uma expressão que o Thiago usou que “as palavras têm força”. Isso me chamou a atenção, porque, quando o representante da Samarco estava falando, ele citou os grupos vulneráveis. É muito comum falar-se em grupos vulneráveis.
Eu acho essa expressão absolutamente equivocada. Os grupos não são vulneráveis. Eles são vítimas de estratégias reiteradas do Estado e do poder econômico no sentido de minar as suas forças. Então, não são grupos que são vulneráveis. São grupos que estão sendo feitos vulneráveis. É muito importante termos isso, porque força eles têm, mas há tentativa persistente de miná-la.
Eu quero também começar lembrando que o rompimento da barragem da Samarco é uma dessas tragédias de certa forma anunciadas, antecipadas, pela reiteração, pela repetição. Se não fosse isso, nós não teríamos um dos maiores movimentos neste País, que é o Movimento dos Atingidos por Barragens. É exatamente a multiplicação dessas tragédias que dá a força e a dimensão desse movimento. Não teríamos também um movimento que hoje em dia é transnacional, que é o Movimento dos Atingidos pela Vale do Rio Doce, que é outro movimento muito grande.
Então, nós estamos aqui numa conjunção de afetados por uma concepção de modelo de desenvolvimento dos mesmos executores, dos mesmos atores que vêm causando danos, em alguns casos, até transnacionais.
A Raquel Rolnik, que foi relatora da ONU para o direito à moradia adequada, acabou de publicar um livro chamado Guerra dos Lugares, em que ela mostra que essas tragédias têm quase dia e hora para acontecer. Ela mostra primeiro como a valorização das terras do estoque imobiliário vai afastando as pessoas economicamente mais pobres exatamente para os lugares ambientalmente mais frágeis, ou porque são frágeis pela sua composição física, ou porque ali já estão empreendimentos que fragilizam naturalmente esse ambiente. Ou, então, as populações vão para lá, e os empreendimentos chegam depois, porque são os locais de terras mais baratas, porque é onde estão as populações economicamente mais frágeis.
E aí nós começamos o grande enredo dessa história. Começamos o licenciamento ambiental com essas populações absolutamente invisibilizadas. Como não há uma avaliação de risco, elas estão sempre sujeitas ao risco. Ou então há até uma avaliação de risco e uma aposta de que isso importa em um baixo custo. Então, nós não temos ingenuidade nessa história. Não vamos pensar que estamos aqui diante de um fato absolutamente imprevisível e inesperado. Não é o caso.
Lembro também que é mais comum, na ocorrência desse tipo de tragédia, que as lesões a direitos humanos não se esgotam na tragédia em si. Elas vão começar a ter uma intensidade muito maior até no momento imediatamente posterior, começando por essa visão - e nós vimos isso na apresentação do plano - dessa ideia muito forte de monetarização, de pensar que essa recomposição é possível apenas pela via da indenização.
A via da indenização, por outro lado, ela é geralmente centrada ou no indivíduo ou no núcleo familiar, sem grandes preocupações, sem maiores preocupações pela recomposição da vida daquele grupo que foi afetado, das suas relações de compadrio, das relações econômicas, de produção, enfim, das relações que os grupos humanos estabelecem entre si ao longo da história.
Eu fico me perguntando, por exemplo, como foi pensada a recomposição para os crenaques, que estão ali, historicamente, ao longo do Rio Doce. Eles são citados na Comissão Nacional da Verdade nesse processo de desterritorialização, em relação ao que isso significou para o grupo. Meu colega Edmundo ingressou com uma ação importantíssima no sentido de que houvesse recuperações de memória e verdade importantes para ele.
E outro dado, nesse processo comum e reiterado de tragédias ambientais, é a valorização também de um tipo de ocupação da terra, que é a valorização dos títulos de propriedade e a desvalorização de outros tipos de posse. Isso leva também a essas assimetrias de alguns grupos receberem mais do que outros, porque o título deles é considerado mais valioso que outros. Então, como nós estamos vendo, há uma acumulação de lesões a direitos humanos que atinge aí um patamar impensável.
Agora eu vou entrar imediatamente no acordo, e já começo dizendo que essas figuras de acordos, de mediações e de soluções negociadas têm que ser vistas com muita cautela, numa sociedade cheia de assimetrias como a brasileira. Então, o mínimo que se esperaria do Estado brasileiro é que ele entrasse nesse acordo exatamente para corrigir essas assimetrias, para empoderar um dos lados, que é mais frágil nessa negociação. Mas parece que o que ele fez aqui foi exatamente o oposto. Mais do que fragilizar, o que ele fez foi ignorar completamente um lado.
Lembro que a maior preocupação da Constituição de 1988, se nós formos ver o catálogo de direitos, a que mais se repete ao longo do texto constitucional, é a liberdade de expressão, é a voz, é reconhecer que nós mudamos, que a sociedade brasileira mudou, e ela mudou também no plano do Direito. É uma sociedade de diferenças e, portanto, cada um é dono da sua própria voz e pode afirmar as suas aspirações de vida, fazer os seus contratos, fazer as suas enunciações de verdade por si próprio. O Estado não tutela mais ninguém, o Estado não fala em nome de ninguém. Cada qual é protagonista da sua própria história.
Outra coisa que acontece aqui, que eu vejo como um grande problema, é que, diante desse pluralismo de situações, deve haver uma disfuncionalidade muito grande num único acordo em que se pensa poder tratar com uma régua as situações mais diversas possíveis.
Então, nós temos aqui um problema - aquilo que a Deputada Erika Kokay falou - de uma ideia universal e a ausência das pessoas e dos grupos envolvidos nesse acordo.
Em termos de povos e comunidades tradicionais, nós temos uma afronta a uma convenção internacional, da qual o Brasil é signatário, a Convenção nº 169, da OIT, que determina expressamente a consulta aos povos interessados. É um processo de consulta que não é o cumprimento de uma mera formalidade, mas de levar a sério as manifestações desses grupos.
Portanto, em face disso, eu acho que esse acordo tem duas possibilidades: se ele é um acordo que obriga ou que envolve os atingidos, ele é um acordo absolutamente nulo, porque nele os atingidos não tiveram vez nem voz. Agora, nós podemos talvez pensar que esse acordo é um acordo entre o Estado brasileiro e a Samarco como uma plataforma mínima para se começar a conversa com os atingidos. Olha, isso é o mínimo que nós temos a oferecer. E, a partir daí, podemos começar a conversar e, de fato, a estabelecer os acordos com os atingidos e os vários acordos com as diferentes categorias de atingidos. É a única maneira que eu vejo de salvar esse acordo.
Incomoda-me enormemente pensar que a gestão desse acordo, como foi dito aqui pelo IBAMA, é uma gestão a cargo de um comitê de especialistas. Eu acho que nós temos esse viés de país bacharelesco, em que a verdade está sempre na academia, num tipo de conhecimento mais valioso que os demais.
Enfim, nós termos, para determinadas questões técnicas, uma opinião de especialistas eu acho que é até bastante razoável. Mas imaginar que a gestão do acordo passe ao largo das pessoas, grupos e comunidades atingidos é condenar antecipadamente esse acordo a uma absoluta inutilidade.
Então, é preciso que o Estado brasileiro se manifeste concretamente: qual foi a sua visão desse acordo? Tornou coobrigados ou acordantes os atingidos ou apenas anunciou uma pauta mínima a partir da qual a Samarco e seus acionistas vão se apresentar perante os atingidos. Eu só posso ver dessa maneira. E não há acordos possíveis, em um momento posterior, de cuja gestão os atingidos não participem efetivamente.
É o que eu penso, mas o Edmundo falará sobre isso com muito mais propriedade.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Nós é que agradecemos, Dra. Deborah.
Eu gostaria aqui de consultar vocês: é possível ouvir os outros e quem usou da palavra ainda ficar um tempo, para depois abriríamos a palavra para algumas considerações? Vocês têm tempo para ouvir? Pode ser assim, então? Em vez de eu abrir a palavra, porque até mesmo eu tenho questionamento a fazer, eu deixo para fazer isso depois, porque ganhamos mais tempo e assim podemos otimizar os nossos trabalhos. Pode ser assim? (Pausa.)
Então, eu agradeço, mas peço que vocês fiquem aqui à frente, onde também há vários microfones, porque acho que o objetivo maior é este: o encaminhamento. Que possamos sair daqui desta audiência pública para dar mais segurança, para viabilizar, para encontrar uma forma, com mais respeito em relação aos atingidos, de como minimizar esse sofrimento, jamais permitindo a subtração de direitos.
Em seguida, eu convido o Dr. Edmundo Antônio Dias, Procurador da República no Estado de Minas Gerais, agradecendo-lhe também a presença; o Dr. Edson Rodrigues Marques, Defensor Público-Geral Federal em exercício; o Sr. Guilherme de Sousa, também; a Sra. Regiane Soares Rosa Lordes, atingida também pela barragem; a Sra. Milena Beatriz Alves, que está com problema de voo e pode ser a primeira a falar daquela bancada.
Eu tenho que ser justo, senhores, em relação a uma outra situação. Foi convidado o Ministro do Meio Ambiente. Embora estivesse aqui o Dr. Paulo, do IBAMA, eu quero ser justo com o Ministro Zequinha Sarney, que me ligou. Conversamos, mais ou menos, uns 15 minutos, e ele justificou a sua ausência. Acho também que algumas situações políticas estão em questão. Ele me disse que esteve em Mariana, que não tem clareza em relação ao acordo, que não endossou pessoalmente o próprio acordo, mas está se colocando à disposição sobre o assunto.
Então, eu tenho que ser justo com o Ministro Zequinha Sarney, justificando sua ausência. Eu creio que eles formalizaram isso também na Comissão, o Márcio e a Marina, pelo menos por telefone. Conversei com ele durante uns 15 minutos, e ele apresentou, de fato, muitas preocupações sobre a situação, os desdobramentos.
Parece que a Sra. Milena está com um problema de horário e poderá falar primeiro. O Sr. José Luiz poderá ficar até o final?
A SRA. MILENA BEATRIZ ALVES GUADALUPE - Sim, ele ficará.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Uma das preocupações é esta: por que empresas do porte da BHP Billiton, da Vale, da SAMARCO até hoje não fizeram o reassentamento. Empresas desse porte, se quisessem, em 1 mês construiriam mil casas. Constroem, eu sei que constroem. Eu conheço Mariana, morei lá durante 9 anos e sei do que estou falando.
Não é possível o prejuízo que aquelas famílias estão tendo com a dispersão: as pessoas de lá nasceram e moraram a vida inteira umas ao lado das outras. Quando alguém tem que ir ao comércio, na sede do Município, deixa o filho com o vizinho, a criança dorme na casa do vizinho. Há uma relação histórica de amizade, de cumplicidade. Então, não dá para entender.
Como que isto está no acordo? Vão falar do acordo também em relação a uma dúvida que surgiu em reunião anterior: se o sistema de dragagem, se a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves está dentro disso ou não? Estão contemplados? Com os recursos previstos também será feito esse serviço, por uma empresa que é da própria Vale, a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves?
Eu estou antecipando essa questão porque a Sra. Milena vai ter que se retirar.
Tem a palavra a Sra. Milena, por 10 minutos.
A SRA. MILENA BEATRIZ ALVES GUADALUPE - Eu sou Coordenadora da Área Social da SAMARCO e peço desculpas a todas e todos os presentes, porque eu vou ter que me retirar. Eu gostaria de poder ficar o tempo todo, mas meu filho está bastante doente. Não consegui voo para ir embora hoje nem amanhã, por causa do feriado, e só vou conseguir chegar em casa hoje por volta das 23 horas.
Peço muitas desculpas, porque é indelicado sair de um fórum tão importante como este.
Eu começo a minha fala relembrando o que Paulo Freire diz sobre denúncia e anúncio. Ele diz que nós precisamos sair da denúncia e ir para o anúncio. Anunciar, para nós podermos debater e encontrar soluções.
E acho que este fórum se presta para isso. É importante que participemos, mesmo com perspectivas diferentes, para que possamos encontrar um denominador minimamente comum, porque temos formas diferentes de ver.
Como disse alguém aqui - acho que foi a Dra. Deborah, e eu concordo com ela -, nós temos um pluralismo muito grande nessa situação, e é impossível dar conta dela sem que todas as pessoas que estão aqui sentem e discutam.
Mas eu ressalto que, além delas, eu sinto falta, Deputado, das famílias, além da representação do MAB.
(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)
A SRA. MILENA BEATRIZ ALVES GUADALUPE - Você é de Baixo Guandu, não é? Mas, além de você, sinto falta de outras famílias, ao longo do território, que pudessem também estar conosco para contribuir com suas visões.
Você é de Baixo Guandu, não é? (Pausa.)
Eu achava importante que estivessem aqui as famílias, além dos representantes aqui presentes no momento.
Outra questão que eu gostaria de abordar e que também foi levantada pela Dra. Deborah é a ideia que, de fato, o acordo é uma carta de intenções, uma plataforma, como ela disse, que as empresas apresentam para que comecemos a resolver as questões.
Contudo, obviamente, nenhum acordo pretende ser impermeável, fechado a vácuo. O Dr. Igor, da Defensoria Pública da União, está aqui, e eu acho que a Defensoria tem o papel extremamente importante de se debruçar sobre o acordo e entender em que medida ele está dando, de fato, respostas aos impactos.
Então, minha fala giro em torno das questões aqui colocadas relativamente à participação popular. Nós temos um processo de diálogo ao longo do território, não apenas em Mariana. Ele vai não só até Linhares, mas incluímos também Aracruz. No entanto, temos total clareza de que esse diálogo pode - e deve - ser ampliado, e é por isso que nós não temos nos furtado a participar de todas as mesas, da negociação da COHAB, dos diálogos feitos no território no sentido de trazer maior transparência e maior clareza no que diz respeito ao acordo.
Alguém do MAB - talvez o Thiago - falou sobre a participação do Governo com o seu corpo técnico. Nós entendemos a participação do corpo técnico do Governo nas Câmaras Técnicas como algo muito importante, porque são três empresas mineradoras e empresas mineradoras não lidam necessariamente com cadastro de pessoas.
A Diretora do CADÚNICO nos tem orientado quanto à melhor forma de cadastrar. Quando fazemos um cadastro na emergência, não necessariamente contemplamos a melhor forma de se fazer o cadastro. As Câmaras Técnicas do Governo nos têm ajudado muito no sentido de colocar profissionais que tenham a capacidade de trazer outro olhar, que tenham a capacidade de trazer maior sensibilidade para a empresa sobre a situação. E, de fato, a participação das pessoas que foram impactados é relevante em todos os fóruns, porque são elas que nos trazem essa sensibilidade. Muitas vezes, não conseguimos chegar a esse todo tão complexo que se coloca aqui. Nesse sentido, menciono novamente a Dra. Deborah, que acabou de entrar: ela levanta a questão do pluralismo, de abarcar o pluralismo no acordo e não gerar uma disfunção muito grande ao tentar universalizar uma solução.
De fato, não só este, mas todos os outros fóruns de que temos participado, assim como as Câmaras Técnicas de que tenho participado - alguns dos senhores que estão aqui também participam -, trazem o ganho de conseguirmos ver o pluralismo e não engessarmos uma solução.
Eu gostaria de finalizar dizendo que nossa empresa não tem a intenção de engessar e de - repito - tratar a vácuo essa situação.
