CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sessão: 53635 Hora: 14:40 Fase:
Orador: Data: 28/08/2018

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Declaro aberta a presente reunião de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias alusiva ao 39º aniversário da promulgação da Lei da Anistia Política e destinada a avaliar a situação da Comissão de Anistia Política.

Esta audiência atende a requerimento de minha autoria, por solicitação dos movimentos dos anistiados e anistiandos. Saúdo todos e todas aqui presentes, reconhecendo o esforço para estarmos juntos neste momento.

Hoje é dia de rememorar uma conquista popular fundamental para a nossa democracia, mas também é dia de lembrar que muitas famílias brasileiras ainda esperam o deferimento de seus processos de anistia.

Enquanto não houver o reconhecimento das violações de direito e a devida reparação pelo Estado a todas as vítimas, continuaremos a cobrar do Governo o cumprimento desse dever.

A referida lei, promulgada há 39 anos, é uma conquista da cidadania, mas é preciso lembrar que ela possui falhas, sendo que a principal delas foi a concessão da autoanistia àqueles que torturaram, estupraram, assassinaram e ocultaram os restos mortais de tantos brasileiros e brasileiras em circunstâncias que acabaram gerando um legado de impunidade e banalização de violações de direitos humanos nesse âmbito.

Vamos debater neste ato a situação atual da Comissão de Anistia e dos processos que lá tramitam.

O golpe que sofreu a Presidenta eleita, Dilma Rousseff, acarretou, entre tantos retrocessos, o esvaziamento da Comissão, o fim das Caravanas da Anistia, do projeto Marcas da Memória, das Clínicas do Testemunho e até o absurdo indeferimento de requerimentos que já haviam sido deferidos.

Portanto, este é um momento de denúncia e de mobilização pela exigibilidade do direito de anistia política, um direito inerente à democracia. Em outras palavras, este ato é para dizer bem alto que exigimos nossos direitos à memória, à verdade e à justiça.

Convido para compor a Mesa os seguintes convidados e convidadas: Ivan Cláudio Marx, Procurador Federal integrante do Grupo de Trabalho denominado Memória e Verdade da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do MPF e Conselheiro da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.(Palmas.)

Convido, também, o Capitão Wilson Silva, Presidente da Associação de Defesa dos Direitos e Pró-Anistia Ampla dos Atingidos por Atos Institucionais - AMPLA.(Palmas.)

Convido a Sra. Irene Gomes, advogada do Movimento Revolta dos Perdidos, em prol dos camponeses do Rio Araguaia.(Palmas.)

Convido o Sr. Virginius José Lianza da Franca, representante do Movimento pela Anistia na Paraíba.(Palmas.)

Sejam todos bem-vindos!

Esclareço que o tempo concedido aos expositores será de 12 minutos.

As imagens e sons desta reunião estão sendo captados para transmissão ao vivo pela Internet e também para posterior registro de áudio e transcrição.

A audiência pode ser acompanhada ao vivo na página da Comissão de Direitos Humanos e no Facebook. Por isso, solicito que falem próximo ao microfone.

Após as intervenções dos integrantes da Mesa, abriremos a palavra aos Deputados presentes e a um número de inscritos. Em seguida, devolveremos a palavra aos expositores membros da Mesa para fazerem suas considerações finais.

Vamos, então, às exposições.

Concedo a palavra ao Dr. Ivan Cláudio Marx, Procurador Federal integrante do Grupo de Trabalho Memória e Verdade da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal e Conselheiro da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

V.Exa. terá o tempo de até 12 minutos. (Palmas.)

Seja bem-vindo, paraibano.

Convido o Sr. Paulo Henrique Kuhn, Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

Convido o Sr. João Paulo de Oliveira, Presidente da Associação dos Metalúrgicos Anistiados e Anistiandos do ABC - AMA-A ABC e representante de outras entidades de anistiados civis.(Palmas.)

Seja bem-vindo.

Convido a Sra. Eugênia Augusta Gonzaga, Presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão Adjunta.(Palmas.)

Finalmente, convido a Sra. Iara Xavier, representante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.(Palmas.)

O SR. IVAN CLÁUDIO MARX - Boa tarde a todos. Gostaria de cumprimentar os componentes da Mesa, todos os que estão aqui para acompanhar esta discussão e agradecer o convite.

Vou tentar ser breve. Na verdade, são dois os temas: a questão da Lei de Anistia e as várias tentativas de impedir o processamento dos crimes contra a humanidade cometidos pelos agentes da ditadura militar.

O Ministério Público Federal, pela Câmara Criminal, vem organizando investigações, ações penais. Nós temos um grupo de trabalho chamado Justiça de Transição, que eu atualmente coordeno. Nele abrimos investigações com relação a todas as vítimas da ditadura militar. Fizemos um cotejo entre as investigações existentes e todas as novas apontadas pela Comissão da Verdade e Comissão sobre Mortos e Desaparecidos.

Infelizmente, hoje em dia, praticamente todas as ações - mais de 30 ações penais; são muitas as investigações - são barradas pelo Judiciário com o entendimento de que a Lei de Anistia é válida, o que demonstra uma situação crítica, inclusive considerando as duas condenações do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, sobre a Guerrilha do Araguaia, caso Gomes Lund e outros, e o recente caso da condenação pela morte do Vladimir Herzog.

Sobre outra vertente, nós temos também o Grupo de Trabalho Memória e Verdade, para recuperar a verdade sobre o que aconteceu. Cito a mudança de nome de logradouros, entre outras atividades.

Nesse contexto, eu fui nomeado para representar o Ministério Público Federal na Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, cuja Presidente é a colega Eugênia Gonzaga. Na comissão nós seguimos com a obrigação de localizar restos mortais.

Lembro que a comissão, criada em 1995, tinha a função de pagar indenizações aos familiares dos mortos da ditadura militar - obrigação que em tese tinha um tempo para ser executada, havia um prazo para solicitação de indenizações -, mas prossegue com as obrigações de localização de restos mortais.

Recentemente, com as atividades em São Paulo do Grupo de Trabalho Perus - que depois a colega pode explicar melhor -, foram localizados os restos mortais do guerrilheiro Dimas, com base na análise de DNA, um trabalho excelente que hoje é realizado lá.

Outro tema, esse, sim, um pouco mais distante, é sobre a Comissão de Anistia. A intenção é ouvi-los e depois participar do debate sobre um possível desmonte, sobre uma possível mudança de critérios que vem impedindo a indenização de pessoas que efetivamente poderiam ter o direito. Nós temos representantes aqui que já foram conselheiros da Comissão de Anistia. Então eu acredito que esse seja também um dos focos do debate hoje, no sentido de tentar apontar possíveis soluções para essa questão crítica.

Obrigado.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Muito obrigado, Dr. Ivan Cláudio Marx.

Concedo a palavra ao Capitão Wilson Silva, Presidente da Associação de Militares Anistiados - AMPLA.

O SR. CAPITÃO WILSON SILVA - Deputado Luiz Couto, eu pretendo transmitir o que pensam não só os militares anistiados, mas todos os anistiados políticos, civis e militares.

Na hora em que nos puniram, não tínhamos patente nem hierarquia social, todos foram igualados. Então, em nome de todos os anistiados e anistiandos, eu transmito a V.Exa. o nosso reconhecimento, o nosso agradecimento pelo trabalho incansável, por estar sempre pronto a nos atender. V.Exa. é representante de um grupo de Deputados nesta Casa que sempre nos deu guarida. E o nosso apartamento, nesta Casa que é o Congresso, é a Comissão de Direitos Humanos: é sempre onde buscamos apoio e temos apoio. Num rápido interregno ficamos sem apoio, mas a Comissão de Direitos Humanos é o nosso apartamento dentro desta grande Casa que é o Congresso Nacional.

O Congresso já nos fez várias leis de reparações. E passa na cabeça de cada um dos que estão presentes, tal como passava na cabeça de milhares que não estão mais conosco, que já partiram, uma interrogação. Hoje, para satisfação ou aborrecimento - eu tenho dúvida - nosso, faz 39 anos da primeira Lei de Anistia, uma lei cumprida facciosamente, tergiversando-se o seu texto.

Tivemos, depois da Lei 6.683/05, a Emenda 26/00, cumprida facciosamente. Tivemos depois o art. 8°, de uma luta de todos nós, que conseguimos com a Lei 10.559/02.

Sr. Deputado Luiz Couto, está fazendo 16 anos esta última lei. Quando foi para nos punir, quando foi para nos botar na cadeia ou nos jogar no ostracismo, proibindo que nos dessem oportunidade de trabalho, para isso bastaram algumas horas ou um telefonema. Mas o cumprimento das leis é por demais demorado. Por que 16 anos para uma lei que já deveria ter sido cumprida? Por que nós estamos aqui, ainda, discutindo comissões, o que fazer, a quem apelar?

Tivemos Governos democráticos, meio democráticos, outros tidos como populares, mas a luta é a mesma. Isso é um sinal, é um indicativo de que o Estado é persecutor e é faccioso. O Estado é instrumento das elites que detêm o poder no País. E quem ocupa o Governo, quem ocupa o Estado, cumpre as leis segundo a vontade dos donos do poder.

Esta é a nossa queixa. Ajudem-nos, Comissão de Direitos Humanos, a fazer cumprir e encerrar esta novela sem fim. Queremos o cumprimento da lei. Nós não queremos mais nenhuma lei, apenas que seja cumprido o que já existe.

Aqui estou com um levantamento feito pelo Dr. Humberto. Em 1 ano, de 694 requerimentos apreciados, apenas 2 foram reconhecidos. Quer dizer que 692 brasileiros entraram com requerimento por pilantras que são?!... Os pilantras estão em outros setores. Não! O Estado começou, continua e vai continuar resistindo ao cumprimento da lei.

Srs. Deputados, aqueles que foram nossos companheiros, ajudem-nos a fazer cumprir a lei. Vivemos um ano muito importante. Vamos nós todos nos mobilizar para mandar para esta Casa muitos outros Deputados como o Luiz Couto.

Não queremos favor. Não pedimos, não imploramos graça. Queremos que nos devolvam aquilo que à ponta de cano de pistola nos tiraram, à força nos tiraram, aquilo que nós tínhamos, que eram as nossas profissões, os nossos postos, a nossa dignidade.

Esse é o nosso apelo. E acho que é isso que se passa na cabeça de cada um dos companheiros.

Muito obrigado, Sr. Deputado.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Muito obrigado, Capitão Wilson Silva.

Antes de passar à Irene Gomes, farei uma comunicação.

Os companheiros Cícero, da Paraíba, e Assis, de Pernambuco, continuam em greve de fome em frente ao STF, em defesa da democracia e da liberdade de Lula. Cícero está em greve de fome há 25 dias; Assis, há mais de duas semanas. O que devemos e o que podemos fazer por eles? Sejamos solidários e fraternos. Os companheiros merecem nossa visita e nosso abraço. Divulguemos nas redes sociais a luta desses companheiros.

Informo a todos que, com a conclusão da nossa audiência pública, eu estarei lá visitando Cícero e Assis, dois companheiros que estão nessa luta pela democracia e pela liberdade de Lula.

Passo a palavra agora à Sra. Irene Gomes, advogada do Movimento Revolta dos Perdidos, em prol dos camponeses do Rio Araguaia.

A SRA. IRENE GOMES - Boa tarde a todos.

Eu sou Irene Gomes, advogada. Eu advogo a anistia desde 2002, e o meu sentimento hoje é muito semelhante ao do Capitão Wilson. Parece até que nós estamos em sintonia, porque, quando eu me sentei hoje, ali atrás, e vi esta sala repleta, fiquei satisfeita: nossa, que bom, quanta gente! Mas aí a gente lembra que há 15 ou 16 anos atrás era a mesma coisa. Então, não vejo motivo de felicidade neste encontro.

A Comissão de Anistia foi criada na via administrativa justamente para dar agilidade a toda a demanda desse grupo de pessoas distintas, de vários setores, de vários Estados do País todo, de várias gerações, inclusive. E 16 a 17 anos se passaram, e estamos aqui. Existem requerimentos datados ainda de 2001. Digo "ainda" porque até podem ter sido julgados, mas não foram julgados ou analisados com a devida justiça. Então, não o foram. O avanço é mínimo, é pouco. E é muito, muito triste dizer isso, na minha vinda aqui hoje.

Ontem foi muito feliz a nossa oitiva, a nossa conversa com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, e hoje, apesar da alegria de rever várias pessoas, o sentimento que predomina é de decepção e tristeza, porque ainda estamos aqui pelos mesmos pleitos. Poderíamos estar realmente comemorando. Eu acho que a data é para isso, o evento deveria ser nesse sentido.

Já trabalhei com vários grupos de anistiandos e representei várias entidades, mas sempre tive um carinho, um afeto muito grande aos camponeses. Conheci a Guerrilha do Araguaia através do Zezinho, aqui presente, estive lá em Xambioá. Estivemos a primeira vez na região em 2004 e, desde então, comecei a estudar um bocado a Guerrilha do Araguaia.

Eu tinha algumas dúvidas porque, pela conversa com algumas pessoas, percebi que havia conflito de data. Aí pensei: "Poxa, deve ser um equívoco". A Guerrilha do Araguaia oficialmente foi uma guerrilha e oficialmente aconteceu de 1971 a 1974, e em 1975 houve a Operação Limpeza. Discordo de todas essas questões, mas oficialmente é isso. Na sequência, no ano de 1976, em outubro, houve outro conflito, numa região menor, dentro dessa região maior do conflito da Guerrilha do Araguaia. Esse enfrentamento é conhecido como Batalha dos Perdidos ou Segunda Guerra do Araguaia, ou Guerra que veio Depois.

Há uma confusão muito grande entre Batalha dos Perdidos e Guerrilha do Araguaia, por conta da proximidade de datas, mas são coisas diferentes, muito embora o Estado tenha perseguido, tenha prendido, tenha torturado, tenha ameaçado as pessoas da Batalha dos Perdidos, os camponeses. Famílias inteiras fugiram para o mato e ficaram vivendo daquilo que oferecia a selva, a mata fechada do Estado do Pará, há 50 anos: crianças, adolescentes, mulheres, pessoas gestantes ou com recém-nascido. Houve várias situações: estupros, casas queimadas, um cenário muito parecido com o da Guerrilha do Araguaia.

Esse grupo brigava por terra - o conflito foi por terra -, mas o Estado brasileiro entendeu que ali estava se insurgindo novamente um grupo de terroristas, comunistas, com o apoio dos padres, porque já havia a Pastoral da Terra, e tratou a situação como nova Guerrilha do Araguaia, um segundo levante da Guerrilha do Araguaia. Então eles foram tratados e presos como terroristas, comunistas. O Estado os viu assim, e eles nunca o foram. Por isso, eles têm direito à anistia e, por isso, nós estamos aqui.

