CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sessão: 080.2.55.O Hora: 16:16 Fase: GE
Orador: BACELAR, PTN-BA Data: 13/04/2016


O SR. PRESIDENTE (Delegado Edson Moreira) - Concedo a palavra, por 25 minutos, ao Deputado Bacelar.

O SR. BACELAR (Bloco/PTN-BA. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Delegado Edson Moreira, Sras. e Srs. Deputados, a votação de segunda-feira passada encerrou um período de intensa pressão sobre os 65 Deputados que integravam a Comissão Especial do Impeachment, entre os quais eu estava. Foram dias de muita pressão, de ligações telefônicas incontáveis e insistentes e de mensagens pelas redes sociais.

Como eu já disse aqui, foram milhares de pedidos, educados e não educadas, exigências e, muitas vezes, até ataques e ameaças. Cheguei a receber mais de 200 telefonemas numa manhã, fora as mensagens pelas redes sociais, muitas vindas de indivíduos que, sem me conhecer, sem conhecer a minha história, faziam-me ofensas gratuitas e mentirosas.

Tudo isso porque tive a coragem de declarar abertamente a minha posição contrária ao impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Uma posição que, apesar de algumas das calúnias que recebi, não veio de troca de favores nem de cargos no Governo, mas da minha convicção pessoal de que são as leis que tornam possível a convivência entre os homens e devem ser respeitadas.

Por isso, por essa crença inabalável nas leis e na democracia, eu disse "não" a esse impeachment, que vejo como um golpe, e continuarei a dizer "não" na futura votação na Câmara. As minhas convicções não estão à venda e, a meu ver, nada nas denúncias apresentadas ou no relatório do Deputado Jovair Arantes comprova que a Presidente Dilma Rousseff tenha incorrido nos crimes de responsabilidade dos quais a acusam. Essa é a minha posição e espero que a respeitem, como respeito as opiniões divergentes.

Espero poder continuar a tomar as minhas decisões, não apenas como Deputado, mas também como cidadão brasileiro que sou. Alguém já disse que "a essência da democracia é a habilidade de conviver com o contraditório". A democracia não busca a unanimidade, mas o respeito às opiniões alheias, para que possa prevalecer a opinião da maioria.

Agora que a questão foi transferida para o Plenário da Câmara, espero que nós, Parlamentares, não mais sejamos limitados no exercídio dos nossos mandatos nem nos nossos direitos como cidadãos. Espero que tenhamos o direito às nossas opiniões, sem a pressão de grupos organizados, sem o assédio, as ameaças e as ofensas que dominaram esses dias.

Excessos foram cometidos de parte a parte durante esse tempo. A partir de hoje, espero principalmente que o bom senso e o respeito passem a predominar nos debates para que não venha a ocorrer uma fratura na sociedade brasileira; para que, encerrada essa discussão, possamos seguir juntos, brasileiros que somos, e juntos construir o Brasil que todos queremos. A verdade é que, qualquer que seja o resultado desse processo, precisaremos repensar o País. É hora de acabarmos com os efeitos de uma frase proferida muitos anos atrás pelo General de Gaulle e que ainda hoje nos persegue: "O Brasil não é um país sério." Essa frase ressurge cada vez que com um novo golpe se tenta manipular o nosso povo. Essa frase ressurge quando o discurso de posse de um Vice-Presidente vaza enquanto a Presidente está no Poder. Essa frase ressurge quando os resultados de votações importantes são antecipados, são divulgados entre um grupo, antes que as discussões sejam encerradas e as votações sejam realizadas. Essa frase ressurge quando a impopularidade e uma crise econômica se tornam motivos para que se distorçam fundamentos jurídicos em busca de um impeachment sem base legal ou moral.

Por isso, volto a dizer: qualquer que seja o resultado desse processo, precisaremos repensar o País.

Deputadas e Deputados, os protestos que começaram em 13 de março e sacudiram o País não tiveram como alvo apenas o PT. Políticos de outros partidos que tentaram participar da manifestação popular não foram aceitos nem bem-recebidos.

