CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sessão: 276.2018 Hora: 20:44 Fase: BC
Orador: NILTO TATTO, PT-SP Data: 19/12/2018

O SR. NILTO TATTO (PT - SP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, caros colegas Parlamentares, nesta última sessão do ano, quero, primeiro, expressar o nosso descontentamento, a nossa tristeza, o nosso repúdio, porque, mais uma vez, o Judiciário brasileiro, por meio do Presidente do Supremo, atua de forma política, na medida em que toma uma decisão contra uma liminar do Ministro Marco Aurélio, que fez uma leitura correta daquilo que está na Constituição brasileira, no sentido de que ninguém pode ser levado a começar a cumprir pena sem ter transitado em julgado a sua condenação. Por pressões outras, que não sabemos de onde vêm, o Ministro-Presidente do Supremo, Dias Toffoli, revogou essa limitar. Então, é com muita tristeza que nós comentamos nesta última sessão uma decisão como essa, porque é uma afronta à Constituição.

Pedi a palavra, em nome da Liderança do PT, para fazer aqui o registro de que está completando 30 anos a ausência física de Chico Mendes. Falo da ausência física porque as suas ideias se espalharam, tomaram mentes e corações de muita gente no Brasil e no mundo.

Hoje nós temos na sociedade brasileira e, por que não dizer, no mundo todo, um acúmulo da sua experiência de vida, da sua luta pela manutenção da floresta, da sua luta contra a desigualdade. E justamente sua defesa das florestas, sua defesa da população extrativista - são milhões no Brasil -, sua defesa dos seringueiros, sua defesa dos povos da floresta, sua defesa das águas fez com que hoje o mundo inteiro se preocupe com os limites do planeta. Está aí todo o debate relacionado à questão das mudanças climáticas.

Quero aproveitar a oportunidade para deixar nos Anais desta Casa a Carta de Xapuri, redigida em encontro que reuniu 500 lideranças extrativistas do Brasil inteiro, pesquisadores, ambientalistas, inclusive com representações de várias partes do mundo. Essa carta demonstra muito claramente o carinho e o reconhecimento do legado de Chico Mendes, que deve, mais do que nunca, estar vivo em todos nós, tanto aqui do Parlamento como em toda a sociedade brasileira, em todos aqueles que lutam por um País mais justo, sustentável, fundamentalmente do ponto de vista ambiental.

Há desafios que estão colocados aqui para o Brasil e também para toda a humanidade. E uma coisa ficou patente. Eu tive a oportunidade de estar presente, na semana passada, na Conferência do Clima, em Katowice, na Polônia. E não posso deixar de dizer aqui do nosso descontentamento em ver o Brasil passar vergonha naquele fórum tão importante do ponto de vista mundial, naquele fórum importante no âmbito da ONU, que conta com a participação de aproximadamente 200 países, no qual, historicamente, o Brasil teve - inclusive teve neste último encontro da COP - um papel importante, ao assumir a implementação das metas de diminuição de gás de efeito estufa, na Conferência do Clima Paris 2015.

O Brasil assumiu metas ambiciosas, como não poderia ser diferente. O Brasil teve o papel, inclusive, de ser exemplo para que outros países também viessem a assumir compromissos importantes, reconhecendo aquilo que a ciência, que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas - IPCC, que 100% dos cientistas que estão discutindo os limites do planeta, os impactos das mudanças climáticas, dizem.

E aí, nessa Conferência do Clima, o Brasil anunciou que não queria sediar a COP de 2019 aqui no País, por influência do novo Governo que vai assumir no dia 1º de janeiro, porque o novo Governo não acredita na ciência, acha que tudo aquilo que os pesquisadores estão produzindo de informação e dizendo o que as mudanças climáticas estão causando no mundo todo, como as secas prolongadas e os grandes desastres ambientais que já vêm ocorrendo, são influências do marxismo. Portanto, eles não acreditam. Acham que é ideologia aquilo que a ciência está produzindo como os limites colocados.

Então, o Brasil passou vergonha porque, no ano passado na Conferência do Clima, ele pediu para sediar a Conferência de 2019, e agora ele abre mão. Depois, passa vergonha novamente, porque o desenho que está se montando para o futuro Governo, as ideias que estão sendo planejadas e colocadas no papel para o futuro Governo são praticamente todas contrárias àquilo que o Brasil assumiu na Conferência de 2015 em Paris.

