CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sessão: 033.2.55.O Hora: 11:10 Fase: OD
Orador: CHICO ALENCAR, PSOL-RJ Data: 10/03/2016

O SR. CHICO ALENCAR (PSOL-RJ. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sra. Presidente. É muito bom vê-la dirigindo os nossos trabalhos, Deputada Soraya Santos.

Como sabemos, a corrupção no Brasil é histórica. Ela foi e continua sendo sistêmica, lamentavelmente.

Em nome da moralidade pública, transcrevo nos Anais da Casa uma nota do Coletivo Terras de Volta, intitulada: Carta Aberta ao Povo do Sul-fluminense. A nota questiona a incorporação, quando da privatização da Companhia Siderúrgica Nacional, naquele processo de "privataria" tucana, de terras públicas que não têm nada a ver com a produção do aço. A reivindicação é que essas terras voltem ao domínio público, respeitando a função social da propriedade, e sirvam à coletividade como um todo, ao meio ambiente, à habitação, a algo mais decente para a população da região sul-fluminense.

Deixo aqui, portanto, o registro da Carta Aberta ao Povo Sul-fluminense, do Coletivo Terras de Volta.

Obrigado.


PRONUNCIAMENTO ENCAMINHADO PELO ORADOR

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados e todos os que assistem a esta sessão ou nela trabalham, a corrupção contra a qual lutamos aqui no Parlamento é um problema sistêmico. Ela não advém apenas de um indivíduo que tem ideias deturpadas de como enriquecer ou de um grupo específico de pessoas que são mais espertas que todo o resto. A corrupção vem de uma cultura de desconsideração pelos vínculos éticos que criamos um com o outro enquanto concidadãos. E nisso é relevante pensarmos, para que possamos lutar efetivamente contra ela. Ela não está apenas nos indivíduos; ela está nas práticas diárias que aceitamos, consciente ou inconscientemente.

Um caso bem elucidativo das muitas corrupções presentes em nossa sociedade está na maneira como algumas empresas privadas se sentem no direito de se apropriarem de bens coletivos. A Companhia Siderúrgica Nacional, ao ser privatizada, acabou incorporando terras públicas em Volta Redonda (RJ) que não diziam respeito a sua função precípua, qual seja: produção de aço. E isso acarreta um problema seriíssimo para a comunidade daquele local, já que se trata de verdadeiros latifúndios importantes para as reformas urbanas e agrárias da região.

Apresento, em seguida, a Carta Aberta ao Povo do Sul Fluminense, elaborada pelo Coletivo Terras de Volta, com o qual nosso mandato tem mantido contato nessa luta pela função social da propriedade em nosso País. O combate à corrupção passa pela corrupção de valores e pelo desvio das funções sociais.

CARTA A QUE SE REFERE O ORADOR

Depois de mais de 22 anos, finalmente o povo de Volta Redonda tem a oportunidade concreta de corrigir um erro histórico cometido contra nossa cidade. O Ministério Público acaba de emitir parecer favorável à Ação Popular 2005.51.04.003240-8, que reivindica a reincorpoção ao patrimônio público das terras e demais imóveis de nossa cidade que, mesmo não tendo nada a ver com a produção de aço da CSN, foram inadvertidamente privatizados no leilão de 1993.

Antes de mais nada, é preciso esclarecer que do que se trata: não estamos aqui contestando a legalidade da propriedade privada, nem em termos gerais, nem no caso particular do Grupo CSN. Estamos, ao contrário, reafirmando essa mesma legalidade, pois é nos termos da Lei Brasileira que os IMÓVEIS NÃO OPERACIONAIS da CSN - como, por exemplo, a Fazenda Santa Cecília, a Floresta da Cicuta, o Aeroclube, o antigo Centro de Puericultura, além de hospitais, clubes e também o Escritório Central, hoje quase totalmente subutilizado - devem retornar ao Poder Público.

Voltemos um pouco no tempo para esclarecer melhor essa história. Volta Redonda foi criada a partir de atos de DESAPROPRIAÇÃO, na época da ditadura do Estado Novo. O que exatamente isso significa? Resumidamente, a desapropriação ocorre quando alguém é obrigado a vender uma propriedade sua para o Estado. Desde a época da fundação da CSN até hoje, a legislação brasileira só autoriza uma desapropriação se o Estado se comprometer com um USO SOCIAL DA PROPRIEDADE. No caso de Volta Redonda, a justificativa do Estado era construir uma usina siderúrgica e uma cidade operária ("company town") ao seu redor, com toda sorte de serviços públicos - incluindo casas para os operários, escolas, hospitais, áreas de lazer, espaços para a prática de esportes e matas preservadas para recreio e proteção dos mananciais.

