CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sessão: 022.2.54.O Hora: 15:42 Fase: BC
Orador: EMILIANO JOSÉ, PT-BA Data: 29/02/2012

O SR. EMILIANO JOSÉ (PT-BA. Sem revisão do orador.) - Sra. Presidenta, trago, para dar como lido, pronunciamento em torno da situação da Internet, tanto no Brasil quanto no mundo.

A propósito, lembro que está em tramitação nesta Casa o projeto que estabelece o marco civil da Internet, um instrumento muito importante para assegurar o direito dos mais de 80 milhões de internautas atualmente existentes no País.

Os Estados Unidos vivenciam uma luta dura entre os defensores da liberdade na rede e os que, no Congresso americano, tentam aprovar projetos que criminalizam atividades de usuários da Internet. Alguns países da Europa caminham na mesma linha. E, neste momento, há uma discussão em torno da agência da ONU para as tecnologias da comunicação e da informação, a ITU, devido a modificações que consideramos que não serem favoráveis ao usuário.

Muito obrigado, Sra. Presidente.


PRONUNCIAMENTO ENCAMINHADO PELO ORADOR

Sra. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, quero, neste discurso, tratar da situação política da Internet e do sistemático cerco a que ela está submetida em nosso País e no mundo.

No Brasil, tenta-se aprovar o marco civil da Internet como forma de conter a ânsia repressiva presente no projeto do Deputado Eduardo Azeredo, que os movimentos sociais da rede mundial de computadores denominaram de AI-5 da Internet.

Nos EUA, vive-se uma luta dura entre os defensores da liberdade na rede, e os que, no Congresso americano, tentam aprovar projetos que restringem as possibilidades dos usuários e criminalizam algumas atividades, mesmo caminho seguido pela Europa, particularmente pela França e pela Espanha.

Além disso, alguns países estão capitaneando um movimento destinado a estender a ação regulatória da International Telecomunications Union - ITU à Internet, ampliando o controle sobre a rede. A ITU é a agência reguladora da ONU para a área de tecnologia da informação e comunicação.

A grande batalha da sociedade contemporânea, a batalha da liberdade, neste momento, para além de guerras sangrentas, que continuam a existir, está girando em torno da Internet.

Os poderosos do mundo - e aqui falamos do âmbito tanto da política quanto dos negócios, até porque um e outro campo se complementam neste caso - deram-se conta do potencial emancipador da Internet e querem, de variados modos, colocar um freio nela, tanto para garantir lucros, quanto para tentar colocar obstáculos no poder que ela tem de mobilizar e congregar multidões, de estimular a cidadania em escala mundial.

Nos Estados Unidos, na Europa, no Brasil, na Rússia, na China, e com interesses variados, são diversos os movimentos de ímpeto conservador, todos eles assustados com esse fenômeno novo, que contribui decisivamente para o congraçamento e encontro das multidões no mundo todo.

A Internet, como todos sabem, nasceu como resultado da Guerra Fria e, ao desenvolver-se, ao abrir avenidas gigantescas de comunicação no âmbito de cada nação e entre todas as nações do mundo, encontra resistência por parte dos que se pretendem senhores da terra - como dizia, tanto os senhores do dinheiro, os senhores do capital, como aqueles que estão no comando político, ao menos aqueles que acreditam que a democracia e a liberdade não são boas conselheiras.

Está certo o Prof. Sérgio Amadeu, notável militante dos direitos dos internautas, ao comentar o recente espetáculo repressivo patrocinado pelos Estados Unidos contra o site Megaupload, com a prisão de seus executivos fora do país. Segundo o professor, os EUA deram-se ao direito de agir como polícia mundial, e ele está certo quando diz que o "império" pretende reeditar a sua desastrada política de guerra às drogas, ao desenvolver tantos esforços repressivos contra o compartilhamento de arquivos na Internet. A repressão aos usuários da Internet é uma edição piorada de sua guerra contra as drogas, cuja falência já foi decretada por sua absoluta inconsequência.

Matéria recente da revista CartaCapital (edição de 1º de fevereiro de 2012) assinada pelo jornalista Antonio Luiz M. C. Costa, dá um impressionante painel dessa batalha. Aconselharia a todos que a lessem.

Nos Estados Unidos, a partir de setembro do ano passado, iniciou-se uma intensa batalha no Congresso em razão de projetos como o do Ato de Combate a Infrações e Falsificações Online (COICA), o do Ato de Prevenção de Ameaças Online Reais à Criatividade Econômica e Roubo de Propriedade Intelectual (conhecido como PIPA) e, o mais draconiano deles, do Ato de Combate à Pirataria Online (abreviado como SOPA), apresentado em outubro de 2011. O mais moderado deles foi apresentado em dezembro,    o Ato de Proteção e Execução do Comércio Digital Online.

Todos eles, de alguma forma, criminalizam o compartilhamento de arquivos e, naturalmente, pretendem proteger a indústria cultural americana e mundial, além de, é óbvio, tolher a liberdade dos usuários e acabar com sua privacidade. É a criminalização da atividade na Internet e a tentativa de evitar que os milhões de usuários possam usufruir, sem fins comerciais, das criações culturais da humanidade.

