CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sessão: 087.1.55.O Hora: 16:56 Fase: OD
Orador: CHICO ALENCAR, PSOL-RJ Data: 28/04/2015

O SR. CHICO ALENCAR (PSOL-RJ. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, servidores, todos que acompanham esta sessão, hoje tivemos, pela manhã, a presença aqui do Vice-Presidente da República Michel Temer na Comissão Especial da Reforma Política, trazendo suas ideias, suas convicções, nos ajudando no bom debate da questão.

Para nós, do PSOL, esse processo poderia envolver muito mais a população. Sem dúvida, o cenário ideal, dada a crise de credibilidade que atinge o sistema político do Brasil como um todo, seria uma Assembleia Constituinte exclusiva para fazer a reforma profunda, substantiva do sistema político, eleita por critérios, aliás, de igualdade, diferente do que nos trouxe aqui, onde sabemos que a força, a hegemonia do poder econômico é muito grande. Bom, esse seria o cenário ideal, que não se coaduna com o real, muitas vezes. Fica mais como um elemento indutor de posições, visões da chamada utopia, que, como o saudoso Galeano dizia, está sempre à nossa frente; se caminhamos dez passos, ela está dez passos adiante. Mas serve para isso, a utopia, nos fazer caminhar.

Considerando que não temos a Constituinte exclusiva para a reforma profunda do sistema politico, vamos tentar avançar dentro do que nos compete como Poder instituído, com muitas debilidades, e fazer não uma reforma política propriamente, mas algumas modificações que as maiorias que se formem aqui podem trazer para o sistema político.

Quero lembrar que, para nós do PSOL, dois elementos, dentro dessa visão mais restrita de modificações no sistema político, são fundamentais para o debate que já estamos travando na Comissão Especial. O primeiro é o financiamento de partidos e campanhas. Nós somos radicalmente contra o financiamento empresarial de partidos e campanhas. Ele tem se mostrado - a realidade do dia a dia, o noticiário de jornal é contundente em relação a isso - como porta de entrada da corrupção.

Em segundo lugar, o sistema eleitoral tem que garantir que maiorias sociais possam se transformar em maiorias políticas, tem que garantir a existência das minorias, fundamentais à diversidade do Parlamento.

Nós queremos fazer esse debate com a sociedade e estamos assumindo, com muito vigor e ardor, o elemento que traz mais a sociedade a esse debate que estamos fazendo sobre a chamada reforma política, que é a iniciativa popular de lei, da OAB, da CNBB e de mais 100 entidades por uma reforma política democrática e eleições limpas, que chegará até nós, mais uma vez, daqui a pouco, daqui a 2 semanas, com o respaldo de 1 milhão e meio de assinaturas de pessoas comuns que querem, de fato, um sistema político mais limpo, em que a economia e as grandes corporações não nos colonizem, em que a vontade livre, soberana e consciente de cada cidadão possa se manifestar sem as mediações das empresas, que acabam vertebrando hoje o nosso sistema político. É nessa linha que nós vamos caminhar.

Sr. Presidente, registro nos Anais da Casa Nota oficial dos bispos reunidos na 53ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos (CNBB), realizada em Aparecida, São Paulo, no período de 15 a 24 de abril. A Nota avalia a atual realidade brasileira como "marcada pela profunda e prolongada crise que ameaça conquistas, a partir da Constituição Cidadã de 1988, e coloca em risco a ordem democrática do País".


NOTA A QUE SE REFERE O ORADOR

Nota da CNBB sobre o momento nacional

"Entre vós não deve ser assim" (Mc 10,43).

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, reunida em sua 53ª Assembleia Geral, em Aparecida-SP, no período de 15 a 24 de abril de 2015, avaliou, com apreensão, a realidade brasileira, marcada pela profunda e prolongada crise que ameaça as conquistas, a partir da Constituição Cidadã de 1988, e coloca em risco a ordem democrática do País. Desta avaliação nasce nossa palavra de pastores convictos de que "ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos" (EG, 183).

O momento não é de acirrar ânimos, nem de assumir posições revanchistas ou de ódio que desconsiderem a política como defesa e promoção do bem comum. Os três poderes da República, com a autonomia que lhes é própria, têm o dever irrenunciável do diálogo aberto, franco, verdadeiro, na busca de uma solução que devolva aos brasileiros a certeza de superação da crise.

A retomada de crescimento do País, uma das condições para vencer a crise, precisa ser feita sem trazer prejuízo à população, aos trabalhadores e, principalmente, aos mais pobres. Projetos, como os que são implantados na Amazônia, afrontam sua população, por não ouvi-la e por favorecer o desmatamento e a degradação do meio ambiente.