Seria válido, portanto, perguntar: então os políticos foram o alvo dos protestos? São os políticos os responsáveis pela corrupção que assola o País e que a sociedade não aguenta mais? Pode até parecer. Mas vamos parar para pensar e veremos que não é bem assim. Nem todos os presos e investigados pela Operação Lava-Jato são políticos, muitos deles são empresários e técnicos que ocupavam cargos de destaque nas estatais.

É verdade que existem políticos, empresários e servidores corruptos. Muitos são corrompidos por um sistema ultrapassado, falho, baseado na defesa de interesses próprios, no fisiologismo, no princípio do toma lá, dá cá.

Esta realidade, meus amigos, é parte importante do problema: um sistema que facilita a corrupção irá fatalmente produzir corruptos, ainda mais em um país como o nosso, onde impera a chamada Lei de Gérson, segundo a qual cada todo mundo gosta de levar vantagem em tudo.

Concedo um aparte à nobre Deputada Margarida Salomão, representante do povo de Minas Gerais, minha magnífica reitora.

A Sra. Margarida Salomão - Prezado Deputado Bacelar, agradeço o aparte, que é para cumprimentá-lo pelo seu pronunciamento, pelo elevado teor republicano das suas considerações, nada surpreendente para quem o conhece militando na área das políticas públicas e como competente Relator do projeto de Lei de Responsabilidade Educacional. Eu queria, nobre Deputado Bacelar, aproveitar este momento em que V.Exa., com tanta propriedade, exalta as qualidades republicanas para me solidarizar com a Deputada Tereza Cristina, que foi incomodada na sua órbita privada. Infelizmente, essa não é uma situação única de uma Deputada assediada pelo exercício do direito de opinião. Também a Deputada Zenaide Maia, com quem também me solidarizo, teve sua família afrontada, teve seu filho doente prejudicado por causa do assédio de pessoas que contrariavam a sua posição. Deputado Bacelar, neste momento, quero apresentar os meus cumprimentos, o meu apoio à posição que V.Exa. enuncia, e dizer que precisamos de muitos Parlamentares como V.Exa. para melhorar a qualidade do exercício parlamentar nesta Câmara.

O SR. BACELAR - Obrigado, Deputada.

Precisamos de mudanças profundas no sistema; mudanças que dificultem a corrupção. Precisamos acabar com essa intimidade perigosa entre empresários e políticos, com essas "doações" que, muitas vezes, ocultam o repasse de verbas públicas indevidamente desviadas.

Precisamos acabar com os "favores" e "presentes" recebidos por políticos e dirigentes de estatais. Precisamos acabar com a prática de propinas por obras, que, muitas vezes, nem chegam a deixar o papel, e outras vezes são iniciadas e abandonadas, num atestado de descaso pelo dinheiro público.

Permitam-me citar o exemplo dos Estados Unidos, onde a empresa que vence uma concorrência pública é obrigada a efetuar um seguro de valor superior ao da obra contratada. Com essa providência simples, a seguradora torna-se fiscal efetiva da obra, acompanhando a construção e assegurando a sua conclusão.

Permitam-me também lembrar que, na Itália, a Operação Mãos Limpas realizou, na década de 1990, um trabalho abrangente de combate à corrupção. Essa operação, aliás, foi tema de um artigo publicado pelo Juiz Sergio Moro em 2004 e serve como referência para a atual Operação Lava-Jato.

Durante a Operação Mãos Limpas, segundo dados publicados pela imprensa, 2.993 mandados de prisão foram expedidos; mais de 6 mil pessoas estiveram sob investigação, incluindo 872 empresários, quase 2 mil administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros.

A publicidade gerada pela Operação Mãos Limpas revelou à opinião pública que a vida política e administrativa de Milão e da própria Itália estava mergulhada na corrupção, com pagamento de propina para a concessão de todos os contratos do governo.

Causou também uma profunda mudança no governo e nos protagonistas da política italiana. Todos os quatro partidos no poder em 1992 vieram a desaparecer e muitos dos antigos políticos foram substituídos por novos nomes, na tentativa de dar um novo rumo à Itália.

Entretanto, essa mudança não teve um bom resultado. Segundo o cientista Alberto Vannucci, professor da Universidade de Pisa, em artigo publicado em 16 de março passado, a corrupção hoje na Itália está maior, mais difusa e mais blindada do que antes. Nas palavras do eminente professor, é uma "corrupção 2.0".