Lembremos que houve impressionante reação a esses projetos restritivos e que apenas um dia de mobilização pela rede mundial de computadores, o dia 18 de janeiro deste ano, obrigou os idealizadores de tais propostas a recuarem, particularmente em relação ao SOPA, adiando-se a sua votação e constrangendo o Presidente Obama a se colocar contra o projeto. Cada vez mais, em todos os países do mundo, impõe-se uma mobilização permanente destinada a assegurar liberdade para os usuários da Internet.

Para revelar toda a verdade, essa ofensiva conservadora contra a Internet não está restrita aos EUA. Na França, em 2009, já se aprovara uma lei que possibilita cortar o acesso à Internet a usuários que supostamente violem direitos de propriedade intelectual, por exemplo, disponibilizando ou descarregando gravações e vídeos que sejam considerados pirateados. A Espanha segue a mesma linha: em fevereiro deste ano, aprovou lei que permite cortar o acesso de usuários à Internet por violação repetida de direitos autorais.

Assustadora ainda é a possibilidade de conclusão do Acordo Comercial Anticontrafação - ACTA que está sendo negociado entre Estados Unidos, União Europeia, Japão, Canadá, Suíça, Austrália, Nova Zelândia, México, Coreia do Sul, Cingapura e Marrocos, cujo resultado final seria a criação de uma organização para a proteção de marcas, copyrights e patentes. Tudo isso à margem da ONU, da OMC,    da Organização Mundial de Propriedade Intelectual - OMPI e também dos interesses dos países e povos periféricos.

No Brasil, como sabemos a luta não é diferente. No ano que passou, travamos, aqui nesta Casa, luta contra o que denominamos de "AI-5 digital", projeto agora do Deputado Eduardo Azeredo - e dizemos agora porque, originalmente, não era de S.Exa. Se aprovado, esse projeto restringirá em muito os direitos dos internautas brasileiros, hoje mais de 80 milhões. O texto do projeto procura atender aos lobbies dos bancos e das multinacionais do direito autoral, principalmente as grandes corporações de entretenimento americanas. Caminha a proposta na linha de convergência dos projetos recentemente apresentados no Congresso americano, como já detalhado anteriormente.

Está em tramitação nesta Casa o projeto de marco civil da Internet, proposta que contou com a colaboração de internautas via consulta pública e que baliza os direitos dos usuários. Acreditamos necessário votar a matéria este ano. Será um passo muito importante. Só depois disso, creio, devemos discutir se há ou não passos a dar em relação à tipificação de crimes na rede, para além da legislação penal já existente.

O cenário é de guerra. Guerra contra a Internet livre. Guerra contra a fruição da criatividade humana pelos usuários da Internet. Guerra do capital contra as multidões. Tentativa de capturar a Internet inteiramente para os interesses do lucro. Guerra contra a utilização da Internet como extraordinário mecanismo de democratização da cultura. É contra isso que todos devemos nos insurgir.

O mais recente cenário dessa guerra está se desenhando no interior da própria ONU. O blogueiro Silvio Meira postou artigo esclarecedor no Terra Magazine, no dia 24 de fevereiro, sob o título Os Governos, a ITU e o controle da Internet, em que revela que nesta semana, que se iniciou ontem, dia 27 de fevereiro, começará uma discussão que pode mudar os rumos da Internet no mundo, e para pior, naturalmente. A discussão será em Genebra, onde fica a sede da International Telecomunications Union (ITU), que vem a ser a agência da ONU para a área de tecnologias de informação e comunicação. A ITU cuida alocação global do espectro eletromagnético - usado por redes, celulares, TVs, serviços de emergência, etc. -, determina a órbita dos satélites de comunicação e estabelece os padrões técnicos para telecomunicações, entre tantas outras atribuições. Detém, assim, muito poder sobre o sistema global de comunicação. Acontece que, neste momento, Rússia, China e aliados pretendem que a ITU venha a também regular a Internet, sobre a qual ela não tem domínio até hoje.

Para que isso ocorra, a ideia é mudar o Regulamento Internacional de Telecomunicações (ITR), tratado assinado em 1988, em Melbourne, na Austrália, quando ainda não existia a Internet comercial, e a ITU não tinha qualquer preocupação com as redes experimentais de então.

Essa possibilidade, a de que os Governos em escala mundial passem a controlar a Internet, terá, se efetivada, graves consequências para os milhões de usuários da rede. Porque, afinal, tanto haverá propostas políticas destinadas a salvaguardar interesses das multinacionais do entretenimento e da cultura e a suprimir o uso de produtos culturais na rede sem objetivo de lucro, como, seguramente, se invadirá a privacidade das multidões e se procurará limitar suas possibilidades de intervenção política.

Estamos, assim, inegavelmente numa encruzilhada histórica da Internet. Ou ela continua a ser esse instrumento emancipador civilizatório, que estimula crescentemente a liberdade e a fruição cultural, ou passa a ser objeto puro e simples do lucro e do controle político. Trata-se de continuar a luta para que ela seja o território da liberdade, de afirmação da cidadania e da democracia.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Sra. Presidenta.