É importante que nós possamos nos colocar aqui numa posição de escuta, que não se encerra aqui: ela precisa ser continuada ao longo dos muitos anos de tratamento dessa situação, para que possamos chegar a cada uma dessas especificidades, inclusive em relação ao povo crenaque, para o qual há um programa de melhoria e que está sendo tratado com programas emergenciais. De fato, monetização das relações, não só com o povo indígena, mas com qualquer povo tradicional ou impactado, está longe de esgotar as questões que estão colocadas no território.
Então, como estamos discutindo com a FUNAI e com o próprio povo indígena, nós precisamos pensar em segurança hídrica, segurança alimentar, segurança financeira, e isso não se faz com dinheiro - isso se faz com escuta e com soluções conjuntas e ações que precisam de fato existir, para que restabeleçamos os modos de vida e evitemos processos de anomia, de mais ruptura de laços sociais.
Eu agradeço e peço, de novo, desculpas por ter de me ausentar pelo motivo que já expus.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - A senhora citou Paulo Freire. Ele era a minha referência como educador. Eu tenho a missão de denunciar e anunciar. Eu tenho que exercer o meu profetismo, que se resume muito bem a denunciar e anunciar. Paulo Freire, que é referência no mundo inteiro, não só no Brasil, diz que todo o processo tem que ser feito a partir da pessoa, a partir do oprimido, a partir do educando, a partir do atingido. Isso é fundamental.
A SRA. MILENA BEATRIZ ALVES GUADALUPE - Exato.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Fique à vontade para se retirar, Sra. Milena.
A SRA. MILENA BEATRIZ ALVES GUADALUPE - Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Passo a palavra ao Sr. Guilherme de Sousa Camponêz, atingido de Governador Valadares e Coordenador Estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens.
O SR. GUILHERME DE SOUSA CAMPONÊZ - Boa tarde aos presentes. Cumprimento o Deputado Padre João e todas as demais autoridades presentes. Já fui apresentado: meu nome é Guilherme, sou militante do MAB e sou atingido de Governador Valadares.
Eu e minha companheira moramos lá em Governador Valadares e temos um bebê que está a caminho. Nós fomos atingidos, principalmente, pelo problema da água: Governador Valadares foi a maior cidade atingida, tendo ficado uma semana sem abastecimento, o que acarretou vários problemas. Além disso, mesmo depois de o abastecimento ter sido retomado, a água não tinha a mesma qualidade que tinha no passado, possivelmente pelo excesso de cloro, como foi explicado pelas autoridades. Isso também acarretou uma série de problemas de saúde, sobretudo de pele e estômago, que percebemos não só em Governador Valadares, mas também em várias outras cidades que passaram pelo mesmo problema.
Enfim, foram milhares e milhares de famílias atingidas, ainda que, é claro, de formas diferentes. No entanto, nós do MAB entendemos que todas as pessoas que formam atingidas são atingidos e merecem a devida reparação.
Eu queria resgatar aqui um trabalho importante feito pelo Estado brasileiro. Ele foi realizado pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Em 2006, após denúncias feitas pelo MAB, esse conselho criou um grupo especial de trabalho composto de atingidos por barragens que foi a campo averiguar denúncias. Esse grupo visitou sete barragens e pôde constatar o que nós vínhamos denunciando há muitos e muitos anos. Esse conselho sistematizou o trabalho por meio de um relatório que indicou 16 direitos humanos que eram sistematicamente violados na construção e operação de barragens no Brasil. Foram visitadas várias regiões do País e foi feita uma amostragem. Não temos dúvida de que, se analisarmos todas as barragens, elas terão problemas similares.
Em 2013, o grupo retornou aos mesmos lugares para outra visita. Na primeira visita, o grupo havia feito recomendações para evitar a violação dos direitos humanos. Em 2013, o grupo retornou para averiguar se a situação havia melhorado: surpreendentemente, em alguns casos, as violações dos direitos haviam piorado. O fato é que as violações continuavam a acontecer.
Apesar disso, o trabalho não foi em vão. Ele foi muito importante, primeiramente, para dar visibilidade a esses casos, até mesmo visibilidade internacional e, em segundo lugar, para sistematizar as denúncias que os atingidos vinham fazendo. Nós e o Estado brasileiro precisamos nos debruçar sobre esse problema e criar mecanismos para evitar as violações dos direitos, porque elas continuam a ocorrer, como podemos perceber no caso do rompimento da barragem da Samarco, em Fundão.
Para nós do MAB, o primeiro direito violado é o direito à auto-organização. Para nós, há uma intenção clara da empresa de impedir a auto-organização dos atingidos. Eu não sei se é uma forma de gestão ou se é uma decisão política, mas existe a prática de combater a organização dos atingidos.
Para nós, isso é um grande problema, primeiro, porque é uma violação dos direitos dos atingidos e, segundo, porque, embora resolva a princípio a agitação dos atingidos, os problemas vão persistir por muitos e muitos anos.
Nós podemos perceber que, no caso das construções de barragens no Brasil, os locais onde os atingidos se organizaram e construíram um forte movimento foram os lugares onde houve os melhores assentamentos, as melhores negociações, onde o povo retomou a sua vida da melhor forma possível ou o mais próximo do que era antes. Nos locais de construção de barragem onde não houve organização dos atingidos, os problemas estão lá há 10, 20 anos, desde a construção da barragem, e não se resolvem. As empresas tentam resolver, fazem várias e várias ações, mas os problemas persistem. Então, para nós resolvermos de fato os problemas causados pela lama, nós entendemos que precisamos nos organizar, e o MAB vai continuar construindo a organização dos atingidos.
Outra grave violação de direitos é, para nós, a questão da informação. As famílias atingidas não têm informação de tudo o que acontece. Vou citar um exemplo para os senhores. Com relação ao cadastro das famílias atingidas para receber a verba de manutenção - o cartão, como chamamos -, em todos os locais onde visitamos e entrevistamos os atingidos, ninguém sabia para que existia o cadastro. Perguntávamos: “O senhor fez o cadastro para receber a verba de manutenção com o cartão?”. As pessoas respondiam que haviam feito o cadastro, mas não sabiam o porquê. E perguntávamos: “O senhor sabe quais são os critérios para receber o cartão?”. As pessoas não sabiam.
Qual o problema disso? Vários atingidos ficaram sem ser cadastrados e já estão há mais de 6 meses sem receber a verba de manutenção. Estão com a sua renda familiar comprometida e não têm acesso a esse direito. Nós não fizemos só a denúncia; fizemos também o anúncio. Desde o primeiro momento, a nossa proposta foi a de que o cadastro das pessoas atingidas deveria ser feito pelo Estado, com a participação efetiva da população. Fizemos essa demanda do Governo, mas, infelizmente, não fomos atendidos. O que vimos foi um trabalho terceirizado: a Samarco contratou uma empresa terceirizada que fez o serviço, com vários problemas - a própria Samarco já admitiu haver atingidos sem cadastro e não atingidas cadastrados. Esses problemas viraram uma bola de neve que só vem aumentando.
Outro problema é a negação das propostas dos atingidos. A Samarco a justifica de forma técnica, mas, para nós, não há justificativa. Por exemplo, com relação à questão da água: vários Municípios atingidos tiveram a captação de água comprometida. Em muitos lugares, nós organizamos os atingidos em grupos de bairro, de forma organizada, e organizamos uma pauta e definimos que, por exemplo, em Cachoeira Escura, a melhor solução para o abastecimento de água do Município seria através da captação alternativa de outro rio, no caso, do Rio Santo Antônio. Apresentamos essa demanda à Samarco que, a princípio, não deu resposta e, algum tempo depois, em uma reunião, apresentou a proposta de perfurar postos artesianos. A empresa não conversou com a população, executou a perfuração dos poços e, quando nós questionamos, disse que a melhor forma técnica eram os poços artesianos. E nós pensamos se seria isso mesmo, porque o povo achava que era o abastecimento pelo rio. Diziam que não havia justificativa técnica para essa questão. Hoje, a população nos relata que os poços não têm vazão suficiente para abastecer, que não serão suficientes. Por isso, entendemos que a questão técnica é importante, que é fundamental, mas ela tem que dialogar com a população. Também a população tem que ser considerada nesse processo.
A empresa pensa em economizar. Talvez seja mais econômico para ela fazer direto o que o povo entende ser o melhor, porque ele já está há muitos e muitos anos naquela região. Por que não considerar isso? Por que não dialogar com o povo? Essa é uma questão muito séria.
Outra questão é a desconstrução da organização dos atingidos. Lá, nós organizamos sete grupos de bairro em sete bairros diferentes. A partir do que o povo nos apontou, nós sintetizamos a pauta. O advogado da Samarco, na reunião que aconteceu em abril, disse que o MAB não era legítimo para apontar a pauta dos atingidos: “Vocês não têm legitimidade para dizer que a melhor forma é o abastecimento a partir de outro rio”.
A questão é: quem é legítimo? A empresa nos diz que o MAB não é legítimo, que ela vai organizar os atingidos. Ela inicia um processo de organização - para nós, de desorganização - dos atingidos: começa a ir aos bairros fazer reuniões, sem a presença dos coordenadores dos grupos de base do MAB.
Para nós, isso é uma clara violação de direito. Os atingidos têm que se auto-organizar. Essa é a única forma de garantirmos que não haja violações aos direitos humanos, como aconteceu em praticamente todas as barragens construídas até hoje no Brasil.
O que o MAB propõe como encaminhamento? Nós entendemos que o acordo tem que ser refeito. Como já foi exposto aqui várias vezes, não houve a participação dos atingidos. Como um acordo que vai definir a vida dos atingidos, a reconstrução do território onde vivem os atingidos, não tem a participação de nenhum atingido, não tem a participação de nenhuma organização da sociedade civil?
Então, nós entendemos que o acordo tem que ser refeito. Entendemos que a melhor forma é, sim, um acordo, mas tem que haver a participação efetiva dos atingidos: na fundação que for criada, os atingidos devem ter poder de decisão, e não só uma participação ilusória, que não define nada.
Isso tudo é, para nós, muito grave, porque entendemos que o criminoso não pode definir quem é a vítima ou como que a vítima vai ser reparada. Quem tem que fazer isso são as próprias vítimas e o Estado brasileiro.
Além disso, o acordo e a fundação têm que garantir a participação dos atingidos na reconstrução da bacia. Nós entendemos que é fundamental que os atingidos estejam lá, participem. Isso vai gerar renda para os atingidos, vai gerar um maior controle por parte da comunidade, vai haver resultados melhores, porque já temos experiência, uma vez que os próprios atingidos construíram seus assentamentos, com muito mais qualidade e de forma muito mais barata. Enfim, será muito melhor para todos, no final da história.
Também há a questão dos investimentos produtivos. Como já foi dito aqui, não queremos ficar só na lógica da indenização. Queremos investimentos que garantam que as comunidades se reestabeleçam e possam ficar naquelas regiões por muitos e muitos anos, por muitas e muitas gerações. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Obrigado, Sr. Guilherme.
Eu passo a palavra para a Sra. Regiane Soares Rosa Lordes, também atingida por barragem.
De qual cidade é a senhora?
A SRA. REGIANE SOARES ROSA LORDES - Eu sou de Baixo Guandu, mais precisamente de Mascarenhas.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Conheço o Município de Baixo Guandu. A comunidade foi afetada pela construção da Hidrelétrica de Mascarenhas.
A SRA. REGIANE SOARES ROSA LORDES - Primeiro, eu quero agradecer o convite para estar aqui, porque, na verdade, isto é um ato histórico.
A comunidade de Mascarenhas nunca teve voz, nunca foi ouvida. Nós somos uma comunidade atingida por uma hidrelétrica da EDP, somos uma comunidade atingida pela Estrada de Ferro Vitória a Minas, da Vale. A hidrelétrica é dentro da nossa comunidade, a estrada de ferro passa dentro da nossa comunidade, e, agora, nós fomos atingidos pelo crime ocorrido em Mariana.
Mascarenhas nunca havia sido ouvida. Mascarenhas é, historicamente, conhecida como a comunidade que aceita o que as grandes empresas querem, que não tem força para lutar pelos seus direitos.
Conhecendo o MAB, descobrimos que nós temos direitos, que nós temos forças para lutar. Então, resolvemos arregaçar as mangas e ir à luta, fazendo manifestações, porque a voz do povo só é ouvida assim. Interditamos a estrada de ferro.
Com a primeira interdição, houve logo uma resposta da empresa, que mandou uma terceirizada fazer o cadastro de todas as famílias para o recebimento do auxílio, que é chamado, lá no interior, de “cartão da mamãe Samarco”.
Eu não entendo bem de leis, por isso pergunto: uma empresa do porte da Samarco não teria como fazer o levantamento das famílias que foram atingidas e de quais são moradoras da nossa comunidade e de quais não são? Houve fraudes, e, agora, grande parte da nossa comunidade não recebe o benefício, porque a Samarco alega que constam do cadastro 382 famílias em Mascarenhas. De fato 382 famílias recebem, mas não são todas elas de Mascarenhas.
De um lado, pessoas que moram há 20 anos na Itália receberam o benefício. De outro lado, existem casos de casais - casais que saem de manhã para pescar juntos e depois vender o peixe juntos e que foram cadastrados juntos, dentro de casa, com a terceirizada da Samarco - em que um tem direito ao benefício e o outro é considerado inelegível. Perguntou-se o porquê de um ter direito e o outro não, visto que fazem a mesma coisa, são profissionais no mesmo ramo, a família é atingida da mesma forma. A resposta foi a seguinte: “Eu não sei responder”.
Em Mascarenhas, uma senhora de 62 anos, casada, por ter um neto de 19 anos não tem o direito de receber. Ela é pescadora profissional, com carteirinha, pagou impostos a vida inteira e não tem o direito de receber. Um funcionário com uniforme da Samarco lhe falou assim: “O seu neto é pescador e recebe benefício. Toma o cartão dele e faz um churrasco. A senhora vai ficar mais feliz.”.
Então, nós estamos sempre nos reunindo, sempre procurando ajuda. O MAB tem ajudado e orientado muito todos nós. Resolvemos fazer, então, outra manifestação para tentar resolver a situação. No dia 15 de maio, nós fizemos outra manifestação. No dia 16 de maio, chegou uma liminar nos proibindo de fazer manifestações por um período de 30 dias. Também no dia 16, chegou outro papel, um documento nomeando oito pessoas como cabeças da manifestação, com atos de vandalismo. Das oito pessoas, apenas uma estava conosco na manifestação. Dentre as oito pessoas nomeadas, uma estava velando o pai, que havia falecido no domingo e foi enterrado na segunda-feira, depois que a liminar saiu. Essa pessoa foi incluída na lista das oito pessoas, que estão sendo processadas.
Agora, eu faço uma pergunta aqui, que aqui há pessoas que entendem muito mais de lei do que eu: por que, num processo de um cidadão comum, pessoa física, a Promotoria leva 90 dias para avaliar, para decidir se vai ser levado ao Ministério Público e, para favorecer a Samarco, a Vale, esse processo corre em 48 horas? Essas pessoas foram processadas, estão com data marcada para comparecer ao fórum levando testemunhas que não estavam lá.
Por que - quero, também, perguntar - não é dever do Estado oferecer ao cidadão, às comunidades, a todos os cidadãos saúde, educação, moradia e segurança?