Viemos trazer esse grupo, apresentar essa distinção e dizer que, no caso deles, ainda temos... Conseguimos o IPM - Inquérito Policial Militar, porque um grupo reduzido respondeu a uma ação penal.

Depois foi desqualificado o crime contra a segurança nacional, e eles responderam por crime comum.

Então, essa é uma situação que entendo relativamente nova dentro desse contexto de anistia.

Eu queria apresentá-los. Comigo vieram quatro companheiros representando um grupo de mais de 250 pessoas. Eles estão ali no fundo. O Valmir foi preso, torturado, passou 6 meses na cadeia de Belém de 1976 até 1977. Temos o Crispim Quito, que também foi preso, ficou em São Geraldo do Araguaia e não chegou a constar no IPM. Temos o Deusdete, o Detinho, o Sid. Todos eles passaram pela Guerrilha do Araguaia e também pela Batalha dos Perdidos. Com 13 anos foi colocada uma espingarda na mão do Sid, e ele foi obrigado a ir para a mata com o Exército na época do Guerrilha do Araguaia. Ele tem sequelas emocionais profundas até hoje e físicas. Isso precisa ser creditado.

Hoje ouvi uma amiga minha que é PhD em Semiótica. Ela disse que se fala muito em dar voz ao povo, mas que nós não temos que dar voz ao povo porque o povo tem voz. Precisamos fazer com que ouçam. É outra coisa. Pode parecer a mesma coisa, mas não é, é diferente.

Seguindo esse caminho, vou aproveitar aqui o momento, porque talvez nós não tenhamos outro, para levantar outra questão que afeta em específico os camponeses de uma forma geral, pela invisibilidade deles em qualquer circunstância da história - antes, durante e até hoje são invisíveis na nossa sociedade -, e também a questão dos sindicalistas, outro grupo que, salvo algumas exceções históricas, também é invisibilizado.

Parece que nós temos dois grandes problemas no que diz respeito aos julgamentos do ponto de vista prático da anistia. Em relação aos sindicalistas, aos grevistas, nós sabemos da existência das listas negras. Aqueles que participavam de movimento grevista, só por estarem em greve, tinham seus nomes anotados, eram demitidos mais rápido ou no decorrer de alguns meses e não conseguiam mais emprego. Isso não é novidade para a maioria que está aqui. Isso é um fato comum, é o modus operandi da ditadura em relação aos sindicalistas, aos trabalhadores, aos peões, como o meu pai era. Hoje, para conseguirem a anistia, eles precisam provar o que eles faziam, que o nome constava na lista negra. Como?! Como vão provar uma coisa dessas?! Isso não existe, não há como.

Se os camponeses eram invisíveis perante a sociedade, a Guerrilha do Araguaia, conforme consta no relatório final da Comissão Nacional da Verdade, é resultado de uma experiência militar do Estado. Aproveitaram aquela região, aquele contexto, para exercitar o poder de combate dos militares com o apoio americano. Não sou eu quem diz isso, está lá no relatório. Esse grupo todo foi usado.

Consta-se que todo o material referente a esse experimento está nas mãos dos poderes militares, embora oficialmente neguem a existência dele. Todos sabemos, por uma questão histórica e por pesquisas científicas - são dissertações de mestrado, teses de doutorado, publicações de livros e artigos -, que todos esses trabalhos são feitos com base na oralidade, na pesquisa local, com os agentes da história, os vivos. Esses relatos corroboram isso com uma série de narrativas que colhemos esparsamente.

O camponês media a área de sua terra na caminhada, marcando o tempo no relógio: "São 20 alqueires. Vou andar 20 minutos aqui, marcados no relógio com uma passada ritmada, e então marco a minha divisa". Como ele vai provar alguma coisa? Ele não sabe nem por que foi preso! Ele não era militante político. Foi vítima de uma ação entre o Estado e militantes do PCdoB. Estão querendo que a pessoa mostre uma coisa que ela não tem! Aí a Comissão de Anistia oficia órgãos oficiais, cumprindo o seu papel de acordo com a lei, mas de uma maneira meio que lavando as mãos. É evidente que não há qualquer documento que trate de camponeses da Guerrilha do Araguaia ou de perdidos - destes ainda se acha alguma coisa no Serviço Nacional de Informações. Mas isso não vamos encontrar! Isso não existe.

Ao virem todas as respostas de ofício negativas, anexam-nas ao requerimento e julgam. Como as respostas são negativas, aí o indeferem. Isso é um engodo! Se, pelo menos, essa prova negativa fosse utilizada para provar que os órgãos estaduais não têm documentos, porque estão todos nas mãos das Forças Armadas; se, pelo menos, servisse para essa interpretação; mas, se não há prova, então, não há como resolver.

Eu invoco aqui - esse é um dos grandes motivos de eu estar aqui -, peço o apoio inclusive técnico-jurídico do Ministério Público, para que possamos tratar da oralidade, que a prova oral seja levada em consideração, porque a Lei de Anistia prevê que a Comissão poderá até ouvir testemunhas. Entendo que esse "poderá" quer dizer que, quando não há outros meios, vamos ouvir. Não há outros meios para os grevistas, nem para os camponeses, ou outros que se enquadrem nessa categoria. Não há outros meios. Temos que ouvir! Se a Comissão de Anistia não tem estrutura para isso, tem que passar a ter. Acho que aí entra o Ministério Público, entram os Deputados que apoiam o grupo, as entidades, todos. É necessário que isso seja aceito e colocado em prática.

Vejam bem, fala-se muito em justiça de transição, em direito de transição, com suas quatro vertentes - verdade, memória, reparação e, se não me engano, justiça. Pois então, na reparação temos esse alijamento. E não estamos falando de um ou dois que estão sendo injustiçados. Ainda que fosse isso, teria que ser revisto.

Estamos falando de milhares que estão patinando há mais de uma década, correndo atrás, buscando um direito e estão morrendo sem conseguir. Estamos tendo que migrar para o Judiciário e penar lá, porque a Comissão de Anistia não tem executado o seu papel. Em alguns momentos, ela se torna extremamente tecnicista para tratar de um assunto de exceção. Estamos falando de ditadura civil militar! Nós estamos falando de um estado de exceção, de uma situação de exceção, de uma lei de exceção. O art. 8º o é, a Lei nº 10.559, de 2002, o é. Portanto, falamos da justiça de transição. A transição da ditadura para a democracia tem que ter um direito de transição que trate dessas delicadezas com justiça.

Peço que se busque, de forma muito acintosa, isso e que sejam ouvidos; ou, então, só para arrematar, que seja pedida, como assim já permite o nosso Código de Processo Civil - é claro que não é assim tão tranquilo como estou narrando, mas há caminhos jurídicos para isso -, a inversão do ônus da prova nesses casos, e que o Estado prove que não o fez, quando há a narrativa, quando há testemunhas, quando há escrituras públicas declaratórias, quando há um grupo grande de pessoas que dizem a mesma coisa.

Portanto, que o Estado prove que ele não o fez!

Desculpem-me.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Muito obrigado, Sra. Irene Gomes, advogada do movimento Revolta dos Perdidos, em prol dos camponeses do Rio Araguaia.

A Deputada Luiza Erundina, que é Presidente da Subcomissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, justifica sua ausência, mas transmite sua solidariedade e compromisso de luta.

Passo a palavra para o Sr. Virginius José Lianza da Franca, nosso paraibano que representa o Movimento pela Anistia na Paraíba.

O SR. VIRGINIUS JOSÉ LIANZA DA FRANCA - Boa tarde a todos e a todas.

Vou-me permitir, Deputado Luiz Couto, saudar esta ilustre e onipotente Mesa. Em que pese pessoas tão ilustres aqui representadas, eu queria saudar todos na pessoa da nossa indescritível lutadora Iara Xavier, que tanto representa este momento em que estamos aqui. Iara vem de uma das famílias mais perseguidas e trucidadas por aquele regime ditatorial.

Iara, a você devemos muito todo o sangue, toda a luta e toda a coragem de você! Nosso muito obrigado por permanecer sempre conosco na luta!(Palmas.)

Quero agradecer ao Deputado Luiz Couto pela singela possibilidade de estar aqui reencontrando tantos lutadores pela democracia e pela construção deste nosso País.

Aqui, Luiz, estão presentes talvez as mais respeitosas histórias de vida e de dedicação, para que pudéssemos, a duras penas, a duros golpes, a duras reconstruções, ter a possibilidade de estar aqui hoje, numa audiência pública, tratando principalmente de democracia, da reconstrução e consolidação dos nossos direitos e do princípio de termos a nossa história, a nossa verdade, a nossa memória e a nossa justiça resgatadas e conhecidas por todos nós.

Para tantos de nós, Ivan, trata-se de um direito também essencial, acostado a todos aqueles direitos fundamentais tipificados na nossa Carta Magna, que tão brilhantemente esta Casa conseguiu produzir.

Hoje, minhas senhoras e meus senhores, inteira-se, como se diria na Paraíba, 39 anos do primeiro passo, Iara, quando se discutia também nesta Casa, a duras penas, o estabelecimento de uma anistia, a verdadeira anistia - ampla, geral e irrestrita. Não falo da anistia que nos foi dada, da que nos foi imposta, da que se coaduna com o autoperdão de quem torturou, de quem puniu, de quem massacrou gente da nossa gente, povo do nosso povo. Não é essa a anistia que comemoramos hoje, e ela foi o primeiro passo.

Tivemos a emenda constitucional em 1985, tivemos a Lei nº 10.559, em 2002, e sempre, em todas elas, a falta de respeito, a morosidade, os empecilhos e a burocracia, cada vez mais atinentes ao nosso Estado, fazem com que tantas histórias de luta fiquem sobejadas ao esquecimento perene, fiquem enterradas nos ainda seletos arquivos da ditadura, guardados a 7, 15, 20 chaves por aqueles que nos torturaram, por aqueles que separaram e ceifaram vidas. Não falo só das pessoas que foram levadas à morte, não só das desaparecidas, mas daquelas que foram intoleravelmente atingidas em todas as suas essências.

Hoje, Deputado Luiz Couto, dentre tantos outros períodos cíclicos da nossa história, vivemos mais um período e mais um momento de seletividade, que perpassa pelo Judiciário, que perpassa pelas nossas mais altas castas sociais, que se instaura, para que aqueles que têm o bastão na mão façam com que se empunhe e se valha o que se proclama como verdade, o que se proclama como absolutismo.

A Comissão de Anistia passa por um desses momentos de seletividade.

A Comissão de Anistia vem em algum procedimento, como já mencionado pelo Capitão Wilson: 691 requerimentos de anistia, desde 6 de setembro de 2017 a 16 de agosto de 2018, foram indeferidos; 33 foram deferidos, requerimentos estes com portaria ministerial, com processo findo, com resultado proclamado pelo Exmo. Sr. Ministro de Estado. É fato: a lei faculta a discricionariedade do seu ato. Mas não é ponderável, não é razoável, Deputado Luiz Couto, que a discricionariedade desse ato vá de encontro àquilo que proferiu uma Comissão de Estado estabelecida por uma lei específica para assessorar o Ministro de Estado da Justiça nas suas atividades específicas no que se estabelece como anistia política.

É inconcebível, é inadmissível que isso ocorra com requerimentos que passam pelo crivo de seis, oito, às vezes quinze ou dezesseis conselheiros, Deputado Luiz Couto, que são nomeados por esse mesmo Ministro de Estado da Justiça, por reputação ilibada, por conhecimento específico do tema, e que estão ali para cumprir o seu papel, à custa do Estado, diga-se de passagem, porque o Estado emite passagens e diárias para essas pessoas estarem reunidas em sessões nas quais estão tendo hoje seletivamente as suas decisões modificadas pelo Sr. Ministro de Estado, sem ter ouvido as histórias, sem ter participado dos debates, sem ter olhado no olho daquele cidadão que clama e que traz a sua história e o seu pleito a esta Comissão.(Palmas.)

Esse é um dos pontos que temos reiteradamente passado desses requerimentos indeferidos. E, ressalte-se, há uma seletividade também na assinatura e na publicação das portarias, porque desses 33 deferimentos assinados pelo Sr. Ministro, diga-se de passagem, 23 concedem uma reparação econômica, quase todas equivalentes a 30 salários mínimos, a menor reparação possível pela nossa legislação falha nesse ponto. E tantos e tantos outros requerimentos apreciados estão pendentes de assinatura, restam igual aos documentos, igual à nossa verdade, igual à nossa memória, engavetados em algum porão, em alguma gaveta, em algum arquivo, porque não se levam a cabo.

É preciso que tenhamos cobrança. É preciso que tenhamos empenho. Essas pessoas que estão aqui formam uma história e se doaram por esse processo democrático.

Tiveram, sob alguma hipótese, sob alguma forma, suas vidas atingidas por uma falsa democracia que se preestabelecia.

É preciso resgatar mais que urgentemente as políticas de verdade, memória e justiça, que tanto foram conduzidas e que tanto acrescentaram a esse processo pela própria Comissão de Anistia.

Em 2008, o meu querido amigo Cezar Britto, eterno Conselheiro e Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, juntamente com a Comissão de Anistia e o Ministério da Justiça, corajosamente encampou a audiência pública que culminou na ADPF 156, vergonhosamente sobrepujada em decisão do Supremo Tribunal Federal, que resolveu, sabe-se lá a título de quê, calar-se como se calou acerca da punibilidade dos torturadores.

É preciso que se resgatem esses projetos de memória, de verdade e de justiça já mencionados na abertura pelo Deputado Luiz Couto com relação à reconstrução do nosso processo democrático, as Clínicas do Testemunho, o Projeto Direito à Memória e à Verdade, as Caravanas de Anistia, que tanto auxiliaram nesse processo de reconstrução, quando, em cada recanto, em cada local deste País, fazia-se a redignificação de tantas pessoas, de tantas brasileiras e de tantos brasileiros que foram afetados por essa ditadura.

É preciso que retomemos a cada dia e a cada hora a nossa batalha. É verdade que caminhamos alguns passos desde aquele longínquo e tão presente na nossa memória 28 de agosto de 1979. É indiscutível que retrocedemos mais alguns passos, mas é latente que essas mulheres e esses homens que aqui estão, que fizeram parte dessa história e que continuarão fazendo parte dela não vão se debruçar, não vão se entregar e, muito menos, deixar de viver essa sua luta.

É preciso que cada vez mais reconstruamos e estejamos todos juntos, cada vez mais presentes, cada vez mais de mão dadas, como diria Drummond. É preciso que possamos sempre seguir em frente, pela memória de tantos Bacuris, tantos Lamarcas, tantos Marighellas, tantos Joões e tantas Marias que se doaram e nos fazem cada vez mais fortes em momentos como este, de relembrança, de comemoração por um avanço, mas, principalmente, de luta e de permanência nesta batalha extrema.

