CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sessão: 164.2.55.O Hora: 16:57 Fase: CP
Orador: ERIKA KOKAY, PT-DF Data: 29/06/2016

A SRA. ERIKA KOKAY (PT-DF. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, que o Brasil não fez o luto da escravidão, nós sabemos. E nós vamos ver isso todos os dias porque o Brasil tem um racismo institucional. E há aqueles que têm saudade das senzalas e que querem que o Brasil definitivamente não crie as cicatrizes necessárias para poder superar as casas-grandes e senzalas. Disso nós sabemos.

Que o Brasil é um País onde as mulheres foram desumanizadas - temos milhões de mulheres que não querem voltar para casa porque serão retiradas delas mesmas -, nós sabemos.

Que o Brasil vivenciou durante décadas as salas escuras da tortura, que deixaram as suas marcas na alma, não apenas das pessoas que foram torturadas, mas também da sua própria condição de nação - carregamos as marcas na pele e na alma das salas escuras de tortura -, nós também sabemos.

Nós também sabemos que este Brasil aprisiona os beijos e impede que o afeto possa se expressar, e que destinou para parcela da população os armários enquanto espaços que te cabem neste latifúndio, como diz o poeta João Cabral de Melo Neto.

Mas o que nós há muito tempo não víamos era o Brasil sexista, homofóbico, misógino, LGBTfóbico, racista ser cantado na tribuna desta Casa; e não imaginávamos ver aqui um Parlamentar fazer uma homenagem a um torturador; ouvir alguém desta tribuna dizer que está correto o assassinato de um menino de 10 anos, em que a polícia plantou uma arma no carro em que ela estava para tentar justificar o injustificável; que nós tivéssemos na tribuna desta Casa alguém que diz que amar não pertence a todo ser humano, que amar ou expressar o afeto - "ousar dizer o nome do amor", como diz Oscar Wilde - pertence apenas a um segmento, é direito de um segmento da população brasileira.

Vemos, na tribuna onde se disse que era preciso honrar a Constituição - onde nós honramos a Constituição, que fala em dignidade humana -, fazerem apologia ao estupro, apologia à tortura, defesa do assassinato de um menino de 10 anos e defesa do assassinato de indígenas.

Aqui foi dito que os indígenas se mobilizarem para buscar a consequência do que está previsto no art. 231 da Constituição Federal é uma ousadia que tem que ter como resposta as balas!

Tudo isso aqui foi dito. E não há inocência no discurso, que é ponte entre pensamento e ação; o discurso se transforma em balas, em pancadas e em morte, porque mobiliza, coloca em ação aqueles que, movidos pelo discurso, seguem-no e o transformam numa ação destruidora da condição humana, da própria humanidade! Essa desumanização simbólica é o elemento fundamental para que tenhamos uma sociedade tão violenta que anula o outro na condição de outro.

Esse fundamentalismo é o fundamentalismo das cercas dos ruralistas, o fundamentalismo dos que querem retirar direitos dos trabalhadores, o fundamentalismo religioso e o fundamentalismo daqueles que acham que os problemas brasileiros se resolvem com balas e com grades, não importando se temos a quarta maior população carcerária do mundo e não temos uma sociedade tranquila. Para eles, é preciso continuar encarcerando!

O fundamentalismo é a expressão colonialista dos que acham que as suas verdades são verdades absolutas e universais! Nós vimos isso aqui no dia do golpe! Aqueles que diziam "Em nome da minha igreja", em geral, são os que negam a igreja do outro; os que diziam "Em nome da minha família", são os que querem reduzir a família a apenas uma parcela de brasileiros e brasileiras.

Portanto, nós estamos vendo esta tribuna ser ocupada por vozes fascistas que assumem à força, que assumem porque há uma ruptura democrática. Nós acabamos de ter um laudo do Senado, uma perícia realizada por analistas do Senado que diz não ter havido pedalada fiscal de Dilma Rousseff! Mas essa verdade não conta, porque a verdade está sob as botas metafóricas que implementaram o golpe neste País! E vêm aqui falar em combate à corrupção, calando-se frente a Eduardo Cunha, calando-se sobre o fato de que o partido que tem mais denúncias de corrupção na Operação Lava-Jato é o PMDB? É o PMDB!

Estes são os partidos que têm mais denúncias de corrupção: o PP e o PMDB. Eles ocupam o pódio do ódio, o pódio do escárnio com os recursos públicos, são os partidos que têm mais envolvimento na Operação Lava-Jato.

Aliás, o Procurador-Geral da República solicitou a prisão de quem? Ele solicitou a prisão de representantes do PMDB!

Quais foram as pessoas presas por estarem em um fundo de pensão utilizando-se de recursos dos trabalhadores e trabalhadoras como se fossem seus próprios recursos? Foram pessoas ligadas ao PMDB!

Quem foi o Ministro que teve que ser afastado do cargo - aliás, já foram três - porque disse que era preciso fazer um golpe contra Dilma Rousseff para estancar a Operação Lava-Jato porque ela iria envolvê-los e responsabilizá-los? Foi um Ministro do PMDB! Foi do PMDB!