Simplesmente, na última manifestação, a Polícia Militar disponibilizou uma viatura para ficar dentro da área da Vale e proteger a Vale das nossas manifestações. Nós nunca tivemos direito a uma viatura dentro da comunidade para nos proteger de bandidos. Por que a Vale tem direito a um bem que é do cidadão e nós não temos?
Onde está a responsabilidade da Vale para com os moradores de Mascarenhas - para nós só ficam os problemas -, já que a estrada de ferro passa dentro de Mascarenhas e a divide em duas partes? Nós não temos ajuda nenhuma. Nós nunca fomos ouvidos em lugar nenhum. Nunca tivemos o direito de reclamar, nem de contestar as atitudes resolvidas em benefício deles, porque em nosso benefício nunca foram.
Quanto à Samarco, foram feitas a alguns moradores propostas que, do meu ponto de vista de cidadã, de moradora, são indecentes. Em Mascarenhas, foram feitas propostas a moradores da seguinte forma: “Se você ajudar a empresa, a empresa te ajudará. Denuncie quem vai fazer o protesto. Denuncie quem está marcando as reuniões, que a gente vai acusá-los de ato de vandalismo”. Estão induzindo as pessoas de caráter fraco a trair a comunidade. Onde estão os nossos direitos? Por que um cidadão, se tiver coragem de denunciar outro que vai se reunir, a tal hora, na beira da estrada de ferro, tem o direito de ser ajudado pela empresa e a comunidade não tem?
O último parecer da Samarco dirigido a nós dizia que, se passássemos para ela a lista de quem estava recebendo que não morava em Mascarenhas, resolveriam a situação dos que foram atingidos e ainda não receberam. É troca! É uma troca! Pediram, então, que nós passássemos a lista dos que estavam recebendo por se dizerem moradores de Mascarenhas - nós sabemos quem não mora em Mascarenhas. Isso a empresa não pode fazer. Não temos o direito de saber quem está recebendo em nosso lugar e ainda somos obrigados a denunciar essas pessoas?
Eu gostaria de saber por que isso acontece ali, e não só ali - já está ficando até repetitivo -, porque não foi só Mascarenhas que foi atingida pela barragem: ao longo da região de Mariana até Regência são muitas as comunidades que estão com problemas parecidos com os nossos. São muitas. Não adianta fazer uma diligência à Mariana ou visitar Regência, é preciso ir aos outros lugares, onde há muita gente sofrendo.
Quero agradecer mais uma vez esta oportunidade e deixar bem claro aqui que é revoltante saber que até o nosso direito à segurança no nosso lugar está sendo retirado. Estão tirando direitos de pessoas desprovidas para colocar a Polícia Militar vigiando a área da Vale. Isso é um absurdo.
Era só isso que eu queria falar. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Obrigado, Sra. Regiane.
Passo a palavra ao Dr. Edson Rodrigues Marques, Defensor Público Federal em Exercício.
O SR. EDSON RODRIGUES MARQUES - Boa tarde a todos e a todas. Agradeço ao Deputado Padre João por nos convidar para esta Mesa. Externo minha solidariedade a todos os atingidos.
A Defensoria sabe da gravidade da tragédia anunciada, como a Dra. Deborah Duprat bem disse, de Mariana e de toda região. Infelizmente, até agora, tivemos uma participação minoritária, por uma série de fatores, mas é possível corrigir uma série de fatos.
Com relação ao termo de ajustamento de conduta e ao acordo que foi firmado, ainda antes do acordo, a Defensoria Pública da União foi instada, foi provocada, e chegamos a manifestar que havia a necessidade de alguns ajustes no termo de ajustamento de conduta, no acordo que estava sendo propalado e conduzido por algumas entidades. Infelizmente, por algumas questões, não foram feitas as alterações que sugerimos. Uma delas era a própria participação dos movimentos sociais, das populações atingidas, que não constava ali, e o nosso ingresso também no comitê interfederativo - não fazemos parte do comitê. Nós sugerimos essas alterações, mas elas não foram levadas avante por uma séria de justificativas que no momento nos foram dadas.
Preferimos, então, não participar do acordo, até porque não fazíamos parte do processo judicial em si. Enquanto não parte do processo judicial, e o Ministério Público já estava lá -, entendemos que era condizente com a Defensoria não participar do acordo, porque ele não alcançava toda a extensão do que tínhamos de visão para a população diretamente afetada por ele.
Bem, vamos entender a questão da Defensoria Pública. A Defensoria Pública é hoje um órgão pequeno no Estado brasileiro. Ela tem um papel, uma missão fundamental: prestar assistência à população que, por um ou outro fator, esteja submetida a uma condição de vulnerabilidade - a população não é vulnerável, mas pode estar submetida a uma condição de vulnerabilidade, e nós a chamamos de hiposuficiente. Algumas vezes, como no caso, hiposuficiente economicamente, mas, outras vezes, por outros fatores.
Temos em Minas Gerais dois núcleos que estão próximos dos locais da tragédia - o de Governador Valadare e o de Linhares -, mas, efetivamente, a Defensoria Pública da União não está nessa região, por falta de pessoal e de condições econômicas para a montagem da Defensoria Pública da União.
O que fizemos logo que ocorreu a tragédia? Nós criamos um grupo de defensores. O Dr. Estevão, defensor de direitos humanos de Belo Horizonte, esteve à frente do grupo. Logo depois, mandamos duas equipes: uma equipe ficou 15 dias, depois a outra ficou mais 15 dias, e nós mapeamos a situação da região. Logo em seguida, foi proposta uma ação civil pública, com a participação de diversos atores.
Com base nos estudos que realizamos, na condução do processo realizado por um colega e, depois, pelas equipes que foram lá, fizemos uma interferência na proposta de acordo, acrescentando o que entendiamos que deveria também constar.
Logo em seguida, então, o processo foi conduzido. Não participamos dele, mas, quando foi feito o acordo, tomamos conhecimento dele, indiretamente, e apresentamos uma proposta. Na verdade, era uma proposta conjunta, porque foi a AGU que nos procurou. Ela estava muito preocupada com alguns aspectos que estavam fora - jsutamente a nossa sugestão. Fizemos, então, um acordo de cooperação técnica que envolve a Defensoria Pública da União, a Advocacia-Geral da União, o Estado do Espírito Santo e o Estado de Minas Gerais.
O que diz esse acordo de cooperação técnica? Ele basicamente dá à Defensoria Pública da União o papel de fiscalização quanto ao que está sendo conduzido. É claro que esse acordo ainda não foi implementado, por causa da troca de Governo e tudo mais. Não sabemos exatamente quais serão as equipes de parte do Governo que conduzirão o processo ou quem ficará com a condução disso, mas nós temos a seguinte premissa: orientar a população diretamente atingida.
Nós nos colocamos à disposição da população diretamente atingida para tentar trazer a ela essa experiência, por causa até de Mariana, que foi uma experiência que tivemos em relação a grandes empreendimentos; para trazer o apoio jurídico que sabemos que ela não tem - pelo menos para os movimentos sociais mais organizados poderíamos trazer esse auxílio; e para tentar promover a conciliação, de modo a atender as pessoas que foram diretamente afetadas.
Obviamente, falo de auxiliar as pessoas que foram afetadas - o papel da Defensoria Pública não é auxiliar as empresas, que têm um corpo técnico para cuidar de suas questões. Nossa missão é auxiliar as pessoas que não têm condições materiais ou conhecimentos suficientes para se decidirem sobre alguma questão. Nosso papel é trazer elementos e deixar a pessoa à vontade para decidir sobre fazer ou não acordo ou, eventualmente, judicializar aquilo que for necessário judicializar.
Portanto, não é nosso papel forçar a população a fazer o acordo “x”, “y” ou “z”. Nosso papel é o de levar elementos para que essa população se sinta em condições de decidir quanto a fazer ou não o acordo e, eventualmente, de judicializar o que for necessário judicializar.
Obviamente sabemos, assim como sabem os colegas do Ministério Público, que, ao levarmos as questões ao Judiciário, sempre existe a possibilidade de transferirmos ou delegarmos ao Poder Judiciário a resolução de alguns conflitos, mas, é claro, não fugimos a esse patamar, porque ele faz parte da nossa missão, da nossa função.
Bem, um dos aspectos do acordo que foram questionados pela Defensoria foi a questão de não constar a população diretamente atingida no acordo. Eu e o Dr. Igor - ele é um dos colegas que conduzem esse processo junto às entidades, junto à AGU e ao Governo - questionamos isso no começo, obviamente dentro da limitação possível. Quando foi feito o acordo e ele chegou até nós, começamos a pensar na melhor forma de operacionalizá-lo, de modo a trazer o maior número de benefícios para a população diretamente atingida, que são vocês.
Portanto, a preocupação da Defensoria Pública da União, nesse aspecto, é atender à população diretamente afetada. Por quê? Porque entendemos o seguinte: se vocês não estiverem satisfeitos com a solução que for apontada, se a solução apontada não atender ao anseio de vocês, ela também não será satisfatória para os anseios da Defensoria. Então, o que nós temos que fazer? Temos que fazer essa construção de modo a que o que for formalizado como acordo seja viável e satisfatório para a população atingida.
Claramente que esse acordo vindo das empresas sinaliza para nós boa vontade da parte delas no sentido de negociar, mas é claro que esse acordo deve passar pelo crivo de vocês. Sem o crivo de vocês, sem a anuência de vocês, não há por que ter acordo.
Portanto, qual é o papel da Defensoria Pública? O papel dela é o de auxiliá-los na tomada de decisão, ou seja, trazer os elementos jurídicos necessários para que vocês se sintam seguros na tomada da decisão.
Além disso, com disseram aqui, é possível que no cadastro constem pessoas que não foram atingidas e que pessoas que foram atingidas não constem do cadastro. Nós também podemos servir como instrumento de fiscalização, para saber se o cadastro está adequado. Se ele não estiver adequado, operamos a devida interferência para que as empresas, o Governo e o próprio Estado possam fazer a justa reparação, a adequada reparação daquilo que for possível reparar.
Como eu disse, o papel da Defensoria, hoje, é um papel maior: não só o de promover direitos, mas também o de solucionar, extrajudicialmente, a violação desses direitos. Buscamos, portanto, uma solução extrajudicial. Sabemos que o caminho da judicialização é um caminho penoso. Temos experiência para saber que, se judicializarmos as ações de todas as pessoas que foram afetadas, nós teremos outra avalanche. Ou seja, o Judiciário, individualmente falando, não vai dar uma resposta a contento, a tempo de solucionarmos essas questões, pelo menos do ponto de vista da população atingida.
Assim, cremos que o caminho será buscar uma solução extrajudicial, e isso é um papel importante da Defensoria Pública. Nós temos condições de auxiliá-los nesse aspecto.
Ficamos à disposição. Já temos um comitê também, no âmbito da Defensoria, para auxiliá-los nesse aspecto, se precisarem e quiserem. Colocamo-nos à disposição da população diretamente atingida, para que faça uso da Defensoria Pública da União nesse aspecto.
Agradeço.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Obrigado, Dr. Edson. Peço perdão, porque saí justamente na fala de S.Sa., mas eu consegui pegar ainda uma parte e anotei pelo menos um ponto muito importante que o senhor destacou.
Passo a palavra ao Dr. Edmundo Antônio Dias, Procurador da República no Estado de Minas Gerais e integrante da força-tarefa do Rio Doce.
O SR. EDMUNDO ANTÔNIO DIAS NETTO JÚNIOR - Boa tarde a todos. Cumprimento o Deputado Padre João pela iniciativa de ouvir os atingidos, algo que faltou durante todo o processo de negociação do acordo; cumprimento também a Mesa, na pessoa dos atingidos Regiane Soares e Guilherme Camponêz.
Aproveito a oportunidade para desejar à Dra. Deborah Duprat, que hoje inaugura o seu mandato de 2 anos na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, que continue na PFDC realizando o trabalho de inclusão social, de defesa dos direitos e de fazer rodar os nossos costumes, a roda dos nossos costumes, num País ainda tão atrasado como este.
Este mapa foi feito por um artista que participou da caravana do Rio Doce. São ilustrações muito bonitas, e tomei a liberdade de pegar essa emprestada para mostrar, sinteticamente.
(Segue-se exibição de imagens.)
O número 1, aqui à esquerda, é a Barragem de Germano, que dá num complexo da Samarco. O número 2, é a Barragem de Fundão, que rompeu e fez com que a lama se derramasse sobre a Barragem de Santarém, que foi se espraiando durante todo esse percurso, pegando a Bacia do Rio Doce até encontrar o mar territorial brasileiro, passando pelo Distrito de Bento Rodrigues. O Antônio morava nesse Município, onde 19 pessoas que ele conhecia perderam a vida, mais os trabalhadores, além de ter havido um aborto, causado pela chegada da lama em Bento Rodrigues, como foi mencionado pelo Thiago.
Depois, nós vemos Paracatu de Baixo, ainda no Município de Mariana, que também foi muito atingido pela lama. Mais acima, vemos Gesteira, já em Barra Longa, que também foi bastante atingido, sendo que Barra Longa foi a sede municipal mais atingida pela lama.
O Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB costuma usar o termo “atingido”, ao contrário do que consta do acordo, que é “impactado”. Para o acordo firmado, não existem atingidos, existem impactados; não existe crime, existe um evento.
A Profa. Andréa Zhouri, do GESTA da UFMG, refere-se a essa tragédia como um desastre tecnológico. Com isso, ela quer dizer que é um desastre que tem a mão do homem, ou seja, para utilizar a referência do Thiago, a mão criminosa do homem, aproveitando-me das conclusões dos relatórios parciais da Polícia Civil e da Polícia Federal.
Aqui é uma imagem que eu fiz no dia 4 de maio, na Barragem de Candonga, que fica 77 quilômetros abaixo do Complexo de. Aí é possível ver o material do estéril de minério de ferro depositado. Após essa distância toda, ainda há grande quantidade de estéril.
Depois, vemos ali uma draga, retirando uma parte do estéril.
Aqui é uma placa, na Barragem de Candonga, dirigida ao pescador, para que ele seja consciente: “Ao finalizar suas atividades, deixe o local limpo, preservando o meio ambiente”. Quem colocou essa placa não conseguiu realizar o seu objetivo.
Essa foto é de conhecimento geral e foi extraída da Internet, do site G1.
Essa também é uma foto que foi amplamente divulgada, mostrando a dimensão desse grande desastre.
Essa aqui, que eu fiz no dia 4 de maio, mostra a situação de Bento Rodrigues.
Sobre essa, o Thiago mencionou que, no dia, não houve sirene, no dia 5 de novembro, e depois colocaram a placa: “Ao ouvirem a sirene, evacuem a área”. (Risos.)
Essa foto eu retirei da Internet. É do impacto da lama no mar territorial brasileiro, na foz do Rio Doce.
Bom, mas o tema de hoje é o acordo. No entender de todos que estão mais próximos da realidade dos fatos, dos atingidos - e também é este o entendimento da força-tarefa constituída pelo Procurador-Geral da República, no âmbito do Ministério Público Federal -, o acordo não tutela de forma integral, adequada e suficiente os direitos coletivos afetados.
No dia 16 de março, em uma das reuniões quinzenais realizadas em Barra Longa, um atingido mencionou, quando o acordo ainda não havia sido homologado, o seguinte: “Os atingidos de Barra Longa estão atolados na lama. Se o acordo for homologado, eles estarão afundados”. E o acordo foi homologado, como todos sabem, no dia 5 de maio, nos exatos 6 meses desse desastre.
