CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sessão: 070.2.55.O Hora: 14:04 Fase: PE
Orador: LUIZ COUTO, PT-PB Data: 06/04/2016

O SR. LUIZ COUTO (PT-PB. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, quero fazer o registro de três pronunciamentos.

No primeiro, manifesto solidariedade ao Sargento Xavier, da Polícia Militar da Paraíba. Ele foi preso de forma arbitrária pelo Comandante da Polícia Militar.

No segundo, associo-me à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, que, em parceria com o Ministério Público Federal e o Instituto dos Advogados o Brasil, lançou um documento em que solicita a busca permanente de soluções pacíficas, repudiando qualquer forma de violência na sociedade e combatendo os crimes de ódio e intolerância.

No terceiro, finalmente, menciono uma entrevista, publicada no blog O Cafezinho pelo jornalista Miguel Rosário, com o Prof. Giuseppe Tosi, da Universidade Federal da Paraíba.

Sr. Presidente, peço que esses pronunciamentos sejam divulgados nos meios de comunicação da Casa e, inclusive, no programa A Voz do Brasil.


PRONUNCIAMENTOS ENCAMINHADOS PELO ORADOR

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, um fato lamentável aconteceu esta semana no meu Estado, a Paraíba, e desejo, em primeiro momento, registrar aqui a minha solidariedade ao Sargento Xavier, da Polícia Militar da Paraíba.

O Sargento Xavier foi punido com prisão na segunda-feira, dia 4 de abril, porque usou seu perfil nas redes sociais para divulgar um vídeo e nele contestar uma falha no serviço da PM. Segundo ele, os policiais militares estavam sendo retirados das ruas para desempenharem serviço de custódia de presos sem a devida previsão legal. E, ainda, ele encaminhou um documento ao Ministério Público. Este, em momento posterior, fez publicar, através do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial - NCAP, uma recomendação ao Comando da Polícia Militar para que se abstenha de autorizar, permitir ou de qualquer forma designar policiais militares para executarem a custódia de presos civis em hospitais, clínicas, laboratórios, residências ou quaisquer outros locais não sujeitos à administração militar.

As atitudes do sargento foram levadas ao conhecimento do comandante do batalhão, e Xavier foi preso, acusado de transgressão à conduta do militar.

As fotos do sargento encarcerado também foram amplamente distribuídas nas redes sociais.

A punição foi aplicada com a abertura de procedimento administrativo, que aponta erro na conduta de Xavier, que teria sido indiscreto em relação a assuntos de caráter oficial, cuja divulgação poderia prejudicar a disciplina ou a boa ordem do serviço; ainda, por publicar ou contribuir para que sejam publicados fatos, documentos ou assuntos policiais-militares que possam concorrer para o desprestígio da corporação ou firam a disciplina ou a segurança; e, por fim, por censurar ato de superior ou procurar desconsiderá-lo.

A meu ver, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sras. Deputadas, a punição ao Sargento Xavier foi equivocada e arbitrária. Aliás, muitas regras do Estatuto dos Policiais Militares deveriam ser revistas.

No caso do companheiro da Paraíba, a interpretação dos atos dele depende do ponto de vista do Comandante da PM-PB.

O meu entendimento é que o Sargento Xavier não contribuiu para o desprestígio da PM-PB. Ao contrário, ele agiu para tentar corrigir um problema. E ao fazê-lo, teve a coragem de se expor, em nome da melhoria de toda a tropa. Tanto é que o Ministério Público reconheceu que o sargento tinha razão.

Transmito aqui minha solidariedade ao Sargento Xavier e a todos os bons policiais militares que atuam na Paraíba. Não podemos punir quem trabalha pela melhoria da segurança pública. O diálogo respeitoso deve prevalecer e as regras, na letra fria da lei e sob o manto da autoridade, devem ser interpretadas de maneira que se obtenha o melhor resultado.

Apelo ao Governador Ricardo Coutinho para que torne sem efeito a punição dada pelo Coronel Euller Chaves ao Sargento Xavier.


Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, senhoras e senhores aqui presentes, quero associar-me à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, que lançou, no dia 1º de abril, em parceria com o Ministério Público Federal e o Instituto dos Advogados do Brasil - IAB, um documento solicitando a busca permanente de soluções pacíficas e repudiando qualquer forma de violência na sociedade.