O que isso nos mostra, acredito, é que não basta varrer partidos ou políticos de cena para mudar um País. É necessário um trabalho conjunto, não só entre os três Poderes, mas também, e principalmente, com a participação de toda a sociedade organizada. E teremos, tão logo seja concluído esse processo de impeachment, qualquer que seja o seu resultado, uma oportunidade de ouro para realizar esse trabalho.

Concedo um aparte à Deputada Alice Portugal.

A Sra. Alice Portugal - Deputado Bacelar, quero parabenizá-lo por seu pronunciamento, que é a alma, é o espelho da sua visão avançada sobre a sociedade brasileira. Quero registrar que como educador, como homem das letras, como observador social, tem sido exemplar dentro das suas convicções - e nos encontramos em muitas delas. V.Exa. tem aqui comprovado a importância de a Bahia tê-lo trazido para o plenário desta Casa. Quero parabenizá-lo e dizer que me sinto orgulhosa de estar ao seu lado na luta pela democracia, na luta pela manutenção do Estado Democrático de Direito em nosso País. Parabéns!

O SR. BACELAR - Muito obrigado, Deputada Alice Portugal. A sua luta também é uma inspiração para mim e para todos os baianos.

Concedo um aparte à Deputada Erika Kokay.

A Sra. Erika Kokay - Deputado Bacelar eu, brevemente, gostaria de aproveitar este momento para agradecer ao povo do Estado da Bahia, que nos deu o seu mandato, que deu ao Brasil um mandato pautado na lucidez, pautado na construção dos direitos. Portanto, eu queria apenas registrar que nós temos um orgulho muito grande de contar com um Parlamentar da sua lucidez, da sua sabedoria, do seu compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e mais igualitária.

O SR. BACELAR - Obrigado, Deputada Erika Kokay.

Tenho a satisfação de conceder um aparte ao ilustre Líder do PDT.

O Sr. Afonso Motta - Nobre Deputado Bacelar, quero cumprimentá-lo e, em nome da bancada do PDT, dizer que o pensamento de V.Exa. é um pensamento afinado com a visão trabalhista de mundo, com o seu posicionamento atual e a contribuição para o fortalecimento das instituições brasileiras. É uma honra e uma alegria ouvi-lo. Muito obrigado.

O SR. BACELAR - Muito obrigado, ilustre Líder.

Vivemos um momento em que precisamos e podemos fazer nascer um novo Brasil, sem que para isto precisemos de um golpe. Precisamos, sim, iniciar um processo de mudança, não apenas na política, mas em toda a sociedade. E nós, políticos, podemos fazer muito para ajudar nesse processo. Podemos, por exemplo, trabalhar pela diminuição do Estado, pela repactuação do pacto federativo e pelas reformas. Podemos, principalmente, trabalhar pela educação, porque a educação é a ferramenta mais poderosa de que o ser humano dispõe para promover as grandes mudanças.

O Brasil não precisa de heróis nem de vilões.

No artigo que mencionei, Eliane Brum faz outra colocação que merece registro:

"Uma democracia demanda cidadãos autônomos, adultos emancipados, capazes de se responsabilizar pelas suas escolhas e se mover pela razão."

Assino embaixo dessa frase e tenho certeza de que a educação é o caminho para formar esses cidadãos.

Precisamos, além de combater a corrupção, promover a mudança e manter os avanços sociais que conseguimos alcançar nesses últimos anos, porque, Sras. e Srs. Deputados, esses são méritos deste Governo que nem os maiores inimigos podem negar. A verdade é que a educação, principalmente a universitária, e a inclusão social estão hoje ao alcance de muito mais famílias e já estão começando a formar um novo Brasil, um Brasil que tem ideias, que vai às ruas e que faz ouvir a sua opinião.

Precisamos continuar firmes na rota de promoção de uma educação de qualidade e de redução das desigualdades sociais, porque esse é o caminho mais seguro para combater a violência e promover a cidadania.

Precisamos oferecer oportunidades iguais para todos os brasileiros se pretendemos um Brasil justo para todos.

