CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sessão: 0668/08 Hora: 14:39 Fase:
Orador: Data: 14/05/2008



DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO


NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES


TEXTO COM REDAÇÃO FINAL


COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS EVENTO: Audiência Pública N°: 0668/08 DATA: 14/05/2008 INÍCIO: 14h39min TÉRMINO: 18h27min DURAÇÃO: 03h47min TEMPO DE GRAVAÇÃO: 03h47min PÁGINAS: 82 QUARTOS: 46



DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO


PAULO ABRÃO PIRES JUNIOR - Presidente de Anistia do Ministério da Justiça. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Tenente e ex-chefe de grupo de combate. RAIMUNDO ANTÔNIO PEREIRA - Ex-soldado do 52º Batalhão de Infantaria de Selva - BIS. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - Ex-soldado do 52º Batalhão de Infantaria de Selva- BIS. MANOEL LEAL LIMA - Camponês que atuou como guia do Grupo de Combate do Exército na região de guerrilha. LÚCIA REGINA DE SOUZA MARTINS - Ex-guerrilheira do Destacamento A da Guerrilha do Araguaia. MYRIAN LUIZ ALVES - Jornalista e pesquisadora da Guerrilha do Araguaia. CRIMÉIA ALICE SCHMIDT DE ALMEIDA - Ex-guerrilheira. NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO - Representante da Ordem dos Advogados do Brasil. ELMO SANTOS SAMPAIO - Soldado da Guerrilha do Araguaia. MARIZETE GOUVEIA DAMASCENO SCOTT - Representante da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia da 1ª Região. ZEZINHO DO ARAGUAIA - Ex-guerrilheiro da Guerrilha do Araguaia.



SUMÁRIO: "Guerrilha do Araguaia" - atualizando informações sobre os desaparecidos políticos.



OBSERVAÇÕES


Houve intervenções fora do microfone. Inaudíveis. Há palavras ininteligíveis. Houve exibição de imagens. Há falha na gravação. Houve exibição de vídeo.


O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Declaro abertos os trabalhos da presente audiência pública, que tem por finalidade debater o tema Guerrilha do Araguaia. O objetivo é atualizar informações sobre os desaparecidos políticos, em atendimento a requerimento que apresentei nesta Comissão, aprovado unanimemente pelos colegas Parlamentares da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

O episódio histórico foi um conjunto de operações guerrilheiras iniciado em 1966, tendo seu fim sido declarado em 1974.

O PCdoB organizou o movimento político de implantação da guerrilha rural na região do Rio Araguaia, próximo à fronteira entre os Estados do Pará e Tocantins, área da floresta amazônica conhecida como Bico do Papagaio.

A intervenção das Forças Armadas naquele período de ditadura militar deixou um saldo de 59 guerrilheiros mortos e um número ainda incerto de camponeses desaparecidos, tendo-se caracterizado pelo emprego generalizado da tortura e do extermínio e pelo desaparecimento dos corpos dos guerrilheiros e camponeses capturados.

A despeito das versões, perduram dúvidas que ainda causam sofrimento às famílias dos desaparecidos, privadas do direito de sepultar seus mortos.

Dando início aos trabalhos, convido para compor a Mesa desta nossa audiência pública o tenente da reserva José Vargas Jiménez, ex-chefe de um dos grupos de combate; o Sr. Nélio Roberto Seidl Machado, representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e relator, na OAB, do processo sobre a abertura dos arquivos do Araguaia; o Dr. Paulo Abrão Pires Junior, Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, que já está aqui na mesa, ao meu lado, para nossa honra; o Sr. Raimundo Antônio Pereira, ex-soldado do 52º Batalhão de Infantaria da Selva - BIS; o Sr. Lorivan Rodrigues de Carvalho, ex-soldado do 52º Batalhão de Infantaria da Selva - BIS; o Sr. Manoel Leal Lima, camponês que atuou como guia do grupo de combate do Exército na região da Guerrilha; a Sra. Lúcia Regina Martins de Souza, ex-guerrilheira do Destacamento do Ar da Guerrilha do Araguaia; a Sra. Myrian Luiz Alves, jornalista e pesquisadora da Guerrilha do Araguaia.

Sejam todos bem-vindos.

Esclareço que o tempo concedido a cada um dos expositores será de no máximo 15 minutos. Após a exposição, será concedida a palavra aos Deputados presentes, respeitada a ordem de inscrição. Cada Deputado inscrito terá o prazo de 3 minutos para tecer suas considerações ou pedir esclarecimentos, dispondo os expositores do mesmo tempo para resposta.

Esclareço que esta reunião está sendo gravada, para posterior transcrição. Por isso, solicito aos senhores que falem ao microfone.

Dando continuidade aos trabalhos, concederei a palavra aos nossos convidados. Tenho aqui um apelo do Dr. Paulo Abrão Pires Junior, Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, que assessora de forma muito competente o Ministro da Justiça, Tarso Genro, que está na Comissão ao lado - aliás, onde eu também deveria estar, mas não podemos estar nas duas ao mesmo tempo.

Deputado Pedro Wilson, seja bem-vindo.

Concederei a palavra primeiramente ao Sr. Paulo Abrão Pires Junior, porque S.Sa. vai ter de ausentar-se quando houver a solicitação da sua presença pelo Ministro Tarso Genro.

Está com a palavra o Sr. Paulo Abrão Pires Júnior, Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, por no máximo 15 minutos.

O SR. PAULO ABRÃO PIRES JUNIOR - Boa tarde a todos. Cumprimento os demais membros da Mesa, na pessoa do nosso Deputado Pompeo de Mattos, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

É a segunda vez que aqui estamos, em menos de 15 dias, em razão desta boa sinergia e parceria que a Comissão de Direitos Humanos, junto com a Comissão de Anistia, tem estabelecido com a finalidade maior de promover esse direito, essa dívida política do Estado brasileiro em relação aos perseguidos políticos dos nossos regimes autoritários.

Quero fazer um cumprimento especial ao Zezinho do Araguaia, à Criméia e à Laura Petit, que estão conosco, pessoas que são referência na luta que envolve o episódio que estamos aqui tratando nesta tarde de hoje, de forma tão importante. São referência para todos os brasileiros que acreditam numa sociedade mais justa e igualitária. Não se conformaram quando as vestes do autoritarismo se difundiram de forma, muita vezes, aética e foram incorporadas por parcelas da nossa sociedade. Isso acabou resultando no sofrimento de uma significativa parte de brasileiros.

Hoje, muito particularmente, é um dia muito importante para nós, que somos defensores da anistia, que ainda não é uma anistia concluída no País. Enquanto o último perseguido político brasileiro não tiver recebido o reconhecimento oficial do Estado, o pedido de desculpas em razão das perseguições que sofreu, não teremos uma democracia consolidada em nosso País.

Hoje, há menos de uma hora, tivemos, na Comissão de Anistia, o julgamento do requerimento de ninguém mais do que Elza Monnerat, uma companheira de luta de alguns que aqui estão. Acabamos de julgar o requerimento, e Elza Monnerat foi declarada anistiada política brasileira pela Comissão de Anistia.

Amanhã, na sede do terreno da UNE, na praia do Flamengo, no prédio histórico que foi incendiado na época da ditadura militar, faremos a Caravana da Anistia. Ali o Ministro da Justiça, pessoalmente, assinará a portaria de anistia política de Elza Monnerat e entregará aos seus familiares o pedido de desculpas oficiais do Estado. É bem pertinente que hoje isso tenha ocorrido em razão de a Elza ter sido também uma das principais personagens, especialmente na fase de formulação e na fase inicial do episódio da Guerrilha do Araguaia.

Em segundo lugar, também na data de hoje, foi publicada portaria do Sr. Ministro de Estado da Justiça instituindo um grupo de trabalho e determinando a construção e implementação do Memorial da Anistia Política no Brasil. É o ato normativo que faltava como decorrência do projeto do Memorial que construímos juntamente com as diferentes associações dos anistiandos e dos anistiados políticos brasileiros. É uma meta ainda dentro do Governo do Presidente Lula podermos consolidar esse espaço físico que possa servir como exemplo de preservação da nossa memória, a fim de que os fatos do passado não se repitam mais.

Para esse Memorial tivemos a grata satisfação de ter recebido a primeira doação de documentos das mãos do Deputado Pompeo de Mattos, nesta mesma Casa, uma doação feita pela Comissão de Direitos Humanos à Comissão de Anistia. Esse será o primeiro documento que integrará esse Memorial, cuja portaria de instituição foi publicado no Diário Oficial de hoje.

Realmente, apresento minhas desculpas, pois eu e o Sr. Ministro da Justiça sairemos às 15 horas para a Base Aérea, visando ir ao Rio de Janeiro para fazermos essa Caravana da Anistia, na sede do terreno da UNE, e essa homenagem à hoje declarada anistiada política Elza Monnerat. A solenidade contará com a presença não só do Presidente Nacional da OAB, mas também do Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, e da Presidenta da UNE.

Cumprimento a Conselheira Beatriz Bargieri, que aqui chegou, Conselheira da Comissão de Anistia, que também tem colaborado nos trabalhos que a Comissão tem implementado no assunto que envolve a Guerrilha do Araguaia.

Qual é o papel da Comissão de Anistia e onde nos inserimos em relação à Guerrilha do Araguaia?