Está na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e é importante que se lembre, sempre, que manifestações de ódio e intolerância, seja religiosa, seja política são crime. "O crime de ódio é uma forma de violência direcionada a um determinado grupo social com características específicas", diz o texto desta Declaração.

Nenhum de nós brasileiros e brasileiras deve tolerar esse tipo de manifestação. Eu sempre vou combatê-la, seja no Congresso, seja fora dele.

Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos - DUDH, o crime de ódio é mais do que um crime individual; é um delito que atenta contra a dignidade humana e prejudica toda a sociedade e as relações fraternais que nela deveriam prevalecer. Ele produz efeito não apenas nas vítimas, mas em todo o grupo a que elas pertencem. Assim sendo, podemos classificá-lo como um crime coletivo de extrema gravidade.

Este apelo feito pelas autoridades eclesiásticas e autoridades públicas vem em boa hora, pois nosso País precisa ser reconhecido como um país pacífico e não enraizado em ódio e intolerância.

Mais uma vez, conclamo, pegando o gancho das autoridades eclesiásticas, públicas e privadas, todos os brasileiros e brasileiras a entenderem que a Declaração Universal dos Direitos Humanos assegurou a igualdade entre todos os indivíduos. Independente do grupo social ou político, todo ser humano tem o direito a tratamento digno e imparcial.

A Constituição Federal do Brasil afirma como objetivo fundamental do País a promoção do bem-estar de todas as pessoas, sem discriminações.

Parabenizo, por fim, a Conferência Nacional dos Bispos, o Ministério Público Federal e o Instituto dos Advogados do Brasil pela iniciativa pacifica de solucionar os perigos do ódio e da intolerância.


Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, quero registrar entrevista publicada pelo blog O Cafezinho, do jornalista Miguel Rosário, que entrevistou, no último dia 29 de março de 2016, o filósofo italiano radicado no Brasil, professor da Universidade Federal da Paraíba, Giuseppe Tosi.

Em sua entrevista, o filósofo responde a três perguntas relacionadas à crise política associada à crise econômica, às distorções da Operação Lava-Jato, às articulações do Juiz Sergio Moro, mídia, ódio social e político e aos riscos para a democracia da judicialização da política.

Portanto, como o artigo está muito bem escrito e centraliza o maior problema existente no Brasil de hoje, desejo ler alguns trechos importantes, mais já deixando claro meu pedido para que essa entrevista e o artigo sejam divulgados em todos os meios de comunicação da Casa, bem como no programa A Voz do Brasil.

Fato que me chamou atenção foi quando Giuseppe Tosi diz que:

"O impeachment é uma instituição criada pelos ingleses não contra o Rei (por definição irresponsible), mas contra o primeiro ministro ou os ministros. Se o sistema brasileiro fosse parlamentarista, a crise já estaria resolvida: se mudava o primeiro ministro e se rearticulava o apoio ao governo; caso contrário se faziam novas eleições. Esta é uma das vantagens do sistema parlamentarista, que vigora na maioria dos países europeus (8), mas que tem também as suas desvantagens. Por exemplo, a Itália parlamentarista teve uma grande instabilidade política, com mais de 30 governos em 40 anos. Para que o parlamentarismo funcione é preciso também que existam partidos com um mínimo de ideologia, de fidelidade e de vida orgânica, o que falta ao Brasil. Além disso, a nossa tradição americana não é parlamentarista, mas presidencialista, e o Brasil já se pronunciou duas vezes contra o parlamentarismo em plebiscito."

Segundo Giuseppe:

"Por isso que a presidente Dilma tem razão quando define o impeachment como golpe: no presidencialismo, o mandato é assegurado por um período fixo e só pode ser retirado por crime de responsabilidade. Não é suficiente a perda do apoio político no congresso para fazer cair o governo, como acontece no parlamentarismo. Obama não tem apoio do congresso e continua governando. E vamos concordar que o 'crime' de responsabilidade das chamadas 'pedaladas fiscais' é totalmente improcedente para derrubar uma presidente eleita, como já afirmaram eminentes juristas e tributaristas. Se assim fosse, todos os governadores e os presidentes anteriores deveriam ter sido submetidos ao impeachment".