Quem tem um governo em que 40% dos que ocupam os Ministérios estão envolvidos em corrupção? É o PMDB! É o PMDB!

Qual é o partido do golpista interino que ocupa a Presidência da República? É o PMDB! É o PMDB! E vêm me falar de combate à corrupção, de quadrilha?

O discurso e as vozes que o Brasil inteiro escutou estarrecido, que indicam a condição de delinquência do então Ministro do Planejamento, Romero Jucá, estão esquecidos? Esqueceram-se do que foi construído de inclusão neste País? Quando há ruptura democrática, os direitos ficam ameaçados. Nós temos a interrupção da coleta humanizada de provas das mulheres vítimas de violência sexual por um fundamentalismo que está cobrando a sua conta do Governo. Esse fundamentalismo costurou o golpe nos subterrâneos da democracia, nos subterrâneos da República, onde o olhar democrático, o olhar do povo não chega.

Ali foram rasgados os votos do povo brasileiro! Foram 54 milhões de votos rasgados! Nós temos hoje uma intervenção no Conselho de Educação! Todos os conselhos estão paralisados, sem poder agir em defesa dos direitos. Os conselhos são uma conquista do povo brasileiro.

Existe um pacto da sociedade civil com o Governo, com o Executivo, com as políticas públicas, para construí-las de forma multissetorial, como têm que ser as políticas públicas que asseguram direitos, porque esses são inter-relacionados, não podendo ser apartados uns dos outros.

Esses conselhos estão paralisados! Indica-se para a Presidência da FUNAI uma pessoa que tem um histórico beligerante, um histórico que tem caracterizado as ações desse Governo de culpabilizar as vítimas e de reduzir os desastres sociais de uma sociedade patriarcal, de uma sociedade sexista, de uma sociedade colonialista, de pedaços do colonialismo e da ditadura na nossa contemporaneidade. Quer-se reduzir isso a pessoas!

Ou não foi essa a reação do Ministro da Justiça quando disse que não se havia de tratar a cultura do estupro como cultura do estupro? Ao negar que existe uma cultura do estupro, pereniza-se a cultura do estupro e faz-se com que mais de 80% das mulheres, como dizem as pesquisas, tenham medo de ser vítimas de violência sexual, de que as suas filhas sejam vítimas de violência sexual, que é a negação do corpo, a negação da bondade, a negação da humanidade.

Depois há a negação da fala, porque essas mulheres são silenciadas. E depois há a culpabilização porque estavam no lugar errado, com a roupa errada, na hora errada. São culpabilizadas por terem sido transformadas em vítimas, como as mulheres são culpabilizadas quando são vítimas de violência doméstica.

Nós estamos vivenciando a destruição da institucionalização de uma política de direitos. É o desmonte da institucionalização. O Ministério dos Direitos Humanos deixa de ser Ministério. A política de direitos humanos vai para o subsolo da Esplanada. A Secretaria de Políticas para as Mulheres é ocupada por alguém que diz que vai seguir os ditames bíblicos, negando a laicidade do Estado. Portanto, nega o Estado Democrático.

O Ministério da Saúde evita as notificações dos casos de violência, que são fundamentais para traçar perfis e, a partir daí, elaborar políticas públicas para proteger as pessoas. Se há uma violência e ela é notificada, aciona-se a rede de proteção às crianças, às mulheres e idosos vítimas de violência. O Ministério da Saúde quer acabar com essa notificação. Ele não quer mais que haja notificações. Ele está desconstruindo a rede de proteção.

Temos muitos ataques aos direitos dos cidadãos. Um dos ataques mais profundos é representado pela redução dos recursos da saúde e da educação quando se estabelece o teto da variação de acordo com a inflação. Se isso fosse utilizado para o programa Bolsa Família, teríamos uma bolsa bem menor do que a que temos hoje. Esse Governo quer acabar com o programa Bolsa Família, por isso ele quer desqualificá-lo.

Digo e repito: a democracia é a mãe de todos os direitos. E essas vozes fascistas que vêm aqui, utilizando-se das fardas como salvaguarda para todo tipo de violação e crime, essas vozes que vêm aqui e falam contra as crianças, que defendem o assassinato de crianças, de indígenas, que defendem que o amor seja contido e que os negros fiquem eternamente nas senzalas, metafóricas ou literais, essas vozes estavam contidas pelo peso da democracia. Com a ruptura democrática, elas surgem com o seu potencial fascista. Com o potencial de corroer todos os direitos, vão asfixiando a democracia e possibilitando retrocessos no País.

São retrocessos que vêm através do golpe. Não são botas, são sapatos de bico fino e couro fino. Não são fardas, são paletós. Existe um golpe em curso neste País ao se acusar uma mulher inocente como Dilma Rousseff de toda sorte de crimes e ao se fechar os olhos para criminosos como o que estava, até há pouco tempo, ocupando a Presidência desta Casa e que deve ser cassado em nome da democracia e do povo brasileiro.