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Obrigado, Virginius José Lianza da Franca.

Passo agora a palavra ao Dr. Paulo Henrique Kuhn, Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

O SR. PAULO HENRIQUE KUHN - Boa tarde. Eu gostaria de cumprimentar o Deputado Luiz Couto e agradecer o convite para que, junto com todas as senhoras e senhores, que também cumprimento - fico satisfeito ao ver o auditório cheio, repleto de pessoas interessadas no tema -, eu tenha a possibilidade de debater a democracia nesta reunião de audiência pública.

Ao mesmo tempo, Deputado, eu gostaria de parabenizar a Comissão pela iniciativa de relembrar os 39 anos da Lei nº 6.683, de 1979, e, obviamente, as demais leis e alterações constitucionais, como a própria Constituição de 1988, que se seguiram à Lei nº 6.683 a fim de que eventos de exceção não mais acontecessem. É sempre importante debatermos a democracia. Especificamente neste momento, é importante relembrarmos o início da redemocratização, a volta dos exilados, o restabelecimento dos direitos políticos, o retorno de servidores públicos aos seus cargos, sempre buscando, com o debate do tema, resgatar a história, resgatar a memória, estabelecer a justiça e a sua consequente reparação, na medida e na forma previstas na nossa legislação.

Eu também quero dizer que estou aqui com o objetivo de contribuir, colocar algumas questões para os senhores e, principalmente, ouvi-los, para que tenhamos condições de melhorar o trabalho no âmbito da Comissão de Anistia. Em razão disso, achei que seria interessante também trazer algumas informações para todos os senhores com relação à Comissão de Anistia.

Efetivamente, a Comissão de Anistia tem um número bastante grande de processos, de requerimentos de anistia de todos os senhores e de milhares de outras pessoas que não estão aqui.

Muito obrigado a cada um de vocês, pelas histórias, pelos passos e pelos ícones colocados nesta Casa inacabada, que chama a nossa democracia. Obrigado, Deputado Luiz Couto.(Palmas.)

A Comissão, desde a sua criação, já analisou 65.800 processos. Eu não estou fazendo nenhum juízo com relação a isso, vou simplesmente me limitar a passar os dados, os números da Comissão. Nós temos ainda pendentes de análise 13.170 requerimentos. Destes, em turma, ou seja, processos que ainda não foram analisados, temos 8.488. Temos 3.036 recursos ainda pendentes e temos 1.646 pedidos de reconsideração.

Efetivamente, é um número bastante grande. Nesse conjunto de processos ainda pendentes de análise, há processos bastante antigos, há outros processos mais novos. Acredito que, como os senhores devem saber, acho que foi em julho ou agosto do ano passado, por determinação do Tribunal de Contas da União, o Ministério da Justiça estabeleceu uma portaria de análise objetiva dos processos que ainda estavam pendentes de enfrentamento. O critério escolhido, obviamente, foi o de protocolo.

Desse modo, a Comissão de Anistia tem se empenhado bastante, com as limitações que tem, para fazer a análise dos processos mais antigos antes. Se os senhores observarem - acredito que todos os senhores tenham acompanhado a Comissão -, verão que nós estamos em turma já julgando processos de 2006 e 2007. Em plenário ainda estamos um pouco mais atrasados. Mas há um esforço nesse sentido de fazer a análise, de preparar os processos e deixá-los em condição de serem levados para os conselheiros fazerem a análise nas sessões de turma e nas sessões de plenário.

Ao mesmo tempo, como todos os senhores sabem, ainda há possibilidade de se fazerem requerimentos de anistia. Então, a cada ano, nós temos um acréscimo de mais processos. Para os senhores terem uma ideia, em 2014, houve a entrada de 1.490 processos; em 2015, 1.210 processos; em 2016, 786 processos; em 2017, 1.056 processos. Então, ainda há, e é natural que haja - a lei permite isso, e é salutar que permita, até por conta da natureza do direito que nós temos e estamos discutindo - ingresso de uma quantidade relevante, um número considerável de processos por ano.

Num total geral, de todos esses processos, esses números que eu passei para os senhores, a Comissão já trabalhou, ou vem trabalhando, com 77.743 processos. Evidentemente, a Comissão tem restrições, tem restrições de servidores, mas ainda assim temos conseguido trabalhar com um número considerável de processos e conseguido prepará-los para colocá-los à disposição dos conselheiros, para análise.

Durante o ano de 2017, conseguíamos levar na faixa de 120, exagerando, 130 processos para as sessões por mês.

Nessas últimas sessões, levamos 240 e, na última sessão, que ocorreu semana passada, levamos mais de 300 processos, ou seja, há um esforço interno da Comissão no sentido de se fazer a análise do processo e disponibilizá-los para análise dos conselheiros.

Temos, de forma organizada, sessões marcadas até o final do ano, já com data definida, para que os conselheiros se organizem, se preparem. Com isso, evita-se que não haja quórum nas sessões. Neste ano, em duas sessões de plenário não tivemos quórum. O assunto imagino que tenha sido resolvido. Houve ingresso de novos conselheiros. Nas últimas três sessões, tivemos quórum, tivemos uma quantidade de conselheiros bem maior que o mínimo necessário. E as sessões têm transcorrido com regularidade.

Era isso que eu tinha para dizer neste momento, Sr. Presidente. Obviamente, quero ouvir os demais Deputados e os interessados que estão inscritos, para que possamos, de forma mais pontual, contribuir para esta audiência, para sairmos daqui com encaminhamentos positivos, sempre buscando o interesse de todos.

Obrigado.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Muito obrigado, Dr. Paulo Henrique.

Concedo a palavra ao Sr. João Paulo Oliveira, Presidente da Associação dos Metalúrgicos Anistiados do ABC - AMA-A ABC e representante de entidades de anistiados civis.

O SR. JOÃO PAULO OLIVEIRA - Boa tarde a todos e a todas.

De cara, vou fazer um pedido: pode passar essas informações para nós, por favor?(Pausa.)

Beleza, ótimo! Deixem uma cópia conosco que distribuiremos a todos. Isso é importante para nós.

Antes de entrar especificamente na questão que nos traz aqui, quero fazer um pequeno esclarecimento. Quando eu falo aqui - e é difícil falar representando um agrupamento grande -, estou falando em nome da Plenária Paulista de Anistia e Reparação, que engloba várias associações e vários escritórios em São Paulo. Então, estou falando em nome de um agrupamento de entidades, de associações que representam os anistiados. Este nome é o que articulamos: Plenária Paulista de Anistia e Reparação. A delegação está aqui, estou falando em nome desses companheiros. Espero não decepcioná-los.

Eu só queria alertar todos para algo que a menina aqui disse. São duas coisas. As Clínicas do Testemunho que existem, que são a prova oral, abortada hoje pelo Ministério da Justiça, são uma maneira de se provar. Quer dizer, nós, que fomos torturados e presos, temos que provar o que aconteceu. Temos que provar que Marighella foi assassinado. Temos que provar que outros companheiros foram assassinados. Deveria ser o contrário! É o Estado que tem que provar que nós não fizemos.

Você citou a questão da lista negra. Só para você ter uma ideia. Em São Bernardo...

(Intervenções fora do microfone.)

O SR. JOÃO PAULO OLIVEIRA - Está bom: é lista suja. É que o nome que eles entregaram foi esse.

Nós temos isso oficialmente, conseguimos no DOPS. Eles colocaram este nome: lista negra. Vou citar apenas as montadoras do ABC. São quase 500 nomes, e não conseguiram mais. Em São José, Santos, Campinas e tantos outros lugares, são mais de mil nomes na lista suja só no ABC. Agora saí das montadoras e fui para o ABC. Esse é um dado real.

Existe outra coisa que está sendo trabalhada hoje, uma colaboração. E já existe um trabalho também em São Paulo, onde estamos mostrando e provando que as empresas colaboraram com a ditadura. Havia inclusive subquartéis dentro das empresas, onde todos nós éramos monitorados. Cito algumas empresas: as montadoras de novo. E não eram só as montadoras, eram também as empresas estatais. A Embraer, por exemplo, era um tremendo quartel. O pessoal de Campinas que está aqui. A REPLAN era um tremendo quartel. Todos eram monitorados passo a passo. Alguns dos companheiros não estão mais entre nós porque foram assassinados.

Quero também fazer de público um agradecimento. Se a Plenária está aqui hoje, ela contou com a colaboração da CUT, representada aqui pela companheira Jandira, a CONLUTAS, a Nova Central e a CTB, que também estão presentes. Estamos aqui com a colaboração desses companheiros.

O que estamos querendo? O Paulo disse alguns números aqui que não negamos, nós aceitamos, mas o que nos preocupa é o não cumprimento, é a recusa, a ingerência, a interferência do Ministro atual, que delega a um militar, tentente-coronel, se não me falha a memória, o ato de baixar as portarias. Trata-se de uma pessoa que nos tortura, que nos manda matar, que nos faz tudo, e é ele quem vai assinar a portaria dizendo se eu tenho direito ou não. Isso está errado. Houve inversão.

É preciso que a Comissão de Diretos Humanos tente intervir e possa mudar essas questões, porque não dá para aceitarmos isso. A Comissão de Anistia julga, interpreta, dá o direito ao companheiro que requereu. Ele tem o direito, vai para publicação a portaria, e o Ministro vai lá e baixa a portaria indeferindo o pedido. Há uma ingerência, há uma interferência, há uma intervenção do Ministério da Justiça, que nega aquilo que a Comissão de Anistia fez. Não dá para aceitarmos isso! Isso é ingerência, interferência, implementação de um novo processo de ditadura.(Palmas.)

Se julgou, concedeu, cumpra-se. Nós exigimos o cumprimento dessa lei. Cumpriu; se ele negou, compete ao advogado, competem às associações entrarem com recurso.

Agora, se julgou, e ele não publicar, não dá para aceitar essa interferência, essa ingerência. Quando ele assumiu a Comissão, substituiu quase todos os membros da Comissão de Anistia, e não se pode fazer isso. Ele não podia fazer isso. Quem pode pedir é o próprio conselheiro. Ele exonerou, trocou, e hoje estão lá na Comissão de Anistia. Não estamos negando a competência deles, estamos negando que eles não conhecem a história. Para nós são garotos que vão falar sobre Marighella, vão perguntar o que é isto, quem é. Alguns membros da Comissão, quando há um julgamento, ficam rindo, tirando sarro das pessoas. Isso é desrespeito. Isso nós não aceitamos, isso nós não queremos. Essa é a questão.

O que nós estamos querendo é que Ministro não delegue a alguém que não tem competência. Ele pode estar delegando poder para assinatura a uma pessoa que for responsável para que muitos que estão aqui estejam lutando. Quando eu digo ele, é porque ele representa o Exército, representa uma Força do Estado que foi repressora. Então, é preciso que haja o respeito às decisões e que não se faça essa interferência, não se faça essa ingerência.

Estou sendo um pouco delicado nesse aspecto. Nós não podemos aceitar que a AGU venha interferir, venha determinar aquilo que deve ser feito. É preciso dar autonomia, que ela deveria ter, à Comissão de Anistia. Está havendo essa interferência, esta ingerência também na Comissão de Anistia via AGU, que ocorreu pelos representantes que o Ministro indicou na Comissão de Anistia. Nós queremos que eles interpretem a lei - a Lei nº 6.683, a Lei 10.559. Ela não tem que ser interpretada, ela tem que ser aplicada. Não dá para aceitar essa interpretação de acordo com os interesses daquele que está no comando, no momento que ele está definindo, tentando dizer o seguinte: não, não pode, com a alegação de que não há recurso, de que é preciso conter, porque não há dinheiro para pagar. Isso não é verdade. Nós sabemos que há dinheiro, sabemos que há recursos para pagamento e há uma determinação. E se não há dinheiro para pagar, então interferem, indeferem, colocam a colher onde não devem.

Pedimos então o seguinte: que a Comissão dos Direitos Humanos, com seu papel, possa fazer algumas convocações na perspectiva de interpretar.

Para encerrar, é o seguinte: há uns números aí, e nós estamos querendo, exigindo que os processos deferidos - em torno de 800, desde o final de 2015... Companheiros que foram anistiados estão aguardando portaria. Muitos desses estão aguardando a portaria para comprar remédio. Infelizmente, alguns não vão poder comprar remédio porque já morreram.

É preciso trabalhar rapidamente para que essas portarias que estão represadas sejam publicadas, mas não sejam indeferidas, como o Ministro está fazendo. Desde 2016, caravanas que estão na Comissão de Anistia pararam, não existem mais.

O que nós queremos, o que nós exigimos? O cumprimento da Lei 6.683 e a da Lei nº 10.559.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Obrigado, João Paulo Oliveira.

Passo a palavra agora à Sra. Eugênia Augusta Gonzaga, Presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão Adjunta.

A SRA. EUGÊNIA AUGUSTA GONZAGA - Muito obrigada pelo convite, Sr. Presidente. Cumprimento os demais integrantes da Mesa na pessoa de V.Exa. Parabenizo o Dr. Paulo Kuhn, Presidente da Comissão de Anistia por estar aqui hoje, pela coragem de vir aqui dar essas explicações. Apesar de hoje ser o dia de aniversário da Lei da Anistia de 1979, estamos muito mais envolvidos com a questão da indenização às pessoas atingidas por atos de exceção.

Para começo de conversa, já percebemos como a ditadura brasileira foi efetiva em confundir as coisas, em causar uma confusão na cabeça de todo mundo. Para os estrangeiros, é uma complicação explicarmos o que é isso. "Esperem, vocês não estão contra a Lei da Anistia? Como está o auditório cheio pedindo anistia?"

O que é anistia? É um ato soberano do Estado de perdoar alguém que cometeu algum crime, algum ato lesivo a ele, Estado. Quando falamos de ditadura, falamos de um governo usurpado, de uma quebra de legalidade. Essa Lei da Anistia de 1979, vamos dizer, foi a saída possível que se encontrou, pelos militantes políticos, pelas famílias na época, para dizer que aquelas pessoas que estavam exiladas no exterior, as pessoas que tinham perdidos seus empregos por uma perseguição política estavam, entre aspas, "perdoadas" e podiam voltar para suas casas. Só isso. Só que, de verdade, nem havia processo exatamente contra essas pessoas. Não estamos falando aqui de uma anistia comum. Por exemplo, digamos que criem um imposto sobre usar boné dentro da Câmara. Vamos criar um exemplo. Aí falamos: é um absurdo, eu não devo esse imposto. Aí, o Estado edita uma Lei da Anistia, anistiando todo mundo que eventualmente está devendo essa coisa. Você tem que provar que esteve lá. A Lei da Anistia brasileira não teve nada a ver com isso - estamos falando da lei de 1979.