Ainda o filosofo declara:

"Que uma câmara, presidida por um réu em vários processos de corrupção e composta por dezenas de parlamentares acusados de crimes graves tente derrubar uma presidente que não é ré em nenhum processo é algo absurdo e que nos deixa a todos indignados!"

Giuseppe Tosi afirma também:

"Um outro aspecto da questão é a mídia. Já se falou muito sobre isto, não vou me alongar, vou partir da minha experiência como cidadão europeu. Para quem vem da Europa, o que mais se estranha no Brasil é a falta de uma mídia pública, sobretudo rádio e tv (na Itália havia também jornais de partido). Não é possível uma democracia sem a democratização dos meios de comunicação, que nada tem a ver com censura, mas com a oferta de propostas pluralistas e alternativas de informação para a população, nos rádios, nas televisões, nos jornais."

Concluindo, parabenizo publicamente o filósofo Giuseppe Tosi pelo esclarecido artigo feito com base em suas preocupações dirigidas ao futuro do Brasil.

Esclareço que tenho também esta mesma preocupação. Respeito todos os órgãos e instituições existentes neste País, mas a grande mídia, alguns membros do Judiciário e do Ministério Público, bem como da Policia Federal se utilizam de um modus operandi seletivo somente contra o PT. Outros partidos continuam intocáveis e exercendo seus mandatos com a intenção de proliferar mais ódio e mais intolerância entre o povo brasileiro e os políticos de esquerda.

A manobra do golpe de Estado nasceu da ganância pelo poder, que hoje é um dos males que assola o mundo.

Era o que tinha a dizer.


ENTREVISTA A QUE SE REFERE O ORADOR

Cheguei ao ponto de ter medo de assistir televisão, tão grosseira é a manipulação das notícias", Giuseppe Tosi, sobre a imprensa brasileira.

O Cafezinho tem a honra de publicar uma entrevista exclusiva com Giuseppe Tose, filósofo italiano radicado no Brasil, professor da Universidade Federal da Paraíba, e um artigo quase exclusivo de sua autoria, sobre os recentes acontecimentos políticos nacionais.

Pedimos aos internautas, não... imploramos aos internautas, que leiam tudo, a entrevista e o artigo. É essencial ouvir a opinião de um intelectual sensato, experiente e com uma visão abrangente e universal sobre a política brasileira.

Cafezinho: o juiz Sérgio Moro gosta de comparar a Lava Jato com a Mani Pulite, o que você acha dessa comparação?

Trata-se mais do que uma simples comparação, mas de uma explicita inspiração, como mostra o artigo que Moro escreveu em 2004. As investigações da Petrobrás forneceram a oportunidade ou o pretexto esperado para o desenlace da operação, cujo objetivo político estava bem claro desde o começo. Assim como para a operação Mani Pulite, também a Lava Jato, ao denunciar a relação promiscua entre público e privado, queria "moralizar a vida pública" e extirpar a corrupção da vida política do país. Por isso, a sua abrangência nacional, as suas sucessivas e intermináveis etapas, que através dos vazamentos seletivos alimentam a cada semana o noticiário, numa aliança proposital com setores da oposição e da mídia para criar um impacto político muito forte. O objetivo, como aconteceu com Mani Pulite, é exercer uma pressão tão forte que inevitavelmente leve ao desmoronamento do sistema político atual.

Cafezinho: quais são os riscos para a democracia da judicialização da política?

O risco principal é uma politização do judiciário. Os procuradores e os juízes não querem simplesmente aplicar a lei, "doa a quem doer", mas utilizar as investigações para interferir e condicionar o sistema político; se tornam, assim, atores do jogo político sem ter mandato para tanto.

Cafezinho: na sua opinião, existe alguma relação entre a Lava Jato e seu modus operandi midiático e a emergência de ondas de ódio social e político, com depredação de sindicatos e sedes de partidos de esquerda?