O fato concreto é que a Comissão de Anistia recebeu nada mais, nada menos do que 262 requerimentos de anistia de brasileiros e brasileiras que, de alguma forma, presenciaram, participaram, sofreram as agruras ou estiveram relacionados direta ou indiretamente com o episódio da Guerrilha do Araguaia. São requerimentos de diferentes naturezas, de pessoas que relatam terem sofrido torturas e prisões em razão da repressão que o Estado brasileiro promoveu nas diferentes operações na época do combate à própria Guerrilha do Araguaia. Essa repressão foi realizada pelas Forças Armadas, às vezes de forma oficial, às vezes de forma oficiosa. E também há requerimentos de uma série de moradores que se envolveram em episódios de constrangimento em razão das diferentes buscas que as Forças Armadas brasileiras promoviam na "caça", entre aspas, ou na caça mesmo aos militantes pertencentes à Guerrilha do Araguaia.

Nesse trabalho, a partir destes 262 requerimentos, a Comissão de Anistia entendeu que não poderíamos nem tínhamos condições objetivas para apurar as informações que foram trazidas nos diferentes requerimentos de anistia com base meramente em informações documentais. Em primeiro lugar, porque sabemos que boa parte dos documentos oficiais das nossas Forças Armadas relativamente ao período ainda não foi trazida à tona. E todos nós também sabemos que a forma de repressão que ocorreu em relação a boa parcela dos moradores da região por vezes não foi devidamente registrada.

Então, entendeu a Comissão de Anistia que a produção de provas para se poder fazer a efetiva instrução dos requerimentos de anistia e se averiguar a veracidade dos fatos que lá estão seria colhermos in loco, direta e pessoalmente, depoimentos dos moradores da região, para que, a partir da colheita desses depoimentos, pudéssemos cruzar com depoimentos que eles já prestaram ao Ministério Público Federal, com depoimentos que já prestaram a uma boa parte dos nossos historiadores e pesquisadores que se dedicam à temática do Araguaia e com outros depoimentos que eles já prestaram por vezes aos nossos jornalistas nos diferentes meios de comunicação brasileira.

Do entrecruzamento das diferentes informações que a Comissão de Anistia tem recolhido, a nossa perspectiva é a de que, após essa fase de instrução processual desse requerimento, tenhamos os elementos e os dados objetivos para se poder comprovar as informações que são trazidas, os diferentes relatos que são trazidos.

A Comissão de Anistia, de uma forma inédita, saiu das 4 paredes do Palácio da Justiça, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e foi a campo pessoalmente, com seus conselheiros, à região do Araguaia. Lá, com o apoio da Associação dos Torturados do Araguaia, promovemos duas audiências públicas, uma em setembro do ano passado, onde tivemos oportunidade de ouvir 131 moradores, e agora, em abril deste ano, estivemos novamente na região e conseguimos ouvir mais 120 moradores, que quiseram prestar seus relatos e depoimentos sobre os episódios em relação à Guerrilha do Araguaia, não somente direcionados à instrução de seus processos de anistia, mas muitas vezes também prestando informações que eles tinham em relação às histórias que ocorreram em suas respectivas vidas. Ou seja, nos relatos que temos dentro da Comissão de Anistia desses moradores, a história é contada do ponto de vista de quem foi perseguido; a história é contada, de forma detalhada, por parte daqueles que sofreram as conseqüências da repressão que o Estado brasileiro promoveu no combate à Guerrilha do Araguaia. E, nessa repressão, o Estado atingiu uma centena de brasileiros de modo direto ou indireto, na tentativa por vezes de forçá-los a colaborar na busca aos guerrilheiros e, em outras vezes, em forma de interrogatórios bárbaros, sob tortura física, visando à prestação de informações para que pudesse facilitar o trabalho das diferentes operações que ocorreram naquela época, entre 1972 e 1975.

A Comissão de Anistia, a partir desses relatos, conseguiu sistematizar uma série de situações diferentes entre os requerentes. Há aqueles requerentes que alegam terem sido forçados a colaborar com as Forças Armadas na busca aos guerrilheiros. Há os que reconheceram oficialmente que não foram forçados, que receberam ajuda do Estado, por vezes até uma certa remuneração ou, ao final de tudo, receberam terras do INCRA para poderem colaborar na caça aos guerrilheiros. Há também aquele outro conjunto de brasileiros, de requerentes que foram, por vezes, interrogados e presos, que tiveram suas famílias presas para prestarem informações; que foram torturados ou levados a prestar serviços forçados em prisões, em Bacaba, em Xambioá e em outras prisões; que prestaram para o Exército, para as Forças Armadas, serviços forçados de limpeza de prisões. E há outros relatos muito dolorosos. Até hoje as pessoas que lá estão têm isso muito forte em sua memória, porque, evidentemente, marcou muito toda aquela comunidade.

Então, a nossa avaliação dessa atividade de promoção de oitiva para instrução dos processos é muito positiva, porque o Estado brasileiro esteve lá oficialmente, por meio do seu Poder Executivo - já havia estado o Ministério Público Federal -, a fim de ouvir as histórias daquelas pessoas. Hoje temos um conjunto de informações muito ricas. Evidentemente, muitos desses relatos são repetitivos, já prestados a outros desses organismos aos quais já fiz referência.

Acho que esses depoimentos que colhemos podem subsidiar não só os estudos das pesquisadoras, mas também a Comissão de Mortos e Desaparecidos da Secretaria Especial de Direitos Humanos, pois nesses depoimentos há informações que podem, de alguma maneira, colaborar na localização dos corpos daqueles que foram mortos e dos desaparecidos no episódio da Guerrilha do Araguaia. Eles podem contribuir também para se fazer um cruzamento dos depoimentos prestados agora em 2008 com os depoimentos prestados pelos mesmos personagens em 2001 ou em outras vezes, quando foram ouvidos por pesquisadores, por jornalistas e pelo Ministério Público Federal ou em outras atividades que a Secretaria Especial de Direitos Humanos já promovera, quando do reconhecimento oficial do Estado brasileiro em relação a alguns mortos e desaparecidos na ditadura militar. E isso desembocou na publicação de glorioso e memorável livro, cujo lançamento ocorreu recentemente e contou com a presença, inclusive, do nosso Presidente da República.

Gostaria de trazer essas informações e dizer que não tive condições de preparar esse material hoje porque a visita lá foi muito recente. A Secretaria Especial de Direitos Humanos participou conosco - o Pedro está aqui. Faço questão de registrar a participação fundamental da Secretaria Especial de Direitos Humanos na ajuda à Comissão da Anistia para elucidação desses fatos. Também contamos com a presença de uma conselheira da Comissão de Mortos e Desaparecidos, a Diva Santana, ajudando a Comissão de Anistia nessa tarefa.

Para os fins precípuos dessa Comissão, que tem como objetivo apurar os fatos relativos à Guerrilha mas também colaborar na localização dos corpos que até hoje ainda não vieram à tona, temos todos os depoimentos que colhemos, seja em setembro, seja agora recentemente, em abril. E eu vou encaminhar oficialmente ao Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Deputado Pompeo de Mattos, a integralidade desses depoimentos que colhemos.

Entre eles há o depoimento do Seu Manoel, que está aqui e também vai falar. São depoimentos muito precisos e não há razão nenhuma, por parte do Estado brasileiro, para desmerecer as afirmações que ali estão postas. Essas informações estão sendo cruzadas. Todos os depoimentos foram gravados e todas eles mantêm uma coerência na ligação, nos nexos de causalidade entre as informações prestadas por um ou outro morador daquela região.

Evidentemente, a Comissão de Anistia terá um desafio muito grande para apreciar caso a caso, para averiguar a concretude. Há dificuldade especialmente na situação dos guias e mateiros. A Lei de Anistia foi criada para indenizar perseguidos políticos e sabemos que alguns personagens cumpriram papel de perseguidor. Em relação a esse desafio a Comissão terá, de forma autônoma, a grande responsabilidade e o dever de tomar uma decisão, tentando, inclusive, fazer uma diferenciação do contexto em que as pessoas foram levadas a colaborar com as Forças Armadas na busca aos guerrilheiros. Realmente, acredito que essa vai ser a situação mais delicada. Nós sabemos que há uma posição radicalmente contrária a qualquer tipo de anistia a esse grupo de requerentes, independentemente das condições. Outros entendem por uma posição dependendo do contexto. Já outros entendem que deve ser dada, sim, anistia a eles em razão do próprio desconhecimento da situação ou da incapacidade de discernimento político sobre o que estava ocorrendo ou pelo fato de o Estado tê-los obrigado a colaborar. Existem posições distintas, não vou relatar cada uma, e a Comissão de Anistia, nesses casos específicos, terá de tomar uma decisão e saber defender essa posição na época do julgamento desses requerimentos.

Nesses 262 requerimentos já se incluem 17 requerimentos que são de guerrilheiros, um deles julgado hoje, da Elza Monnerat, e pelo menos 53 moradores que admitem terem sido guias de algum modo e outros 13 que, além de admitirem que foram guias, admitem também que receberam terras do INCRA como forma de pagamento pela colaboração com as forças militares durante a repressão à Guerrilha do Araguaia. Estamos cruzando esses dados com uma declaração oficial que solicitamos ao INCRA sobre todos os beneficiários da região com terras à época, sob o pano de fundo da promoção da reforma agrária naquela região.

Entre outros relatos, para poder finalizar e cumprir o meu tema, apenas para que as pessoas tenham idéia do nível de informações que colhemos, citamos, por exemplo, o depoimento do Sr. Salvador Gonçalves da Silva, que relata que lembra especificamente do Capitão Valdir distribuindo cerveja comemorando a morte do Osvaldão; que ele viu o Simão ser preso; que andavam pela estrada com o Simão capturado e pousaram na sua casa para descansar antes de levar para a base. Especificamente, que ele viu o Simão sendo levado com as roupas rasgadas, que, embora não o tenha visto morto, presenciou testemunhalmente a prisão dele.