Se ele implementar a agenda que está sendo pensada para a agricultura, para o meio ambiente, para a questão indígena, de não demarcar mais nenhum milímetro de terra indígena, se colocar essa agenda que está sendo pensada de não mais demarcar os territórios quilombolas, nós, com certeza, não vamos cumprir com aquilo que assumimos de compromisso na Conferência do Clima em 2015, e o Brasil então vai passar vergonha.

Mas é importante que se diga nesta Casa que, se o Brasil não cumprir a agenda, se não cumprir esses compromissos, nós vamos ter problemas inclusive do ponto de vista comercial, porque, na área da agricultura, o Brasil tem um papel importante na produção de alimentos não só para o povo brasileiro, mas também para a população mundial. Os países importadores de produtos agrícolas do Brasil vão deixar de importá-los na medida em que o Brasil não cumprir com aquilo que assumiu de compromisso na agenda ambiental.

Eu também quero aproveitar este momento para fazer o registro de uma decisão importante que tivemos na semana retrasada numa Comissão Especial em que foi aprovado o projeto de lei que cria a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, agenda esta, sim, que dialoga com os nossos compromissos perante a agenda de mudanças climáticas.

Quero registrar que a aprovação na Comissão Especial, nesta Casa, só foi possível porque se tratou de uma agenda construída em diálogo permanente - seja na construção do relatório, seja na articulação e no diálogo com os Parlamentares da Comissão - com a sociedade civil organizada: com as entidades, com os movimentos sociais.

Os desafios que estão colocados para o próximo período dizem respeito a utilizarmos esta experiência e fazermos um trabalho dentro deste Parlamento cada vez mais dialogando com a sociedade viva, com a sociedade organizada, porque só assim vamos garantir essa agenda que dialoga com a transição ecológica, que dialoga com aquilo que o mundo todo espera, que o povo brasileiro espera: enfrentarmos os grandes problemas sem nunca abandonar a perspectiva de transição ecológica, o conceito de transição ecológica em todos os setores da economia. O planeta tem limite, e isso está sendo demonstrado pelas pesquisas no mundo todo.

Que no próximo período possamos caminhar olhando para um horizonte de luta contra a desigualdade, mas também pensando na sustentabilidade do planeta e na sustentabilidade do Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELO SR. DEPUTADO NILTO TATTO.


Matéria referida:


-    Carta de Xapuri


Carta de Xapuri

Chico Mendes 30 Anos

Uma memória a honrar. Um legado a defender.


Carta de Xapuri

Querido Chico,

Nesta semana, do dia 15 ao dia 17 de dezembro, nós, mais de 500 pessoas de todas as partes do Acre, da Amazônia, do Brasil e do planeta, nos reunimos na sua cidade de Xapuri-Acre para honrar sua memória e defender seu legado, nos 30 anos de sua ausência física dos espaços deste mundo.

Vivemos momentos de muita saudade e de muita emoção, Chico! Aqui estiveram seus companheiros seringueiros e suas companheiras de empate; de longe, vieram representantes de comunidades extrativistas de todos os biomas brasileiros; chegaram seus amigos de fora da floresta, do Brasil e do exterior; apareceu gente que conviveu com você, e também muita gente nova, movida pela força de seus ideais.

Durante três dias, refletimos muito sobre o sentido daquela sua sábia fala que imortalizou a sua visão estratégica sobre o futuro do nosso planeta: "No começo, eu pensei que estava lutando para salvar as seringueiras; depois, pensei que minha luta era para salvar a floresta amazônica; agora, percebo que estou lutando para salvar a humanidade." Com certeza, Chico! Sua luta foi além... muito além de você mesmo.

Só mesmo você, Chico, para fazer acontecer, nesse tempo amazônico de poucos voos e muitas chuvas, esse nosso diálogo tão profundo, que por inspiração sua, nos faz seguir lutando por um modelo de desenvolvimento sustentável que nos livre das mazelas da depredação ambiental e da contaminação das águas, do solo e do ar que respiramos. Só você mesmo para nos fazer seguir lutando por uma sociedade mais justa, mais solidária e mais igualitária; por esse outro mundo que acreditamos ser ainda possível!