A lei que permite a terceirização do trabalho, em tramitação no Congresso Nacional, não pode, em hipótese alguma, restringir os direitos dos trabalhadores. É inadmissível que a preservação dos direitos sociais venha a ser sacrificada para justificar a superação da crise.

A corrupção, praga da sociedade e pecado grave que brada aos céus (cf. Papa Francisco - O Rosto da Misericórdia, n. 19), está presente tanto em órgãos públicos quanto em instituições da sociedade. Combatê-la, de modo eficaz, com a consequente punição de corrompidos e corruptores, é dever do Estado. É imperativo recuperar uma cultura que prima pelos valores da honestidade e da retidão. Só assim se restaurará a justiça e se plantará, novamente, no coração do povo, a esperança de novos tempos, calcados na ética.

A credibilidade política, perdida por causa da corrupção e da prática interesseira com que grande parte dos políticos exerce seu mandato, não pode ser recuperada ao preço da aprovação de leis que retiram direitos dos mais vulneráveis. Lamentamos que no Congresso se formem bancadas que reforcem o corporativismo para defender interesses de segmentos que se opõem aos direitos e conquistas sociais já adquiridos pelos mais pobres.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, por exemplo, é uma afronta à luta histórica dos povos indígenas que até hoje não receberam reparação das injustiças que sofreram desde a colonização do Brasil. Se o prazo estabelecido pela Constituição de 1988 tivesse sido cumprido pelo Governo Federal, todas as terras indígenas já teriam sido reconhecidas, demarcadas e homologadas. E, assim, não estaríamos assistindo aos constantes conflitos e mortes de indígenas.

A PEC 171/1993, que propõe a redução da maioridade penal para 16 anos, já aprovada pela Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça da Câmara, também é um equívoco que precisa ser desfeito. A redução da maioridade penal não é solução para a violência que grassa no Brasil e reforça a política de encarceramento num país que já tem a quarta população carcerária do mundo. Investir em educação de qualidade e em políticas públicas para a juventude e para a família é meio eficaz para preservar os adolescentes da delinquência e da violência.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em vigor há 25 anos, responsabiliza o adolescente, a partir dos 12 anos, por qualquer ato contra a lei, aplicando-lhe as medidas socioeducativas. Não procede, portanto, a alegada impunidade para adolescentes infratores. Onde essas medidas são corretamente aplicadas, o índice de reincidência do adolescente infrator é muito baixo. Ao invés de aprovarem a redução da maioridade penal, os parlamentares deveriam criar mecanismos que responsabilizem os gestores por não aparelharem seu governo para a correta aplicação das medidas socioeducativas.

O Projeto de Lei 3.722/2012, que altera o Estatuto do Desarmamento, é outra matéria que vai na contramão da segurança e do combate à violência. A arma dá a falsa sensação de segurança e de proteção. Não podemos cair na ilusão de que, facilitando o acesso da população à posse de armas, combateremos a violência. A indústria das armas está a serviço de um vigoroso poder econômico que não pode ser alimentado à custa da vida das pessoas. Dizer não a esse poder econômico é dever ético dos responsáveis pela preservação do Estatuto do Desarmamento.

Muitas destas e de outras matérias que incidem diretamente na vida do povo têm, entre seus caminhos de solução, uma Reforma Política que atinja as entranhas do sistema político brasileiro. Apartidária, a proposta da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, da qual a CNBB é signatária, se coloca nessa direção.

Urge, além disso, resgatar a ética pública que diz respeito "à responsabilização do cidadão, dos grupos ou instituições da sociedade pelo bem comum" (CNBB - Doc. 50, n. 129). Para tanto, "como pastores, reafirmamos 'Cristo, medida de nossa conduta moral' e sentido pleno de nossa vida" (Doc. 50 da CNBB, Anexo - p. 30).

Que o povo brasileiro, neste Ano da Paz e sob a proteção de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, supere esse momento difícil e persevere no caminho da justiça e da paz.

Aparecida, 21 de abril de 2015.


Cardeal Raymundo Damasceno Assis

Arcebispo de Aparecida

Presidente da CNBB;

Dom José Belisário da Silva, OFM

Arcebispo de São Luís do Maranhão

Vice-Presidente da CNBB;

Dom Leonardo Ulrich Steiner

Bispo Auxiliar de Brasília

Secretário-Geral da CNBB.