Por que foi uma ficção essa história de perdoar? Porque, na verdade, ela não perdoou os atos violentos. Na Lei da Anistia de 1979 está escrito isso, ela não perdoa crimes de sangue, sequestro, nada disso. Então, na verdade, o que ela fez foi realmente perdoar aquelas pessoas que nem crime exatamente tinham cometido. Elas tinham sido vítimas de perseguição política. É uma abstração essa história da Lei da Anistia de 1979. Só que a ditadura foi tão efetiva, tão efetiva, que convenceu que estavam perdoados os crimes praticados contra os anistiados. Olha só que confusão! Aos agentes que perseguiram aqueles que, entre aspas, "cometeram crimes contra o Estado" - que, na verdade, não era crime, era resistência, e aí entramos naquela discussão sobre o que é resistência e o que não é resistência - também foi dado perdão.(Palmas.)

Bem, nesse sentido essa lei de 1979 não é válida, ao perdoar os agentes da ditadura.

O Ministério Público Federal, e acredito que todos estão aqui, luta contra a validade dessa lei de 1979. Essa lei, no tocante ao perdão aos agentes da ditadura, às graves violações cometidas por eles, já foi considerada inválida em 2010 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, já foi considerada inválida de novo este ano, no caso de Vladimir Herzog. E o Supremo Tribunal Federal continua fechando os olhos para as decisões da Corte Interamericana, fazendo de conta que não existem. Então, juro que eu esperava hoje, após 39 anos da Lei da Anistia, sair daqui com uma decisão de exortação ao Ministro Fux para que julgue o caso que está com ele, sobre a Lei da Anistia, de 1979.

Como Presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, eu gostaria, como participante desta audiência pública, de solicitar à Comissão de Direitos Humanos que requisite a esse Exmo. Sr. Ministro que coloque em pauta essa matéria. Nós, como Presidente da Comissão Especial sobre Mortos, Presidente da Comissão de Anistia, já requeremos isso formalmente mais de uma vez ao Supremo Tribunal Federal, e até hoje o caso não foi colocado em pauta. Se nós não conseguimos nem isso, quanto mais convencer o Ministro da Justiça de que ele não pode reformar as decisões do colegiado da Comissão de Anistia.

Acho que temos que separar uma luta da outra e saber muito bem em que porta bater e por que bater. Então hoje, dia 28 de agosto, é dia de bater na porta do Supremo Tribunal Federal e pedir que eles cumpram a decisão. Todo o Judiciário, todas as ações do Ministério Público Federal estão paradas por conta desse não-pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, fazendo de conta que a Corte Interamericana não existe.

Agora vamos falar da questão da Comissão de Anistia. A Comissão de Anistia é uma comissão de assessoramento do Ministro da Justiça. Trata-se de comissões diferentes. Essa Comissão que hoje eu presido é membro da sociedade civil, em que há pessoas que atuam na área da defesa dos direitos humanos. Fomos nomeados por decreto presidencial em 2014, ainda pela Presidenta Dilma. Com o impeachment, nós, apenas 7 membros, - inclusive o Dr. Ivan é membro dessa comissão também -, decidimos permanecer nesta Comissão sobre Mortos para continuar cuidando do tema: desaparecidos políticos. De lá para cá já conseguimos desenrolar alguns pedidos de indenização de mortos e desaparecidos políticos. Conseguimos um feito extraordinário de ter a única pessoa identificada na América Latina este ano por exame de DNA, na Bósnia, no melhor laboratório. Vamos aproveitar aqui para agradecer à Deputada Luiza Erundina, que vem garantindo verba para podermos fazer esses exames.

Então, são comissões diferentes. Essa Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, pela lei, não dá opinião sobre a indenização. Pela lei ela determina se vai pagar ou não. O Presidente da República apenas paga, se a Comissão determinar. Ele não pode pagar se a Comissão, o colegiado não determinar. Então são leis bastante diferentes. Esses membros da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos ficam, apesar de entrar Ministro, sair Ministro, porque a mudança depende de decreto presidencial.

Agora a questão da Comissão de Anistia ficou muito complicada, porque a lei é diferente. Pela lei, no art. 1º, a decisão de conceder ou não anistia é do Ministro, que cria essa comissão de assessoramento. Mas há o pulo do gato aí, que é o que nós vimos conversando e nós até já representamos sobre isso. Qual é o pulo do gato? Nenhuma autoridade pode decidir nada sem justificativa, sem decisão fundamentada. Pela lei, a Comissão que tem que assessorar o Ministro para dar ou não a indenização é a Comissão de Anistia. No momento em que o Sr. Ministro tira da Comissão as pessoas que atuam no tema historicamente, coloca pessoas da sua confiança, funcionários públicos, ele tira totalmente a autonomia e depois, mesmo essa comissão com opinião diferente, ele se embasa numa decisão da Advocacia da União. Na minha opinião, na minha tese jurídica, ele está subtraindo, usurpando a Comissão de Anistia criada pela lei. Por essa lei a reparação - eu não gosto nem de falar anistia, porque ninguém aqui cometeu crime nenhum para ser perdoado -, essa comissão de reparação de atingidos pelo Estado é um ato soberano do Ministro, que é assessorado pela Comissão de Anistia. Se fosse para ele ser assessorado pela AGU, não precisava uma lei criar uma Comissão de Anistia, porque já existe a lei da AGU.

Bom, mas como vamos então achar um caminho em relação a isso? Vamos questionar isso no Judiciário? É um caminho. É um caminho representar para o Ministério Público Federal? É um caminho. Agora, de novo, nós estamos aqui na Casa Legislativa, que tem o poder de convocar Ministro para prestar explicações. Tudo bem, posso até estar sendo, vamos dizer, muito otimista, mas é preciso pelo menos criar o fato, porque esse Ministro está notoriamente descumprindo o que diz a lei de indenização. Ele está descumprindo, ele não está fundamentando a sua decisão da maneira que a lei disse. A lei disse que ele vai fundamentar a sua decisão de indenização com base nas decisões da Comissão de Anistia. Ele não está fazendo isso. Então eu acho que é o momento de a Câmara ou o Senado, enfim, pedir explicações. Se ele vai vir, nós não sabemos, mas acho que é muito importante exercemos os caminhos jurídicos adequados de que dispomos. Para tanto, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão defendem a autonomia da Comissão de Anistia, defendem a soberania das suas decisões e ainda defendem a invalidade da Lei de Anistia em relação aos agentes da ditadura.

Muito obrigado, Excelência.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Concedo a palavra à Sra. Iara Xavier, representante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.

A SRA. IARA XAVIER - Boa tarde.

Gostaria de cumprimentar todos os colegas da Mesa, em nome do nosso decano, o Capitão Wilson, que tanto luta há tantos anos.

Eu estava ouvindo a Dra. Irene dizer que está desde 2008, se não me engano, nesse caminho da batalha dos perdidos. Digo o seguinte: nós, familiares, começamos essa batalha a partir do momento em que o nosso primeiro familiar desapareceu. Essa Esplanada, se as pedras deixassem marcas, Dra. Eugênia, teria as marcas das esposas, das mães que vieram bater atrás de todos os Ministros da Justiça. A todo Ministro da Justiça que sentou na cadeira nós viemos peticionar que esclarecesse o que ocorreu, que desse o paradeiro dos nossos familiares.

Cumprimentei os anistiados, o capitão. Gostaria de registrar que nós temos a presença do filho do nosso inesquecível comandante Carlos Marighella, o Carlos Augusto.(Palmas.)

Temos aqui também presente a irmã do Alexandre Vannucchi Leme, a Cristina, que integra essa comissão de familiares, o Comitê pela Memória, Verdade e Justiça.(Palmas.)

Dra. Irene, no dia 28, naquele Salão Verde, que era verde - acho que nunca mudou a cor, não é, Deputado? -, nós viemos em caravana de familiares, em aproximadamente oito ônibus, de várias partes do Brasil. Viemos aqui pressionar Senadores e Deputados pela anistia ampla, geral e irrestrita.

Naquele dia, nós fizemos uma denúncia a respeito dos desaparecidos - aqueles que o General Figueiredo disse que tinham ido na esquina comprar cigarros e abandonaram a família. Denunciamos que tínhamos descoberto o corpo do primeiro desaparecido político no Cemitério Dom Bosco, em Perus, de tão triste memória. O corpo era de Luiz Eurico. Descobrimos o corpo dele em junho de 1979, quando eu estava em busca dos meus irmãos. Localizamos Luiz Eurico e apresentamos ao então Senador Teotônio as provas desse achado mostrando como a ditadura mentia e escondia o que tinha acontecido com nossos familiares.

A Dra. Eugênia tem o saber jurídico - eu não tenho -, mas, para mim, a luta é uma só: nós lutamos por justiça. Nós queremos justiça para aqueles que morreram, nós queremos justiça para os que estão desaparecidos, queremos justiça para os nossos companheiros militares que foram punidos, para os sindicalistas, para os camponeses, nós queremos justiça para os nossos indígenas, que aqui não foram mencionados, mas que também foram massacrados e exterminados. Eles também não estão contemplados em nenhuma dessas leis de reparação ou como queiram chamar.(Palmas.)

A doutora explicou bem que a Lei da Anistia excluiu os crimes de sangue, assim por eles considerados. Falaram aqui da greve de fome de dois companheiros. Lá no final, está um preso político da época, chamado Gilnei Viana, que ficou preso quase 10 anos. Ele e seus colegas não foram anistiados. Eles saíram da prisão com a adequação da Lei de Segurança, porque estavam inseridos nos crimes de sangue. Eles fizeram, Deputado Luiz Couto, uma greve de fome de 32 dias. Figueiredo queria lhes dar um indulto, mas eles recusaram. Como é que iam fazer uma anistia se o Brasil tinha presos políticos? Muitos presos políticos, como ele, por 10, 9 ou 8 anos, recusaram o indulto e fizeram a greve de 32 dias. Como iam perder a votação, eles a encerraram.

O Dr. Paulo voltou agora.

Então, a nossa luta, Dra. Irene, é muito longa. Ficamos felizes quando vemos o Dr. Ivan Marx, tão jovem, à frente das denúncias desses crimes em que sistematicamente temos sido derrotados. Eu tenho três familiares nessa situação. Nós perdemos na Justiça. Veja como é estranha essa Justiça, Virginius. Todas as ações de danos morais são aceitas pelo Judiciário. Minha mãe morreu antes, mas ela entrou com um pedido de indenização de danos morais, porque foi presa e torturada. Foi concedido. Então, o Judiciário reconhece que durante a ditadura aqueles representantes do Estado torturaram e que aquela vítima merece a reparação financeira. Agora, a Justiça não reconhece que houve um crime de lesa-humanidade quando tantos jovens de 22 e 23 anos foram barbaramente torturados e executados após estarem sob a guarda do Estado. O mesmo Judiciário não acolhe isso. Para nós familiares isso é meio kafkiano. Dizem que é a Lei de Anistia. Para nós, isso é surreal. E se eu entrar com uma ação? Esse não é o meu objetivo. Eu quero justiça, eu que eles sejam julgados. Se há provas suficientes, eles vão para a cadeia, que é o lugar de criminoso.(Palmas.)

O mesmo Judiciário não reconhece.

Eu digo "esses meninos" porque são todos jovens. Nós agora já estamos com uma comissão de netos e filhos de desaparecidos. Nossas mães já se foram. Se houver alguma viva, será uma ou duas. Nós precisamos de alguém que segure a bandeira, não é, capitão? O nosso relógio biológico já está batendo. Cansados nós não estamos, porque eu estou aqui. Cansados, nunca!(Palmas.)

Enquanto respirar, eu vou buscar por justiça. Que se faça justiça!

Eu agradeço o tempo. Obrigada.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Muito obrigado, Iara Xavier, representante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Como não há outros Parlamentares aqui presentes, vamos passar a palavra para os que estão na lista. São 3 minutos para cada, porque a lista é muito grande.

Concedo a palavra ao Sr. Adelino Ribeiro Chaves.

O SR. ADELINO RIBEIRO CHAVES - Eu quero parabenizar o Deputado Luiz Couto e os demais membros da Mesa.

Quero registrar também o meu respeito às companheiras que representam os anistiados, os mortos, os feridos e os cassados. Eu vejo nessas companheiras uma liderança muito importante para todos os anistiados que estão aqui. Eu pediria aos companheiros que dessem uma salva de palmas a essas companheiras, que representam os anistiados.(Palmas.)

Companheiros, nós petroleiros que estamos aqui somos egressos do movimento de 1964. Ao entrarmos na PETROBRAS, na fundação da Refinaria Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, nós nos organizamos e fundamos o Movimento 2004. Para quem não sabe, o Movimento 2004 surgiu para se criar a PETROBRAS. Os petroleiros, na sua luta, para a montagem de uma refinaria no Rio de Janeiro, criaram esse movimento.

Quando entramos na PETROBRAS, em 1958, eu e vários companheiros achávamos que os trabalhadores precisavam se organizar, não só para defender nossos direitos trabalhistas, mas também para defender a PETROBRAS. Por que lutamos em defesa da PETROBRAS?

Porque nós sabíamos que várias das refinarias no Brasil não pertenciam ao monopólio estatal do petróleo, mas a grupos empresariais, inclusive internacionais. Um deles, representado pelo Sr. Peixoto de Castro, era responsável pela Refinaria de Manguinhos e pela Refinaria da Capuava, em São Paulo. Havia ainda a Refinaria de Ipiranga, no Rio Grande do Sul, e a de Manaus.

Nós formamos o Movimento 2004 e, então, fundamos o SINDIPETRO Caxias. Todos esses companheiros todos se integraram nessa luta. Em 1964, quando houve o golpe militar, o Exército entrou na refinaria quando ninguém esperava e acuou todos os petroleiros, impedindo-os de sair dali. E, na fábrica de borracha, na COPEV, foi montado um presídio para os petroleiros em greve. Fizeram um presídio dentro da refinaria e da fábrica de borracha sintética. E para lá foram os interventores, como o Cel. Souza, o elemento responsável por recolher depoimentos dos grevistas, e o Cel. Navegante, que ficava dentro da REDUC ouvindo os trabalhadores para enviá-los para o presídio dentro da Refinaria Duque de Caxias, da COPEV.

Muitos desses companheiros já faleceram. Estão aqui seus familiares. Até hoje, desde 1964, esses companheiros não foram anistiados, mesmo com a Comissão Nacional da Verdade. E o que eles faziam? Lutavam pela defesa do monopólio estatal do petróleo e pela encampação das refinarias particulares. Esses companheiros não podem nem participar dos movimentos. Estão à mercê de uma anistia que lhes é negada desde 1964 e, junto à Comissão de Anistia, desde 2002.