Causa-me espanto a cegueira da Oposição, que só sabe enxergar o tal equilíbrio fiscal, passando por cima do bem-estar da população. Para eles, tem-se que atender aos interesses dos banqueiros; para eles, tem-se que atender aos interesses da banca internacional, para depois proporcionar o Minha Casa, Minha Vida para a população, para depois promover o Mais Médicos para a população. As classes C e D não foram às ruas porque sabem que eles são inimigos dessas conquistas sociais. É assim que eu penso, senhores e senhoras.

Tenho certeza de que, para construirmos este Brasil que queremos, precisaremos estar unidos em torno de um ideal de progresso e de conduta. E mais: precisamos respeitar as leis, obedecer aos regulamentos que nós mesmos criamos para gerir a nossa sociedade e, principalmente, respeitar as opiniões alheias, para que as nossas sejam respeitadas. É por pensar assim que devemos respeitar as leis e a democracia, que continuarei a votar "não" ao golpe e "não" a esse impeachment que, sem sombra de dúvida, parece mais um golpe.

Há poucos instantes o decano desta Casa, o ilustre Deputado Bonifácio de Andrada dizia: "A Presidente não cometeu crime de responsabilidade nenhum". O ilustre representante do DEM dizia que a Presidente não cometeu crime, apenas que o Governo da Presidente ia de encontro aos interesses nacionais. E administração ruim não é motivo de impeachment.

Continuarei a fazer esse combate a quem defende o golpe, respeitando a opinião alheia, sem ofender os que pensam de forma diferente. E é isto que espero de todos os brasileiros: que cada um tenha e defenda as suas opiniões, mas respeite a opinião do outro. Vamos acabar com esse policiamento de ideias, com essas tentativas de intimidação que ofendem os direitos, para que a sociedade não saia desse processo como a maior prejudicada.

Por toda esta semana as discussões sobre o processo continuarão. E é preciso que sejam realizadas em um clima de respeito mútuo, sem ofensas, ameaças e agressões, ainda que verbais. É preciso que seja assim para que na segunda-feira que vem, o dia seguinte, por assim dizer, qualquer que seja o resultado do processo, possamos nos dar as mãos para construirmos juntos esse novo Brasil.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, Voltaire é um dos maiores filósofos de todos os tempos e criou muitas frases imortais, entre as quais destaco esta: "Não concordo com o seu jeito de pensar, mas defenderei até a morte o seu direito de pensar como pensa". Essa me parece ser a essência da democracia e da própria convivência entre os homens.

Continuarei a manter a minha independência e a minha opinião. Não pretendo abaixar a cabeça e aceitar, muito menos endossar, essa tentativa de golpe, esse rasgar da Constituição brasileira. Não pretendo permitir a banalização do impeachment, nem essa agressão à democracia.

O Sr. Chico Lopes - V.Exa. me concede um aparte?

O SR. BACELAR - Concedo um aparte ao nobre colega.

O Sr. Chico Lopes - Quero parabenizar V.Exa. pelo discurso no sentido de destacar a necessidade não de conciliação, mas de uma convivência de pessoas educadas, até porque esta Casa representa o Parlamento mais alto do País, e às vezes parece que estamos aqui num quintal jogando bola, usando termos que jamais seriam possíveis. Portanto, concordo com V.Exa. E quem agora quer cassar a Presidente já deveria ter sido cassado há muito tempo.

O Sr. Moroni Torgan - Deputado Bacelar, V.Exa. me permite um aparte?

O SR. BACELAR - Concedo-lhe um aparte, Deputado Moroni Torgan.

O Sr. Moroni Torgan - Eu gostaria de discordar de V.Exa. em alguns pontos, mas com todo respeito e consideração. Em primeiro lugar, não é possível determinar se a Presidente praticou crime ou não, porque um Presidente, quando está imbuído no seu cargo, não pode ser investigado. Então, fica difícil dizer se praticou crime ou não. Ela vai poder ser investigada justamente no processo de impeachment. Nós não estamos aqui determinando o impeachment ou não. Nós estamos determinando o juízo de admissibilidade. É como um juiz quando aceita uma denúncia. Quando ele aceita a denúncia, ele não tem todas as provas, ele tem indícios suficientes para aceitar a denúncia. Foi nisso que o Relator se baseou, como por exemplo o parecer do TCU, que rejeitou as contas da Presidente Dilma; o relatório do Banco Central, que também condenou, de certa forma, as contas da Presidente Dilma; e outros relatórios financeiros foram divulgados; além, é claro, dos depoimentos de testemunhas. Então, com todo respeito a V.Exa., nós temos indícios suficientes para a abertura do processo. As demais provas serão dadas durante o processo.