Esta é a face mais preocupante da operação: quando o Juiz Moro ordenou a condução coercitiva do ex-presidente Lula e colocou imediatamente e ilegalmente à disposição da mídia o teor das interceptações do ex-presidente Lula, demonstrou o seu interesse em incendiar os ânimos contra Lula e contra a presidente Dilma, para criar um clima de tensão muito perigoso.

Até o momento, se conseguiu que as manifestações não chegassem a um confronto físico, mas não sei até quando isto será possível, porque há setores que alimentam este clima de ódio e de intolerância que, até pouco tempo atrás, não era comum no Brasil.

Se queremos continuar a comparação com a operação Mãos Limpas, me permitam dizer que, apesar de toda a radicalização, (talvez devido à memória dos anos de chumbo do terrorismo político dos anos precedentes), os italianos durante e depois da Mãos Limpas, continuaram debatendo politicamente sem chegar à violência física. Esperamos que assim seja também no Brasil.


ARTIGO A QUE SE REFERE O ORADOR

A crise política associada à crise econômica, ou a crise econômica agravada pela crise política, estão me deixando tenso, preocupado e transtornado. Procuro trabalhar como sempre, mas a cabeça está em outro lugar. Por isso decidi, como terapia, escrever algo sobre estes tempos sombrios que estamos vivendo para socializar minha angustias.

Vou começar com uma comparação com a operação mãos limpas (mani pulite), que se desenvolveu na Itália pelos procuradores e juízes de Milão nos meados dos anos noventa. O juiz Sergio Moro, em 2004, havia analisado a operação num artigo publicado numa revista jurídica e a Lava-jato se inspira nela. O que significa que ela estava sendo preparada há muito tempo e que esperava só o momento oportuno, que foi dado pelo escândalo da Petrobrás.

A distância de 20 anos, a opinião na Itália sobre mani pulite mudou bastante, depois do entusiasmo inicial. Hoje, são pouco os que a defendem vistos o resultado, que foi o desmoronamento de um sistema político que governava o país há mais de 40 anos, e a sua substituição por um sistema ainda pior, sendo que a corrupção continuou e continua como ou mais do que antes.

A operação Mãos Limpas provocou um terremoto político que resultou no fim dos dois principais partidos que davam sustentação ao governo há mais de 40 anos, a Democracia Cristã e o Partido Socialista. Se abriu assim, de repente e inesperadamente, um vazio político que deveria ser ocupado pela oposição, representada pelo Partido Comunista Italiano (PCI), que havia ficado (relativamente) fora das relações promíscuas entre empresas e políticos (1); mas não foi isso que ocorreu.

O vazio foi preenchido por Sílvio Berlusconi, um dos homens mais ricos do país e dono de redes privadas de televisão, e que, em poucos meses, utilizando como base de sustentação o seu dinheiro, os funcionários das suas empresas e o apoio das suas televisões, conseguiu ganhar as eleições em aliança com a extrema direta neofascista (que até então havia ficado fora do jogo político) e da nova direita separatista.

O PCI mudou de nome (Partito Democratico di Sinistra) (2), continuou na oposição e durante 20 anos Berlusconi e seus interesses privados dominaram e condicionaram a cena política italiana. O detalhe paradoxal é que Berlusconi era o financiador do Partido Socialista e estava envolvido até o pescoço no sistema de corrupção, mas conseguiu se fazer passar como o "salvador da pátria", o "anti-político", o empresário que não precisa roubar, retomando o discurso anticomunista, apesar da queda do muro de Berlim e do fim do comunismo soviético. Um discurso que Umberto Eco chamou de "populismo midiático".

O que podemos aprender da operação Mão Limpas e da operação Lava Jato que nela se inspira? Vou tentar algumas considerações.

É claro que a ascensão de Berlusconi não foi somente fruto da operação Mãos Limpas, mas da própria fragilidade do sistema político-partidário italiano; o que vale, ainda mais, para o sistema político brasileiro, que precisa de uma profunda reforma política, que até agora ninguém conseguiu ou quis fazer; assim ela está sendo feita atordoadamente a golpes de sentenças judiciais! O PT é um dos maiores responsáveis por esta situação, na medida em que, não somente não fez a reforma política, mas, em nome da governabilidade, compactuou com o sistema de promiscuidade entre economia e política.