A minha responsabilidade seria satisfeita se esta Comissão revisse os processos desses companheiros. Eu tenho as declarações feitas por mim. Eu represento todos esses companheiros que estão na luta.

Muito obrigado.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Muito obrigado, Adelino.

Peço a todos que se atenham ao tempo de 3 minutos, porque há uma lista muito grande de pessoas para falar.

Com a palavra o Sr. José Rudivaldo da Silva Gomes.

O SR. JOSÉ RUDIVALDO DA SILVA GOMES - Boa tarde a todos. Eu me chamo José Rudivaldo da Silva Gomes. Sou de Belém do Pará.

Em 1970, eu fazia parte de uma Comunidade Eclesial de Base da Igreja Católica. A nossa atuação era no IPAR - Instituto de Pastoral Regional da CNBB. Nós tínhamos curso de formação política para trabalhar com o povo e também curso de teologia da libertação. Denunciávamos ali as atrocidades cometidas pelo regime militar.

Em 1971, eu ingressei na Força Aérea Brasileira, com o intuito de seguir carreira e ter uma vida melhor. Nunca pensei que estivesse entrando numa instituição tão perversa.

Em 1º de fevereiro de 1972, estávamos reunidos na Paróquia da Santa Cruz, dos Padres Crúzios, localizada na Avenida Almirante Barroso, em frente ao Hospital Belém, quando chegou uma equipe do DOPS, comandada pelo Delegado Rolim e pelo Major Seabra. Conduziram-me preso para a central de polícia divisional do DOPS. Lá eu fui interrogado, torturado e fichado. Depois me conduziram preso para a Base Aérea de Belém. Chegando lá, tiraram toda a minha roupa, me deixaram nu, despido, e me prenderam. Passei 28 dias preso, incomunicável. Depois, eles me transferiram para a Base Aérea de Manaus. Pensei que fossem me matar, porque, quando um militar era considerado comunista e caía nas garras do serviço secreto da Aeronáutica, o chamado A2, davam a ele a transferência, e ele entrava para a pista da morte, nunca mais era visto. Isso aconteceu com muitos de quem até hoje ninguém sabe notícia.

Depois, eles me transferiram para a Comissão de Aeroportos da Região Amazônica, onde fui trabalhar com um torturador, o Cel. Ottomar de Sousa Pinto, que apreendeu a minha identidade e mandou que me apresentasse no QG da 1ª Zona Aérea, na presença do Coronel Santarém, Comandante do serviço secreto da Aeronáutica. Lá me colocaram na cadeia junto com José Genoino. Depois de ser solto, eu me escondi. Passei mais de 10 anos exilado, meus irmãos.

Em 1982, eu dei entrada na Aeronáutica para tirar meus documentos e entrar no mercado de trabalho. Não encontrei emprego em parte alguma. Eu estou com 62 anos de idade. Passei 20 anos sem documento. Até hoje a minha carteira de trabalho nunca foi assinada. Eu não tenho direitos, meus irmãos? Meu processo está há 15 anos na Comissão de Anistia. Não arranjei emprego até hoje. Fiquei 20 anos sem documento. Eu entrei na Aeronáutica em 1971. Ela me excluiu em 1975. Recebi o certificado de reservista em 1995, depois de 20 anos. Passei 20 anos sem documento. Quando eu tentei entrar no mercado de trabalho, as portas estavam todas fechadas.

O que mais me dói é que, quando eu pedi a minha ficha no DOPS para pegar meu documento, eles disseram que não existiam mais as fichas dos anos 70, só as dos anos 80. Isso é uma mentira! Deram fim em tudo! O torturador que me prendeu, o Major Seabra, está em Belém até hoje. E como é que fica essa situação, meus irmãos? Eu estou com 62 anos. Não tenho direito a nada, nem a me aposentar, porque não contribuí. Que democracia é essa, meus irmãos, que dá anistia a eles, mas não a nós que fomos perseguidos e presos?

A minha esposa foi a coisa mais linda que Deus me deu. Eu a conheci com 14 anos, quando eu estava exilado e fiquei escondido sem um documento, vivendo na clandestinidade na Ilha do Ananã, no Município de Bragança, onde há um mangal. Eu estava preso quando ela teve meu primeiro filho, o Jefferson, que hoje tem 43 anos. Não havia leite para o meu filho, meus irmãos, e eu fui pegar caranguejo. A minha esposa entrou no mangal, e um ferro entrou na perna dela. Até hoje ela tem a marca, é para sempre. Não há dinheiro que pague isso no mundo. Nada paga o que fizeram comigo.

Estou há 15 anos esperando a minha anistia, e até hoje não me deram. Quando entrei com requerimento, ele foi negado porque eu não tinha como comprovar que tinha sido preso pelo DOPS.

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Peço que conclua.

O SR. JOSÉ RUDIVALDO DA SILVA GOMES - Isso é meia-verdade, Paulo Kuhn. Estou com 66 anos, meu irmão.

Há 12 anos eu sofro de duas patologias: de rim e de próstata. Fui ao médico, e ele me deu um atestado indeterminado. Eu fiz exame pelo INSS e foi confirmada a minha incapacidade para o trabalho. Eu dei entrada a um pedido de auxílio-doença, e eles me negaram por falta de contribuição. Eu tenho poucas contribuições. Disseram que eu podia recorrer. Eu recorri, mas negaram de novo.

Onde está a minha anistia? Tiraram meus direitos, tiraram a minha vida, tiraram os meus sonhos, meu irmão. Como eu não estudei, nunca pensei que ia cair numa situação dessas.

Muito obrigado.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Muito obrigado, Rudivaldo.

Passo a palavra a Luciano Monteiro Campos.

O SR. LUCIANO MONTEIRO CAMPOS - Meu nome é Luciano. Eu represento os interesses de um grupo de trabalhadores da PETROBRAS, mais especificamente da Refinaria Landulpho Alves, em Mataripe, Bahia, e da Refinaria de Paulínia - REPLAN, próximo a Campinas, São Paulo.

Vou pedir silêncio para ser ouvido. Se estivermos incomodando alguns, nós paramos.

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Pode falar, companheiro.

O SR. LUCIANO MONTEIRO CAMPOS - Houve uma greve em 1983, e foram despedidos 351 homens nas duas unidades da PETROBRAS. A greve foi política, por causa da edição de dois decretos, o 2.026 e o 2.034, que aviltavam a condição dos trabalhadores da empresa e influíam - ou tentavam influir - nas estatais, tudo com vista à privatização dessas empresas. Desses 351 - 199 na Bahia e 152 em Campinas -, restaram 44 na Refinaria de Mataripe e 14 na Refinaria de Paulínia, totalizando 56 companheiros sem receber a reparação econômica. Desses 44 companheiros de Mataripe, dois já foram julgados, num recurso que continha os 44.

Por que estamos trazendo este caso em que dois já foram julgados? Porque na constituição da presente Comissão de Anistia, o Dr. Paulo no recebeu várias vezes, de modo lhano e cortês - nós temos que elogiar, porque é verdade. Mas nós já estivemos com quatro Ministros da Justiça, a saber, Cardozo, Osmar Serraglio, Alexandre de Moraes, e, ultimamente, Torquato Jardim.

Na Comissão, sempre encontramos uma receptividade pelo menos correta, em todas as constituições, mas há uma trava em alguns detalhes. Por exemplo, na última oportunidade em que nós estivemos com o Dr. Paulo - nós até pedimos hoje uma audiência para levar isso ao seu conhecimento -, ele foi orientado por sua assessoria na Comissão de Anistia sobre os dois empecilhos que existiam para que se colocasse o nosso grupo de uma só vez. Se não me engano, são processos de 2001. Ele nos assegurou que o julgamento seria em grupo, mas surgiu de sua assessoria um senão: não havia fato novo para o recurso que nós apresentávamos na época, e, além disso, esse recurso tinha a nomenclatura de "recurso administrativo plúrimo". Os seus assessores teriam falado com ele que deveria ser uma reconsideração.

Ora, pedido de reconsideração ou recurso atingem a mesma finalidade, que é a determinação de um grupo de trabalhadores insatisfeitos com o tratamento que lhes fora dedicado. Pelo princípio da fungibilidade, é possível que o recurso seja recebido, e não com outra nomenclatura, porque o que interessa da incerteza do julgamento, ou da injustiça do julgamento originário, é a insatisfação quanto ao resultado. Essa é a substância. Nós, com esse ou aquele nome, não estamos satisfeitos com os recursos que foram dados anteriormente.

E o fato novo existe, sim. Nós éramos 44 recorrentes e, de repente, a Comissão de Anistia achou por bem, já neste Governo - a Comissão de Anistia é uma Comissão de Estado e não de Governo -, sacar dois nomes dos 44 e julgá-los. Além disso, houve deferimento, foi deferido o pedido. Isso é muito importante.

Eu vou concluir. O tempo foi muito exíguo, porque as histórias são longas, e são 351 pessoas. Eu não estou trazendo um caso meu, é um caso coletivo grande. O tempo foi muito exíguo.

Muito obrigado.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Obrigado.

Tem a palavra Carlos Augusto Marighella.

O SR. CARLOS AUGUSTO MARIGHELLA - Sr. Presidente da Comissão Deputado Luiz Couto, parabenizo-lhe por ter patrocinado esta iniciativa, que não é a primeira sobre o assunto. É bom que se diga isso, porque, infelizmente, nós não temos muitos Deputados em nossas trincheiras tratando dessa questão extremamente relevante.

Nesses depoimentos, nessas exposições, vemos quão distantes ainda estamos dos nossos objetivos. Embora tenham se passado tantos e tantos anos do fim formal da ditadura, ainda estamos distantes de uma reconciliação, para que um brasileiro possa olhar o outro sem rancor, para que efetivamente esse espírito de reconciliação faça com que o Brasil ande para frente.

Não é possível construir um País tão divido como ele se encontra atualmente. Há um determinado grupo efetivamente tentando nos excluir em relação à nossa história e em relação à nossa dignidade. Tentam também desqualificar as pessoas que nos inspiram, que é o caso do meu pai, citado aqui tantas vezes. Querem desqualificar uma pessoa que tão dignamente enfrentou a responsabilidade de defender este País, de lutar por liberdade e por democracia de todas as maneiras possíveis, inclusive com o risco de sua própria vida.

Entre as pessoas que falaram, eu queria fazer referência às manifestações de Iara, essa figura tão querida, e dizer a ela e a todos os outros que Marighella não é propriedade da família, dos filhos, dos irmãos, dos seus parentes. Na verdade, eu vejo em Iara e em todas essas pessoas que manifestam essa admiração por meu pai uma inspiração, uma importante inspiração pelo que ele deixou como legado.

Então, Sr. Presidente, eu queria fazer essa anotação.

O tempo é curto, efetivamente, mas eu queria expressar a minha grande alegria e satisfação em estar presente a esta convocação de luta. Precisamos efetivamente lutar por essa anistia que há tanto tempo nos inspira.

Muito obrigado.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Muito obrigado, Carlos Augusto Marighella.

Passo agora a palavra a Manoel Bahia.

O SR. MANOEL BAHIA - Deputado Luiz Couto, Sr. Paulo Kuhn, companheiros da Mesa, o tempo é curto. Então, eu vou fazer três observações que me parecem muito importantes.

A primeira é sobre um dos momentos mais importantes de um julgamento na Comissão de Anistia. Assisti a vários julgamentos, e neles a Comissão julgava o companheiro... "Julgamento" é uma palavra meio ruim. É ruim você ser julgado. Mas, enfim, o companheiro em julgamento tinha o pedido deferido e era considerado anistiado. Nesses julgamentos se determinava uma reparação financeira, mas o mais importante disso não era só a reparação financeira. A reparação financeira é uma espécie de indenização do Estado pelo mal que fez àquele companheiro.

O mais importante, porque era emocionante e arrancava lágrimas - nós sentíamos o sofrimento dos companheiros de luta -, era o Estado pedir perdão.(Palmas.)

O perdão do Estado não resolvia todo o ataque moral do qual aquele companheiro tenha sido vítima, mas o atenuava. Era muito bom ver o Estado de pé pedindo desculpas. Na minha anistia, o Estado se levantou e pediu desculpas pelos males que nos causou.

O Estado de hoje não pede desculpa mais, trata o problema como se fosse um problema burocrático, administrativo, e nem sabe o mal que fez àquele companheiro ao longo de sua vida. Essa é uma primeira observação, que eu acho muito importante e que tem impactado muito as famílias.(Palmas.)

A segunda questão que me parece também muito importante é a compreensão da palavra "anistia". Anistia é reparação, no sentido amplo, reparação financeira, reparação moral e o pedido de desculpas do Estado. Mas anistia também é a busca da verdade, da justiça, da liberdade. Para conquistarmos essa justiça, essa verdade e essa liberdade, é importante que punamos os culpados. Existem torturadores soltos por aí, e nós queremos punição para esses torturadores. Nós queremos punição para as empresas que se mancomunaram com a ditadura militar, e eu vou dar os nomes, João: Volkswagen, EMBRAER, PETROBRAS, Docas e muitas outras, que entregaram os seus trabalhadores para os porões da ditadura militar.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Obrigado, companheiro.

Tem a palavra Cybelle.

A SRA. CYBELLE TEOTONIO ALVES DE SOUSA - Muito prazer. Sou Cybelle, Secretária de Anistia da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares - FENTECT.

Primeiro, eu quero saudar todos que estão presentes. Eu sou jovem, sim, mas respeito profundamente a luta de vocês. Estou do lado de vocês. Eu gostaria de deixar isso bem claro.(Palmas.)

Eu gostaria de fazer uma pergunta ao Sr. Paulo Kuhn: por que a Comissão não está considerando as greves antes de 1988, antes da Constituinte, como greves políticas? Por que a Comissão não está considerando essas greves como greves políticas, se naquela época os sindicatos eram proibidos de existir?

E por que, com toda representação legal que hoje a FENTECT possui, ela tem tido seu direito cerceado, Sr. Paulo Kuhn? Por que a FENTECT tem tido seus direitos cerceados em sessão presidida por V.Sa., como aconteceu recentemente, com o constrangimento dos companheiros, sendo que a federação não precisa de procuração para defender a categoria? Ora, nós somos legalizados, nós somos uma federação. Nós podemos defender os nossos companheiros e a nossa categoria a todo tempo, em qualquer lugar. Nós não precisamos de procuração para isso. Essa aberração, esse retrocesso que foi imposto para atrasar mais ainda é ridículo.

(Intervenção fora do microfone.)