O SR. BACELAR - Obrigado, Deputado Moroni Torgan. A argumentação de V.Exa. fortalece mais ainda a defesa das atitudes da Presidente. O TCU não pode desaprovar as contas de S.Exa. O TCU indica. É esta Casa, é o Congresso Nacional que têm esse poder, e essas contas ainda não foram apreciadas nesta Casa.

Concedo um aparte ao Deputado Jorge Solla.

O Sr. Jorge Solla - Deputado Bacelar, parabenizo V.Exa. por sua atuação nesta Casa. Para mim, é uma satisfação poder dividir este espaço com V.Exa. Esta é uma Casa em que, majoritariamente, têm predominado representantes não do povo brasileiro, mas do empresariado, com interesses mais conservadores, que têm buscado o retrocesso nas políticas sociais, que têm buscado apenas retroagir. E V.Exa. aqui tem tido uma convergência conosco muito forte de ideias que batem contra os interesses conservadores. Inclusive, vamos derrubar o golpe juntos no próximo domingo. Um abraço.

O SR. BACELAR - Obrigado, Deputado Jorge Solla.

Sr. Presidente, continuarei a votar de acordo com a minha consciência, porque não posso condenar uma pessoa que não cometeu o crime de que é acusada.

Por mim, a Presidente Dilma fica. Este País tem uma história marcada por golpes, como na época da Independência, da Proclamação da República, do Estado Novo, o golpe contra Jango, o golpe de 64. Não podemos, num momento moderno como este, assistir a outro golpe.

Golpe no Brasil nunca mais!


PRONUNCIAMENTO ENCAMINHADO PELO ORADOR

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, a votação de segunda-feira passada encerrou um período de intensa pressão sobre os 65 Deputados que integravam a Comissão Especial do Impeachment, entre os quais eu estava. Foram dias de muita pressão, de ligações telefônicas incontáveis e insistentes, de mensagens pelas redes sociais.

Como eu já disse aqui anteontem, recebi milhares de pedidos, educados e não educados, exigências e, muitas vezes, até ataques e ameaças. Cheguei a receber mais de 200 telefonemas num só dia, fora as mensagens pelas redes sociais, muitas vindas de pessoas que, sem me conhecer, sem conhecer a minha história, faziam ofensas gratuitas e mentirosas.

Tudo isso, Sras. Deputadas e Srs. Deputados, porque tive a coragem de declarar abertamente a minha posição contrária ao impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Uma posição que, apesar de alguma das calúnias que recebi, não veio de trocas de favores ou cargos no Governo, mas da minha convicção pessoal de que são as leis que tornam possível a convivência entre os homens e devem ser respeitadas.

Por isso, por essa crença inabalável nas leis e na democracia, eu disse "não" a esse impeachment, que vejo como um golpe, e continuarei dizendo "não" no plenário e na futura votação na Câmara. As minhas convicções não estão à venda e, a meu ver, nada nas denúncias apresentadas ou no relatório do Deputado Jovair Arantes comprova que a Presidente Dilma Rousseff tenha incorrido nos crimes de responsabilidade de que a acusam.

Essa é a minha posição. E espero que a respeitem, como respeito as opiniões divergentes. Espero que possa continuar a tomar as minhas decisões, não apenas como Deputado, mas também como cidadão brasileiro que sou. Alguém já disse que "a essência da democracia é a habilidade de conviver com o contraditório". A democracia não busca a unanimidade, mas o respeito às opiniões alheias, para que possa prevalecer a opinião da maioria.

Espero que, agora que a questão foi transferida para o plenário da Câmara, nós, Parlamentares, não mais sejamos limitados no exercício dos nossos mandatos nem nos nossos direitos como cidadãos. Espero que tenhamos o direito às nossas opiniões, sem a pressão de grupos organizados, sem o assédio, as ameaças e as ofensas que dominaram esses dias.