É claro também que a operação italiana tem em comum com a operação brasileira a anti-política: a mensagem é que "todos os políticos são ladrões", "todos são corruptos", "todos são iguais", o que na Itália chamamos de "qualunquismo", do nome de um partido populista de direita dos anos 50, (il partito dell´uomo qualunque - o partido do homem qualquer), que teve ume efêmero sucesso, e que contrapunha "o povo honesto e trabalhador" ao "político desonesto e corrupto".

Foi este clima, que está se repetindo nos mesmos moldes, que deu chance a aventureiros e salvadores da pátria como Berlusconi, que surfou nesta onda e condicionou a política italiana até hoje. Este é um fator perigoso para a democracia, porque este clima pode ser explorado, como está acontecendo, por figuras de extrema direta que não tem nenhum compromisso com a democracia.

A política é necessária e precisa de mediações; não há alternativa à política se não mais e melhor política, não há alternativa aos partidos senão menos e melhores partidos, não há alternativa nem atalhos à democracia senão mais democracia. As manifestações de 2013 mostraram que sem uma saída ou uma proposta política, as reivindicações caem no vazio e o sistema continua o mesmo.

Outro elemento é a judicialização da política que tem como contraponto a politização do judiciário. É obvio que, nestes dois fenômenos, há uma responsabilidade primária da política, que pratica e encobre a corrupção, que joga para a justiça resolver os problemas que não sabe resolver internamente. Há também uma responsabilidade da sociedade civil, dos cidadãos e dos movimentos sociais que esperam do judiciário a solução dos problemas políticos: toda a discussão sobre a justiciabilidade dos direitos sociais vai nesta direção (3). Não é uma boa coisa, porque a justiça (que não é um poder eleito e que deveria continuar sem sê-lo) não pode substituir os poderes legislativo e executivo.

Este fenômeno é uma parte do fenômeno mais amplo da judicialização de todas as relações sociais. O Brasil é o país onde há quase 100 milhões de ações na justiça, que possui o maior número de Faculdades de direito do mundo, que produzem milhares de bacharéis que sonham em serem, promotores, juízes, procuradores, defensores públicos ou simplesmente assumir um cargo administrativo no judiciário; carreiras entre as mais desejadas pelos altíssimos salários, pelo poder e prestigio social, processo que alimenta uma litigiosidade que sobrecarrega o sistema judiciário. (4)

Esta situação comporta também ume revisão de certas concepções da esquerda sobre o direito. A concepção positivista atribui ao juiz o papel do aplicar a lei. Este positivismo foi e continua sendo criticado pela esquerda como uma visão muito restrita do direito (embora, diante dos abusos do presente parece algo bastante mais sensato). Mas o que significa aplicar a lei? Me vejo obrigado a reproduzir uma opinião de um conservador como Marco Aurélio de Mello:

A atuação do Judiciário brasileiro é vinculada ao direito positivo, que é o direito aprovado pela casa legislativa ou pelas casas legislativas. Não cabe atuar à margem da lei. À margem da lei não há salvação. Se for assim, vinga que critério? Não o critério normativo, da norma a qual estamos submetidos pelo princípio da legalidade. Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Se o que vale é o critério subjetivo do julgador, isso gera uma insegurança muito grande.

Como diz Bobbio, a democracia é o respeito às regras do jogo, inclusive as jurídicas. Porém não é tão simples respeitar o direito positivo. Tanto a escola do realismo jurídico, como da retórica e da hermenêutica ensinam que não há uma única interpretação da lei e que não é possível uma aplicação neutra e unívoca (5).

Então, os críticos do positivismo dizem que o juiz não deve simplesmente aplicar a lei, mas deve promover a justiça, procurar senão eliminar, pelo menos diminuir o hiato sempre existente entre lei e justiça, lex et jus. A esquerda acredita muito nisto, sobretudo a justiça social, de onde nasceu o movimento do direito alternativo ou do uso alternativo do direito ou do "direito achado na rua" (6). É um objetivo legitimo, mas muito ambicioso e até perigoso quando entram em jogo valores morais, políticos e ideológicos na aplicação da lei.