O que se nota no acordo é uma completa ausência de participação dos atingidos.
Acho que a Deputada Erika Kokay fez uma proposição realmente importante, que foi acolhida pelo Deputado Padre João, a de realizar uma diligência em Barra Longa. Eu acho que também seria interessante se pensar em diligências ou audiências públicas em todos os Municípios até a foz do Rio Doce, desde Mariana, passando pelos distritos mais impactados, como Paracatu de Baixo, Gesteira, pelas terras indígenas crenaques, em Resplendor, bem como na foz do Rio Doce, a dos Tupiniquins e a dos Guaranis, em territórios quilombolas. Deveriam fazer diligências junto à comunidade de pescadores artesanais, ribeirinhos, para que este Poder do Estado brasileiro, o Poder Legislativo, possa contribuir para uma maior aproximação com o cidadão, aproximação essa que não aconteceu durante todo o processo de negociação do acordo, seja nos momentos anteriores à sua celebração, seja após a celebração do acordo, mediante mera informação dos termos reais do acordo.
Em reuniões com os atingidos, ficou muito clara - o Antônio mencionou que leu e, quando estivemos juntos, já tinha mencionado integralmente o acordo - a dificuldade que várias pessoas tiveram para obter a íntegra do acordo. Após algum tempo, acabaram conseguindo, mas caberia ao poder público e às empresas, a Samarco, a Vale e a BHP disponibilizarem o acordo, realizarem audiências, reuniões com atingidos, para explicar os termos reais do acordo, para além daquilo que foi divulgado pela imprensa e que não contém a íntegra da equação, que basicamente é uma equação financeira colocada pelos poderes públicos federal e estaduais e pelas empresas.
O Ministério Público Federal, na ação civil pública que ajuizou no dia 2 de maio, portanto, 3 dias antes da homologação do acordo, questiona essa falta de participação por violação ao princípio do devido processo legal coletivo.
O Antônio, que residia em Bento Rodrigues e que tem diversos direitos envolvidos nesse acordo, não foi ouvido, nem participou. Isso seria muito mais visualizável em um processo individual. Por exemplo, é como se eu ajuizasse uma ação buscando resguardar um direito do Antônio e não o comunicasse, não o consultasse, e durante o decorrer do processo eu fizesse um acordo sobre o direito dele, e, como também não houve direito à informação, depois de celebrado o acordo, eu não chegasse para ele e falasse: “Olha, eu negociei o seu direito dessa ou daquela maneira”. Foi exatamente isso o que aconteceu, não em uma dimensão individual, mas em uma dimensão coletiva.
O MAB colocou em uma nota de repúdio ao acordo: “Um acordo que é feito sem ouvir o povo, sem a participação dos atingidos, só pode ser um mau acordo, por melhores que sejam suas intenções”.
É como se fosse criada uma espécie de consórcio governamental-empresarial. Em primeiro lugar, há uma falta de legitimidade adequada dos entes públicos para terem ajuizado a ação civil pública que foi mencionada pelo Defensor Público-Geral da União aqui presente.
Naquela ação, a União se coloca numa posição de autora, juntamente com o Estado de Minas e o Estado do Espírito Santo, contra as três empresas: Vale, Samarco e BHP - a Vale e a BHP controladoras da Samarco -, sendo que a União detém ações Golden Share da Vale do Rio Doce, com poder de veto sobre diversos temas da gestão empresarial da Companhia Vale do Rio Doce.
De imediato, isso demonstra a falta de legitimação adequada da União, falta de legitimação essa que também se coloca em relação aos demais entes federais que ajuizaram essa ação civil pública. Por quê? O Estado de Minas Gerais é responsável pelo licenciamento do Complexo de Germano; a União é responsável por uma fiscalização deficiente das atividades minerárias da Samarco durante todo esse período, que resultaram no rompimento da barragem; e o Estado do Espírito Santo, assim como os demais entes federativos, é responsável por uma atuação deficiente pós-desastre.
O acordo coloca diversos limites. Esse acordo é do dia 2 de março, e a sua divulgação foi feita em tom de uma grande vitória do Governo, no sentido de ter conseguido equacionar o maior desastre ambiental da história brasileira e um dos maiores do mundo. Embora a divulgação tenha repetido que não há limites para o quanto será gasto com a restauração e com as indenizações, com as medidas compensatórias e de mitigação dos danos, a Cláusula 226 prevê que, em 2016, haverá um aporte de 2 bilhões de reais para a fundação de direito privado que foi criada. Porém, nesses 2 bilhões de reais estão incluídos todos aqueles valores que são objeto de Termo de Ajustamento de Conduta já firmado, inclusive o que foi celebrado em novembro do ano passado, pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais e pelo Ministério Público Federal com as empresas, no valor de 1 bilhão. Também é excluído desse valor o bloqueio judicial de 300 milhões de reais na ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual na Comarca de Mariana, bem como a previsão de que quaisquer outros bloqueios judiciais sejam excluídos desse valor. Para os anos seguintes, 2017 e 2018, é previsto aporte de 1 bilhão e 200 milhões de reais.
É importante dizer que o lucro médio anual da Samarco, nos 5 anos anteriores ao desastre, foi de 2 bilhões e 500 milhões de reais. Normalmente, ficou entre 2,3 a 2,8, o lucro médio foi de 2,5 bilhões. Ou seja, nota-se, portanto, que há uma preocupação com a possibilidade de retomada e de viabilidade da atividade empresarial, de maneira que esses aportes, a serem realizados primariamente pela Samarco, não inviabilizem a retomada das atividades, colocam-se sempre em patamares inferiores ao lucro líquido médio nos 5 anos anteriores.
A versão anterior à homologação judicial previa para 2019 um aporte já de 800 milhões de reais. No dia 5 de maio, quando o acordo foi homologado pelo Tribunal Regional Federal, em seu Núcleo de Conciliação, aqui em Brasília, houve alteração da Cláusula 321, em seu § 2º, que previu uma possibilidade de variação a mais ou a menos de 30% em relação aos aportes dos 2 anos anteriores do triênio.
Então, o aporte para 2019 e para os anos subsequentes pode variar de 840 milhões a 1 bilhão e 560 milhões. No patamar mínimo de 840 milhões, portanto, estamos mais ou menos perto daquela previsão de aporte de 800 milhões para 2019, mas agora isso é colocado dentro de uma possibilidade de variação de 30%.
É importante dizer também que a fundação criada institui escalas de responsabilidade. Ela coloca inicialmente a fundação como uma espécie de anteparo entre os atingidos, as vítimas desse desastre tecnológico e as empresas e, vamos dizer assim, os poderes públicos, porque, na ação civil pública que foi ajuizada no dia 2 de maio pelo Ministério Público Federal - MPF, os poderes públicos também compõem o polo passivo.
Nessas escalas de responsabilidade, em primeiro lugar está o anteparo da fundação; em segundo plano, a Samarco, responsável primária pelos aportes; e, em terceiro plano apenas estão as controladoras, Vale e BHP Billiton Brasil, de responsabilidade limitada. Conforme a própria ação civil pública ajuizada pela União, pelo Estado de Minas Gerais e pelo Estado do Espírito Santo, a ação civil pública que o senhor mencionou, em que o MPF atua como fiscal da lei por disposição legal, mas não é o autor da ação, nessa ação civil pública dos entes federativos, a própria União reconhece a responsabilidade direta da Vale pelos danos causados, porque a Vale despejava parte dos seus resíduos de atividade de mineração no próprio Complexo de Germano e, portanto, utilizava-se diretamente da barragem que se rompeu.
Todavia, no acordo que realizou a União, autora da ação, ela coloca a Vale como responsável subsidiária à Samarco, não obstante na ação tenha reconhecido que a responsabilidade seria direta e que deveria, inclusive pela doutrina e pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, ser uma responsabilidade solidária, o que é incompatível com o princípio do poluidor-pagador, que prevê a necessidade de recuperação integral dos danos socioambientais. Mas, como se procurou demonstrar, o acordo, em diversas passagens, em diversas de suas cláusulas, menciona limites de gastos globais.
É verdade que a divulgação foi de que não haveria essa limitação. Todavia, o que existe é uma previsão da possibilidade de renegociação do acordo, caso seja apresentada ao Comitê Interfederativo uma análise acerca da limitação das medidas de restauração que estejam em curso e da impossibilidade de que os recursos previstos alcancem uma recuperação plena. Ocorre que a possibilidade de revisão de qualquer acordo, inclusive deste, é uma decorrência da teoria geral do Direito Privado, bastando para isso que se alcance uma comunhão de vontades das mesmas partes que firmaram o acordo.
A previsão da possibilidade de revisão do acordo nada mais é do que procurar dizer, com um princípio que é aplicável a qualquer acordo, que não há limites previstos para as atividades de recuperação, mitigação ou compensação dos danos. E tanto há essas limitações que as próprias medidas compensatórias encontram no acordo um teto de 4 bilhões e 100 milhões de reais, dos quais 500 milhões de reais devem ser subtraídos. Esses 500 milhões de reais foram mencionados pelo Dr. José Luiz Furquim como aqueles que estariam sendo utilizados já pela Samarco para realizar medidas de programas de coleta e tratamento de esgoto e destinação de resíduos sólidos. Esse valor mencionado de 500 milhões se deduz dos 4,1 bilhões que são compostos por aportes anuais de 240 milhões durante os 15 anos inicialmente previstos para o acordo.
Porém, há diversos outros vícios nesse acordo, a começar - e isso é decorrência da falta de legitimidade adequada dos entes públicos a essa ação civil pública e, portanto, também à celebração do acordo - pela falta de qualquer medida de responsabilização dos poderes públicos por suas omissões ou atuações deficientes, inclusive na emissão das licenças necessárias à atividade. Não há também previsão de mecanismos jurídicos eficazes que possam garantir de modo pleno o cumprimento das obrigações e, sobretudo, uma impermeabilidade democrática na governança da fundação.
Foi criado um Comitê Interfederativo sem a participação dos atingidos, de constitucionalidade duvidosa, porque ele se torna um órgão governamental, que deveria ser criado por lei. Não foi criado por lei, acabou sendo criado por esse acordo. Ele é completamente refratário, eu não diria aos desejos nem à voz dos atingidos, mas às exigências dos atingidos.
Não há outros foros adequados para participação dos atingidos, porque a previsão que existe de assento no conselho consultivo é uma previsão que, além de pequena, não resulta em deliberações concretas da fundação, tendo em vista que o conselho consultivo não tem nenhum poder decisório.
É mais ou menos aquilo que se tentou fazer com o MAB no dia 29 de fevereiro deste ano. Na antevéspera da celebração do acordo, 2 de março, o MAB é convidado a tomar assento na Cidade Administrativa de Minas Gerais, juntamente com as partes que negociavam o acordo, certamente para procurar conferir um verniz de participação social, que até então não tinha tido qualquer possibilidade de efetiva intervenção.
Tanto é assim que Barra Longa, como eu já mencionei, que foi a sede municipal mais atingida pelos efeitos da lama, sequer constava na minuta apresentada no dia 29 de fevereiro. E os moradores de Barra Longa que estavam presentes na Cidade Administrativa logo notaram essa falha absolutamente primária da ausência do nome de Barra Longa entre os Municípios atingidos.
O Thiago mencionou hoje aqui o surto epidêmico de dengue em Barra Longa. Quando eu estive em Barra Longa no dia 16 de março, nas reuniões quinzenais que são realizadas, mencionou-se que seriam 158 casos de dengue, isso em um Município que tem cerca de 5.800 habitantes, com aproximadamente 3 mil na cidade de Barra Longa. No dia 13 de abril, foi mencionado - é verdade que não se trata de um critério estatístico verificado - pelos atingidos que já seriam 400 casos de dengue.
Se realmente isso for confirmado - eu falei para o Thiago que já expedi ofícios à Secretaria de Saúde de Minas Gerais -, provavelmente coloca Barra Longa como a cidade com maior número de casos de dengue em todo o País. É algo absolutamente impressionante! Não se trata de uma causa natural. É evidente que, sendo um surto epidêmico tão intenso, isso tem raiz em um fenômeno não natural, que é a enchente de lama que atingiu a cidade. Até hoje, quando se vai a Barra Longa, se vê a impressionante quantidade de lama que ainda é recolhida da cidade.
O Dr. José Luiz Furquim também mencionou também que houve a revegetação em aproximadamente 4,2 mil metros quadrados - acho que seria mais - às margens dos Rios Gualaxo do Norte e do Carmo. Mas, quando se vai a Barra Longa e se conversa com um atingido ou outro, o comentário é sempre o mesmo: “Tentaram plantar aqui algumas coisas na beira do rio”. E, imediatamente as pessoas fazem o mesmo comentário: “Mas não deu certo, não nasceu”. O que se vê ali é um ou outro pé de capim ou de alguma coisa, muito esparso, mas o que se vê mesmo é a lama debaixo dessa revegetação que visivelmente não ocorreu.
Na ação civil pública ajuizada dia 2 de maio, 3 dias antes da homologação do acordo, além das empresas Samarco, Vale e BHP, são incluídos diversos entes da administração pública, além da União, do Estado de Minas Gerais e do Estado de Espírito Santo, pelas razões que eu já apontei.
O valor da causa é de 155 bilhões de reais. Por que 155 bilhões? Porque é feita uma comparação com o desastre da plataforma de Deepwater Horizon, no Golfo do México, nos Estados Unidos, da petrolífera British Petroleum. Nesse desastre norte-americano, 22 trabalhadores ficaram feridos e houve 12 mortos. Ali houve derramamento de 5 milhões de barris de petróleo diretamente no mar, com estimativa de que foram gastos em medidas de reparação e indenização 43,8 bilhões de dólares, o que, ao câmbio da época do ajuizamento da ação, equivaleria aos 155 bilhões de reais.
Esse valor parte de dois pressupostos. O primeiro é de que essa tragédia, esse desastre tecnológico na barragem do Complexo de Germano não foi inferior ao do Golfo do México. O segundo pressuposto é de que o meio ambiente brasileiro, as vidas humanas que se perderam e as relações sociais atingidas não são menos valiosos do que os existentes nos Estados Unidos. Portanto, partiu-se desse valor, que é uma correspondência àquele do Golfo do México, tendo em vista que não há nenhuma estimativa, nenhum estudo técnico que possa dimensionar adequadamente os danos socioambientais causados por esse desastre do Complexo de Germano na Barragem de Fundão.
A ação civil pública que foi ajuizada pela União e pelos Estados coloca 20 bilhões como uma estimativa dos danos. Todavia, essa estimativa não encontra respaldo em nenhum estudo socioambiental, em nenhuma análise pericial abrangente pela simples razão de que não existem esses estudos e de que também os danos causados são multidimensionais, eles vão muito além das questões ambientais, que são normalmente colocadas.
É necessário dizer que, muito além dessas questões ambientais, existem outras de cunho social, existem outras que afetam povos indígenas. A Dra. Deborah mencionou a questão dos crenaques. Os crenaques vivem às margens do Rio Doce, que eles chamam de Watu, na altura do Município de Resplendor. A relação que eles mantém com o Watu, o Rio Doce, é uma relação de natureza espiritual. É onde eles acreditam que se encontram os seus encantados, os marés. É à beira do Rio Doce que eles desenvolvem seus rituais. Essa reprodução das manifestações culturais encontra-se absolutamente impossibilitada, inclusive pela necessidade de instalação de uma cerca, implantada após o desastre para impedir que os animais bebessem água no Rio Doce.