Os antigos proprietários das fazendas desapropriadas foram devidamente indenizados. Faltava ao Estado cumprir o prometido e exigido pela legislação - isto é, criar a cidade de Volta Redonda. Essa responsabilidade foi delegada para a Companhia Siderúrgica Nacional, criada na época como uma EMPRESA DE CAPITAL MISTO - que, nos termos da lei, era regida como uma pessoa jurídica de direito privado.

Mas o Estado poderia repassar para uma empresa a propriedade dos imóveis desapropriados? Sim, desde que essa empresa se comprometesse a cumprir as FUNÇÕES SOCIAIS DA PROPRIEDADE, que são as que justificaram a desapropriação em primeiro lugar.

Como bem lembram os moradores mais antigos, em Volta Redonda nunca foi muito clara a diferença entre a CSN e o Estado. Por esta razão, a população acostumou com a ideia de que diversos bens públicos "eram da CSN" - quando na verdade a CSN, enquanto empresa mista, nunca havia comprado essas propriedades; se, por qualquer razão, a empresa deixasse de cumprir as funções sociais que lhe cabiam junto à cidade operária, imediatamente perderia todos seus direitos sobre os IMÓVEIS NÃO OPERACIONAIS.

E foi exatamente o que aconteceu, muito antes da privatização. Já a partir de 1967, a empresa gradativamente foi deixando de oferecer os inúmeros serviços públicos que prestava em Volta Redonda (os quais foram sendo passados para a Prefeitura, tal como funciona nos dias de hoje). A partir desse momento, nos termos da lei, esses imóveis deixaram de fazer parte do capital da empresa, por DESVIO DE FUNCIONALIDADE em relação ao que foi estabelecido quando a CSN os recebeu do Estado, através das desapropriações.

Isso explica a situação absurda ocorrida na privatização da CSN, onde um consórcio adquiriu uma empresa siderúrgica e, inexplicavelmente, também recebeu inúmeras outras propriedades que nada tem a ver com essa atividade. Ora, na verdade, o que ocorreu foi que, no momento da privatização, todos os IMÓVEIS NÃO OPERACIONAIS da CSN (isto é, aqueles que não se relacionam com a produção do aço) não poderiam ter sido incluídos como parte do capital da empresa, já que ela não nunca os comprou através de contratos normais de compra-e-venda de imóveis, mas sim os recebeu do Estado, após um ato de DESAPROPRIAÇÃO.

A lei é claríssima a este respeito: se ocorre DESVIO DE FINALIDADE nos imóveis desapropriados e eles deixam de cumprir sua FUNÇÃO SOCIAL, devem então ser imediatamente devolvidos à União. Em termos jurídicos, trata-se de uma nulidade que não prescreve, e por isso não importa se ocorreu há muito tempo: tratou-se de um erro do passado que pode e deve ser corrigido no presente. Ao adquirir a CSN, o consórcio vencedor do leilão adquiriu também imóveis que não poderiam ter sido incluídos no capital da empresa; portanto, tais imóveis devem ser imediatamente devolvidos à união.

Entendemos que o Grupo CSN tem todo o direito de defender seus interesses, se entender que foi prejudicado. Ele bem que se esforça em comprovar que pagou por esses imóveis não operacionais no momento da privatização - algo que está longe de ser consensual no meio jurídico. Mas o que queremos deixar claro é que, apesar das denúncias de inúmeras irregularidades ocorridas no leilão de privatização da empresa, nós aqui estamos tratando apenas e tão somente dos imóveis que não participam, de nenhuma forma, na produção do aço.

Com relação a eles, nossa reivindicação é justa e garantida por lei: que sejam devolvidos imediatamente à União todos os IMÓVEIS NÃO OPERACIONAIS da CSN, para que democraticamente sejam dadas a eles as FUNÇÕES SOCIAIS que lhe cabem nos termos da lei, e que tanta falta fazem ao povo de Volta Redonda.

Nossa luta está apenas começando, mas mesmo assim nunca estivemos tão próximos de obter essa importante vitória! Aproveitamos para conclamar a se juntar a nós o povo trabalhador de nossas cidades vizinhas e irmãs: BARRA MANSA e PINHEIRAL. Saibam que essa questão não diz respeito apenas a Volta Redonda, porque em seus municípios também há enormes propriedades irregulares da CSN, que podem e devem voltar ao Poder Público. É hora de nos unirmos para corrigir esse erro histórico, em nome de todo o povo do Sul Fluminense!

Agradeço a atenção.