Temos o depoimento da Dona Rita Moraes Ribeira, que relata ter visto muita gente sendo presa, como o Piauí, na mata próxima a Fortaleza. Diz que viu a caveira do Zé Carlos no castanhal da lagoa. Disse que tempos depois, quando cavava no castanhal, encontraram ossos de braços e pernas; que a área fica próxima do Igarapé Jacu. Que ela viu a Rosinha quase morta, amarrada dentro de um jipe que pertencia a Jacó, que era Prefeito, mas já faleceu.

Entre outros relatos, vou ser bem rápido, porque depois vou entregar a totalidade dos dados para a Comissão, há o relato da Sra. Francesca Morais, que viu a Rosinha na casa do Seu Jacó, ex-Prefeito de São Domingos - essas informações batem com o relato anterior -, de onde saiu presa e levada para Bacaba; que o Piauí e o filho de uma vizinha de nome Joana foram presos no sítio; que separaram os 2 e cada um foi colocado em um saco, ainda vivos, e posteriormente em um carro.

Temos ainda, entre outros, o depoimento do Sr. Abel, o Abelinho, que todo mundo sabe que é um dos personagens mais notórios, que no dia de Natal, de 1973, ele diz que acompanhava o Exército quando encontrou o Velho Mauro, o Pedro Gil, o Paulo e o Amauri, que foi testemunha e participou; que eles foram mortos de imediato; que essa morte ocorreu no Grotão dos Caboclos, na altura do Saranzal; que estavam mal vestidos e em posição de vigilância; que foram mortos com fuzil FAO. Ele dá esses detalhes. Diz que os corpos foram levados de helicóptero, não sabe para onde; que o Exército chegava e já ia matando. É o testemunho de um homem que participou diretamente. Que depois disso encontrou o Peri na Grota da Lima; que os militares pegaram o Peri e chegaram atirando; que o helicóptero sapão recolheu o corpo do Peri; que a equipe era formada por pára-quedistas; que chamavam o depoente de rastreador; que participou de várias missões; que foi para São Domingos tentar localizar o Joaquim e o Paulo; que essa equipe era do Sargento Santa Cruz; que encontrou os 2 à noite e o Joaquim conseguiu fugir; que o Paulo foi morto no local devido à ação rápida com o objetivo de eliminar o guerrilheiro; que o corpo foi recolhido para uma farinheira na área do Peixinho; que era guia; que foi ao encalço do Joaquim mas não conseguiu localizá-lo; que recebeu outras várias missões onde foi preso o Simão; que o Simão se entregou; que o Ari e o Simão foram para a mata; que o Manoelzinho das Moças guiava um grupo. E há, assim, outros relatos. Que o Sargento Rodrigues queria cortar o meio e metralhar no centro do corpo; que a Sônia ainda brigou um pouco; atirou na boca do Lício. Ele presenciou esses relatos que a maioria dos senhores conhece: que viu o João Goiano preso; que foi nas bases de Bacaba, Xambioá e Cascavel, e assim por diante.

Boa parte deles relata - essa denúncia é muito grave - que até hoje ainda sofre algum tipo de constrangimento, especificamente por parte do Curió, hoje uma autoridade constituída dentro daquele Estado como Prefeito, o que é muito grave. Acredito que esta Comissão e as autoridades brasileiras precisam tomar uma atitude mais concreta em relação a isso. Relatam que até hoje os homens dele ainda ficam pressionando, a fim de que eles não contem os episódios e não contem mais detalhes em relação às informações que possuem.

O Sr. Antônio Félix da Silva relata que, certa feita, viu o Exército buscar de helicóptero 3 presos vivos, e informa que poderiam ter sido, na lembrança dele, o Antônio, o Valdir e o Beto, em 21 de abril de 1974; que quando foram presos, os soldados que estavam junto informaram que eram os últimos que faltavam; que viu uma cova tripla, onde foram enterrados alguns guerrilheiros, e assim por diante.

Então, os relatos são esses, é a oportunidade para poder cruzar com outros depoimentos que essas mesmas personagens já fizeram em outros momentos, a fim de que nós possamos de algum modo colaborar nessa busca da verdade. Afinal de contas, nenhum de nós quer construir uma democracia cujas bases são desconhecidas. Nenhum de nós pode, ou deve. Afinal de contas, que democracia é essa que tem medo de conhecer o seu passado, que democracia é essa que tem medo de reconhecer a sua própria história?

A Comissão de Anistia presta essa colaboração neste momento, entrega à Comissão de Direitos Humanos da Câmara a integralidade dos depoimentos que lá colhemos. Nós temos a expectativa de, talvez em 3 meses ou 4 meses, talvez até menos, voltar àquela região para fazer o julgamento in loco dos moradores aos quais a instrução dos processos e a comprovação já esteja mais do que comprovada e que não haja nenhum tipo de questionamento em relação aos episódios que relatam, para que afinal de contas o Estado brasileiro, também para essas pessoas, possa promover a respectiva indenização, que não é uma benesse, não é uma bolsa, não é nenhuma concessão, nenhuma dádiva do Estado, mas, sim, um direito. E um direito constitucional, assegurado no nosso texto constitucional, e que deve ser aplicado e levado adiante, sob pena de nós rompermos um pacto efetuado pela sociedade brasileira à época da nossa transição democrática.

Muito obrigado pela oportunidade de estar aqui.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Muito bem. Quero agradecer ao Dr. Paulo Abrão Pires Júnior e parabenizá-lo pelo trabalho que vem fazendo na Comissão de Anistia. Dou esse testemunho em que pese estejamos aí só este ano à frente da Comissão de Direitos Humanos e já podermos ver de forma bem clara e transparente a atuação de V.Sa. à frente da Comissão. V.Sa. já demonstrou na Comissão de Anistia, tem demonstrado aqui na Comissão de Direitos Humanos, e esse relato que faço é absolutamente verdadeiro. Os fatos que se sucedem na Comissão depõem a seu favor. Então, dou esse testemunho.

Agradeço a V.Sa. e o parabenizo. Obviamente vamos receber esse documento. Eu não sei quando V.Sa. vai passá-lo a nós.

O SR. PAULO ABRÃO PIRES JÚNIOR - No início da semana.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - No início da semana, então, receberemos o documento. Para nós é bastante importante, porque queremos compilar um dossiê.

O SR. PAULO ABRÃO PIRES JÚNIOR - Eu espero. O pessoal está trabalhando na sistematização.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Não, mas uma semana, um pouco mais, um pouco menos não vai fazer diferença. Essa é a primeira audiência pública, que por sinal desencadeará outras audiências. Queremos avançar nessa questão do Araguaia. Assim como a Comissão de Anistia avança lá, nós podemos avançar aqui, e encontrar um bom caminho para esclarecer esse fato, que é histórico e que é emblemático na vida brasileira.

Quero fazer, antes de V.Sa se retirar - sei que tem um compromisso -, um apelo: que quando a Comissão de Anistia for ao Araguaia, nós, da Comissão de Direitos Humanos, fôssemos comunicados com antecedência, para designarmos alguém para lá comparecer, participar, testemunhar, acompanhar o julgamento. Não haverá nenhuma intervenção, em absoluto.

O SR. PAULO ABRÃO PIRES JÚNIOR - Nós convidamos, no ano passado, a Deputada Jô Moraes, que foi conosco. Este ano, chegamos a entrar em contato, mas com a mudança dos membros da Comissão, o pessoal não teve condições. Será um grande prazer. Estamos à disposição, Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Seria em que mês aproximadamente?

O SR. PAULO ABRÃO PIRES JÚNIOR - Talvez daqui a 3 meses. Nós ainda não temos a data fixada.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Nós aguardamos. A Comissão tem interesse em acompanhar de perto. Vamos aprofundar o debate sobre esse tema. A presença de representantes da Comissão neste momento em que a Comissão de Anistia lá atua vai ser bem interessante, bem importante.

V.Sa. precisa se retirar, mas não se preocupe, porque tudo que está sendo gravado será degravado e, então, documentado. Tudo o que o senhor disser será dito não só a quem aqui está, como a quem não está, a quem não veio, nem convidado foi, mas que, se interessado estiver, ficará sabendo, porque o senhor fala à Nação brasileira, pode ter certeza.

Já foi registrada aqui, mas quero enfatizar, a presença do Zezinho do Araguaia, presença sempre constante na Comissão, da Laura Petit, irmã da Maria Lúcia e do Jaime.

(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - É a única guerrilheira. Sou testemunha disso, até porque dialoguei bastante sobre aquele fato com o Badan Palhares numa CPI.

Então, representa a família Petit a Dona Criméia Almeida, mulher do André Grabois, e a conselheira Beatriz, que nos dá a honra também de sua presença. O Dr. Paulo Abrão Pires Júnior se retirou, mas a conselheira ficou.

O senhor vai falar com a presença da conselheira também da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Então, fala com alguém representante presente. Sinta-se convidada nossa, a sua presença aqui para nós é importante.

Os próximos a se manifestarem, segundo a lista, serão: o Tenente da reserva José Vargas Jiménez, chefe de um dos grupos de combate; soldado Raimundo Antônio Pereira; Lorivan Rodrigues de Carvalho, Manoel Leal Lima, Dr. Nélio Roberto Seidl Machado, representante da Ordem dos Advogados do Brasil, e, por fim, a jornalista Myriam Luiz Alves.