Na ação do Ministério Público Federal se parte do princípio de que deve haver participação, com a realização de audiência pública ou com outros métodos de coleta de exigências e opiniões dos atingidos e também com relação aos povos indígenas e demais povos e comunidades tradicionais, sejam eles quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais ou pomeranos. Deve-se realizar a devida consulta prévia, livre e informada. É da obrigação da União efetivar o cumprimento dessa consulta, tendo em vista que cabe à União cumprir as convenções e tratados internacionais, entre as quais a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, que prevê, em seu art. 6º, o direito à consulta prévia, livre e informada.
Já passei bastante do tempo que eu tinha para fazer a exposição, mas não queria deixar de registrar, antes de encerrar, que a homologação feita no âmbito do Tribunal Regional Federal, em Brasília, pelo Núcleo de Conciliação, já foi objeto de recurso do Ministério Público Federal, feito pelo Procurador-Regional da República Felício, que questiona diversos vícios processuais, entre os quais o da supressão da primeira instância.
A força-tarefa que havia sido constituída no âmbito do Ministério Público Federal já tinha peticionado ao juiz da 12ª Vara, que foi reconhecida, em decisão monocrática da Ministra Diva Malerbi, como competente para tratar das questões até o julgamento de um conflito de competência, que inclusive está marcado para ser julgado hoje no Superior Tribunal de Justiça - STJ.
Suprimiu-se completamente a competência do juiz de primeiro grau. O MPF, como eu dizia, já havia peticionado ao juiz requerendo vista dos autos para se manifestar sobre o acordo previamente à homologação que tinha sido requerida pelas partes. Todas essas pontuações referentes à falta de legitimação da União, do Estado de Minas Gerais e do Estado do Espírito Santo ocorrem até porque as respectivas advocacias públicas não são dotadas da legitimação extraordinária para defender direitos coletivos, difusos, individuais, homogêneos, ou seja, transindividuais em geral, em nome dos atingidos, e assim se comportaram.
Além disso, o Ministério Público Federal entende - colocou isso no recurso apresentado - que o acordo jamais poderia ter sido homologado em um agravo de instrumento, que havia sido interposto pelas partes da ação ajuizada pela União e pelos Estados com relação a uma decisão de antecipação de tutela do Juiz da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, porque, como é de conhecimento geral, o agravo de instrumento tem uma abrangência muito limitada. É o que se chama de efeito devolutivo do recurso. Em um agravo de instrumento, jamais alcança a totalidade da ação.
Portanto, não seria possível que, em um recurso contra uma decisão interlocutória, como é o recurso de agravo, fosse decidido homologar-se um acordo que diz respeito à totalidade da ação civil pública proposta pelos entes federativos. Por si só, isso já seria causa para reconhecimento de nulidade da homologação.
Além disso, o Ministério Público Federal, por sua Procuradoria-Regional da República da 1ª Região, aqui em Brasília, só foi intimado na véspera da homologação do acordo, no dia 4 de maio deste ano, sem vista pessoal dos autos. Portanto, houve desrespeito à prerrogativa institucional de intimação com vista pessoal dos autos. Além disso também, no recurso que foi interposto pelo Procurador-Regional da República Felício, são colocadas todas essas falhas que dizem respeito à falta de participação dos atingidos, à falta de realização de consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e demais povos e comunidades tradicionais, à falta de legitimação adequada da União, do Estado de Minas Gerais e do Estado do Espírito Santo para realizarem um acordo nessa extensão.
Em síntese, eram essas as minhas considerações.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Isso porque é em síntese, não é? (Riso.) Mas é muito importante que se tenha essa visão geral, do todo.
Como é que nós podemos proceder aqui? Eu não fiz considerações iniciais. Vou tentar fazer algumas considerações rapidamente agora, sem comprometer o tempo. O Dr. Edson já está também com o seu tempo comprometido.
Eu quero, primeiro, agradecer a todos e reconhecer a importância de quem veio dar essa contribuição ou esclarecimento. Eu quero reconhecer isso aqui. E houve uma justificativa. Eu acho que as falas já contribuíram bem até mesmo para a nulidade desse acordo.
É um pouco assustador - e essa é uma percepção minha, por favor - o que ocorre em relação ao próprio Judiciário. Os juízes, às vezes, estão um pouco longe da realidade das coisas. Isso nos assusta.
Aí, Regiane, não se assuste tanto, porque muitas vezes quem deveria nos dar mais segurança é quem nos coloca na mais profunda angústia e insegurança.
Só para se ter uma ideia, os Ministros do Supremo foram citados por duas autoridades nesses 2 dias, anteontem e ontem. Nada menos do que um Senador da República disse que conversou com Ministros do Supremo Tribunal Federal para ver uma forma de afastar a Presidente, para dar um golpe. Ou seja, ele dialogou com os Ministros, sujeitos do golpe. Mas, para ser justo aqui também, esse Senador cita o Ministro Teori Zavascki como muito difícil, acrescentando que com ele não havia jeito de conversar.
Então, todos os outros 10 Ministros estão como suspeitos de participar dessa arquitetura do golpe, porque até agora, com todo respeito, nenhum se manifestou. Nenhum deles disse: “Olha, eu não conversei com esse Senador”. Ninguém até agora fez isso. Eu, pelo menos, não li nada a respeito.
Isso dá a entender que a composição desse Governo foi, de fato, uma forma de garantir proteção a muitos Ministros ali. E também entendemos que eles vão ter esse apoio do Supremo ou de uma parte do Supremo. Não sei de quantos, sei que é de mais de um. Um eu até sei quem é. O Senador disse: “Eu estive com os Ministros, conversei, e está tudo garantido”. Ele fala, inclusive, uma coisa mais grave: o MST está sendo monitorado. Com autoridade de quem?
Ele cita o MST, literalmente, mas, com certeza, o MAB ou qualquer outro movimento social pode estar aí grampeado e monitorado. Isso já está acontecendo. Ele garantiu isso lá atrás.
Então, dá para ver que, infelizmente, o que está acontecendo no País é uma anomalia de criminalização da organização, de desconsideração, às vezes casando com o poder econômico, ou conchavando com o poder econômico. E o poder econômico domina aqui.
Nós estamos vivendo uma anomalia, Dra. Deborah, que eu nunca vi. Estamos no Governo Cunha, porque o próprio Romero Jucá diz Cunha/Temer ou Temer/Cunha. Então, é uma coisa só. Dá a entender que o Legislativo e o Executivo são uma coisa só também. Estamos vivendo essa anomalia no momento. Uma pessoa só está coordenando o Executivo e o Legislativo.
Por interesse deles, as coisas poderiam ter sido piores em relação aos movimentos. Qualquer problema que envolvesse dano material numa manifestação seria enquadrado como crime hediondo, elevando a pena para mais de 30 anos. Como eles tinham medo de que fosse derrubada a sessão, foi mantido o veto nesse ponto, mas ficou atravessado na garganta, sobretudo na dos ruralistas.
Nós estamos vivendo uma situação crítica. Esta audiência nos traz mais preocupação, mais preocupação, Dr. Edmundo!
Anotei algumas sugestões para que possamos avançar, para que esta audiência pública tenha desdobramentos no sentido de pressionar para que ocorra uma revisão, considerando os atingidos como sujeitos com maior autonomia. Se não, passaremos para o mundo uma imagem que não é verdadeira. Ela não é verdadeira no sentido de resolver o problema lá.
Faço algumas provocações aqui para ouvir essa rodada, com as considerações e encaminhamentos finais. A Regiane falou da comunidade de Mascarenhas. De fato, são tantas outras comunidades que ainda têm problemas.
O Dr. Edson reafirma a importância de que o acordo tenha a anuência dos atingidos. Eles darão essa anuência se estiverem de acordo, se participarem e tudo mais.
Temos também de forçar a participação do comitê como um todo. Então, temos de envolver os Governos do Espírito Santo e de Minas Gerais e a União, a Casa Civil, o Ministério do Meio Ambiente, para provocarmos essa revisão.
Acho que foi o Guilherme que trouxe uma questão no sentido mesmo de refazer o acordo.
O que é mais grave é como garantir o direito. Acho que um acordo, em muitas questões, não pode esperar isso tudo. Trata-se do direito mesmo dos atingidos, da questão da moradia, do reassentamento. Volto reafirmar que é muito tempo para o reassentamento. Acompanho, por exemplo, o Minha Casa, Minha Vida - Entidades. Quantas entidades constroem tão rapidamente 300 moradias, boas casas, mesmo considerando a licença ambiental e todas as questões que são sabidas aqui, que não precisamos detalhar?
Parece que há uma estratégia de dispersar, ou seja, quanto mais dispersas as famílias, melhor. É melhor assim para empresa. Não haverá visibilidade. Eu pude vivenciar isso. Inclusive, logo em seguida, quando a Ministra Nilma esteve lá, nós percebemos isso, ainda quando a maior parte das famílias estava nos hotéis. Então, quanto mais dispersas as famílias, mais difícil a organização.
Em relação ao IBAMA, quando estive em Barra Longa, recebi um filme e vi com os meus próprios olhos que a lama continuava no rio. Há 15 dias recebemos denúncia afirmando que essa lama continua lá. Fizemos denúncia, formalizamos, mandamos CD para o IBAMA, para o Ministério do Meio Ambiente, para o Ministério Público Federal, enfim, formalizamos essas denúncias. É um problema daquele agricultor e daquele pescador, que dependem da água. Então, é um direito humano que está sendo violado, porque há uma questão séria, ambiental, que desencadeia tantos outros processos.
Até recentemente estava saindo lama no encontro do rio, na chegada de Barra Longa. E é uma lama, como eu disse em outra audiência, onde nem traíra - embora esteja em voga o número de “traíras” - sobrevive. Nem esse peixe consegue sobreviver. Então, está ainda comprometida a situação dos pescadores, uma vez que está descendo ainda a lama. É um problema grave.
Em relação aos comitês, teríamos que ver qual é o desenho do MAB, como iremos possibilitar ou avançar com a proposta. Há um entendimento entre o Ministério Público e os atingidos bem objetivo. Nesse desenho em que há o acordo, naquela proposta de trabalho, como seria essa participação dos comitês, dos eixos e tudo o mais? Como seria essa participação?
Devemos ter uma coisa bem objetiva e concreta. Como, onde e quem? E deve a proposta envolver os dois Estados. Acho que facilitaria.
Em relação ao meio ambiente e ao Ministério Público é isso: como podemos somar uma força para anular e para rever esse acordo? Acho que era a questão do próprio Antônio, que queria fazer essa pergunta para a Dra. Deborah.
Com a palavra a Dra. Deborah Duprat.
A SRA. DEBORAH DUPRAT - Eu quero só acrescentar uma questão que foi trazida pelo Guilherme, aproveitando a presença da Samarco aqui, porque acho que pode haver o encaminhamento de uma questão que é anterior ao acordo, tangencia o acordo, mas de certa forma independe do acordo, que é a questão do cadastramento.
Essa questão é muito séria. O Guilherme se lembrou desse trabalho feito pelo CDDPH - Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, dos atingidos por barragem, e nós que acompanhamos, por exemplo, o caso de Tuxá, da Hidrelétrica de Itaparica, vimos como essa forma de cadastramento por unidade familiar, sem a participação dos atingidos, com o decorrer do tempo é absolutamente cruel: pai começa a brigar com filho, que começa a brigar com neto, por uma verba indenizatória de transição que tende a se tornar permanente, porque eles não resolvem o problema.
Acho que esse cadastramento que é construído junto com os atingidos é a forma mais próxima da ideal. Não dá para continuarmos colocando nas mãos do Estado brasileiro ou da empresa esses cadastramentos que levam em conta apenas o núcleo familiar, porque ele se expande ao longo do tempo, as gerações se sucedem, e aí começamos a ter um recurso absolutamente insuficiente.
Outra coisa que eu gostaria aqui de reforçar é que temos que trazer para a sociedade brasileira a consciência, isso para o Estado e para os empreendedores, de que ninguém está sozinho neste mundo. As famílias formam núcleos mais extensos que estão inseridos em coletividades. Essa tem que ser a visão do empreendimento e do dano. Na hora em que o dano é provocado, ele não pode ter uma limitação no tempo, ou seja, não pode haver um desembolso aí por 3 anos. O limite é a recomposição da comunidade. Enquanto a comunidade não tem condições de se recompor, a responsabilidade do empreendedor persiste.
Então, acho que é preciso levar isso em consideração. Esses estudos que foram feitos tomando em conta não sei quantos grupos atingidos por barragens mostram isso, que não é uma quantidade em dinheiro e não são algumas políticas públicas que vão recompor a comunidade. Enquanto uma comunidade que vivia bem continuar destruída, essa responsabilidade persiste.
Então, eu gostaria de insistir no cadastramento, porque é possível corrigir isso agora, basta assumir essa responsabilidade de que ele será participativo para avançarmos um pouco.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Dra. Deborah, acho que a própria empresa ganha com isso. Vamos discutir os reassentamentos, a reativação econômica participativa, tudo participativo, e não dificultar a participação das pessoas, o envolvimento das famílias. É um grande equívoco esse acordo em se tratando disso, porque todas as ações seriam participativas. E com a participação de quem? Dos próprios atingidos. É lamentável quando percebemos que todo esse processo é muito contaminado pelo poder econômico, no sentido da política...
A SRA. DEBORAH DUPRAT - Sr. Presidente, gostaria de lhe lembrar a questão do meu horário...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Obrigado pela participação. Nessas diligências, nós vamos marcar datas e ver como contemplamos também Baixo Guandu, porque, de fato, foi uma região afetada, inclusive os pescadores tinham sido altamente afetados há 10 anos com a hidrelétrica e agora de novo. Então, são um problema sério esses grandes investimentos, quando não consideram a pessoa humana, a tradição, as comunidades. Os peixes de lá apresentaram tipos de tumor, em razão daquele barramento que houve lá, pois não fizeram a limpeza adequada. Houve um grande crime ambiental.
Quero apenas fazer mais essa a pergunta ao Paulo: a limpeza, o desassoreamento dessas hidrelétricas, a exemplo da Risoleta - e nem citei Baguari -, que é a primeira e que se situa mais no Rio Doce. Ela está contemplada nesse dinheiro? Serão outros recursos? Por que demoraram tanto essas providências em relação ao rejeito que continua descendo no rio?
Não sei se há mais alguma questão que poderíamos fazer ao Paulo. Se houver, ele já faz as considerações finais, embora o Edson já houvesse pedido para fazer a consideração e sair.
O SR. ANTÔNIO GERALDO DOS SANTOS - Só quero reforçar que, na comunidade de Bento Rodrigues, a Samarco construiu um dique, e a água lá está limpa. Então, de onde está saindo esse rejeito que continua descendo na calha do rio?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Mas, quando chega a Barra Longa, não está um mingau, está aquela lama que continua chegando ao rio, embora eu tenha também mandado ao Ministério Público imagens de um trator jogando aquela lama ainda para dentro do rio.
O SR. PAULO FONTES - Deputado Padre João, quero responder essas questões, fazer menção a algumas que foram citadas e, também, porque acho importante, fazer algumas considerações.