O SR. MANOEL BAHIA - A minha intervenção, pelo pouco tempo, já terminou. Ela é um repúdio a tudo isso e uma exigência para que a anistia ande no País, para que se cumpra a justiça e se chegue à verdade.

Muito obrigado.

Queremos saber por que, apesar de os processos serem deferidos, eles não são publicados. Por que esse atraso? Todo mundo quer saber. Nós, da federação, queremos saber. Sim, nós sabemos em parte. Você vai vir com uma resposta política.

Eu não quero, de forma alguma, ser desrespeitosa, mas eu gostaria de lembrar a todos aqui presentes que esta luta é política. Portanto, se existe alguém aqui nesta sala pensando em ousar defender Jair Bolsonaro achando que vamos ter alguma brecha política para defender os anistiados, eu digo: ledo engano. Se nós pudermos avançar, é com Haddad. Daqui para frente, é com Lula. Com Bolsonaro, com Amoêdo, com Álvaro Dias e com Alckmin, teremos um atraso, um retrocesso. Nosso lado é o de quem defende os anistiados. Portanto, não é com esse pessoal, não.(Palmas.)

Nossa luta é política. O Supremo não nos representa, não nos respeita e vem descumprindo a Constituição "n" vezes. Então, se alguma pessoa que está nesta sala ousar defender Bolsonaro, eu digo: ledo engano. Ele não está do nosso lado. Sente-se com sua família e converse, porque, se esse pessoal nunca, jamais defendeu... Muito menos vai defender quem estava do lado da democracia.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Obrigado, Cybelle.

Tem a palavra Rosa dos Santos.

A SRA. ROSA DOS SANTOS - Eu quero cumprimentar a Mesa, representada pelo Deputado Luiz Couto, e agradecer muito à Iara, ao Dr. Virginius, ao Dr. Ivan e à Dra. Eugênia, que já saiu.

A minha pergunta vai para o Ministro Gilson Libório, porque ele mandou... Mandou, não. Deve ter pedido, porque ele não manda no Presidente Paulo Kuhn. Ele deve ter pedido. Por que ele não veio? É ele quem está indeferindo os processos: o Tenente-Coronel Gilson Libório. Ele é da área de Informação do Exército. Então, por que ele não veio aqui olhar na nossa cara?

Eles não estão mandando descer... Existe um grupo de conselheiros lá, e eu vou dar nome aos bois. Ela pode até me processar, porque eu não me importo. Processo não dói. Da tortura nós corremos, e nós a aguentamos. A Maria Vitória, uma conselheira da AGU de Salvador, chega até a colocar uma rolha nos ouvidos. Ela debocha da gente. É só dela que eu reclamo. Os outros da AGU são todos normais: olham os nossos processos, indeferem ou deferem, e está caminhando a Comissão de Anistia.

Só que um detalhe está me preocupando, Dr. Paulo: põem 92 processos numa sessão, que sobem para o excomungado do Gilson Libório, e ele indefere. O senhor não pode fazer assim, não. Vá pondo de conta-gotas. Agora nós não estamos querendo ser julgados mais, não. Neste Governo não dá mais, não. O senhor está fazendo o serviço que o senhor tem que fazer? O senhor acha que tem que acelerar?

Mas de que adianta? O senhor pode até deferir, mas aí o cara vai lá e indefere?

Isso tem que ser denunciado. Para o Ministério Público, nós já denunciamos. Fomos à Dra. Deborah Duprat, que hoje não pôde estar aqui. Fomos agora ao Dr. Ivan Marx. E vamos até as instâncias internacionais. Tanto é que ele não quis aparecer. É muita covardia dele mandar o Presidente da Comissão vir - na verdade, pedir, porque acho que ele não manda no senhor. É muita covardia dele pedir que o Presidente da Comissão venha. O Presidente da Comissão já aguentou meu destempero lá. Eu já quis rodar a baiana lá. Mas isso é muito doloroso para nós que estamos esperando anos e anos

Essa Comissão era para ser o cartão de visita de todos os governos. Qualquer governo que entrasse tinha que ter a Comissão de Anistia como cartão de visita, porque é uma coisa que produz a verdadeira história do País. A verdadeira história do País é contada dentro da Comissão de Anistia.

O mais berrante - eu falei isso ontem na nossa sessão solene - foi o Edson ter sido julgado com 9 votos a 2, depois de torturado e preso. Ele era militar da Marinha e foi anistiado por essa Comissão, e o Dr. Paulo, como Presidente da Comissão, teve que aguentar o meu destempero nesse dia. Ele foi anistiado, e o Libório achou por bem desanistiá-lo.

Outra coisa: agora ele não está descendo mais. Ele já desanistiou dois, e agora ele não desce para os julgamentos. Lá em cima, ele decide, junto com a tal da CONJUR do Ministério: "Ah, estes daqui não merecem." Já saíram dois indeferimentos sem ir para a Comissão de Anistia. Então, essa é a minha indagação. O Torquato não apareceu nem na greve dos caminhoneiros, que dirá na nossa audiência. Mas o Gilson Libório é militar e devia nos enfrentar. Ele devia nos enfrentar não só na cadeira do dragão. Só na tortura? Enfrente agora, na democracia! Olhe na minha cara!(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Com a palavra o Sr. José Alípio.

O SR. JOSÉ ALÍPIO - Inicialmente, eu cumprimento o Presidente, o nosso digno Deputado Luiz Couto, e demais ilustres membros da Mesa.

Companheiros e companheiras, às vezes, nós somos julgados e analisados por jovens na faixa de 40 a 45 anos, que não viveram a ditadura civil-militar de 1964 a 1985, mas que, decerto, têm ou deveriam ter conhecimento desse período vergonhoso da história do Brasil, quando houve o fechamento do Congresso Nacional e violência contra os cidadãos que ousaram ir contra os desmandos de todo tipo.

Naquele momento de trevas, o opositor ao regime corria o risco de ser preso, torturado ou mesmo assassinado, sem que os familiares pudessem velar o corpo. Foi o caso do Deputado Rubens Paiva, que era desta Casa. Se tivesse sobrevivido a esse horror, teria que viver clandestinamente, mudar de nome, afastar-se da família e dos amigos, abandonar o trabalho ou sair do País e se exilar.

Depois do famigerado Ato Institucional nº 5, momento em que se instalou o período mais violento da ditadura, muitos opositores foram presos e levados a prisões clandestinas, como a conhecida Casa da Morte, em Petrópolis, desaparecendo para sempre. Somente uma militante sobreviveu, e, graças a ela, a grande Etienne, sabemos da barbárie lá ocorrida. Os que passaram pelas prisões ilegais do regime sofreram tortura física, sexual e psicológica. Essa violência covarde marcou a vida dos presos políticos para sempre e retirou do convívio familiar, dos amigos e do trabalho pessoas que tinham endereço fixo, emprego e vida legal, como foi o caso do acima citado Rubens Paiva, do jornalista Vladimir Herzog e de tantos outros.

A história nos ensina que uma tirania não pode durar para sempre. O movimento pelas liberdades civis e pela volta da democracia cresceu graças ao reconhecimento e esclarecimento das violações cometidas, ganhou o território nacional, e algumas mudanças foram sendo feitas ao longo dos anos que se seguiram.

Apesar de tardias, como tudo no Brasil relativo aos direitos que favorecem a cidadania, algumas conquistas foram sendo implantadas, entre elas o direito à reparação, através da Lei nº 10.559, de 2002, que criou a Comissão de Anistia, presidida pelo nosso digno Paulo Henrique Kuhn. O Estado brasileiro, por meio dessa lei, finalmente reconheceu o direito à reparação, propugnado por normativas internacionais, e, ao responsabilizar-se, adotou algumas medidas necessárias e indispensáveis, ainda que incompletas, para o fortalecimento da democracia; e reconheceu oficialmente a reparação dos danos cometidos pela tirania do Estado autoritário, violações que provocaram sequelas de diversos tipos.

Até recentemente, estava em curso a reparação econômica, em função da interrupção dos projetos de vida; a reparação individual e coletiva, visando a construção da verdade e da memória; a reparação moral, com o pedido de desculpas pela autoridade representante do Estado; e a reparação psicológica, com atendimento nas Clínicas do Testemunho.

Como se não bastasse o descaso que o atual Governo, desde 2016, tem com os anistiados e anistiandos, ao fazerem uma autoanálise da Lei nº 10.559, de 2002, Presidente Paulo Kuhn, mediante um novo entendimento dessa lei nos novos julgamentos, visando restringir direitos de anistiados e anistiandos, eles veem que tais argumentos são inaceitáveis.

Tratar como privilegiados os que foram justamente reconhecidos pelo Estado como vítimas da violência e do terror da ditadura é uma inversão total de valores. Enquanto em todo o mundo se reconhece o valor e se homenageia os que lutaram e derrotaram o nazifascismo, nós, anistiados políticos que resistimos à ditadura brasileira e dedicamos a vida e a juventude para a volta do Estado democrático, devemos ser respeitados em nossos direitos adquiridos, ao invés de sermos alvo de ataques injustos à nossa sobrevivência, à nossa integridade, na tentativa absurda de reduzir o valor que realmente nós temos.

Então, companheiros da Mesa, companheiro Presidente Paulo Kuhn, V.Exa. que nos deixou ótima impressão ao nos receber e que reafirmou que, enquanto a Comissão de Anistia estiver sob sua gestão, as portas estarão abertas, por tudo isso, todos nós lhe agradecemos.

Muito obrigado.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Muito obrigado, José Alípio.

Passo a palavra agora ao Luiz Cachoeira da Silva.

O SR. LUIZ CACHOEIRA - Boa tarde a todos.

Eu sou o Luiz Cachoeira, como o ilustre Presidente da Comissão anunciou. Eu faço parte daqueles marinheiros que, em 1964, estiveram no Sindicato dos Metalúrgicos, saíram de lá na condição de presos para o quartel do Exército e de lá voltaram para suas unidades. Isso ocorreu no dia 29 ou 30 de março. E, no dia 1º de abril, eu estava desembarcando do meu navio para responder a um inquérito policial militar. Fui excluído da Marinha, não por ter sido apontado como responsável direto por aquele movimento, mas como um dos participantes. Para a Marinha, não interessava ficarmos a bordo, porque nós éramos subversivos.

Bem, hoje, eu estou morando em São Paulo. Lá há algumas entidades militares, e eu estou à frente de uma delas, a AMAFABRA - Associação de Militares Anistiados e Anistiandos das Forças Armadas do Brasil. Essa entidade é composta por marinheiros e cabos da FAB.

Eu tenho duas perguntas para fazer ao senhor. Depois, vou encaminhá-las.

O parágrafo único do art. 11 da Lei nº 10.559, de 2002, garante que:

O anistiado político ou seu dependente poderá solicitar, a qualquer tempo, a revisão do valor da correspondente prestação mensal, permanente e continuada, toda vez que esta não esteja de acordo com os arts. 6º, 7º, 8º e 9º desta Lei.

Nos últimos julgamentos, a Plenária negou a correção do erro material devidamente apontado no processo.

Creio que o senhor saiba que, nos primeiros processos que foram julgados em 1964 e 1965, houve erro material no caso dos militares. A Plenária também negou a correção de adicionais e a gratificação de anistiado, de acordo com as portarias de 2004 e 2005, que iriam promovê-los a suboficiais, sob a alegação de que tais militares não chegariam a tal graduação, ignorando que a análise de sua carreira foi feita em 2004.

Portanto, com base na graduação já concedida em 2004, eles deveriam receber os adicionais correspondentes a suboficial. No entendimento do representante do Ministério da Defesa, Coronel Dalcin, eles chegariam, no máximo, a cabo. Essa é a opinião do representante do Ministério da Defesa.

(Intervenção fora do microfone.)

O SR. LUIZ CACHOEIRA - Desculpe-me, mas eu não entendi.

Continuando: os demais conselheiros pouco ou nada conhecem da legislação militar.

O que ficou claro foi o seguinte, Sr. Presidente: no último julgamento, três companheiros nossos de São Paulo pediram a revisão dos seus adicionais militares, e o voto já veio pronto, por intermédio do Coronel Dalcin - acho que é Coronel Dalcin. Desculpem-me, perdoem-me, mas ficou bem claro que nós não tínhamos argumento para derrubar as opiniões dele. Os demais conselheiros - desculpe-me, Presidente - votaram com ele.

Isso quer dizer o seguinte: os conselheiros não analisam coisa nenhuma. Desculpe-me, mas eles não analisam coisa nenhuma. É aquela velha história, com todo o respeito, da maria vai com as outras. O coronel trouxe o voto, e eles foram com o coronel.(Palmas.)

O SR. LUIZ CACHOEIRA - Companheiro, a disciplina do militar é muito diferente da disciplina do civil. Eu, como militar, respeito a opinião dos companheiros civis. Nós somos anistiados políticos, costumo dizer, cuja categoria é a dos militares. Nós respeitamos. Se o assunto não interessa a vocês, pelo menos, deixem-me ler a minha pergunta, deixem-me terminar, para que eu possa passar as perguntas ao ilustre Presidente da Comissão da Anistia.

(Intervenção fora do microfone.)(Palmas.)

Ficou bem claro isso, desculpe-me. Eu sou obrigado a dizer isso ao senhor.

Esses companheiros perderam o processo de revisão porque houve essa interferência do coronel da Defesa, que é bem assessorado. Já os seus conselheiros civis, eu não sei se são bem assessorados ou não.

A outra pergunta que vou fazer para terminar é a seguinte: a Comissão de Anistia está aplicando a repercussão geral de não admitir a promoção de graduado do oficialato. No entanto, não aplica a segunda parte da repercussão geral no caso dos cabos da Aeronáutica que chegariam a suboficiais. Estão dando, no máximo... Na opinião do Coronel Dalcin, eles chegariam a cabo. Na Comissão, felizmente, alguns estão saindo como segundo-sargento.

Eu vou pedir, por favor, que o senhor aceite esta minha reclamação em mãos.

Muito obrigado.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Com a palavra o Sr. Stanislaw Szermeta, da Associação dos Anistiados e dos Aposentados Políticos - ANAP.

O SR. STANISLAW SZERMETA - Eu queria cumprimentar o Deputado Luiz Couto.

Vou ser breve, porque já foram elencados os problemas específicos.

Eu tenho 58 anos de luta. Hoje, nós somos o País mais infeliz da América Latina nessa luta. O STF não reparou a Lei de Anistia. Absolveu os torturadores. Nós não estamos num Estado de exceção, mas num Estado onde o Judiciário toma o lugar do Legislativo e legisla. Isso não pode acontecer. Nós lutamos para instalar o Estado Democrático de Direito.