Obviamente, teremos espaço para questionamentos, dos colegas Parlamentares. Registro a presença dos Deputados Guilherme Menezes, Pastor Veloso, Cleber, Valverde, que estava há pouco conosco também, Luiz Couto, Pedro Wilson, Chico Alencar, além da nossa sempre Deputada - orgulhamo-nos muito de sua presença.

Tem a palavra o tenente da reserva José Vargas Jiménez, ex-chefe de um dos grupos de combate da guerrilha do Araguaia.

(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Desculpem-me. Está presente também o Deputado Manoel Ferreira.

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Sr. Presidente, integrantes da Mesa, plenário, boa tarde.

Sou tenente da reserva: Tenente Vargas. Na época da guerrilha, trabalhei com o Curió. Era terceiro sargento, com um curso de guerra na selva, COSAC, hoje CIGS, Centro de Instrução de Guerra na Selva. Graças a esse curso, estou vivo aqui falando com os senhores.

Sou o primeiro combatente que resolveu falar. Escrevi um livro. Posteriormente, ao escrever esse livro, lancei-o em novembro lá em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. E agora, em 31 de março, o Dr. Asdrúbal, o Coronel Ulisses Maciel também resolveu. E depois que eu lancei, também o Curió vai lançar em agosto. Então, acredito que esses 3 livros vão servir muito para essas comissões de anistia encontrarem o que estão procurando.

O meu livro é a verdade, tem documentos inéditos, secretos, que ninguém tem, até hoje ninguém publicou. Só eu tenho esses documentos confidenciais. Tenho o plano do Partido Comunista do Brasil, que queria impor o regime à força ali na região do Araguaia - o documento consta do meu livro. Durante 4 anos estudaram a região para isso.

Por causa desse livro, antes de lançá-lo, meus companheiros de farda me diziam: "Você é louco. Você é maluco. O Exército vai te punir, vai te prender. Isso aí é uma nitroglicerina pura, isso é uma bomba". Após o lançamento do livro, o Exército, o Comando Militar do Oeste, abriu uma sindicância e me intimou. Fui lá depor. Queriam saber baseado em que eu havia publicado esse livro. Resumindo: não deu em nada, só me ouviram. Confirmei onde consegui os documentos secretos, e arquivaram o processo. Acredito que foi pro forma, porque o próprio coronel que me inquiriu, um capitão, de testemunha, uma advogada do Comando Militar do Oeste e o sargento escrivão admiraram-se por eu ter tido a coragem de lançar esse livro.

Quarta-feira passada, estive na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. Trouxe alguns livros para quem quiser adquirir. Muitas respostas às perguntas que me fazem estão no livro. Trouxe alguns exemplares, quem quiser adquiri-los, pode pegar, depois, comigo.

Então, tenho os documentos originais e aqui estão anexadas as cópias. O nome do livro é Bacaba - Memórias de um Guerreiro de Selva da Guerrilha do Araguaia. Participei da guerrilha desde a sua preparação. Eu e outros elementos de guerra na selva preparamos 60 combatentes da 8ª Região Militar em Clevelândia do Norte. Tudo isso que estou resumindo aqui consta do meu livro. E os outros 60 foram treinados no COSAC, curso que fiz naquele ano, em 1973 - Centro de Operações na Selva e Ações de Comando. Portanto, desde setembro, a preparação para podermos ir para lá, até quando fui evacuado da região, em 27 de fevereiro de 1974, por problemas particulares. E já estava desmantelada a guerrilha, os guerrilheiros já não andavam em grupos; andavam em duplas ou um e outro perdido na mata. Caçar guerrilheiro na mata é como se procurar agulha no palheiro.

Eis a dedicatória do meu livro: "Este livro é dedicado a todos os militares que morreram na guerrilha do Araguaia defendendo a Pátria contra o Partido Comunista do Brasil, PCdoB, que queria impor à força, através da luta armada, o regime comunista no Brasil".

O meu livro, meus amigos, não é gratuito, porque não tive apoio de ninguém. Nem o prefácio ninguém quis fazer, com medo. A editora é do autor: é minha; não tenho editora, fiz tudo sozinho. Todos tinham medo de colocar o nome ou fazer alguma coisa no livro. Então, o livro custa 30 reais. Quem quiser adquiri-lo está ali.

Quando eu lancei o livro, o Coronel Dr. Asdrúbal, Coronel Lício Maciel mandou um e-mail e solicitou o livro. Eu mandei para ele. Ele não comentou nada. Quando saíram as reportagens no jornal O Estadão e no Jornal do Brasil, ele abriu um blog na Internet e me chamou de mentiroso, juntamente com um coronel aviador, Antônio Cabral, se não me engano. Aí, um companheiro do Paraná me ligou e falou: "Entra na Internet e veja". Aí, li que ele me chamava de mentiroso. Entrei e contestei. Falei que eu estava dizendo a verdade, que tinha documentos secretos como prova.

Vou me permitir ler o e-mail que ele enviou para mim, a resposta do Coronel Lício:

"Data: 27 de março de 2008.

Assunto: guerrilha.

De: Lício Maciel.

Para: José Vargas."

O meu codinome na guerrilha era Chico Dólar. Ninguém trabalhava com o nome verdadeiro lá.

"Em consideração ao seu passado de guerreiro de selva, volto ao assunto para alertá-lo sobre certos aspectos para que você não detone o seu reconhecido valor de combatente do Araguaia agraciado com a justa medalha."

Estou lendo isso, só uma ressalva, porque algumas perguntas que os senhores poderão fazer estão respondidas aqui.

"Desafio os comunas em geral que mostrem que a violência foi demasiada e que nós a começamos. Lembrai-vos de 35. Eles não lembram, não sabem de nada, são uns santinhos. Foi sempre assim. O esquartejamento a facão do jovem João Pereira de apenas 17 anos de idade na frente da família é fato sem precedentes na história de nossas guerras; foi a primeira amostra do que eram capazes. Todos os militares atingiram ou foram à traição. Não devemos esquecer também o triste episódio do sacrifício da cadelinha Coroa pelo valente comuna desertor Micheas e os inúmeros justiçamentos de companheiros, privilégio absoluto das esquerdas brasileiras. Está tudo lá no diário do Velho Mário e no Relatório Arroio. Tudo escrito por eles mesmos. Eles começaram o massacre e tiveram a devida resposta. Embora hoje eu ache que poderia ter sido dado um final mais rápido, é inteiramente justificável o problema, afinal, eles estavam fustigando o Exército, e não a Polícia.

Em nenhum país do mundo onde tenha ocorrido guerrilha as ações violentas ou estranhas foram praticadas só por um dos lados.

Depois de mais de 34 anos de terminada a luta, pretendem procurar os restos mortais dos guerrilheiros, apelando à Justiça. A sentença da Juíza Federal Solange Salgado não poderá ser cumprida, uma vez que os restos mortais dos desaparecidos não mais existem, e o Exército não faz mágica, além de não ser sua função procurar ossos na selva no sul do Pará.

Não é necessário refutar os propósitos humanitários de tal ação judicial, mas simplesmente mostrar que a selva não tem endereço. Nenhum dos que ali combateram teriam condição de ali voltar e reconhecer a área mais de 3 décadas passadas dos combates. Nada mais será encontrado, por obra e graça do tempo, que, implacável, destrói matérias e memórias.

Nós buscamos, resgatamos, lamentamos e sepultamos nossos heróis. Iremos sempre reverenciá-los com muito respeito e admiração. Se os guerrilheiros não fizeram o mesmo, as famílias que exijam explicações e compensação aos irresponsáveis chefes do PCdoB, muitos deles em altos cargos, muito bem remunerados, destruindo a Nação.

Depois de pelo menos 2 combates, o do dia 13 de outubro e o do dia 24 de outubro, ambos em 1973, em locais situados a menos de mil metros do acampamento do comandante da guerrilha Maurício Grabois, o Velho Mário, os guerrilheiros nem ao menos foram lá, mesmo insistentemente avisados por moradores. Lembro dos exemplos hoje sobejamente sabidos, provados. O João Araguaia, único sobrevivente do combate com o grupo militar da guerrilha comandado por André Grabois, foi preso e depois recolhido ao xadrez. Ao tentar tomar o fuzil da sentinela, foi morto por outro soldado. Os 2 corajosos soldados já prestaram essas declarações, a despeito das ameaças dos comunas, que continuam afirmando que ele foi assassinato e citam, marotamente, as infelizes declarações do Sargento Santa Cruz, que afirma que o viu vivo em Marabá na Casa Azul. Você sabe disso? O Nunes foi entregue quase morto e veio a falecer. Eles querem convencer de que o mataram, e assim por diante, num suceder de infâmias.

Você entregou prisioneiro por aí e não sabe o mais que lhe sucedeu. Será que os 5 guerrilheiros arrependidos que o General Bandeira conseguiu empregar no serviço público em Brasília, por intermédio do Ministro Jarbas Passarinho, o Piauí não é um deles? Foram declarados mortos para não serem justiçados, vivem hoje sob nova identidade e ai deles se se revelam. Serão assassinados como Celso Daniel, as 8 testemunhas e mais o Toninho do PT. Infelizmente, o atual desgoverno é de bandidos, existe muito coisa acima de nosso conhecimento.

Muito se tem inventado sobre as ações do Exército. Agora, eles tentam financiar empresários sem escrúpulos em filmes completamente fora da realidade, com o objetivo único de desmoralizar o nosso Exército.