Com relação a essa questão do rejeito, essa é uma grande preocupação do IBAMA. Recentemente, estivemos presentes na região com uma equipe de 16 técnicos, para acompanhar todo esse processo. Entendemos que a área mais impactada neste momento e durante todo o processo, mas que precisa de uma emergência no sentido de ações em um prazo muito mais curto pela empresa, é justamente o trecho que vai da Barragem de Fundão até Candonga, até Risoleta Neves.
Se não houver isso neste período agora, que é um período que consideramos de seca, antes inclusive das próximas chuvas, o que está lá hoje, o dique que foi construído, que está segurando e por onde está passando água limpa neste momento, dali para frente, em função desse rejeito estabelecido nas margens, corre risco. Apesar de o representante da empresa ter falado aqui dos plantios, alguns já acabados, o IBAMA entende que não há nenhum acabado ainda.
Nós estivemos na área e vimos que alguns poucos plantios deram certo. A maioria não deu certo, a maioria foi plantada em cima de depósitos de rejeito extremamente elevados e, na primeira chuva que aconteceu, depois dos plantios, foi tudo carreado para dentro dos rios. Ou seja, não se resolveu o problema. Portanto, não é esse tipo de ação que tem que ser feita nessas situações.
Ali tem vários casos, várias situações, em vários lugares. Há procedimentos específicos a serem adotados para algumas situações, outros não.
Então, o IBAMA está em campo, notificando a empresa e solicitando maior brevidade nesse tipo de trabalho, porque nós estamos muito preocupados com essa parte da segurança na contenção desses rejeitos - e o período para se fazer isso é agora, no período seco.
E, inclusive, em razão da possibilidade de haver maior carreamento de rejeitos até a Risoleta, há uma maior pressão na barragem, que já está extremamente pressionada.
Eu teria até os números para apresentar ali, mas não houve o tempo devido. Essa é uma grande preocupação do IBAMA, a empresa está sendo notificada. Fizemos um relatório recente, inclusive está na página do IBAMA, para quem quiser ter acesso. Fizemos um relatório técnico mostrando toda essa preocupação e os procedimentos que precisam ser adotados pela empresa.
Achamos que a empresa tem que ser mais ágil neste momento, com relação a essa contenção e com relação à segurança. E, quanto à parte de recuperação que ela anda fazendo, algumas coisas estão o.k., mas tem muita coisa que precisa ser revista e que precisa, inclusive, ser refeita. Então, é esse o aspecto.
Eu só queria aproveitar as falas que foram colocadas e já dizer o seguinte: concordo com a fala do pessoal do MAB, num primeiro momento, até porque, se há algumas lições que nós precisamos aprender com essa tragédia, com esse desastre, acho que uma delas é realmente uma rediscussão do modelo de mineração no País, principalmente nos aspectos de licenciamento de todos esses empreendimentos. E a contribuição desta Casa é fundamental nesse processo. Precisamos, realmente, rever a parte da legislação que cuida disso, quanto a essa questão toda do modelo que se tem hoje no País, que tem muitos vícios, que precisa ser muito melhorado nesse aspecto, até para trazer segurança, muito mais segurança com relação às barragens, com relação ao empreendimento como um todo. Eu acho que esse é um ponto muito positivo, e o IBAMA faz coro com isso, com relação a essa necessidade.
Eu queria dizer algo em relação ao que também foi falado sobre o acordo, sobre o fato de parecer o Governo andando junto ou lado a lado com a empresa. Eu não posso aceitar uma afirmação dessas, porque isso não é uma verdade. Nós temos trabalhado desde o primeiro dia com relação a esse desastre, no sentido de ficarmos em cima da empresa, cobrando, multando. Não foi à toa que o IBAMA estabeleceu seis multas para a empresa. Nós a notificamos mais de quarenta vezes, por uma série de situações que a empresa tem que fazer e tem que acompanhar. Algumas coisas têm andado bem, outras nem tanto, e nem por isso o IBAMA deixou de cumprir o seu trabalho, que é colocar o que precisa ser feito naquilo que o IBAMA entende que não há segurança ainda.
Por exemplo, nós não temos a menor segurança ainda de que a empresa possa pensar em retomar suas atividades enquanto ela não der segurança com relação às barragens dela mesma mesmo. A empresa também não pode pensar em entrar em atividade enquanto essa parte de recuperação, principalmente da questão do manejo do rejeito, não for resolvida. Isso tem que ser resolvido para se poder falar em volta da atividade. Apesar de a questão do licenciamento não ser do IBAMA, mas do Estado, a posição do IBAMA é no sentido de que a empresa tem, no mínimo, que demonstrar esse tipo de segurança para a sociedade, para ela poder pensar em falar em retomar suas atividades.
Eu acho que esse é um aspecto crucial, e nós estamos em um momento muito importante para resolver essa questão.
Eu queria só colocar, com relação ao acordo, que, apesar de eu ter ouvido aqui - e eu acho que foi muito importante escutar essas falas, principalmente dos atingidos - que em nenhum momento eles foram ouvidos no processo, o nosso entendimento, pelo menos técnico, do IBAMA, é que isso estaria sendo resolvido nas representações dos Governos locais. É por isso que o Governo local participa dos comitês. Mas eu estou vendo claramente aqui que isso não foi atendido ou isso não tem sido atendido.
Então, eu acho que é uma coisa que precisa ser realmente revista, precisa ser realmente reavaliada - refiro-me a essa questão de ouvir aqueles principais assentados, que precisam ser, de certa forma, atendidos.
Faço coro com a colocação da Dra. Deborah, Procuradora, quando diz que talvez um ponto crucial neste momento seja rever essa questão do cadastro. Concordo. Eu acho que, talvez, isso já iria dirimir uma série de problemas, ou, pelo menos, daria um encaminhamento mais correto nessa questão do atendimento. Eu acho que é uma coisa que, realmente, precisa ser revista. E, aí, eu diria o seguinte: o nosso atual Ministro já está sensível a isso. Inclusive, como o senhor tinha colocado há pouco, uma das primeiras falas dele em relação à ida em Mariana foi nesse sentido de rever essa questão de atendimento a essa população ou às comunidades que têm colocado a questão de não terem sido atendidas, não terem sido chamadas para discutir a questão do acordo.
Esse é um ponto que deve ser, realmente, avaliado, e o Ministro já está sensível a isso, já está demonstrando interesse em olhar essa questão como um todo. Essa é uma questão importante.
Eu quero dizer ao Dr. Edson que é muito importante a vinda da Defensoria Pública da União para a questão do atendimento imediato. Isso era uma falha e já havia sido discutido durante as reuniões do comitê. Nós dizíamos: “Olha, realmente, isso é uma coisa que precisa ser resolvida”.
Com esse acordo, então, ou com esse termo de cooperação, não sei bem qual é o mecanismo, é importante a presença da Defensora Pública lá nas pontas. Inclusive isso foi cobrado muito dos representantes dos Municípios e dos Prefeitos: o apoio à Defensoria Pública, para que ela pudesse fazer esse trabalho lá.
Nós, muitas vezes, não temos estrutura para atender a tudo, mas a estrutura de Governo tem que aparecer neste momento, e a Defensoria tem que dar essa condição.
Isso, na verdade, é um ganho para a população que precisa, num primeiro momento, ser atendida de forma correta, ou seja, o Estado dando o apoio. Mas eu vi aqui hoje algumas falhas e, portanto, esse apoio não está acontecendo.
Eu quero encerrar a minha fala dirigindo-me ao Dr. Edmundo. Eu acho o seguinte: eu não teria a menor condição de refutar uma série de coisas que ele colocou, que eu entendo que são coisas muito mais jurídicas, muito mais nessa linha do que pode ou da forma como foi feita ou não dentro do acordo.
Nesse sentido, eu peço, Sr. Deputado - porque eu acho que faltou aqui hoje, talvez, até para justificar ou não uma série de questões que o Dr. Edmundo colocou -, a presença da AGU, que foi quem capitaneou todo esse processo junto conosco. E, aí, a AGU poderia, talvez, dar uma série de explicações que não foram dadas aqui. Eu não me sinto em condições de fazê-lo, mesmo porque não sou da área, sou um técnico.
Eu diria assim: antes de falar em nulidade do acordo, eu acho que precisaríamos ouvir a posição da AGU sobre toda essa situação e que houvesse uma discussão mais nesse sentido de fundamentação para a questão de um acordo.
Em relação a um acordo, podemos dizer que há falhas? É claro que tem. O acordo não é perfeito. Mas, para nós que estamos militando na área ambiental há muitos anos, quando aconteceu todo esse desastre e que houve as aplicações das multas, a nossa pergunta interna no IBAMA era a seguinte: “Nós vamos aplicar mais uma quantidade de multas, não vamos conseguir receber esse dinheiro e dar andamento ao que precisa ser dado, como vários e vários outros exemplos que nós temos no País hoje?”
O IBAMA está lá cheio de multas para receber. A legislação permite que as empresas recorram, recorram, recorram e, na verdade, as coisas não acontecem.
Quando veio a ideia, então, de que a própria empresa sinalizou para se fazer um acordo para que se pudesse começar a refazer as coisas, para nós foi muito interessante e de inovação.
Então, eu penso nesse acordo como um instrumento de gestão inovador que nós não temos no País e que nunca foi implementado. Quando se faz isso pela primeira vez, surge uma série de questões sobre as quais estamos trabalhando, tentando melhorar e resolver.
A ideia de ser uma carta de intenção ou de ser uma plataforma para que esse dinheiro realmente comece a ter celeridade e que as coisas comecem a acontecer no prazo que elas precisam, eu acho isso uma inovação que nós não temos ainda.
Eu acho isso fantástico na visão e na perspectiva puramente técnica que eu estou colocando. Mas eu acho também que todas essas questões que têm sido levantadas, têm que ser debatidas, esclarecidas, se for o caso, revistas.
Quero dizer, ainda, que a novidade desse acordo se dá quando se traz e se cria uma fundação que irá gerir todos esses recursos. A princípio, esse dinheiro não entraria em um fundo do Governo, o que evitaria dificuldades para depois retirarmos desse fundo e fazer as aplicações que precisam ser feitas. Nós temos uma dificuldade muito grande nesse sentido. Historicamente, isso acontece. Portanto, havia uma preocupação, desde o início, de que o dinheiro da multa, por exemplo, fosse aplicado na região, nas cidades, nas localidades, nas comunidades, para fazer essa recuperação, isso tudo.
Se não houver um sistema como esse arranjo que foi feito, eu acho muito difícil que isso aconteça. É muito complicado. Eu acho que, quando se fala nisso, temos que pensar nesse arranjo e nessa possibilidade de que isso aconteça, de que isso possa efetivamente trazer um benefício para a população atingida, que, no meu entendimento, é a primeira que tem que ser atendida.
Se neste momento estamos tendo toda essa dificuldade, imaginem no futuro. Isso é importante nessa discussão.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Agradeço.
Se os próprios Prefeitos estão muito distantes da vida dos atingidos, imaginem os Governadores.
O SR. PAULO FONTES - Só mais um detalhe. Eu me expressei mal na minha fala e acho que ficou uma dúvida: o Comitê Interfederativo é formado pelos principais gestores dos órgãos. Não são especialistas; são os gestores - como o Presidente do IBAMA, o Presidente da ANA. Eles podem ter o apoio das câmaras técnicas, mas o poder de decisão é dos gestores públicos; no caso, dos dirigentes desses órgãos.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Obrigado, Paulo.
Passo agora a palavra ao Dr. Edson para as suas considerações, já com a seguinte provocação: como a Defensoria pode contribuir nesse processo do cadastro?
O SR. EDSON RODRIGUES MARQUES - Vou finalizar, desculpando-me e agradecendo ao Antônio, ao Guilherme e ao Thiago. A sociedade civil precisa se organizar e brigar pelos seus direitos. A Defensoria é só um instrumento para facilitar e auxiliar. Nesse aspecto, a Defensoria Pública existe para isso.
Quer comentar duas questões, sendo a primeira delas o fato de que o acordo não pode partir da linha dos gabinetes, daqueles que estão pensando a situação, e sim daqueles que estão vivenciando a situação. A premissa básica é que a população diretamente atingida seja a que decida efetivamente o que ela quer como acordo. Ela que sente, ela que sofre o problema. Se for necessário um assentamento, um reflorestamento, uma reengenharia na cidade atingida, tem que se consultar a população. A Defensoria Pública, neste aspecto, é parceira da população, um canal de interlocução e se coloca à disposição.
Com relação à pergunta, é bem simples para a Defensoria explicar: já foi feito um cadastramento. Obviamente, quando feitos, esses cadastramentos são feitos no calor, no açodamento, na esperança de que vão se cadastrar e receber uma foto naquele exato momento. Há pessoas que trabalham na família, mas há pessoas que estão fora. Sabemos muito bem que a realidade brasileira é muito distinta daquela em que existe apenas um trabalhador na casa e a senhora, que é a companheira, não trabalha. Na verdade, ela trabalha também. Nossa realidade é diferente.
O que aconteceu? A contribuição que a Defensoria Pública pode dar é a mesma que ocorreu ao longo do processo em Altamira. Lá em Altamira nós também tivemos um processo muito grave. Lá também foi feito um cadastramento. Esse cadastramento foi cheio de falhas, cheio de defeitos. Há situações que não contemplavam pessoas daquela localidade e contemplavam pessoas que não eram daquela localidade.
É bem possível, como a Regina falou, que pessoas se utilizem desses instrumentos às vezes para se beneficiarem, prejudicando pessoas que efetivamente foram atingidas pelo desastre. Como a Defensoria Pública pode contribuir? Temos instrumentos. Já fiscalizamos anteriormente. No caso de Altamira, foi feito um cadastramento pela Horizontal - era a empresa que fazia esse cadastramento lá. Ela fez o cadastramento. Quando entramos em Altamira, nós exigimos que fosse feito um recadastramento, que fossem verificadas aquelas condições de cadastro, um trabalho que fosse acompanhado das pessoas da comunidade, porque são efetivamente quem sabem quem teria seus laços ali. Como eu trago a pessoa que vai realizar o cadastramento de fora daquela comunidade para de fato entender o que lá aconteceu? Às vezes, até se pode contratar pessoas daquela comunidade, mas com um direcionamento específico.
O que nós fizemos? Chamamos os movimentos sociais, explicamos o que seria feito no novo recadastramento para alguns assentamentos que ainda estavam para ser realizados e, nesses reassentamentos que estavam para ser construídos, para aquela população que estava sendo atingida e que não havia sido agraciada ainda, nós conduzimos e explicamos o que deveria ser abordado, o que deveria ser explicado, exatamente para que aquelas pessoas também não fossem induzidas a erro.
Por quê? Porque é muito fácil induzir essas pessoas. Eu não digo nem que seja má-fé, mas é induzir mesmo, no conjunto de informações e de dados, o que, às vezes, uma pesquisa requer que seja feito. Ela pergunta: “Você é o cabeça da família? Você é a pessoa que conduz a sua família?” Você diz: “Sim”. Ela pergunta ao outro. Ele responde: “Sim”. Aí você diz: “Eu sou, mas a minha esposa também trabalha”. Entendeu? Então, nós passamos a explicar isso, a dar essa orientação, que também não é só jurídica, mas social. Nós passamos a explicar isso também.