A reparação é uma parte do que tem que ser feito. O Estado deve fazer isso, porque infelicitou a vida de lutadores com a perseguição deles. Também é preciso agilizar as assinaturas das portarias. Há 2 anos, acumula-se uma pilha de deferimentos pela Comissão de Anistia, e não há notícia. Também é preciso que se aceitem os testemunhos orais. Não é possível fazer diferente.

Para finalizar, nós queremos que seja respeitado o Estado Democrático de Direito. Então, o Sr. Ministro não pode indeferir uma solicitação sem explicar por que o fez. Ele está passando dos limites da lei do Estado Democrático de Direito.(Palmas.)

O que o Marighellinha falou é importante. Nós estamos chegando ao ponto de unidade. Nós temos que entender que, para enfrentar governos que desrespeitam o povo, que desrespeitam a lei, só há um jeito: união - e essa união é política.

Nós vamos ter que fazer a verificação nos próximos meses, em setembro e outubro. É importante isso.

Nós precisamos refletir sobre o mundo que queremos, sobre o respeito que vamos dar aos nossos filhos. Os grandes deram respeito, mas isso não teve continuidade. Falo da luta de Zumbi, de Antônio Conselheiro e de todos aqueles que deram dignidade ao nosso povo. É hora de continuarmos. Só isso.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Muito obrigado, Stanislaw.

Passo a palavra a Jandyra Uehara.

A SRA. JANDYRA UEHARA - Boa tarde a todos e a todas. Cumprimento o Deputado Luiz Couto, toda a Mesa e todos os presentes.

Eu falo em nome da Central Única dos Trabalhadores, na condição de Secretária Nacional de Políticas Sociais e Direitos Humanos.


Nós gostaríamos, preliminarmente, de dizer que, desde o golpe de 2016, que tirou a Presidenta Dilma, aliás, presa política e anistiada, da Presidência da República, nós estamos vivendo toda a sorte de retrocessos no campo social, nas leis trabalhistas, nos direitos políticos. Isso é o que nós estamos vendo agora também na Comissão de Anistia.

Nós queremos repudiar veementemente a decisão da maioria dos membros da Comissão - não foram todos, há lá bravos e resistentes conselheiros - de não mais realizar o pedido de desculpas do Estado às vítimas da ditadura.(Palmas.)

Isso é muito grave, porque o pedido de desculpas do Estado faz parte do ritual de reparação moral, de reparação simbólica, tão importante quanto a reparação econômico-financeira. A reparação é muito importante. É tão importante que faz parte das diretrizes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

E, a nosso ver, o mais grave de tudo isso - vejam a coincidência - é que, ao mesmo tempo em que a maioria da Comissão decide não mais fazer o ritual de desculpas, vêm as negativas do Ministro em relação aos processos. Ou seja, a antessala do que o Ministro está fazendo ao negar os processos, desconsiderando o deferimento pela Comissão de Anistia, é justamente a decisão da Comissão de que não mais haja o pedido de desculpas.

Portanto, companheiros e companheiras, nós precisamos lutar pelo deferimento, pela legitimidade das decisões da Comissão, como já foi colocado por vários dos que falaram antes de mim, e também para que se retome o pedido de desculpas imediatamente. Além de toda a luta cotidiana para restaurar o Estado Democrático e acabar com o Estado de exceção, sem dúvida nenhuma, como já disseram outros companheiros e companheiras, isso faz parte da luta política que nós temos de travar para derrotar o golpe que se instalou novamente no nosso País.

Obrigada.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Obrigado, Jandyra.

Passo a palavra ao Comandante Luiz Carlos Moreira, que quer falar porque tem voo marcado para daqui a pouco.

O SR. LUIZ CARLOS MOREIRA - Peço desculpas aos senhores, porque, numa reunião como esta, o improviso até retira ideias ou proposições que pudéssemos fazer para robustecer um conjunto de pleitos que começa a se formar. Eu vou abraçar uma proposta que acho de fundamental importância e vou me permitir fazer a leitura de um texto, de um documento elaborado 10 anos atrás pelo Brigadeiro Rui Moreira Lima, que era Presidente da nossa entidade, um herói de guerra desconsiderado, desrespeitado pelo Governo brasileiro.

Vou proceder à leitura de pequenos trechos, até porque eu tenho um voo e já estou em cima do horário.


Nós realmente não temos o que comemorar nesta data de aniversário da anistia. Enquanto isso, é bom que se diga, é bom que se lembre que a maioria dos caçados, por defenderem um governo legalmente constituído, ainda permanece nesta demorada luta pela restauração dos seus direitos.

Ninguém se esqueça de que esta é uma pugna das vítimas do regime de exceção, que suprimiu a ordem democrática, os direitos e garantias constitucionais, que, quando os prendeu, privou-os do convívio da família, nunca indicando o local e as condições da prisão. Quando soltos, passaram a viver em liberdade vigiada, com acompanhamento permanente dos agentes da repressão. Foram, na verdade, humilhados e condenados a viver com a perda dos seus empregos, como indigentes sociais, levando suas esposas e filhos a também viverem em permanente estado de necessidade. Após terem violado a sua intimidade, a vida privada, a sua honra e a sua imagem, restou-lhes, na verdade, quando retirados do meio social em que viviam, a sobrevivência clandestina, num verdadeiro atentado à dignidade da pessoa humana.

Violar direitos humanos era a marca de uma ditadura, integrada por agentes insanos, para cujos atos não havia controle. Essa luta ainda hoje permanece. Estamos assistindo isso neste seminário, neste encontro. Continua sendo sustentada por homens que vivenciaram essas privações e sofrimentos, agora envelhecidos e humilhados, mas que estão à espera das atenções de um Governo que se mantém desatento e reticente quanto ao reconhecimento amplo e definitivo dos seus direitos, de um Governo que se mostra incapaz de se opor às ações militares, onde remanescem os procedimentos administrativos pleno de restrições que continuam sendo praticados por filhotes da ditadura.

Cabe aqui um desabafo: nada é mais incoerente quando se coloca na Comissão de Anistia, para julgar os caçados, militares do Ministério da Defesa e até mesmo, no gabinete do Ministro, aqueles que continuam agindo como se fossem porta-vozes do pensamento daqueles que implantaram a ditadura no País. Em momento algum, por suas ações, eles deixam de ser um representante desses militares. É a raposa dentro do galinheiro.

A não punição dos torturadores pelo STF continua nos preocupando. Preocupa-nos porque os encorajaram a permanecer na cena política, na cena pública, na contramão das regras democráticas. Por isso, sem que isto seja uma revanche, e sim uma proposta, reclamamos a demissão destes militares da Comissão de Anistia, para que ela volte a ter sua autonomia e atue sem qualquer ingerência do instamento militar. (Palmas.)(Palmas.)

Muito obrigado, companheiros.

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Muito obrigado, Comandante Luiz Carlos Moreira. Pela sua contribuição, com certeza, a Comissão de Direitos Humanos fará esse encaminhamento.

Vocês sabem que, para chegar à Paraíba, hoje nós temos de pegar um avião que sai às 18h30min. Nós temos de fazer uma visita a dois companheiros, que ainda estão em greve de fome, mas daremos continuidade a esta reunião. Vamos fazer com que o nosso companheiro, João Paulo de Oliveira, Presidente da Associação dos Metalúrgicos Anistiados e Anistiandos do ABC - AMA-A e representante de outras entidades, possa presidir esta Comissão. O Márcio também estará aqui nos dando suporte.

Com a palavra o Sr. Aleinaldo.

O SR. JOSÉ BEZERRA DA SILVA - Fui contemplado sim, senhor, mas eu preciso dar uma palavrinha.

Boa noite a todos. Meu nome é José Bezerra da Silva. Esta Comissão de Anistia não representa o estado pleno de direito. Ela funciona como se fosse um bolo doido compressor, como já dizia o grande compositor Ney Matogrosso: "De dia é Maria, de noite é João". As portarias que ontem valiam hoje perdem o valor.

O Sr. Presidente não respeita e não ouve o depoimento das vítimas. Cerceia o direito de defesa dos representantes. Não respeita o direito dos perseguidos políticos, a tal ponto de os psicólogos, que trabalham na Clínica do Testemunho, prestarem mais de 40 atendimentos a determinados pacientes e serem proibidos de exarar o laudo psicológico a que esses pacientes tinham direito. Então, fica aqui registrada a minha denúncia.

Muito obrigado, Sr. Presidente.(Palmas.)

Com a palavra o Sr. Jairo Melo.

Com a palavra o Sr. José Bezerra da Silva. O senhor foi contemplado também?(Palmas.)(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Com a palavra o Sr. Severo Alves, da CONLUTAS de São Paulo.

O SR. SEVERO ALVES - Boa tarde, autoridades, companheiros e companheiras.

Aqui nós estamos falando de categorias organizadas. As duas companheiras que já saíram, a Eugênia Gonzaga e a Dra. Irene Gomes, falaram rapidamente dos camponeses. Nós falamos dos presídios nas montadoras ou dos presídios nas multinacionais que vieram para o Brasil, mas pouco falamos das mortes a céu aberto no campo. E o Ministério da Justiça, se sabe, faz de conta que não sabe das mortes que aconteceram no campo. (Pausa.)

Ele já foi contemplado. Muito obrigado, companheiro.(Pausa.)

Contemplado.

Só uma única vez, em Boa Vista, por acaso, em abril de 1964, foram mortos 5 mil índios. Isso está na história, só que ela não é contada. É uma história que, talvez, esteja guardada não nos arquivos brasileiros, mas nos arquivos da Europa, dos Estados Unidos. Se procurarmos, ela estará lá. Aqui não a encontramos, como disse o companheiro de Belém do Pará.

Na realidade, de Foz do Iguaçu à barreira do diabo, tem gente para ser anistiada, mas que não sabe. A lei não é divulgada, é escondida. As autoridades escondem isso dia e noite. Como disse o companheiro Virginius, isso está escondido não embaixo de 7 chaves, mas de 20, 30, 100 chaves, para que não divulguem essa questão. As categorias organizadas, algumas delas, conseguem a anistia, mas as inorganizadas - os índios, os quilombolas, os negros, que foram mortos aos milhares - não têm direito porque não sabem que têm direito. Não que eles tenham fugido dos seus direitos, mas escondem deles os direitos a que deveriam ter acesso. Então, temos de ver formas de chegar a esses companheiros.

No Estado de Belém do Pará, como foi dito pelo companheiro, foram mortos vários advogados e alguns Deputados. Podem ver o que está escrito na história. Alguns Deputados também foram mortos, não foi só o Rubens Paiva. Deputados Estaduais, Brasil afora, foram mortos porque lutaram contra a ditadura militar. Por isso, a gente tem de ver como ficam as categorias inorganizadas. E o Paulo Kuhn, Presidente da Comissão de Anistia, precisa tentar trabalhar e ajudar, e não atrapalhar - a Comissão de Anistia é para ajudar, não é para atrapalhar - as categorias inorganizadas.

Era isso o que eu tinha a falar.

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Com a palavra o Sr. Sebastião Neto, do Fórum Memória e Verdade.

Companheiros, vocês fizeram algumas perguntas para o Paulo Henrique Kuhn, Presidente da Comissão da Anistia, mas ele também tem de se deslocar agora e está pedindo para responder às questões que foram colocadas. Como é que a gente faz?

O SR. SEBASTIÃO NETO - Deixe-me falar e o senhor encaminha, pode ser? Eu sou o último.

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Pois não, fale.

O SR. SEBASTIÃO NETO - Companheiros, eu venho aqui em nome do Fórum dos Trabalhadores por Verdade, Justiça e Reparação, composto por algumas centrais sindicais e algumas entidades. Vou falar para vocês telegraficamente, porque o tempo está rugindo.

É o seguinte: este documento, que foi apresentado ontem na sessão solene, é uma plataforma que qualquer um aqui pode assinar, se concordar.

É uma plataforma permanente, até que os problemas sejam resolvidos, sobre justiça de transição.

Este País não passou da ditadura para a democracia até hoje, como mostram os que estão aqui da Comissão da Anistia. É só vermos as barbaridades que estão acontecendo no Governo Temer.

Este é um documento para ser entregue aos candidatos para ver se concordam. Vamos ver quais candidatos assinam a nossa plataforma. Essa é a primeira coisa.

A segunda coisa a dizer é que - não se trata de propaganda de livro - há um filme circulando por aí, com o título O nome da morte. (Mostra livro.) O personagem Júlio Santana matou 498 pessoas e nunca foi punido. Entre eles, matou companheiros do Movimento dos Sem Terra, lideranças indígenas e lideranças populares. O companheiro dá o nome do Prefeito que foi absolvido 10 anos depois da morte do Dirigente Nacional da CUT, Nativo da Natividade, de Carmo do Rio Verde. Foram lá o Chico Vigilante, o Meneguelli e eu, para acompanhar o processo. Depois, fui com o Jorginho, de Franca, para recomprar o sindicato que os fazendeiros tinham tomado. Fizemos uma vaquinha nacional, na época da CUT pela Base.

Não estou fazendo propaganda do livro, mas vocês têm de saber que a impunidade está neste nível: um pistoleiro que assume ter matado 498 pessoas, entre eles o companheiro Nativo da Natividade, está impune.

Agora vamos à questão central: este documento é assinado por dez centrais sindicais existentes no Brasil. É verdade que nem todas chegam junto à bola, na dividida - nós sabemos disso -, como funciona no movimento sindical. Há os problemas na família, mas vivemos assim. Somos imperfeitos.

Dez centrais sindicais, ao final da Comissão da Verdade, assinam esse documento, com recomendação dos trabalhadores. Sabem qual é a questão principal? A punição das empresas, dos empresários que colaboraram com a ditadura. Estão aqui companheiros da EMBRAER, dos Correios, da PETROBRAS, de Volta Redonda, da GM.

O SR. SEBASTIÃO NETO - Da Volks, vou falar agora.

Este é um jornal da Volkswagen. (Mostra jornal.) Nós temos uns 50 jornais como este. Posso distribuí-lo para quem não o tem.

O Procurador Pedro Machado, do Ministério Público Federal, aceitou a denúncia contra a Volkswagen e encerrou o inquérito. A Volkswagen é culpada no inquérito. Abriu-se uma negociação no dia 28 de março, mas a Volks ainda não respondeu.

Vocês têm que saber que o nosso trabalho é exatamente levantar as capivaras das empresas. Queremos reparação. Não há como chegar à verdade, à memória e à justiça sem reparação. Eles têm que reparar os trabalhadores e a sociedade pelos crimes dos empresários cometidos durante a ditadura.

Vamos lá, gente!

(Não identificado) - Da Volkswagen.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Couto. PT - PB) - Só quero lembrar o companheiro que recebi esse material. Como candidato a Senador pela Paraíba, já assinei o documento.(Palmas.)

Companheiros e companheiras, o Capitão Wilson Silva quer conversar com vocês depois sobre uma proposta que tem, fora daqui.