Declarou Greenhalgh, quando Vice-Prefeito de São Paulo, que caso o PT chegasse ao poder, os principais pontos do seu Governo seriam: desativação do Ministérios das Forças Armadas, que seriam substituídos pelo Centro de Defesa Civil; remanejamento das Forças Armadas, transferindo os oficiais que serviam no Sul para o Norte, e vice-versa, afastando-os assim das frações por eles comandadas, prevenindo possíveis ações das Forças Armadas; reformar 50% dos oficiais da ativa, cujos nomes não tinham sido levantados; extinguir todos os órgãos de inteligência, abrindo seus arquivos ao exame de uma comissão popular; submeter a júri civil todos os envolvidos direta ou indiretamente com a repressão; revisão da Lei da Anistia.

Ao final do evento, proclamou: 'O povo deve se conscientizar e se mobilizar, sair às ruas. Só através da luta armada é que conseguiremos garantir a posse de Lula'. (A Face Oculta da Estrela, João de Paula Couto, Porto Alegre, Gente do Livro, 2001).

Estamos vendo que eles "morejam" em cima dos seus objetivos. As Forças Armadas estão à exaustão. Os salários são aviltantes. Eles planejam levar ao desespero e à indisciplina, que, aliás, já começaram. Temos que nos unir. Eles agem sistematicamente para nos levar ao desespero. As indenizações são uma agressão. Lamarca, Apolônio de Carvalho, Dilma, Genoíno, etc., etc., uma enxurrada de agressões.

A família de Sônia, que mora em São Gonçalo, Rio de Janeiro, recebeu indenização de cerca de 140 mil reais em 2006. A família do Cabo Odílio Cruz Rosa, morto por Osvaldão, covardemente, aproveitando que ele tomava banho no Rio Gameleira, até hoje nada recebeu.

Sônia tinha seu valor, reconheço, era estudante de nível superior, só que, enganada, enveredou pelo rumo errado, de arma na mão, lutando para implantar no Brasil um regime comunista. Mas sua irmã ganhou uma boa indenização.

O Cabo Rosa, de grande valor e de grande potencial, que pretendia fazer carreira no Exército, escolheu o caminho correto, o da legalidade. Perdeu a vida no cumprimento do dever. Seus familiares nada receberam, além da enorme dor da perda do ente querido altamente injustiçado. ('À Pátria tudo se deve dar e nada pedir, nem mesmo compreensão'. Siqueira Campos.)

O Cabo Odílio Cruz Rosa deve ser reverenciado muito em breve. Temos absoluta certeza.

Temos a obrigação moral de colocá-lo no pedestal dos heróis da Pátria tombados na luta contra o comunismo.

Prezado guerreiro, não faço o jogo dos comunistas. Nós os combatemos de peito aberto e haveremos de enfrentá-los se eles agirem de arma na mão novamente, o que já se avizinha. Não decepcione os seus companheiros de arma. Informo que retirei o fotolog de referência do ar em sua consideração.

Grato pela sua atenção.

Coronel Lício Maciel."

Eu vou deixar esse e-mail com a Comissão. Vou assinar porque é verdadeiro, foi-me entregue.

Posteriormente, quem verificar o meu livro, poderá fazer as perguntas.

Eu vou ler a conclusão do meu livro. Depois, de acordo com o Presidente, quem quiser poderá me fazer perguntas.

A opinião da conclusão do meu livro é minha. A anterior foi do Coronel Lício, Dr. Asdrúbal.

Está na página 92 do meu livro:

"Conclusão.

O sonho de todos os brasileiros que morreram, bem como daqueles que conseguiram sair vivos da Guerrilha do Araguaia, independente de ideologia política, democracia ou comunismo, era o de construir e deixar um Brasil que desse oportunidade e qualidade de vida política, econômica, social a todos os seus descendentes e particularmente ao povo brasileiro, em todos os níveis sociais.

Após mais de 20 anos do Governo militar, com a democracia consolidada e o comunismo derrotado, este entrega as rédeas da Nação ao povo brasileiro, depois de muito clamor da sociedade, que pedia eleições diretas já.

Iniciou-se, então, outro período, através de uma abertura política, ampla e irrestrita, o da democracia, diferente da ditadura militar, com os governantes eleitos pelo povo, principalmente com eleições diretas para Presidente da República.

O sonho de todos aqueles que lutaram por um ideal democrático começou a se tornar um pesadelo. A sociedade brasileira passou a assistir na mídia acusações de corrupção dos Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário, do Ministério Público e de outros setores do Governo, nos níveis municipais, estaduais e federais. Citamos apenas alguns como exemplo: mensalão, caixa-dois, Sanguessuga, etc.

Esses corruptos, que não possuem brio, roubam o Erário público, pois são portadores do poder, como Senadores, Deputados, executivos, que praticam o crime de colarinho branco, com a maior cara-de-pau e sem vergonha, choram e mentem sem escrúpulos nos interrogatórios e nas entrevistas aos meios de comunicação.

Hoje, esses escândalos políticos de corrupção se tornaram normais, tanto é que as providências e soluções para punir os acusados, após ampla investigação pela Polícia Federal, Ministério Público e Comissões Parlamentares de Inquérito - CPIs, que chegam aos culpados, citando seus nomes, acabam em pizza, após um acordo de cavalheiro, um jargão que já se tornou popular dentro da sociedade brasileira que almejou esta democracia.

O momento político e social que o Brasil vive vai muito mais além dessas acusações de corrupção que acontecem no novo regime democrático. São também de revanchismo contra as Forças Armadas, que são instituições nacionais permanentes.

Apesar da anistia política, o povo brasileiro assiste perplexo às decisões jurídicas da Comissão de Anistia, julgando sem sanção, e em parcialidade, os traidores da Pátria, que, pelo seu livre arbítrio, defendendo seus ideais, queriam implantar à força o regime comunista no Brasil.

Esta Comissão de Anistia, nomeada pelo Governo, está recompensando com grande fortunas, sem cerimônia e sem critério jurídico os familiares dos terroristas que traíram o Brasil, como também promovendo a general pos mortem o ex-capitão que desertou do Exército roubando armas e matando militares, aliando-se aos comunistas por sua livre e expontânea vontade.

Já os familiares dos militares que morreram na Guerrilha do Araguaia, defendendo a Pátria, bem como os que ainda estão vivos, como eu, não estão recebendo o mesmo tratamento por esta Comissão de Anistia. Em outras palavras, não estamos recebendo recompensas, grandes fortunas, por termos lutando contra o comunismo, arriscando nossas vidas para deixar o Brasil neste regime democrático.

O povo brasileiro, bem como as Forças Armadas, que tem honra, ética, brio e pundonor militar estão assistindo perplexos e decepcionados esses acontecimentos de corrupção e revanchismo. Não é por acaso que hoje se ouve nas ruas a população revoltada, comentando, quando surge mais um caso de corrupção no Governo. Tenho saudades do regime militar, porque naqueles tempos não aconteciam essas barbaridades.

A esperança é a última que morre. Eu, as Forças Armadas e toda a sociedade brasileira acreditamos que os governantes que não fazem parte desta pequena corja de acusados de corrupção pela Polícia Federal e Ministério Público tomarão uma atitude para dar satisfação ao povo brasileiro, bem como para que aqueles que morreram pelos seus ideais democráticos e comunistas possam descansar em paz, vendo o Brasil que sonharam se desenvolver honestamente, sem corrupção política, econômica e social, em prol de todos os brasileiros, independente de cor, raça e religião.

Diante da gravidade do momento político por que passa o País e atentos ao clamor da sociedade brasileira por um basta à impunidade, o Governo precisa refletir que dentro das Forças Armadas, disciplina militar não é subserviência, bem como o silêncio do povo diante desses acontecimentos de corrupção não é de aceitação e, a qualquer momento, todos poderão levantar-se e tomar uma atitude, como fizeram em 1964 e nas eleições Diretas-Já."

Então, esta é a conclusão do meu livro.

Senhores, deixo com o Presidente algumas perguntas, se os senhores quiserem fazer posteriormente.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Na verdade, pretendemos ouvir a todos. Não sei se tenho a concordância de todos os colegas Parlamentares em relação à formatação da audiência pública, mas quero ouvir a todos e depois fazer o questionamento.

O senhor fez uma afirmação aqui hoje que achei... Sua função hoje não é mais Tenente, é...

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Sou Tenente da reserva. Ainda estou nas Forças Armadas. Ganho como Primeiro-Tenente, eu poderia ficar até Capitão, mas resolvi sair antes.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Perfeito. Achei bem interessante quando V.Sa. disse que há muitos casos de corrupção. E realmente existem e são divulgados. Achei interessante quando disse que, no regime militar, não aconteciam essas barbaridades.

Só quero dizer que - afirmação pessoal minha - não acredito que não aconteciam. Agora, tenho certeza de que não eram divulgados. Essa é a diferença.

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Com certeza.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Porque nem há santo hoje e nem houve santos ontem. Somos seres humanos suscetíveis.

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Concordo com V.Exa.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Então, a verdade é que, agora, felizmente a liberdade de expressão e de imprensa permitem difundir, divulgar e até quase que propagandear a corrupção, porque a superdimensiona e, às vezes, antecipa decisões e condenações. Na ditadura, sequer denúncia se podia fazer, quanto mais condenação.

Faço esse simples comentário, mas vamos debater depois com intensidade. Tenho certeza disso. (Palmas.)

Quero passar a palavra agora ao Sr. Raimundo Antônio Pereira Melo, ex-soldado do 52º Batalhão de Infantaria de Selva, o BIS.

Por favor, pediria a V.Sa. que se pronuncie, se possível, no tempo de 15 minutos, senão vamos espichar muito nossa conversa. Vou controlar aqui.

O SR. RAIMUNDO ANTÔNIO PEREIRA DE MELO - Está bem.