Quando o pesquisador passar aqui, quando o recadastrador passar aqui, você tem que colocar toda a situação da sua família. Às vezes, você vive em união familiar ou em uma unidade familiar que tem mais de uma família vivendo no mesmo endereço, o que foi, por exemplo, o caso de Altamira.
Então, nós já temos uma experiência com isso aqui. E eu me sinto muito feliz que o procurador esteja dizendo que eles estão questionando o acordo feito antes, porque temos um momento para rediscutirmos isso e, efetivamente, chamarmos a população diretamente afetada, fazermos com que ela participe disso. E que o acordo que as empresas estão, parece-me, com boa vontade de realizar seja, efetivamente, um acordo que atenda aos anseios da população.
Por quê? Porque a população atingida é a que sofre todo o reflexo, toda a situação, o que nós sabemos que não vai ser superado em 1 ano, 2 anos, 3 anos. Trata-se de uma situação em que vamos ter gerações e gerações afetadas.
Muito obrigado. Boa noite a todos!
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Nós é que agradecemos, Dr. Edson Rodrigues Marques. E vamos continuar provocando.
O SR. IGOR ROQUE - Deputado, eu quero só fazer um esclarecimento aqui: eu sou Defensor Público Federal e estou à frente, digamos assim, pela Defensoria Pública da União, nessas tratativas com a Samarco, com a BHP, com a Vale, com a União e com os Estados. E aí eu queria só fazer alguns esclarecimentos, até para tranquilizar o pessoal, se isso for possível.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Eu não guardei o nome do senhor.
O SR. IGOR ROQUE - Igor Roque.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Igor Roque.
O SR. IGOR ROQUE - Defensor Público Federal.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Que está atuando?
O SR. IGOR ROQUE - Pela Defensoria Pública da União, no contexto dessa tragédia, crime, evento, enfim, cada um que denomine da forma que entender.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - É só porque estamos gravando. Obrigado.
O SR. IGOR ROQUE - E aí eu queria só tranquilizá-los no seguinte aspecto: a Defensoria Pública da União, como bem colocou o Dr. Edson, não se sentiu confortável, digamos assim, de figurar como signatária do TAC, por uma simples razão: nós sugerimos algumas alterações por diversos fatores. Não foram possíveis essas alterações e, de outra forma ou por outro lado, nós, da Defensoria Pública da União, também não nos sentiríamos confortáveis em deixar isso de lado e não participar de nenhuma forma.
Por isso, nós resolvemos fazer esse acordo de cooperação técnica, para fazermos uma espécie de fiscalização, digamos assim, de um dos programas que ficou determinado no TAC. Em razão disso, eu tenho participado, pessoalmente, de diversas reuniões na Casa Civil e no IBAMA. Na semana que vem, teríamos uma na ANA, que foi adiada para a semana seguinte, enfim, para fazermos esse acompanhamento. A partir de junho, a Defensoria Pública da União vai fazer uma atuação no perfil, digamos, de audiência pública nos Municípios que foram atingidos, para fazer essa interlocução com a população que foi atingida.
Nós já estamos levantando inúmeros problemas com relação ao cadastramento. Eu acho que esse é o principal problema que vai surgir. Infelizmente, a Regina não está aqui, porque eu queria discordar de um posicionamento dela. Ela disse: “Ah, não, é porque a Samarco pediu para a gente apontar quem é que não deveria estar na lista e está. Isso é traição e tal”. Mas, assim, ela tem que apontar, porque os recursos são finitos.
Então, assim, ela tem que dizer - ou a população, ou os movimentos sociais - que sabe que fulano e que “a”, “b” ou “c” não têm que estar cadastrados como beneficiários, assim como “c”, “d”, “e” e “f” não estão e deveriam estar. Isso precisa ser transparecido.
A população também precisa funcionar como fiscal, porque, como eu disse, os recursos são finitos. Para atender todo mundo de uma maneira adequada, tem que haver essa interação.
Esse foi até um dos pontos que eu levantei na última reunião de que participei na Casa Civil, porque algum movimento social estava exigindo a divulgação da lista do cadastramento. E o pessoal perguntou: “E aí, a gente divulga ou não divulga? Como é que a gente vai fazer? Isso pode gerar problema”. Eu disse que não, que tinha que divulgar. Tem que divulgar porque a população precisa ser fiscal disso. Ela tem que dizer: “Dona Maria está aqui e não é para estar. Seu José não está aqui e tem que estar”. Isso vai tornar o trabalho muito mais eficaz, muito mais efetivo.
Para encerrar, já coloco à disposição a Defensoria Pública da União. Como eu disse, a partir de junho, vamos fazer essa peregrinação, digamos assim, aos Municípios que foram atingidos, para fazermos essa interlocução com a população, recebermos da população essas demandas, essas dúvidas, esses questionamentos, para levarmos aos signatários do acordo, para tentarmos solucionar isso.
Quero dizer que, caso as pessoas não concordem com o acordo, com os termos do que for oferecido a elas, a Defensoria Pública da União vai prestar assistência jurídica, integral e gratuita, inclusive para, se for o caso, judicializar as demandas. Como o Dr. Edson disse, nós temos como princípio basilar da Defensoria Pública da União fugir um pouco do Judiciário, porque nós, no Judiciário, infelizmente, sabemos o dia em que começa uma ação, mas não sabemos quando termina. Então, é muito mais célere e eficiente, digamos assim, nós resolvermos ou tentarmos resolver na esfera administrativa.
Para encerrar, é óbvio que esse acordo não é o melhor dos mundos. Eu até gosto de dizer que o melhor dos mundos seria que não tivesse acontecido nada, seria a inexistência da tragédia. Mas o fato é que a situação está posta. Então, na minha concepção, concordo com o que Dr. Paulo colocou: o acordo é um ponto de partida. Ninguém está negando o direito das pessoas. A Defensoria está lá para dar o suporte e dizer assim: “Olha, eu acho que isso aqui é bom. Se você concordar, beleza. Se você não concordar, a Defensoria vai entrar com uma ação para garantir o seu direito”. Mas o fato de se partir de uma tentativa de solução administrativa é um ponto extraordinário. Não tenham dúvida de que nós poderíamos eternizar uma discussão judicial, e as pessoas estariam sem nenhum tipo de suporte.
Então, a partir do momento em que partimos de um mínimo, digamos assim, administrativo, eu acho que isso é muito interessante para quem foi atingido por essa tragédia ou por esse evento.
Enfim, eu queria concluir dizendo que a Defensoria Pública da União está à disposição. Nós vamos fazer esse trabalho de interlocução junto às comunidades e vamos participar. A Samarco vai - eu participei de uma reunião, na semana passada, em Belo Horizonte - submeter à Defensoria Pública da União uma tabela com os valores possíveis de indenização, de acordo com o dano sofrido, para nós darmos o.k., concordarmos ou discordarmos daquilo, para podermos garantir o direito da população que foi atingida, das pessoas que foram vítimas dessa fatalidade.
Era isso o que eu tinha a dizer.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Obrigado, Dr. Igor.
O Dr. Edmundo também quer fazer uma pergunta.
O SR. EDMUNDO ANTÔNIO DIAS NETTO JÚNIOR - Na verdade, quero fazer uma retificação, um esclarecimento. O Dr. Edson mencionou que o Ministério Público Federal teria assinado o acordo, e eu quero deixar claro, com todas as letras, em alto e bom som, para que fique registrado, que o Ministério Público Federal não assinou o acordo.
Conversando com ele aqui, enquanto era feita outra pergunta, ele imaginou que, pela participação e pela assinatura em ata, no Tribunal Regional Federal aqui em Brasília, do colega Procurador-Regional da República, o Ministério Público Federal tivesse teria assinado o acordo. Eu quero esclarecer - inclusive consta do recurso que eu tenho aqui em mãos, apresentado pelo Procurador Felício Pontes Júnior - que o acordo, na ocasião, foi impugnado. É claro que, durante uma audiência de conciliação, as partes que comparecem assinam a ata. E assim foi feito. O colega assinou porque estava presente, não sem ter feito a devida impugnação do acordo e de ter apontado todas essas questões que o invalidam, as quais coloquei aqui hoje.
Acrescento ainda, Dr. Edson, que, no recurso que apresentou, ele pede a juntada ao recurso das notas taquigráficas da sessão realizada aqui no Tribunal Regional Federal. Então, eu reitero que, se essa informação lhe foi passada, trata-se de uma informação inteiramente equivocada.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Muito bem.
Se a Defensoria Pública pudesse socializar com esta Comissão de Direitos Humanos o calendário das audiências públicas nesse roteiro, seria uma forma de envolvermos também as Comissões de Direitos Humanos das Assembleias Legislativas de Minas Gerais e do Espírito Santo. Em não havendo uma reação, acho que vamos ter que fazer um evento bem maior, que vai ter um peso bem maior - talvez dois eventos em Belo Horizonte e outro no Espírito Santo. Isso dá a entender que essa fundação é uma terceirização de todos os problemas, o que vai causar um adiamento de mais 6 meses ou 1 ano. Coisas que poderiam ser resolvidas de imediato, agora é a fundação que vai acompanhar o terreno, é a fundação que vai resolver a situação daquela pessoa que ficou sem quintal - vocês entenderam? Até essa fundação se estruturar, vai ser um sofrimento, porque se vai adiando a solução dos problemas. É grave!
O SR. PAULO FONTES - Deputado…
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Fique à vontade, Dr. Edson, para se retirar. Obrigado.
Pois não, Sr. Paulo.
O SR. PAULO FONTES - Só um esclarecimento sobre o que o senhor acabou de colocar. Está muito claro no acordo que, enquanto a fundação não estiver estruturada e funcionando, a Samarco é responsável por fazer tudo isso. Então não há essa descontinuidade. A Samarco tem que cumprir e tem que fazer o papel dela até que a fundação esteja trabalhando e funcionando.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Com a palavra o Thiago, para suas considerações finais, por 3 minutos.
O SR. THIAGO ALVES DA SILVA - Foi comentado na Mesa que foi pedido que as famílias viessem aqui, e não o MAB. O MAB são as famílias organizadas. Isso é muito importante. Essa fala já registra que a Samarco não reconhece o movimento social organizado, não só o MAB, mas quem se organiza. E nós não temos nenhum problema de trazer um ônibus, dois ônibus, três ônibus a Brasília, para que as famílias venham para esta sala discutir todos os temas e debater os pontos que a Samarco quiser. Não há nenhum problema para nós. Vamos trazer as famílias e vamos ver se o debate muda, ou se é uma coisa que nós estamos inventando porque somos “agitadores sociais”, porque “queremos fazer uma agitação contra a Samarco no território”. Isso não existe! É uma resposta e um desafio. O nosso trabalho é levar informação e organizar o processo de luta social. Se não tivéssemos feito isso em Barra Longa, inclusive, e em outras regiões, teria virado violência. Nós somos testemunhas disso.
Queremos dizer que esse debate tem um reforço importante. Nós precisamos de um marco regulatório que garanta o direito dos atingidos, uma política nacional que garanta o direito dos atingidos por barragens. No Brasil, não há isso. É um debate antigo do MAB e que se atualizou neste momento. É muito importante. Esse crime trouxe isso de forma clara. Como não há um marco regulatório que nos oriente, que oriente inclusive a empresa, que seja instrumento de luta social, nós ficamos à deriva. A empresa faz o que quer, os governos fazem o que querem, e a população só avança nos seus direitos pela luta social. Inclusive, ter o reassentamento não está na lei. Isso é fruto da luta social dos atingidos ao longo de décadas e que hoje é senso comum de resolução. Mas antes o senso comum era a famigerada carta de crédito, que gerava muitos outros problemas.
Portanto, quero reafirmar que esta Casa, esta Comissão tem que contribuir com isso. Já há um debate aqui. Há um debate na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, com o projeto estadual, há um projeto no Ceará, mas ainda é muito fraco, é muito débil. Nós precisamos garantir aos atingidos uma lei, uma política nacional que diga quem é o atingido, quais são os seus direitos e qual órgão do Estado vai assumir, para podermos começar a falar do mínimo para garantir o direito dos atingidos.
Nós agradecemos este espaço e dizemos que, em nome da democracia e dos direitos dos trabalhadores atingidos por barragens na Bacia do Rio Doce, a luta continua.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Muito bem. Teve da nossa parte uma iniciativa, ainda como Deputado Estadual, e do Adelmo também. Apresentamos um projeto de lei que era um cheque caução. Toda empresa teria que ter um cheque caução, que seria um fundo específico para esses momentos. Os lobistas das mineradoras, na Assembleia Legislativa, à época, abortaram de fato todo o projeto. Então, muitas questões seriam resolvidas mais rapidamente, porque já haveria um fundo garantido para isso.
Com a palavra o Antônio, para suas considerações finais.
O SR. ANTÔNIO GERALDO DOS SANTOS - Só quero salientar o que o Thiago falou aqui e também a menina que já foi embora. Eu fiz umas anotações, e parece até que estamos combinando, mas é o que estamos pensando mesmo. Vou só completar o que o Thiago falou, dizendo o seguinte: trazer isso para o âmbito federal, como é o acordo, tirando das comarcas, de perto dos atingidos, é uma forma de limitar a participação dos atingidos, é mais uma estratégia da Samarco de limitar a participação dos atingidos. Ou seja, vai ser resolvido aqui… Como o Thiago falou, nós podemos trazer dois ônibus de Mariana para cá. Mas vejam o transtorno que isso vai ser para essas famílias. É bom salientar isso também, porque é uma estratégia da Samarco trazer isso para um fórum só e limitar a participação dos atingidos.
Como eu falei, anteriormente, andaram lado a lado a Samarco e o Estado. Essa menina que falou depois de mim eu nem conheço. Eu a conheci aqui.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Foi a Regiane Soares.
O SR. ANTÔNIO GERALDO DOS SANTOS - Todo mundo pode notar que as falas dela coincidem com as minhas, para vocês verem como as violações estão acontecendo. Ela achou que eu era do MAB - eu não sei se ela interpretou mal. Eu não sou militante do MAB. Eu venho acompanhando o MAB, porque eu sei que o trabalho deles é sério. Só com organização é que vamos conseguir vencer o capitalismo, que vamos conseguir vencer essa questão que a Samarco está impondo, porque esses acordos são imposições da Samarco, são coisas que não sei por que o Governo aceitou. Nessa parte também o que me preocupa é que, como o doutor colocou, nos limites do dinheiro, mesmo com todo esse crime, a Samarco se preocupa mais com o lucro do que em resolver os problemas a serem resolvidos. Então, essa foi uma questão levantada, e eu fiquei mais perplexo com tudo que aconteceu.
De antemão, eu quero agradecer o convite também de estar aqui para ser ouvido, para dar o meu depoimento diante de tudo que está acontecendo. Aqui não tem falácia, eu não estou mentindo, eu não fui orientado por ninguém do MAB para falar nada. Tudo que eu falei e que estou falando são coisas que estou vivenciando no dia a dia, é o que eu estou vendo que pode acontecer posteriormente.
É isso. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Eu é que agradeço, Antônio. Parabéns pela participação. Acho que mostra interesse da juventude, porque alguns querem também até criminalizar a própria juventude, dizendo que é alienada. E você vem aqui contribuir, até superando uma pressão enorme.
Eu sou testemunha, Dra. Deborah e Dr. Edmundo, da pressão da própria empresa sobre as famílias, no sentido de dizer que está tudo igual: “Vocês têm que falar que está tudo bem, que está tudo resolvido.”