Mas o pessoal da Lava Jato vai mais além, não quer somente aplicar a lei ou fazer justiça, quer "moralizar definitivamente a coisa pública", ou seja, tem um objetivo político. A lava jato é uma mistura dessas três concepções: aplica-se a lei "doa a quem doer" (porém de modo seletivo somente contra o PT; outros partidos continuam intocáveis), faz isto em nome da justiça e da moralização (inclusive religiosas com apelos messiânicos) da política, e em aliança com grupos religiosos fundamentalistas, midiáticos e políticos para ter uma repercussão maior e arrasadora. Trata-se claramente de uma politização da justiça.

O Juiz Moro e toda a equipe da operação Lava-Jato estão assim com um poder descomunal que numa democracia não deveria ser permitido a ninguém. O abuso da prisão preventiva, a condução coercitiva do Lula, os vazamentos seletivos dos depoimentos, a divulgação das interceptações da Presidente, dos advogados de defesa, etc. são exemplos deste poder de destruir pessoas e reputações, que esta aliança entre mídia, poder judiciário e oposição está fazendo - e que está criando uma ditadura do judiciário, como diz o conservador Juiz do STF Marco Aurélio Melo. Que é a pior ditadura, porque o poder judiciário não somente não é submetido ao veredicto do eleitor, do voto, mas tem poder de controlar os outros poderes, e não é controlado por nenhum outro poder externo. Ao final - se perguntava Norberto Bobbio - quem controla os controladores?

Há também um aspecto curioso: parece que os promotores são os últimos verdadeiros comunistas, querem criminalizar o capitalismo, descobriram que o capitalismo cria monopólios, carteis, lobbies... assim enfraquecem as empresas multinacionais brasileiras, que estão saindo do país, e abrem o mercado para as empresas multinacionais estrangeiras, que praticam os mesmos métodos, mas em escala mais ampla e com mais competência ou leniência dos seus órgãos de controle (7).

Como ensina Bobbio, a democracia é, em última instância, o respeito às regras do jogo. Nesses dias de tensão, verificamos a importância do respeito a essas regras e ao mesmo tempo a fragilidade das mesmas: pensamos no rito do impeachment. Mas seria ingênuo pensar que é só isso: as regras se jogam num contexto de relações de forças sociais, políticas, econômicas. Os realistas políticos sabem muito bem disso: em política vale a lógica do amigo e do inimigo. Muito antes de Carl Schmitt ter elevado esta regra à essência, ao quid do "político", os coronéis brasileiros já a conheciam: "para os amigos tudo, para os inimigos a lei", "manda quem pode e obedece quem tem juízo". Diante disso não tem regra que aguente.

O impeachment é uma instituição criada pelos ingleses não contra o Rei (por definição irresponsible), mas contra o primeiro ministro ou os ministros. Se o sistema brasileiro fosse parlamentarista, a crise já estaria resolvida: se mudava o primeiro ministro e se rearticulava o apoio ao governo; caso contrários se faziam novas eleições. Esta é uma das vantagens do sistema parlamentarista, que vigora na maioria dos países europeus (8), mas que tem também as suas desvantagens. Por exemplo, a Itália parlamentarista teve uma grande instabilidade política, com mais de 30 governos em 40 anos. Para que o parlamentarismo funcione é preciso também que existam partidos com um mínimo de ideologia, de fidelidade e de vida orgânica, o que falta ao Brasil. Além disso, a nossa tradição americana não é parlamentarista, mas presidencialista e o Brasil já se pronunciou duas vezes contra o parlamentarismo em plebiscito.

Por isso, a presidente Dilma tem razão quando define o impeachment como golpe: no presidencialismo, o mandato é assegurado por um período fixo e só pode ser retirado por crime de responsabilidade. Não é suficiente a perda do apoio político no congresso para fazer cair o governo, como acontece no parlamentarismo. Obama não tem apoio do congresso e continua governando. E vamos concordar que o "crime" de responsabilidade das chamadas "pedaladas fiscais" é totalmente improcedente para derrubar uma presidente eleita, como já afirmaram eminente juristas e tributaristas. Se assim fosse, todos os governadores e os presidentes anteriores deveriam ter sido submetidos ao impeachment.