Só falando primeiramente em respeito ao e-mail que a Selva muda, mas a mente e as pessoas sofridas não.

Meu nome é Raimundo Antônio Pereira de Melo, servi no 52º BIS, na primeira turma de Marabá.

Primeiro, quero relatar que, quando servi junto com os colegas, fomos muito humilhados dentro do quartel. Passamos por várias baterias de treinamento - treinamentos esses que, depois, foram praticados nos guerrilheiros.

Nós fomos colocados dentro de buraco, em formigueiros, fomos pendurados pelos pés. Isso é o de menos que aconteceu com a gente. Poderia estar hoje aqui comemorando outra coisa, mas vamos falar sobre o que aconteceu com a gente.

Eu estou envolvido já na Guerrilha do Araguaia. Após minha saída - desde que foi publicada a Revista Época: Fantasmas do Araguaia, que levei o jornalista Leandro Loyola, Dr. Felício, e estava presente a Criméia, Zezinho do Araguaia. Infelizmente, não foi localizada a sepultura, mas sei que o local onde o Osvaldo, a Valquíria foram sepultados; porque não tem como o soldado passar a noite conferindo pé de árvore, tentando localizar onde estava... Até o toque de uma serralheria que tinha lá, às 5h da manhã, isso continua gravado na nossa mente. Tem mais outras sepulturas, onde foram enterraradas pessoas dentro. Inclusive, posso passar depois o nome do ex-militar também da minha época, o Fonseca, que ajudou a enterrar na base de Xambioá 2 corpos.

Em cada etapa, ficávamos 15 dias, outra turma ia e ficava 15 dias. A primeira turma que foi para o Araguaia, não tínhamos um pingo de treinamento de Selva, nós não sabíamos nem o que era guerrilheiro. Não sabíamos, porque éramos pessoal humilde.

Em Marabá, naquela época de 70, 72, a gente gostava de música, de movimento que havia na igreja. Era disso que a gente participava. De repente, aparece isso. Fui convocado junto com colegas. E, chegando lá, em 1952, em menos de 1 mês, um colega meu foi para Xambioá, São Geraldo. E cada um que vinha contava coisa de arrepiar.

Nesses treinamentos, aliás, eu, como outros colegas, fiquei sem um testículo. E isso eu falo. Eu não tenho nada contra o Exército, mas contra os comandantes, contra aquelas pessoas, porque o pau-de-arara ainda hoje é praticado dentro do Exército, nos militares que lá estão, nos recrutas. E todo mundo sabe o que é um pau-de-arara, mas para lá o nome é diferente. Se você pegar o depoimento dos colegas que tenho, o nome é dado como "pau do capitão". Então, hoje são vários colegas que têm problema de coluna, testículo que secou, atrofiou, hérnia, uma série de coisas. E eu, pelo Araguaia, eu faço porque sou de lá, eu fui um dos cabeças a fundar a Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia. Fundei a Associação dos ex-Militares lá em Teresina, fundei a de Ipameri. Aliás, em Ipameri, aqueles militares estão todos lá, porque foi a primeira turma que entrou no Araguaia, com a de Teresina. Nos meus dias de quartel, lá em Xambioá, 3 dias antes da Telma, que a Lia ia ser presa... Porque no livro do Élio Gaspari fala que ela desapareceu no início de 1974, mas eu falo diferente, que a Lia... Eu queria que, neste momento aqui estivesse o Capitão Cabral. Ele fez o livro dele, mas ele deixou de falar que eu entreguei para ele, no dia 8 de setembro, junto com outros colegas meus, a Lia. Às 9h, mais ou menos, da manhã, no dia 8 de setembro de 1974. Essa pessoa, eu tirei 2 turnos de hora olhando ela; os 2 colegas meus, que por coincidência chamam-se Raimundo, também, todos os 3 - Raimundo Antônio Pereira de Melo, Raimundo Lopes de Souza e Raimundo Almeida dos Santos. Esses é que foram os 3 guardas e mais o cabo que ficava também. Ela, a Lia chegou à base de Xambioá, em torno das 16 às 17h, do dia 7 de setembro de 1974, encapuzada, levada diretamente para uma sala, com cobertura de palha, lá a uns 100 metros, mais ou menos, distante do comando. Na época, o Comandante era o General Hugo Abreu; o Comandante da 8ª Região era o General Ferraz da Rocha; e o meu Comandante era o Capitão Manoel Válber de Carvalho Lima. Tiramos a noite. No dia 8 de setembro, após o hasteamento da Bandeira, ela passou pelo Comando, escoltada por esses 3 militares. Levamos ela ao General Abreu e, depois disso, entregamos ela para o Capitão Cabral no helicóptero UH1H. E o meu número do FAO - que era o que eu carregava durante o ano, também está anotado aqui na minha ficha - é 106361. Porque se pegar esse, porque foi descoberto lá pelo Araguaia, vai constar o número desse FAO porque eu tinha que registrá-lo no momento em que estava de serviço. Fora isso, tem mais o Fonseca. Aí, passado uma meia hora que ele saiu com a Telma, ele retornou. E a conversa saiu da base de que ela tinha sido jogada, que era o que sempre falavam, comentavam dentro da base, que ela havia sido jogada. E daí... Mas só que eu nunca esqueci da Lia, a feição... Jogada do helicóptero. Eu nunca esqueci da Lia porque ela chegou com cabelo assanhado, um vestido de chita, de rosinha, descalça. E, antes de ela ser presa, uns 3 dias antes, foram presos 3 rapazes que disseram que tinham dado comida. Em outras versões falam que ela foi pega num barco e que depois foi passada para lá. Mas eu vi ela chegando de helicóptero. Não vi ela sendo apanhada em barco. E eu fiquei 2 vezes em Xambioá e 1 em São Geraldo.

O que eu estou falando é aquilo que eu vi, que eu presenciei. Não é coisa que eu ouvi falar. Não. É coisa que eu presenciei, e tirei guarda. E, aliás, dormi em uma cama de campanha, que tinha lá, suja de sangue. Conforme os colegas, era do Daniel o sangue.

Dentro dessa base, várias pessoas falam, porque eu tirei serviço, assim: tinha o Comando; entre o Comando, tinha uma enfermaria, e entre a enfermaria estava lá a sepultura do Osvaldo, da Valquíria, e, mais à frente, no final da pista, também lá, tem um cemitério que é do tempo da mineradora, antes de vir lá para o meio do campo do aeroporto. São 2 bases em Xambioá. Eu estou falando a que eu fui. A outra, o soldado que ele falou que, também, se quiser, leva lá para onde estão essas covas, que é o soldado Xavier. O Fonseca também falou que está pronto para ir mostrar onde enterrou o Batista e o Peri. Ele viu, também, a Áurea lá viva. E, dentro desses... Eu vi, também, a Áurea, mas foi numa época diferente. Porque cada militar ele vai contar uma coisa diferente, porque cada um teve um tempo diferente. Hoje, eu tenho, porque eu convivo com esse pessoal... Já estou há mais de 3 anos conversando com o Vanu, sei que ele foi guia. E eu já passei, já fiquei várias, já levei jornalista do Correio Braziliense, da Folha de S.Paulo e sempre estou divulgando, sempre estou recebendo recadinho, também, mas eu não vou deixar de voltar ao Araguaia, jamais. Moro há 22 anos em casa fixa em Goiânia. A última reunião que nós tivemos com os ex-militares foi no dia 1º de maio. E chegou um recadinho lá para mim, mas esse recadinho pouco importa, porque o mesmo que traz é o mesmo que leva o recado de volta. Eu quero, também, aqui, informar que várias pessoas, que já citei, o catingueiro, de quem já recebi recado; já falei para o jornalista aqui, que tem o nome de Vasconcelos, antes de ele ir para o Araguaia. Não fui para o Araguaia para a última reunião, porque eu fiquei com medo, não vou mentir, de acontecer alguma com a Criméia e com o Zezinho. O que eu estou falando aqui, depois, se quiserem, eu falo de onde vieram as fontes de informação. Porque os recados estão chegando e nós estamos recebendo. Parece-me até que não acabou ainda a ditadura. A respeito do Iomar, digo que é uma pessoa de que eu tive informação, e já pelejei, há 4 ou 5 meses estou querendo falar com ele. É uma pessoa, desculpe-me falar aqui, desumana, pessoa que não tem um pingo de coração, porque é aquela pessoa que, quando tinha morto - está aqui o Vanu que sabe, ele não vai deixar eu mentir -, era a pessoa que cortava as cabeças das pessoas. É triste falar disso aqui agora. Eu jamais quero saber de heroísmo, de honra ao mérito por tudo que eu sofro, até no momento em que eu vou dormir. Eu quero informar, também, que conforme a D. Antônia, tem depoimento aqui, que eu posso passar depois, onde está enterrada a guerrilheira Maria Diná. E, ao lado dela, foi colocado o corpo do Jaime Petit. E depois, vocês sabem que essa casa ficava ao lado da casa do Iomar. Iomar este que, depois, não precisa mais falar, porque eu já falei o que ele fazia, o que foi que ele fez com o Jaime. E muitas coisas: eu sonho, eu tenho pesadelo, já cheguei a bater na minha mulher.(Pausa.) Para minha tristeza, tudo, tudo, tudo que aconteceu comigo e o que aconteceu com meus colegas. Pessoas hoje... tem cego, tem surdo, tem aleijado. E eu pergunto: o Exército levou- nos bons, sadios, e o que ele está fazendo por nós até hoje? Nada. Não fez nada. Simplesmente nos usou, mandou embora e ficou por isso mesmo.