O SR. ANTÔNIO GERALDO DOS SANTOS - Vou só falar mais uma coisa que faltou. O Thiago falou, agorinha mesmo - e o Igor também falou -, que, enquanto a fundação não for criada, a Samarco ainda é responsável pelo que tem que ser feito.
Só quero dizer que, há 1 semana mais ou menos, a advogada da Samarco, a Roberta, já estava com um plano de coordenação para os atingidos, tudo baseado num acordo. Ou seja, aquilo que vocês pensam como base, que estamos imaginando que é só um começo para a negociação, a Samarco já está usando como forma de individualizar as causas. Os atingidos vão fazer esses cadastros que vocês estão mencionando, e a Samarco já tem uma empresa contratada para fazer isso, já está em Mariana para fazer esses cadastros do jeito dela. Então, essa é mais uma denúncia que eu estou fazendo aqui, porque isso eu estou vivenciando no dia a dia e eu tinha me esquecido de falar, num primeiro momento.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Muito bem.
Eu sei que foge um pouco em relação ao acordo, mas a pressão é grande. Eu morei em Mariana 9 anos, e meu domicílio eleitoral é Ouro Branco. As famílias de Ouro Preto já diziam: “É absurdo! A Samarco está falando que vai fechar.” Então já estão jogando uns contra os outros. Isso é um problema sério. E percebemos o recuo de algumas lideranças - lideranças de solidariedade, de apoio, inclusive Vereadores, inclusive Prefeitos. Alguns pensam: “Isso vai pegar mal para mim, eu vou perder voto com isso, porque a sociedade já está contra.” É grave! É o direito até mesmo de manifestação que está sendo negado e uma tortura psicológica, de certa forma.
Eu estou deixando por último o José Luiz, porque é uma das provocações.
Passo a palavra ao Guilherme, para suas considerações finais.
O SR. GUILHERME DE SOUSA CAMPONÊZ - Só quero ressaltar que talvez tenha parecido que o MAB é contra o acordo. O MAB não é contra o acordo, pelo contrário. Desde o princípio propusemos fazer um acordo com a participação efetiva dos atingidos, da União e dos Estados envolvidos. Então entendemos que a melhor forma de resolução é mesmo um acordo. Mas o acordo, obviamente, tem que ter a participação dos atingidos. No caso da criação da fundação, tem que haver gestão dos atingidos também.
O Thiago ressaltou a importância de haver um marco legal. Essa é uma luta histórica do MAB, que ficou travada inclusive por influência das grandes empresas, barrageiras, e não saiu em âmbito federal. Temos feito um grande esforço também para criar a lei em âmbito estadual, em Minas Gerais.
Vamos seguir com este esforço aqui também. Fazemos este pedido de apoio à Comissão de Direitos Humanos e agradecemos o convite. Reforçamos que onde estiver um atingido, o MAB vai estar junto, para construir a organização e lutar.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Obrigado, Guilherme.
Dr. Paulo, sei que o senhor está saindo, mas eu gostaria de dizer que tenho a informação - não posso ser omisso - de que foi feito exame recentemente da água próxima ao Espírito Santo, e constataram a presença de metais pesados. Onde está o problema? Isso está saindo de Mariana? Está saindo de onde? Isso é recente, continua acontecendo. É uma situação grave, porque há famílias que estão usando essa água para consumo humano, para dar ao gado, para molhar as hortaliças. Isso é recente. Nós vamos ter que retomar essas denúncias.
O senhor quer se manifestar?
O SR. PAULO FONTES - Com certeza, Deputado. Essa é uma preocupação nossa também. O IBAMA já se posicionou quanto à proibição da pesca em toda a bacia, até que tenhamos, com consistência, alguma segurança de onde vem esse material.
O próprio ICMBio está fazendo uma série de trabalhos, uma nova campanha para coleta tanto na foz quanto na calha do rio, para confirmar justamente essa situação.
Eu não sei de qual instituição é esse resultado a que o senhor se refere, mas estamos para fazer inclusive contraprovas com relação aos dados da própria empresa também.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Obrigado.
Com a palavra o Dr. Edmundo, para suas considerações finais.
O SR. EDMUNDO ANTÔNIO DIAS NETTO JÚNIOR - Eu quero dar dois exemplos concretos da importância da participação dos atingidos, que é a falha essencial do acordo: o primeiro, foi a fala de um atingido em Barra Longa, em uma reunião, no dia 13 de abril deste ano, em que questionou a eficácia do plano emergencial do Complexo de Germano, na hipótese de um novo rompimento de barragem. Nesse plano emergencial, a rota de fuga apresentada para o Município de Barra Longa é uma estrada de 27 quilômetros, que liga Barra Longa a Ponte Nova. Todavia, essa estrada não é asfaltada. O atingido questionou imediatamente: “Imaginem que esteja chovendo. Numa situação de pânico, como isso vai funcionar”?
Evidentemente, não poderia funcionar um plano emergencial, isto é, o atual plano emergencial apresentado pela empresa, em situação de necessidade de retirada dos moradores da cidade de Barra Longa. Isso já consta na ação civil pública que foi apresentada pelo Ministério Público Federal, no dia 2 de maio, porque partiu da escuta dos atingidos.
O segundo exemplo é com relação ao povo indígena crenaque. Foi formalizada, através de uma carta dos seis caciques da etnia crenaque, a revisão dos limites da terra indígena para que se alcance o território sagrado de Sete Salões, que fica do outro lado do Rio Doce. Por quê? Há uma justificativa muito pertinente a este assunto, ou seja, ao desastre do rompimento da barragem, porque, sendo o Rio Doce, que eles chamam de Watu, um rio sagrado, nada mais natural do que, como medida compensatória, seja efetivada a revisão dos limites da terra indígena para que passe a abranger um território sagrado, como eles consideram o de Sete Salões.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Muito obrigado, Dr. Edmundo.
Passo agora a palavra ao Sr. José Luiz Furquim Werneck, representante da Samarco, para suas considerações finais.
O SR. JOSÉ LUIZ FURQUIM WERNECK SANTIAGO - Muito obrigado, Deputado. Mais uma vez, nós agradecemos a oportunidade de participar, de estar aqui. Realmente, viemos com essa postura de ouvir, de ver o que nós podemos ajustar nas ações que estão sendo tomadas, de verificar o que nós podemos melhorar na forma como nós estamos fazendo.
Eu queria fechar, voltando aos princípios que têm regido as nossas ações - são os princípios que estão no acordo também -, e comentar cada um deles no âmbito de muitos tópicos que foram levantados aqui.
O primeiro dos princípios, como eu citei no início, é a transparência. Desde o início, nós temos tido muito diálogo com todas as comunidades impactadas, e isso não é perfeito. Nós estamos aqui, estamos nas comunidades, preparados para lapidar esse processo, para melhorar esse processo. Esse é um compromisso nosso.
Eu percebi aqui também que nós temos a oportunidade de melhorar muito a informação, a comunicação até mesmo sobre a intenção das ações que nós estamos tomando.
O próprio Antônio citou a conversa que ele teve com a Roberta da nossa área jurídica. É muito importante que façamos todas as ações que estamos discutindo, para que todas as ações que já estão planejadas e conceituadas ocorram num tempo hábil, de modo que realmente não se prolongue muito o prazo para as respostas que precisam ser dadas.
Então, esse programa de indenizações, mencionado pelo Dr. Igor, está sendo estruturado com a participação da Defensoria Pública. É o momento de nós realmente começarmos a construir isso, de irmos às comunidades para fazer exatamente a avaliação dos danos. Então, isso tudo tem que ocorrer. Eu sinto que é um desafio muito grande para todos nós. E eu pego esse desafio para a Samarco também, no sentido de comunicar melhor e dar mais transparência ao que está sendo feito. Melhorar esse processo de comunicação é algo que temos a oportunidade de fazer.
A execução responsável e eficaz dos programas ou das ações é outro princípio. Aqui se deram alguns exemplos, como as áreas que foram revegetadas e não tiveram tanto sucesso. É uma verdade, nós fizemos vários testes em áreas. Mas eu lembro também que os programas só são fechados, só são considerados encerrados, após um processo que passa, inclusive, por câmaras técnicas, por uma aceitação final do comitê interfederativo. Então, há todo um processo para se chegar e falar: “Essa ação realmente está eficaz, ela está atendendo.”
No período, nessa formação nós estamos trabalhando muito com as áreas impactadas, com as pessoas impactadas. Posso citar vários exemplos nas áreas rurais, onde nós estamos realmente trabalhando com os produtores rurais. Inclusive, fechamos hoje um workshop em Belo Horizonte, com a EMATER de Minas Gerais, com a EMATER do Espírito Santo, buscando alternativas de ganhar produção e de ter reparações nas áreas de produção agrícola, agropecuária que foram impactadas. Então, essas ações precisam ser eficazes, quer dizer, elas são conduzidas de forma responsável e eficaz.
A participação das comunidades foi um grande ponto muito debatido aqui hoje. Desde o início, todas as nossas ações têm sido feitas com consulta às comunidades. O processo pode melhorar, lógico que sempre pode melhorar, mas nós temos feito essas consultas.
Na formação do acordo, embora haja visões diferentes aqui na sala, a própria força-tarefa de Minas Gerais, que foi um programa estruturado pelo Governo de Minas, ouviu mais de 80 instituições, inclusive movimentos sociais. Então, isso ocorreu, está estruturado, está documentado, e esse documento está disponível lá no site.
Nós tivemos a chance de, durante esse processo todo, ter inúmeras reuniões com as comunidades. A estruturação dos programas são linhas, como a Dra. Deborah citou, são direções que precisam ser detalhadas. Os programas vão virar projetos.
Eu posso citar uma participação intensa da comunidade - quem está de perto acompanhou - no processo da escolha do terreno lado de Bento. O Antônio está certo, quando cita que ainda há passos a fazer, há coisas a resolver, há coisas de cunho técnico. Tivemos discussões técnicas com o Ministério Público para ajudar a solucionar o problema e, pelo menos, levantar os problemas que vão ser trabalhados agora. Mas a escolha foi feita totalmente por meio de um processo de consulta e com a participação da comunidade, inclusive, a votação final foi conduzida pela comissão de moradores. A Samarco não se envolveu, esteve de fora, inclusive, em área definida. A Ernst & Young, que é uma auditoria independente - muitos dos senhores aqui a conhecem - acompanhou o processo.
Eu estou dizendo tudo isso porque a participação das comunidades tem ocorrido na forma que vemos, que nos tem demonstrado isso. Há oportunidade de melhorar? Sem dúvida! Sem dúvida nenhuma podemos melhorar, mas ela tem ocorrido.
O último aspecto dos princípios que tem guiado nossas ações e o acordo também é a fiscalização constante do poder público. Essa eu nem preciso citar muito. Aqui já tivemos vários exemplos, várias discussões de várias instituições ligadas a diferentes segmentos do Governo, do poder público que têm nos acompanhado e trabalhado nesse sentido. Inclusive todos os acordos que assinamos com todos os Ministérios Públicos, com os quais tivemos relação, desde o momento do acidente, foram incorporados. Eu posso citar muitos acordos. Inclusive, eu sentei à mesa, conversei com muitas pessoas e participei de reuniões que discutiram várias questões, desde a proteção aos animais, por exemplo. Todos os acordos que assinamos com o Ministério Público foram incorporados. Essa fiscalização pelo poder público, na nossa visão, continua em diferentes esferas.
Mais uma vez, eu agradeço a oportunidade da nossa participação. A Samarco, realmente, tem uma posição muito clara de ouvir, de absorver, de levar isso adiante. Há considerações aqui que eu anotei e vou levar para as câmaras técnicas. Eu peço também apoio a outras pessoas que estão envolvidas em câmaras técnicas nesse processo todo, para que nos deem sugestões de como podemos fazer.
Eu acho que está muito claro que ainda temos mais a fazer em relação ao conselho consultivo. Há uma série de coisas. Realmente é muito importante o envolvimento da AGU e das outras instituições e representações que estão associadas a esse processo de recuperação. O nosso foco realmente é esse.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Eu é que agradeço.
Fica então este apelo para a Samarco ser uma facilitadora, para que os atingidos, numa revisão desse acordo, passem a ser parte integrante da discussão e não só sejam consultados, quando convém. Eu acho que fica claro isso.
Nesse sentido, nós vamos continuar acompanhando esse processo. Esta Comissão de Direitos Humanos e Minorias, eu, Marina, Márcio e toda a equipe técnica vamos acompanhar, porque nós vamos ter outros desdobramentos, elevando o tom também.
O nosso apelo é nesse sentido. A Samarco pode ser uma facilitadora. Eu tenho clareza de que, de fato, foi um crime. Eu tenho também clareza de que o Governo, como o Antônio disse, de fato, errou, é cúmplice no processo, desde a concessão das licenças. As licenças foram concedidas ad referendum, sem a participação do conselho. Então, o Governo atual não pode repetir o erro. Nós temos que corrigir isso.
Então, não pode haver um pacto de empresa e Governo, no sentido de dificultar essa interação. Portanto, esse é o apelo.
A SRA. DEBORAH DUPRAT - Permita-me fazer uma observação?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Estou deixando a senhora por último, para fazer as considerações finais.
A SRA. DEBORAH DUPRAT - É só o encaminhamento, mas eu o faço nas considerações finais.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Sr. José Luiz quer ainda dizer alguma coisa?
O SR. JOSÉ LUIZ FURQUIM WERNECK SANTIAGO - Sr. Presidente, só quero me referir a um ponto. Eu me esqueci de mencionar que, como vocês falaram de visitar as áreas impactadas, dentro da área da Samarco, se precisarem, eu passo os meus números de contado para facilitar a visita, dentro da área da Samarco. Confirmo e enfatizo que estamos juntos no processo de visitação, dentro da área da Samarco.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Obrigado.
Concedo a palavra à Dra. Deborah, para fazer as suas considerações finais. É a única mulher que ficou.
A SRA. DEBORAH DUPRAT - Vou ser muito breve. Eu estou ficando velha e não canso de me surpreender. Imaginar que um acordo entre os envolvidos no crime, no desastre, possa definir como vai ser a forma de ressarcimento dos atingidos, é estarmos aqui no plano do nonsense, do surreal. Eu não consigo imaginar como os envolvidos entram com uma ação, um contra o outro, aí entram num acordo e vão definir a vida dos atingidos. Eu acho que uma moção desta Comissão é a aberração desse acordo. Eu acho que esse seria o primeiro ponto. Aí, eu termino a minha participação.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre João) - Eu tenho clareza de que houve, mas nesse sentido já vai iniciar uma CPI no Senado que vai investigar esse caso. Aí, vai ser outro processo de investigação. Vai sair a CPI. Espero que sim.
Então, eu quero agradecer às senhoras e aos senhores convidados, aos atingidos, a todos que deram essa contribuição. Resta-nos a tarefa, enquanto Presidente da Comissão, e à nossa equipe da Comissão, de como ter os desdobramentos a partir das propostas. Mas a questão-chave é uma articulação, de fato, política para garantir isso. Acho que vamos ter que conversar mais, Dr. Edmundo, Marina, para buscarmos apoio de outros Deputados também em relação a anular o acordo, caso não haja essa abertura, e a como somar forças aqui com o próprio Procurador da República.
Então, eu agradeço a todos a presença.
Declaro encerrada a reunião.