Que uma câmara, presidida por um réu em vários processos de corrupção e composta por dezenas de parlamentares acusados de crimes graves tente derrubar uma presidente que não é ré em nenhum processo, é algo absurdo e que nos deixa a todos indignados!

Um outro aspecto da questão é a mídia. Já se falou muito sobre isto, não vou me alongar, vou partir da minha experiência como cidadão europeu. Para que vem da Europa, o que mais se estranha no Brasil é a falta de uma mídia pública, sobretudo rádio e tv (na Itália havia também jornais de partido). Não é possível uma democracia sem a democratização dos meios de comunicação, que nada tem a ver com censura, mas com a oferta de propostas pluralistas e alternativas de informação para a população, nos rádios, nas televisões, nos jornais.

Quem conhece a Europa sabe que são as televisões e rádios públicas que tem a maior audiência, e é exatamente isto que falta no Brasil: faz poucos anos que se criou uma tv pública que ainda não chegou à massa. Fiquei estarrecido quando o Lula fez um pronunciamento público e a TV Brasil e a NBR não o transmitiram ao vivo. Não existe contraditório, não existe debate político, não se dá voz ao outro lado, num pais democrático as televisões estariam entrevistando a situação e a oposição, chamando o Lula para falar, junto com Aécio Neves, haveria debates permanentes. Não temos contraditório político nem análise política, mas uma máquina de desinformação. Cheguei ao ponto de ter medo de assistir televisão, tão grosseira é a manipulação das notícias.

Me permitam também uma reflexão sobre o PT, que está sendo criminalizado neste processo. Eu sou filiado ao PT desde minha chegada ao Brasil. Acompanhei no interior da Paraíba, em Guarabira, a fundação do PT, minha esposa foi candidata, conheci o Lula nas lutas das greves e das campanhas salarias, no começo dos anos oitenta, quando ele veio para os comícios dos aniversários do assassinato de Margarida Alves. O Lula construiu este partido de baixo para cima, viajando em todos os lugares do Brasil: esta história não pode ser esquecida ou criminalizada.

O PT foi criado a partir da colaboração de várias forças que formavam o que podemos chamar gramscianamente de um "bloco histórico", porque refletiam correntes ideológicas, grupos sociais e interesses de classe que haviam sido sistematicamente excluídos, durante séculos, do governo e mais ainda do poder. Esta foi e continua sendo a força do PT, que se colocou entre, de um lado, a tradição marxista-leninista de observância soviética e, do outro, o populismo getulista-janguista-brizolista. Esta foi a grande e duradoura novidade da política brasileira na transição para a ditadura, a diferença do que aconteceu com a Argentina que continua apostando na "renovação do peronismo"! Mas o PT chegou ao governo através de um bloco de alianças, que não podemos definir como um verdadeiro bloco histórico, porque faltava e falta consistência ideológica, de identidade programática, de fidelidade partidária, de compromisso com as transformações e as reformas necessárias.

Assim, em nome da governabilidade, ou seja, em nome de ser aceito a governar pelas forças hegemônica ideológica, econômica e politicamente, fez muitas concessões e poucas reformas estruturais. Apesar disso, fez muito mais do que todos os governos passados, e permitiu durante 12 anos um crescimento com inclusão social, distribuição de renda, fortalecimento da empresa nacional, reconhecimento internacional, etc. Todos resultados que transformaram profundamente o país internamente e lhe deram relevância internacional.

Mas o PT fez algo contraditório: de um lado retirou o caráter "confessional" do partido, ou seja, a referência ao marxismo, e apostou na democracia como valor universal, acreditou nas regras do jogo "burguês", na concepção "republicana" do Estado, investiu no fortalecimento e na autonomia das instituições políticas e jurídicas: o Ministério Público, a Magistratura, a Polícia Federal (9); nada fez para limitar a liberdade de imprensa (ou empresa!), etc. fez tudo o que o figurino manda. Foi justamente isto que permitiu o afloramento da corrupção que antes estava escondida, através de medidas preventivas, como a política de transparência, e repressiva, como as inúmeras operações da Polícia Federal, entre eles a Lava Jato. E o governo fez isto respeitando os direitos civis e políticos e iniciando uma tentativa de estado-do-bem-estar social, que nunca havia sido feita no Brasil.