Eu quero, também, mostrar aqui, esta foto de guerrilheiros que foram mortos.

(Segue-se exibição de imagens.)

Esse sargento, esse sargento está vivo. Se precisarem dele, também, ele está pronto a prestar o depoimento e mostrar o local onde foram colocados esses corpos. Eu vou ler só um trechinho aqui de um depoimento de um colega meu. Isso aqui foi da primeira turma de Teresina, do 25 BC que esteve lá:

"Quando os prisioneiros saíam" - isso eles praticavam com pessoal da região - "do interrogatório, a maioria sem unhas e alguns deles até sem orelhas, algemados e com peso entre as algemas, eram entregues a 2 fuzileiros armados com metralhadoras; 1 pilotava e o outro ficava no meio da canoa, e o prisioneiro na proa."

O restante eu passo aqui ao Presidente.

Esse é meu depoimento para o Dr. Felício, Procurador da República, que também passo aos senhores.

Este aqui é o primeiro acampamento dos caianos. Em 1972 também. Foi a turma de Jataí, de Ipameri, de Morrinhos, aqueles ex-militares de lá.

Aqui são os militares, os primeiros que entraram no Araguaia em 1972. Esse pessoal está todo vivo.

Essa aqui é uma associação que foi criada em Ipameri também. Eles estão lá.

Este aqui é o pessoal de Teresina. Na foto aqui, o primeiro hoje é um advogado e é Deputado Estadual de Teresina. Foi um dos primeiros também a entrar no Araguaia.

Esse aqui é o meu depoimento na Ordem dos Advogados, para o Conselho da OAB. Nós levamos várias pessoas. Até o Vanu esteve presente com a gente lá.

Esse depoimento eu prestei à Dra. Erilda Balduíno.

Isso aqui é como vivia um araponga dentro do Araguaia também. São os trajes que eles usavam lá dentro. Aliás, eu falo até que, de real, dentro do Araguaia, nós militares, os recrutas - eu falo por nós, recrutas -, só havia a bala do fuzil, porque o restante era falso. Nosso nome era mudado, nós tínhamos de usar arma também para disfarçar. Então tudo isso eles fizeram com a gente lá dentro.

Há uma pessoa aqui que, na última viagem, chegou para mim e falou: "Olha, eu passei a noite dormindo ao lado da cabeça do Ari, e um militar falou para mim o seguinte: amanhã, se você não enterrar a cabeça do Ari - e ele sabe onde está enterrada - vai ser enterrada a sua cabeça junto com a dele".

Aqui são alguns depoimentos do pessoal do Araguaia, que constam. Há a sepultura do Sinésio Martins. É igual ao Tenente falou ali a respeito do militar que foi morto na Casa Azul. Mas disso aqui o Lorivan vai falar, porque ele era o guarda que estava no dia.

Essa aqui é a D. Antônia falando, referindo-se a onde está sepultada a Maria Diná. José Cícero Bezerra foi o que presenciou a morte da Walquíria na base de Xambioá. Aliás, a arma da Walquíria estava em poder do guia Taveira, e essa arma foi entregue em Marabá, em novembro, à Polícia Federal de Marabá. Sua própria arma foi que tirou a sua vida. Era um fuzil surdo. Para quem não conhece, é uma espingarda 22.

Aqui é o depoimento do Abel Honorato de Jesus. O Dr. Paulo Abrão já falou a seu respeito.

Aqui é o depoimento da Adalgisa, referente à sepultura da Fátima. Conforme também eu conversei com o Sr. Olímpio, que hoje é morador ainda nas 8 barracas, esse corpo nunca saiu do lugar, continua entre as 2 palmeiras, lá no mesmo local.

Caso precise de mim e de alguns guias, eu tenho aqui o nome. O primeiro está encabeçado e ele está aqui do meu lado: é o Vanu. Há o Oswaldo; o Peixinho; o Severinão; o Taveira; o Palito; o irmão do Palito, que é o Francisco; o Pereira; o Raimundo da Afra; o Abelim; o Veloso; o Zé Guedes; o Sinésio e mais outros que eu esqueci de colocar o nome.

Também entrego ao senhor o DVD de alguns depoimentos do pessoal da região. Aliás, o primeiro depoimento que está aí consta também do livro do Tenente, que é o do Sr. Frederico Lopes, pessoa que foi torturada. Hoje vive porque a mulher vive carregando ele. É o primeiro depoimento logo. Essa pessoa, a esposa, vive 24 horas para cuidar dele.

Mais uma vez, eu repito: não tenho nada contra o Exército. Não tenho nada. Mas sim contra os Comandantes, porque eles foram pessoas que torturaram. Eles nos torturaram. Aquilo lá para mim não é instrução de selva. Desculpe-me se algum militar aqui presente considera aquilo lá instrução de selva. Para mim, aquilo lá não é instrução de selva.

Vou continuar lutando com os meus colegas pelos nossos direitos. Eu encontrei uma pessoa aqui em Brasília, da Elmo Consultoria, que nos deu apoio para ir buscar os documentos do pessoal civil do Araguaia. Acho que, hoje, 80% desses documentos que estão ali dentro nós fomos nós que buscamos no Araguaia. Um ex-militar ajudar pessoa assim é meio estranho, mas não é. É pessoal da minha região. Eu fui criado ali, nos meus fins de semana, jogando bola com aquele pessoal. Então, não há por que estranhar.

Nós estamos aqui e nos colocamos à sua disposição, as 3 Associações dos ex-Militares. Precisando de nós, a qualquer hora, estamos prontos para voltar ao Araguaia e mostrar tudo e falar tudo o que aconteceu por lá. Eu falo em nome dos meus amigos.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Muito bem. Obrigado ao Raimundo Antônio Pereira.

Nós passamos imediatamente ao Sr. Lorivan Rodrigues de Carvalho, ex-Soldado do 52º Batalhão de Infantaria de Selva, que atuou também lá no Araguaia.

Eu quero ainda registrar a presença da Deputada Lucenira Pimentel e do Deputado Sebastião Bala Rocha, que dão a honra ao nosso Vice-Presidente de estar conosco.

O senhor está com a palavra, então, por, no máximo, 15 minutos.

O SR. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - Boa tarde, pessoal. Meu nome é Lorivan Rodrigues de Carvalho, nascido em Marabá, sul do Pará, onde servi no período de 15 de janeiro de 1974 a 15 de novembro de 1974, onde, como meu colega já falou, passamos por vários treinamentos, treinamentos esses pesados, quase não eram humanos. Mas, tudo bem, tínhamos de enfrentar. Passamos por tudo isso.

Relato que, nesse período de treinamento, foi difícil. Perdi um dente e ficou por isso mesmo até hoje. Passamos a ser comandados por superiores para participar dessa Guerrilha do Araguaia, onde eu estive presente em São Domingos do Araguaia, Palestina, onde eu levei um tiro na perna - está aqui, nunca mais fui o mesmo; está a marca aqui até hoje.

Quando estive em Xambioá, num período de mais ou menos 20 a 25 dias, presenciei uma tortura em uma guerrilheira, não lembro o nome. Eles colocavam um tonel de água a uma certa altura e a pessoa ficava amarrada recebendo aquele pingo de água durante horas. Passadas duas horas em diante, a pessoa tinha de falar tudo, porque não agüentava mais. Os olhos ficavam vermelhos e tudo. Ali eles colhiam informações de onde estavam outros guerrilheiros escondidos.

Nesse período que eu passei em Xambioá, eu tirei 3 guardas para essa senhora que estava lá. Num determinado dia que trocaram de guarda, quando eu voltei, não estava mais. Disseram que ela tinha ido a um passeio, passeio esse que não sei para onde. Sumiu.

Voltando de Xambioá, retornei à base original, Primeiro 52º BIS, Batalhão de Infantaria de Selva, em Marabá. De lá, de vez em quando, havia umas diligências. Foi quanto eu fui à Palestina, onde já frisei que levei um tiro na perna. Isso ficou por, mais ou menos, 2 meses. Virou uma ferida imensa. Eu tenho a marca aqui na minha canela que nunca mais vai sumir. Tudo bem.

Passado esse período, estive presente a uma outra diligência, em frente ao Alavanca, dentro da cidade de Marabá, aonde nós fomos. Pegamos um cidadão, que eu não sei o nome. Esse cidadão foi colocado em um saco de estopa. Para quem não sabe, é um sacão desses de 60 quilos, maior um pouco. Foi colocado em pé e amarrada a boca do saco. Quebrou-se todo. Foi para o quartel. Chegando lá, as autoridades pegaram e ninguém sabe para onde é que foi. Esse aí eu também só vi quando entregamos lá para o Sargento Trajano e o Sargento Hélio. Na época, eram os 2 comandantes da operação: o Sargento Trajano e o Sargento Hélio. Passado isso, fui destacado, junto com o Soldado Bastos, para o DNER, que fica na cidade, já do outro lado do Rio, Itacaiúnas, Amapá, ou Nova Marabá. (Pausa.) Casa Azul. Era DNER, agora é chamada de Casa Azul.

Lá, nesse período, eu fiquei mais ou menos uns 10 dias - eu e o Soldado Bastos, mas tinha outros militares. Isso entre agosto e setembro, não recordo bem.