Excessos foram cometidos de parte a parte durante esse tempo. A partir de hoje, espero, principalmente, que o bom senso e o respeito passem a predominar nos debates, para que não venha a ocorrer uma fratura na sociedade brasileira; para que, encerrada essa discussão, possamos seguir juntos, brasileiros que somos, e juntos construir o Brasil que todos queremos.

A verdade, minhas amigas e meus amigos, é que, independentemente do resultado desse processo, precisaremos repensar o País. É hora de acabar com uma frase proferida há muitos anos pelo General Charles de Gaulle e que ainda hoje nos persegue: "O Brasil não é um país sério".    Essa frase ressurge, cada vez que um novo golpe tenta manipular o nosso povo. Essa frase ressurge quando o discurso de posse de um Vice-Presidente vaza enquanto a Presidente está no poder. Essa frase ressurge quando resultados de votações importantes são antecipados, são divulgados entre um grupo antes que as discussões sejam encerradas e as votações realizadas. Essa frase ressurge quando a impopularidade e uma crise econômica se tornam motivos para que se distorçam fundamentos jurídicos em busca de um impeachment sem base legal ou moral.

Por isso, volto a dizer: qualquer que seja o resultado desse processo, precisaremos repensar o País, porque, minhas amigas e meus amigos, os protestos que começaram em 13 de março e sacudiram o Brasil não tiveram como alvo apenas o PT. Políticos de outros partidos que tentaram participar da manifestação popular não foram aceitos nem bem recebidos.

Seria válido, portanto, perguntar: então os políticos foram o alvo dos protestos? São os políticos os responsáveis pela corrupção que assola o País e que a sociedade não aguenta mais?

Pode até parecer. Mas vamos parar para pensar e veremos que não é bem assim. Nem todos os presos e investigados pela Operação Lava-Jato são políticos, muitos deles são empresários e técnicos que ocupavam cargos de realce nas estatais.

É verdade que existem políticos, empresários e servidores corruptos. Muitos são corrompidos por um sistema ultrapassado, falho, baseado na defesa de interesses próprios, no fisiologismo, no princípio do toma lá, dá cá.

Esta realidade, meus amigos, é parte importante do problema: um sistema que facilita a corrupção irá fatalmente produzir corruptos, ainda mais em um país como o nosso, onde impera a chamada Lei de Gérson e todo mundo gosta de levar vantagem em tudo.

Precisamos de mudanças profundas no sistema; mudanças que dificultem a corrupção. Precisamos acabar com essa intimidade perigosa entre empresários e políticos, com essas "doações" que muitas vezes ocultam o repasse de verbas públicas indevidamente desviadas.

Precisamos acabar com os "favores" e "presentes" recebidos por políticos e dirigentes de estatais. Precisamos acabar com a prática de propinas por obras, que muitas vezes nem chegam a deixar o papel, e outras vezes são iniciadas e abandonadas, num atestado de descaso pelo dinheiro público.

Permitam-me citar o exemplo dos Estados Unidos, onde a empresa que vence uma concorrência pública é obrigada a efetuar um seguro de valor superior ao da obra contratada. Com essa providência simples, a seguradora torna-se fiscal efetiva da obra, acompanhando a construção e assegurando a sua conclusão.

Permitam-me, também, lembrar que na Itália a Operação Mãos Limpas realizou, na década de 1990, um trabalho abrangente de combate à corrupção. Essa operação, aliás, foi tema de um artigo publicado pelo Juiz Sergio Moro, em 2004, e serve como referência à atual Operação Lava-Jato.

Durante a Operação Mãos Limpas, segundo dados publicados pela imprensa, 2.993 mandados de prisão foram expedidos; 6.059 pessoas estiveram sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiro-ministro.

A publicidade gerada pela Operação Mãos Limpas revelou à opinião pública que a vida política e administrativa de Milão e da própria Itália estava mergulhada na corrupção, com o pagamento de propina para concessão de todos os contratos do governo.

Causou, também, uma profunda mudança no governo e nos protagonistas da política italiana. Todos os quatro partidos no poder em 1992 vieram a desaparecer e muitos dos antigos políticos foram substituídos por novos nomes, na tenativa de se dar um novo rumo ao país.