Por outro lado, em nome da governabilidade, não atacou o sistema de corrupção, praticou e conviveu com o sistema de relação público/privado, e sobretudo perdeu a sua principal bandeira, o da ética na política, jogou fora o seu principal capital político. Mas isto não faz do PT o partido mais corrupto, nem do Lula o chefe do bando; a justiça está longe de comprovar isto. Se tivesse provas já teria sido preso, sem precisar de todo esta espetacularização. Se as provas são o sítio de Atibaia e o tríplex de Guarujá, elas não se sustentam, Lula vai sair fortalecido deste processo. Não se pode reduzir a história do Lula a uma ficha criminal, como estão tentando fazer.

Precisamos combater a corrupção, e este governo é quem mais a combateu, com respeito às garantias e direitos individuais, sem fazer do combate à corrupção uma arma ou um pretexto para a luta política. A delação premiada (o que na Itália se chama de pentiti-arrependidos) pode ser e foi um método eficaz contra a corrupção política, e foi utilizado sobretudo contra a máfia e o terrorismo político, mas deve ser utilizado com muito cuidado e não como arma política. Se combate a corrupção com medidas jurídicas, mas não somente, começando pelo combate à cultura da corrupção que invade a sociedade, com o trabalho que estamos fazendo de educação de direitos humanos, de ética e cidadania, com os cursos de formação política para a juventude, e sobretudo com o nosso exemplo de cidadãos honestos e trabalhadores, que somos a grande maioria da população; incluindo a grande maioria dos eleitores e eleitos nas fileiras do Partido dos Trabalhadores.

Por isso, não aceito a criminalização do PT, da Dilma, do Lula, dos seus dirigentes, da sua história, o que me atinge pessoalmente.

Finalmente me permitam um desabafo: de repente no Brasil não se fala mais dos graves problemas do país: a violência, o tráfico, o contrabando, a sonegação, a crise econômica. O grande problema do Brasil é pegar o Lula e derrubar a presidente: feito isto, todos os problemas serão resolvidos. E isto num clima de intolerância e de agressividade sempre crescente. Esperamos que neste clima não se passe da arma da crítica para a crítica das armas, como dizia Marx.

O Brasil sofre de uma grande violência criminal (que deveria ser a nossa principal preocupação!), mas faz tempo, desde o atentado do Riocentro, que não há violência política, nem terrorismo, nem guerrilha, nem guerra civil como em outras partes do mundo. Valorizamos e cultivamos este lado positivo da nossa convivência, sobretudo nós intelectuais, que temos responsabilidade na produção do conhecimento e na educação da juventude.

Concluo voltado à operação mãos limpas: o que aconteceu na Itália depois dela e o que pode acontecer no Brasil? A corrupção continuou e o sistema político, apoiado numa aliança de centro direita, faz leis para barrar as investigações e diminuir a pressão do Ministério Público e do Judiciário sobre a classe política. E conseguiu! O mesmo pode acontecer aqui: se a presidente for demitida, a primeira medida da aliança de centro-direita vai ser livrar da cassação Cunha e os outros deputados e senadores envolvidos em denúncias de corrupção; mas não só isto, vão retomar projetos de lei para limitar a atuação do Ministério Público e a interferência da Justiça na política, assim como derrubar a proibição de financiamento empresarial às campanhas.

Não é difícil imaginar que um congresso, que é o mais conservador desde a redemocratização, dominado pelas bancadas evangélica fundamentalista, ruralista e da bala e que está longe de representar a estratificação social da população brasileira, com apoio do executivo vai promover um retrocesso nos direitos individuais e coletivos, uma política de privatização que vai favorecer o capital estrangeiro, uma política exterior que vai se alinhar sempre mais com os Estados Unidos, e desarticular os espaços geopolíticos do Mercosul e dos BRICS, etc.

Então, uma vez que o inimigo principal (o PT) foi vencido, a indignação seletiva da mídia e da classe média vai desaparecer, em nome da unidade nacional, dos "interesses superiores" da nação, da superação da crise econômica, e voltarão ao governo (porque no poder elas sempre estiveram) as velhas elites de sempre!