Queremos agradecer a todos.


Nós estamos convocando para amanhã uma audiência pública com o tema: Celebração dos 28 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA e o sistema de garantia de direitos. A audiência, que será realizada amanhã, 29 de agosto, às 14 horas, no Plenário 9 desta Casa, será presidida pela companheira Erika Kokay, uma vez que amanhã nós teremos atividades na disputa para o Senado Federal e teremos que estar lá.

Depois disso, concederemos a palavra àqueles que quiserem falar.

Com a palavra o nosso convidado Dr. Paulo Henrique Kuhn.

O SR. PAULO HENRIQUE KUHN - Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer a todos pela forma adequada de colocação dos problemas. Nós sabemos efetivamente que a Comissão trata de questões extremamente sensíveis, a Comissão trata da vida de todos os senhores, da vida dos seus familiares. Temos muito respeito com relação a esse tema. Não estamos brincando lá.

Eu, pessoalmente, não estou brincando na Comissão. Sempre que aceitei trabalhar em algum lugar, fui com o propósito de fazer o melhor trabalho possível. É evidente que não agradamos a todo mundo, que contrariamos interesses. Infelizmente - ou felizmente - isso é da natureza dos cargos e do trabalho que nós fazemos na vida. Não agradamos nem na nossa família às vezes, mas existem trabalhos que precisam ser feitos.

De início, eu gostaria de pedir a todas as pessoas que usaram a palavra e trataram de assuntos específicos de seus processos que nós conversemos na Comissão, porque eu não tenho efetivamente memorizadas as condições de cada processo, não tenho os dados dos processos, não tenho as informações dos processos na minha cabeça e posso falar alguma coisa equivocada.

Ao mesmo tempo em que peço desculpas por não entrar nos casos específicos que foram trazidos pelos senhores, eu convido quem usou a palavra para falar sobre seu processo, sobre processos da sua associação ou das pessoas que está representando para que vá à Comissão de Anistia, porque vamos, com o maior prazer, recebê-lo, conversar sobre os processos e, eventualmente, achar os melhores encaminhamentos para que se tenha uma solução para os requerimentos.

Com relação a alguns pontos que foram trazidos aqui, não sei se falarei na ordem. Talvez eu não tenha anotado todos, peço desculpas caso deixe de falar sobre alguns.

Com relação às assinaturas de portarias, efetivamente, nós temos portarias represadas. Eu assumi a Comissão de Anistia como Diretor e Presidente em dezembro do ano passado.

E nós já tínhamos um volume grande de portarias que precisavam ser analisadas pelo Ministro. Como o Dr. Virginius bem lembrou aqui, a Lei nº 10.559, de 2002, diz que quem decide sobre os requerimentos de anistia é o Ministro.

Até pouco tempo atrás, tínhamos um cenário em que essas portarias eram assinadas na linha do que a Comissão falava. De um tempo para cá, houve uma análise diferenciada desses requerimentos, e nós passamos a ter indeferimentos ou manifestações, decisões do Ministro, contrárias ao que a Comissão sugeria.

O que eu quero dizer com relação aos processos que estão pendentes é que nós estamos, na medida do possível - dentro das agendas, principalmente do Ministro -, tentando levar os processos para que ele tenha condições de analisá-los e de tomar a decisão dele. Temos um cronograma para levar processos para ele, e o nosso objetivo é tentar vencer esse cronograma. Efetivamente eu não posso dizer para os senhores como é que vai ser a decisão, na medida em que a própria lei estabelece que é o Ministro quem toma essa decisão.

Vou falar sobre o que foi dito a respeito de delegações ao Secretário Executivo. Na verdade, ele assinou portarias em períodos em que o Ministro esteve ausente do País. Ele assinou efetivamente como Ministro substituto, de acordo com a competência estabelecida por lei.

Sobre a questão do pedido de desculpas, que eu sei que é muito importante para todos os requerentes, todas as famílias, todas as pessoas que viveram esse momento muito triste da nossa história, eu concordo. Não há dúvida de que esse pedido deve ser feito. O que se discutiu - por isso se levou o assunto à Comissão de Anistia, a uma reunião administrativa, para ser debatido com os conselheiros - foi efetivamente sobre o momento de se fazer esse pedido.

Nós sabemos que num momento anterior, recentemente, a Comissão fazia isso durante as sessões. A Comissão emitia, fazia a análise do requerimento, entendia pelo deferimento da condição de anistiado político, levantava-se e efetivamente fazia o pedido de perdão. A Rosa esteve lá. Nesses momentos, nós discutimos e conversamos sobre essa questão. Mas por que o assunto foi levado a uma conversa no âmbito da Comissão de Anistia? Obviamente, pela reclamação que todos os senhores estão trazendo aqui. Tem havido uma mudança de entendimento. O Ministro tem indeferido decisões ou análises feitas pela Comissão de Anistia. Imaginem os senhores o que foi conversado.

(O Sr. Presidente faz soar as campainhas.)

O SR. PAULO HENRIQUE KUHN - A Comissão de Anistia analisa, entende pelo deferimento da anistia política, e é feito um pedido de perdão. As pessoas se emocionam e revivem todo aquele passado. E nós podemos ter ou não essa decisão mantida num momento seguinte.

Isso foi debatido no âmbito da Comissão. Entendeu-se que é necessário, sim, o pedido de desculpas do Estado. O Estado tem que pedir desculpas, mas a pessoa adequada para pedir essas desculpas é o Ministro da Justiça, quando toma a decisão pelo deferimento da Comissão de Anistia.

Isso foi discutido e debatido no âmbito da Comissão. Evidentemente, alguns conselheiros entenderam que deveria ser mantido o ritual.

Para se evitar mais trauma, mais uma situação em que houvesse o deferimento no âmbito da Comissão de Anistia - cria-se uma expectativa pelo deferimento do pedido de perdão - e na sequência a possibilidade de indeferimento, a Comissão resolveu adotar uma postura diferente: deferir a concessão de anistia política e sugerir ao Ministro - porque a Comissão, como está na lei, é um órgão de assessoramento do Ministro - que faça o pedido de desculpas no caso de deferimento do pedido de anistia política.

Então, foi esse o entendimento, foi essa a discussão que nós tivemos no âmbito da Comissão.

Em algum momento, alguém comentou sobre processos que estariam indo para os militares da Comissão. Eu posso estar bastante enganado e não conhecer o histórico de todos os conselheiros, mas eu acho que só há um militar na Comissão de Anistia, que é o representante do Ministério da Defesa. A lei prevê que a Comissão de Anistia tenha um representante do Ministério da Defesa e um representante dos requerentes, dos anistiandos.

Então, efetivamente, há previsão na lei para esse representante militar. Trata-se do Conselheiro Henrique, que tem um suplente, que é o Conselheiro Dalcin. Quando o Conselheiro Henrique não vai, o Conselheiro Dalcin vai. Eu não me recordo, sinceramente, mas, se houver algum outro militar na Comissão, alguém me ajude. Mas me parece que não há outro militar na Comissão de Anistia.

(O Sr. Presidente faz soar as campainhas.)

O SR. PAULO HENRIQUE KUHN - E posso garantir mais aos senhores. Não há direcionamento de processos dentro da Comissão de Anistia, para que determinado processo caia com o relator tal ou com outro relator. Os processos são distribuídos depois que nós confirmamos quem são os conselheiros que vão estar presentes na sessão do mês. Temos a lista de processos e fazemos a distribuição, não havendo nenhum direcionamento. Processo de militar pode cair com o militar representante do Ministério da Defesa, mas ele não vai para o militar; vai se for distribuído no sorteio que fazemos. Temos tido muito esse cuidado. Eu falo isso olhando para todos os senhores, com a maior tranquilidade. Nós não estamos direcionando processos, não estamos orientando os conselheiros como devem opinar, como devem analisar os processos. E falo tranquilamente, porque o que eu estou falando aqui todos os conselheiros vão saber. Nenhum deles pode vir aqui dizer aos senhores que estamos orientando como é que cada conselheiro tem que se manifestar.

Os conselheiros se manifestam livremente, da forma como entenderem, de acordo com a análise dos requerimentos que são apresentados pelos senhores.


Faltou alguma coisa?(Pausa.)

O SR. PAULO HENRIQUE KUHN - Sim, Sr. Luciano, diga. É sobre o seu assunto, não é? O seu assunto eu incluí naqueles casos do início...

(Intervenção fora do microfone.)

(Intervenção fora do microfone.)

O SR. PAULO HENRIQUE KUHN - Não há problema, é só o senhor requerer lá que eu o recebo. Nós já estivemos juntos três vezes, se eu não me engano, e não há problema. Nós estamos aqui para tentar solucionar as questões, mas é difícil falar especificamente sobre seu processo, porque aí todas as outras pessoas...

(Intervenção fora do microfone.)

O SR. PAULO HENRIQUE KUHN - Sim.

O SR. DOMINGO FERNANDES PIMENTA - Sr. Presidente, sou Domingos Fernandes Pimenta, representante da Comissão de Anistia da FENTECT.

Faltou o senhor responder quanto à representação legal das entidades sindicais com relação aos processos que se encontram dentro da Comissão, uma vez que não houve nenhuma notificação legal, a Federação e os seus representantes não foram notificados de que não podem representar os trabalhadores que foram perseguidos no período da lei, da ditadura e das greves que ocorreram.

É essa a questão.

O SR. PAULO HENRIQUE KUHN - O.k., Pimenta. Eu tinha, na minha cabeça, incluído esse assunto como de interesse de vocês. Nós já conversamos sobre isso, vocês estiveram lá conversando conosco, o assunto foi...

O SR. DOMINGO FERNANDES PIMENTA - Só não me foi respondido nem notificado após a reunião. Foi por isso que eu coloquei em súmula o fato.

O SR. PAULO HENRIQUE KUHN - É, mas você lembra que eu lhe disse que a gente encaminharia o assunto para a consultoria jurídica, que não era nada pessoal, era uma questão de direitos.

Desculpe se alguém não se interessar sobre esse assunto, eu vou entrar um pouquinho nele, mas eu sugiro que a gente converse lá. Eu lhe mostro, acho que já chegou, a manifestação da consultoria jurídica.

Mas, vejam, cada um dos senhores entrou com um requerimento. Cada um dos senhores entrou com um requerimento. Algumas pessoas querem que uma associação as represente, ou indicaram um advogado, ou indicaram um representante. Outras pessoas não querem que os fatos que estão dentro do processo apareçam, sejam divulgados; querem que fiquem restritos à Comissão. Nós temos requerentes com todo tipo de interesse.

E, mais juridicamente falando, o interesse que se está discutindo nesses processos é um interesse individual. E aí nós temos lá uma legislação que diz que o interesse é individual, que não poderia uma associação representar os requerentes de forma ampla, geral.

O que eu quero dizer para os senhores é que nós também temos esse cuidado. Nós temos uma série de demandas, via Lei de Acesso à Informação, para ter acesso a vários processos, senhor. E nós negamos, a não ser que seja o próprio interessado. Ele tem acesso direto ao processo quando entra no sistema, mas existem vários processos em que temos demanda, negamos. Por quê? Há uma contradição aí: ao mesmo tempo em que todos esses fatos deveriam aparecer para que fossem expostos e isso ficasse registrado e não acontecesse mais, também temos a cautela de cuidar do interesse de cada um, à medida que muitas pessoas não querem a exposição desses fatos que aconteceram.

Querem, sim, buscar o reconhecimento da sua anistia política, a sua reparação, querem buscar justiça. Mas nós temos requerentes que vão depor na Comissão e têm dificuldade, não querem falar sobre o que efetivamente aconteceu, como aconteceu, como foi a tortura que sofreram. Então, cuidadosos com essa situação, nós procuramos ter muita cautela.

Mas, Pimenta, vamos lá, vamos conversar.

O SR. DOMINGO FERNANDES PIMENTA - Permita-me, Sr. Presidente, só indagar ao senhor e colocar aqui para todo o Plenário que a grande maioria aqui é representada por associações e entidades sindicais.

O SR. PAULO HENRIQUE KUHN - Mas as associações podem disponibilizar advogado para fazer essa representação, está perfeito, não há problema algum.

O SR. DOMINGO FERNANDES PIMENTA - Permita-me, Dr. Paulo Kuhn, só perguntar justamente sobre a questão do direito legal que o senhor alega com relação aos processos. Uma vez ingressados os processos no julgamento, o julgamento é administrativo, não é um julgamento no tribunal.

Então, nessa questão, quando a gente reclama como entidade sindical - a federação dos trabalhadores e os perseguidos dos Correios -, a gente reclama pelo distanciamento e pela não colocação prévia de antecedentes para vários trabalhadores que estão nos longínquos rincões do País, de onde não têm condições de vir para o julgamento. Por isso é que foi instalada a nossa Comissão de Anistia da FENTECT, a primeira comissão de anistia a defender nacionalmente os trabalhadores e os perseguidos. É por isso que eu estou falando com o senhor.

Muito obrigado.

O SR. PAULO HENRIQUE KUHN - Perfeito, eu compreendo a situação, a gente sabe disso. Na nossa regra interna, a gente tem que disponibilizar, publicar a pauta 3 dias antes da sessão. A gente está tentando ao máximo distribuir os processos com a maior antecedência possível aos conselheiros, para que eles tenham condição de fazer uma boa análise dos processos, e também publicar essa pauta com a maior antecedência possível.

Nós estamos fazendo esse esforço. Agora, existem entraves internos, nós sabemos disso, você sabe disso.

O SR. DOMINGO FERNANDES PIMENTA - Então o senhor há de convir que, com 3 dias de antecedência, nem os conselheiros que o senhor traz para fazer os julgamentos têm condições de estar presentes, muito menos aqueles que foram perseguidos.

O SR. PAULO HENRIQUE KUHN - Não, isso é a pauta, é a publicação da pauta. Os conselheiros, eu sei bem antes os que vêm.

O SR. DOMINGO FERNANDES PIMENTA - Muito obrigado.

O SR. PAULO HENRIQUE KUHN - Está bem, obrigado.

Acho que era isso.

O SR. COORDENADOR (Marcio Marques de Araujo. ) - Por gentileza, nós temos que encerrar agora.

Eu quero agradecer a presença de vocês.

A seguir o Capitão Wilson vai ter uma reunião fechada aqui com vocês. Nós conseguimos manter o plenário disponível mais um pouco, mas agora a gente tem que encerrar a reunião.

Desculpem-nos se não houve tempo desejável para todo mundo, mas, em seguida, vocês encaminham as demandas que houver através desta reunião, inclusive com a ajuda da Comissão de Direitos Humanos, para a Comissão de Anistia.

Declaro encerrada a reunião.(Palmas.)

QUARTO SEM ÁUDIO