Entretanto, essa mudança não teve um bom resultado. Segundo o cientista Alberto Vanucci, professor da Universidade de Pisa, em artigo publicado em 16 de março passado, hoje a corrupção na Itália está maior, mais difusa e mais blindada do que antes. Nas palavras do eminente professor, é uma "corrupção 2.0".

O que isso nos mostra, eu acredito, é que não basta varrer partidos ou políticos de cena para mudar um país. É necessário um trabalho conjunto, não só entre os três Poderes, mas também, e principalmente, com a participação de toda a sociedade organizada. E teremos, tão logo seja concluído esse processo de impeachment, qualquer que seja o seu resultado, uma oportunidade de ouro para realizar esse trabalho.

Precisamos de uma reforma política ampla, que altere as regras do jogo e assegure a livre e verdadeira expressão da vontade do povo. Essa é uma oportunidade que tivemos e perdemos, mas que podemos e precisamos trazer de volta para que haja mais transparência e mais justiça no processo eleitoral.

A verdade, minhas amigas e meus amigos, é que a sociedade reclama por mudanças. Mas mudanças profundas, que vão muito além da troca de um governo, da prisão de alguns corruptos.

A verdade é que o nosso País está doente. E não se cura uma doença combatendo um sintoma, como não se purifica um pântano retirando a espuma que boia em suas águas.

O que a sociedade quer, sim, é a mudança de um modelo. Porque o nosso atual modelo está esgotado, ultrapassado, e não atende mais às necessidades do Brasil. E, ao dizer isso, não me refiro apenas ao modelo político, aos partidos e políticos atuais. Os problemas do Brasil vão muito além de Dilma, de Lula, do PT, de Aécio e do DEM, de Temer e Cunha e do PMDB. Vivemos um momento delicado, de falência de modelos, em que o nosso povo procura encontrar motivos para resgatar a autoestima como cidadãos e como brasileiros.

É preciso ter serenidade para reconhecer que, apesar do alegado no processo de impeachment, as verdadeiras causas da tormenta enfrentada pela Presidente Dilma Rousseff não são pedaladas fiscais, aplicadas por muitos de seus antecessores, nem a assinatura de decretos que ela tinha o direito de assinar e, mais do que isto, a obrigação constitucional de assinar, diante das circunstâncias.

Não. Essas são apenas as alegações oficiais, que tentam legalizar o golpe. As verdadeiras origens da impopularidade da Presidente residem na crise econômica, na falta de diálogo entre Governo e Oposição e, principalmente, no andamento da Operação Lava-Jato, que vem expondo as falhas do sistema e a corrupção no País. Uma corrupção, diga-se de passagem, que até hoje não tem nenhuma conexão provada com a Presidente Dilma Rousseff.

Em inspirado artigo publicado no jornal El País de 14 de março, Eliane Brum escreve: "Há uma enorme descrença nos políticos e nos partidos tradicionais, este já é um lugar comum. Mas é importante perceber que a esta descrença se contrapõe não mais razão, mas uma vontade feroz de crença. Quando os dias, as vozes e as imagens soam falsas, e a isso ainda se soma um cotidiano corroído, há que se agarrar em algo. Quando se elege um culpado, um que simboliza todo o mal, também se elege um salvador <http://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/13/opinion/1457899365_762866.html>, um que simboliza todo o bem".

Aqui, aliás, cabe um parêntese: mostra a história que o maior sucesso dos chamados super-heróis ocorreu exatamente nas épocas em que a humanidade mais precisava de exemplos e incentivos para a autoestima. A história nos ensina, minhas senhoras e meus senhores, que, quando uma nação começa a fabricar heróis e vilões com muita facilidade, há sempre uma causa mais profunda do que parece à primeira vista.

Diz a sabedoria popular que, para mudar o mundo, precisamos mudar a nós mesmos. É preciso ir mais fundo para curar o Brasil; é preciso mudar o modelo, os partidos, a própria sociedade brasileira.

Precisamos reavaliar as nossas prioridades, resgatar valores, abandonar o famoso jeitinho brasileiro e a malandra Lei de Gérson, a mania de achar que devemos levar vantagem em tudo.

Precisamos resgatar o conceito de cidadania, que não é apenas exigir direitos, mas também, e principalmente, respeitar os direitos alheios e contribuir para o bem-estar da comunidade.