Só mesmo você, Chico, para nos fazer seguir sonhando ante os retrocessos que se anunciam já nas primeiras decisões de um governo eleito que ainda nem tomou posse e já retira do Brasil o direito de sediar a próxima Conferência do Clima, já declara guerra aos sindicatos, às organizações da sociedade civil, aos movimentos sociais, aos direitos conquistados pela juventude, pelas mulheres, pelos povos indígenas, pelas comunidades quilombolas, ribeirinhas, extrativistas, pelos povos da floresta e por todas as populações tradicionais do Brasil.

E por falar em juventude Chico, você deve estar feliz com a decisão que seus companheiros e companheiras do CNS tomaram de fazer deste Encontro um momento de compartilhar conhecimento e de transferência geracional. Assim como você sonhou um dia, mais da metade das pessoas que aqui estão são jovens. São jovens que vieram para firmar compromisso com a defesa do seu legado para os próximos 30 anos!

Infelizmente "a lembrança de um triste passado de dor, sofrimento e morte", registrada por você em sua mensagem aos jovens do futuro, datada para 6 de setembro de 2120, é ainda tristeza constante em nossos dias. Os números são alarmantes, companheiro Chico: a cada cinco dias uma companheira ou um companheiro seu, e nosso, é assassinado no Brasil.

Somente no ano de 2017, foram registrados mais de mil conflitos por terra, água ou trabalho nos campos e nas florestas do nosso país. Nos últimos 12 meses, foram ao menos 70 mortes. A última delas foi a do companheiro Gilson Maria Temponi, em Placas, no Pará. Imagina Chico, mais uma morte quando já estávamos aqui reunidos para honrar sua memória, nos 30 anos do seu assassinato, na porta dos fundos de sua casa, no dia 22 de dezembro de 1988, pelas balas traiçoeiras de uma espingarda disparada a mando do latifúndio.

Mas nem tudo é tristeza! Com grande alegria, aqui celebramos o seu legado. A luta de seus companheiros e companheiras transformou as Reservas Extrativistas! Aquela proposta de uso comum e coletivo das áreas de floresta pelas populações extrativistas que você apresentou no I Encontro Nacional dos Seringueiros, realizado em 1985, em Brasília, cresceu, tornou-se política pública, não só na Amazônia, mas também nos outros biomas brasileiros.

Hoje são milhares de famílias, vivendo em milhões de hectares de áreas protegidas. E nessas áreas, ainda que falte muito, além da produção extrativista, já existe escola, posto de saúde, luz elétrica, e em muitos casos até internet! Só que agora, companheiro Chico, os novos governos e o parlamento eleitos ameaçam entregar as terras sob nossa guarda, que garantem a sustentabilidade da nossa economia e do nosso modo de vida ao agronegócio, às madeireiras e à mineração. Esquecem que os serviços ambientais que prestamos beneficiam não só a nós, mas a todos os povos do mundo.

Tomara, companheiro Chico, que as conquistas desse seu legado, resultado da nossa resistência nessas últimas três décadas, das alianças que você tão generosamente construiu com os mais variados parceiros da floresta e de fora dela, sensibilizem os corações e mentes de quem está chegando ao poder para continuar respeitando e trabalhando junto aos nossos povos da floresta, em defesa de nossos territórios, da conservação ambiental e dos direitos sociais do povo brasileiro.

Oxalá, companheiro Chico, aqui mesmo, nas barrancas do Rio Acre, nessa sua amada terra de Xapuri, no coração da floresta amazônica, a juventude do ano 2120 possa estar reunida numa auspiciosa Semana Chico Mendes, para celebrar a força da luta que carregamos juntos com nosso povo, das matas, do sertão, do mar, dos rios e das florestas; para comemorar a união de todos povos em torno dos ideais que você nos legou e da revolução planetária que a medida do tempo não te permitiu viver, mas que você teve o prazer de ter sonhado.

Ninguém abandona a defesa dos povos da floresta!

Ninguém desiste do legado de chico mendes!

Ninguém solta a mão de ninguém!

Xapuri, Acre, 17 de dezembro de 2018