Esse é um trabalho a ser realizado em conjunto, por toda a sociedade. Ensina outro velho ditado que, se cada um varrer a própria calçada, teremos um mundo limpo, sem que ninguém se sacrifique.

É assim que eu vejo a situação atual, minhas amigas e meus amigos: vivemos um momento em que precisamos e podemos fazer nascer um novo Brasil, sem que para isso precisemos de um golpe; precisamos, sim, iniciar um processo de mudança, não apenas na política, mas em toda a sociedade.

E nós, políticos, podemos fazer muito para ajudar nesse processo. Podemos, por exemplo, trabalhar pela diminuição do Estado, pela repactuação do Pacto Federativo, pelas reformas previdenciária e tributária.

Podemos, principalmente, trabalhar pela educação, que é a ferramenta mais poderosa de que o ser humano dispõe para promover as grandes mudanças.

O Brasil não precisa de heróis nem de vilões. No artigo que antes mencionamos, Eliane Brum faz outra colocação que merece registro:

"Uma democracia demanda cidadãos autônomos, adultos emancipados, capazes de se responsabilizar pelas suas escolhas e se mover pela razão.".

Assino embaixo dessa frase e tenho certeza de que a educação é o caminho para formar esses cidadãos.

Precisamos, além de combater a corrupção, promover a educação e manter os avanços sociais que conseguimos alcançar nos últimos anos.    Meus amigos, esses são méritos desse governo que nem os maiores inimigos podem negar! A verdade é que a educação, principalmente a universitária, e a inclusão social estão hoje ao alcance de muito mais famílias, e já estão começando a formar um novo Brasil: um Brasil que tem ideias, que vai às ruas e faz ouvir a sua opinião.

Precisamos continuar firmes na rota de promoção de uma educação de qualidade e da redução das desigualdades sociais, porque esse é o caminho mais seguro para se combater a violência e para se promover a cidadania. Precisamos oferecer oportunidades iguais para todos os brasileiros se pretendemos um Brasil justo para todos!

É assim que eu penso, senhores e senhoras. E tenho certeza de que, para construirmos esse Brasil que queremos, precisaremos estar unidos em torno de um ideal de progresso e conduta. E mais: precisaremos respeitar as leis, observar os regulamentos que nós mesmos criamos para gerir a nossa sociedade e, principalmente, respeitar as opiniões alheias, para que as nossas sejam respeitadas.

É por pensar assim, por entender que devemos respeitar as leis e a democracia, que continuarei a votar "não" a esse impeachment, que me parece mais um golpe sem base legal ou moral. Mas continuarei a fazer isso dentro do respeito à opinião alheia, sem ofender os que pensam de forma diferente.

E isto é o que espero de todos os brasileiros e de todas as brasileiras: que cada um tenha e defenda as suas opiniões, mas respeite as opiniões alheias. Vamos acabar com esse policiamento de ideias, com essas tentativas de intimidação que ofendem os direitos alheios, para que a nossa sociedade não saia desse processo como a maior prejudicada.

Por toda esta semana as discussões sobre o assunto continuarão. E é preciso que sejam realizadas em um clima de respeito mútuo, sem ofensas, ameaças ou agressões, ainda que verbais. É preciso que seja assim para que na segunda-feira que vem, no dia seguinte, por assim dizer, qualquer que seja o resultado do processo, possamos nos dar as mãos para construir juntos um novo Brasil.

Voltaire, um dos maiores filósofos de todos os tempos, criou muitas frases imortais, entre as quais destaco esta: "Não concordo com seu jeito de pensar, mas defenderei até à morte o seu direito de pensar como pensa". Essa me parece a essência da democracia e da própria convivência entre os homens.

Continuarei a manter a minha independência e a minha opinião. Não pretendo abaixar a cabeça e aceitar, muito menos endossar essa tentativa de golpe! Não pretendo permitir a banalização do impeachment nem essa agressão à democracia.

Essa é a minha opinião. Continuarei a votar de acordo com a minha consciência, porque não posso condenar uma pessoa que não cometeu o crime de que é acusado. Por mim, a Presidente Dilma fica; golpe, nunca mais!