Nesse determinado período, em uma noite de quarta-feira, mais ou menos umas 22h ou 23h, havia uns 4 prisioneiros para os quais a gente tirava a guarda. De 2 em 2 horas, trocavam a guarda. Como nesse horário de 22 às 23h estavam na guarda eu e o Soldado Bastos, quando o prisioneiro pediu água, aí eu chamei: "Bastos..." A gente ia sozinho. Eu disse: "Não, vamos nós 2. Vamos lá. Eu levo a água e você fica com o FN FAL". Ao aproximar da cela... Os guerrilheiros ficavam amarrados nas correntes, mas movimentavam os braços, presos. Ao chegar perto da cela, quando eu estiquei o braço, o guerrilheiro pegou a água, jogou no meu rosto e se cruzou comigo. Mas quando eu empurrei, o Soldado Bastos matou ele. Descarregou o FAL, uns 5, 6 tiros. Cidadão esse cujo nome - fui eu que entreguei o caneco de água para ele - era João Araguaia. Foi morto por volta de 22h, 23h.

Na mesma hora, todo o pessoal dessa, que era DNER, agora é Casa Azul, levantou. Vieram os comandantes, veio todo mundo, e todos presenciaram aquilo. Fomos, pegamos o corpo, limpamos o local. E esse corpo foi enterrando mais ou menos a uns 100 metros, 50 metros, na beira do Itacaiúnas, debaixo de um pé de ingazeira. Eu, o Soldado Bastos e outro pessoal que estava presente lá fizemos o enterro. Cavamos uma cova rasa, colocamos lá, cobrimos com mato e voltamos ao local de origem.

Esse eu testemunhei. Eu estou falando porque eu estive presente. Era ele. Inclusive, a reportagem me procurou aí, o Jornal do Brasil, o menino veio aí, o Vasconcelos, e eu confirmei. Dia 22 de janeiro, eu relatei para o Jornal do Brasil. Pode ver lá que a mesma coisa que eu estou contando aqui é o que eu contei lá. Foi esse cidadão João Araguaia. Ele foi quem jogou o copo de água no meu rosto, veio pra cima de mim e o Soldado Bastos descarregou a arma. E foi enterrado nas margens do Rio Itacaiúnas. O local eu sei direito onde é que é.

E depois desse acontecimento, houve um negócio estranho: no dia seguinte, nos 3 restantes que ficaram lá colocaram uma máscara, e colocaram num helicóptero, e de lá, o destino eu não sei, não sei para onde foi. No quartel não apareceu, não sei para onde eles levaram. E isso eu tenho certeza, porque estava lá.

Dois dias depois, devolveram a gente para o Primeiro 52ª BIS, Batalhão de Infantaria de Selva. Aí eu passei nem a tirar mais hora, nada; fiquei só no serviço burocrático. Os 3 últimos meses que eu fiquei lá, que eu saí em 15 de novembro, fiquei só na parte burocrática. Não saí mais, pronto, não sei, não falaram mais nada, o que aconteceu com os outros 3 prisioneiros. Eu só sei que eles pegaram o helicóptero com a máscara e saíram.

Daí, então, nós voltamos ao quartel. Ainda fui em 2 diligências: em São Domingo das Latas e São João do Araguaia, justamente atrás de guerrilheiros. Ali um colega teve a infelicidade de cair e quebrar um braço, na época, igual aconteceu comigo. Eu quebrei um dente e até hoje... Perdi um dente e ficou por isso mesmo.

Então é isso, minha gente. O que eu tenho a falar é isso. E estou aqui disposto. Não tenho - igual meu companheiro falou - nada contra o Exército. Tenho pelo que nós passamos lá, os treinamentos forçados. Chegamos até a comer cobra, comer cobra. Um dia, o Sargento Trajano mais o Sargento Anselmo... Enfim, fizeram-nos comer. Infelizmente foi isso mesmo. Havia uns treinamentos dentro de uma mata cheia de jacaré, todos nós correndo até o risco de ficar mortos, e acabou. É isto aí: sangue, sangue mesmo. Tudo bem, é isso aí mesmo. Passamos por tudo isso, e estou aqui disposto a colaborar com os senhores a qualquer hora. É isso aí.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Sebastião Bala Rocha) - Agradeço ao Sr. Lorivan Rodrigues de Carvalho, ex-Soldado do 52º Batalhão de Infantaria de Selva.

Vou conceder a palavra ao Sr. Manoel Leal Lima, camponês que atuou como guia de grupo de combate do Exército na região da guerrilha.

O senhor tem a palavra, Sr. Manoel.

O SR. MANOEL LEAL LIMA - Boa tarde, senhores. Eu me chamo Manoel Leal Lima, apelidado por Vanu. Fui um dos camponeses que primeiro entrou na mata com o Exército. No dia 8 de outubro de 1973 eu estava lá em casa. Quando fui na casa do vizinho lá cheguei no meio de uma tropa, em que estavam o Curió, o Ivan, o Alexandre e a Cid. Lá eu tinha montado num cavalo, quando eu apeei já foi nos braços do Ivan. Ele me perguntou: "Tu viu os guerrilheiros?" Ele chamava de terrorista. "Tu viu os terroristas?" Eu disse: "Não. Faz mês que eu vi". Eu tinha visto no outro dia. Aí ele disse assim: "Então, mentiroso..." Meteu o fuzil e me derrubou por cima de um formigueiro, muitas formigas-de-fogo, me deu umas 3 coronhadas com fuzil pesado. Nessa altura, o Curió viu e disse: "Por que você está fazendo isso?" Aí eu disse: "Porque eu menti". "Que mentira?" "Foi porque eu soneguei que não tinha visto os guerrilheiros, e eu tinha visto ontem". "Mas por que tu faz uma coisa dessa? Eu já venho detalhado para te pegar, para tu servir de guia para nós. Já conheço a tua história". Já vinham da casa da Oneide, com a Oneide presa, já estava com um bocado de gente presa. Já vinha de lá para cá, e eu encontrei com ele. Aí eu contei a história. Ele disse: "Pois fique pra ali, ele não vão mais lhe bater". Aí juntaram a tropa de gente, botaram um ali, outro lá, e tocamos para o rumo da minha casa. Lá minha mulher tinha chegado, no outro dia; estava parida de novo. Eu tinha ido buscar lá uma coisa e ela ficou sozinha de novo com as crianças. Na passagem, ela nem me conheceu. As criancinhas tudo pequena, uns 7 meninos pequenos. Isso dentro de uma mata, distante dos vizinhos uns 3 quilômetros. Aí pegamos uma batida e fomos pra casa do Frederico. Lá pegaram o Frederico, foram buscar na casa do cunhado dele. O Frederico estava meio ruim, tinha chegado do São Domingo nessa noite, estava meio ruim assim, tinha bebido umas pingas. Lá começaram a judiar com ele. Ele começou a ficar doido. Aí pegamos ele. A família ficou toda lá. Era muito menino também. Aí "peitemos" pra casa do Raimundo, um ex-garimpeiro. Lá o ex-garimpeiro estava deitado em cima de um banco. E a estrada era assim meio comprida, aí a velha Nazaré, mulher dele, disse: "Luiz, a Polícia, Luiz". Quando disse assim, o velho caiu de banda assim, saiu, e eles metralharam!! Pegou uma bala cortando a mão do velho. Aí pegaram ele, trouxeram. Ele estava dormindo, quando se assustou!... Aí ajuntou. Fomos para a casa do Pedro Cantador. Lá pegaram o Pedro Cantador, o Severininho. Aí fomos para a casa do Peixinho. Na casa do Peixinho chegamos de tardezinha, já não tinha... só a família. Ele estava com os guerrilheiros no mato. Ele tinha saído. Passamos lá pra Bacaba. Fomos chegar na Bacaba mais ou menos às 12 horas da noite, de pé. Era uma turma danada de homem do Exército, com nós todos. Mais ou menos umas 18 pessoas. Quando chegamos lá... Também Pernambuco do Cavalo ia dessa vez. Pernambuco, muito gordão, começou também a passar mal. Quando chagamos na Bacaba, lá botaram nós dentro de um quarto, tampado de tábua, coberta de Brasilit, rodeado de cano branco. Moço, isso era uma quentura!! Amanhecemos o dia sem beber, sem comer. Passou a noite. O Frederico começou a ficar doido, correndo atrás, ao redor. Pernambuco também muito cansado - porque ele era muito gordão, sofria de pressão, diabete - deitava na porta assim clamando: "Gente, me dá água, que eu estou quase morto". E eu acalmando ele, porque eu era mais forte, mais novo. Ele e o Frederico. Frederico ficou nas brecha das casas, louco, doido. Aí passamos a noite. A Oneide também vinha. A menina da Oneide também vinha, uma mocinha de 12 anos. A Oneide ficou do lado de fora, e nós ficamos dentro do quarto, presos. Ela ficou do lado de fora. O Ivan passou a noite com ela conversando. E a menina levaram para Marabá, a mocinha, levaram lá para Marabá, para entregar para a família ou então para o quartel, não sei, que é a filha do Alfredo. Aí lá quando foi... 24 horas sem comer, sem beber. Aí encostou um caminhão grande, quase do tamanho dessa... com a carroceria na porta, um soldado de um lado e outro do outro, aí mandou nós subir. Nós subimos, subimos. Aí, foi enchendo. Lá no... do Gigante até a Travieira, tudo assim como sardinha, todos deitados, emborcados. E arrodeados de soldados, todos com os pés em cima da cabeça da gente. Não podia arribar a cabeça de jeito nenhum. Nisso era meia-noite. Aí: "Nós vamos entrar... sair para Marabá para pegar um avião, o carro vai entrar num avião, para nós nos apresentarmos para o Presidente" - o soldado dizendo para nós. Aí, atravessando a balsa, abaixo de onde hoje é a ponte, porque não havia ponte naquele tempo; era na balsa. Aí, ele nem sabia o que era ponte. O carro subindo na balsa, aquele "tremelico"... "Olha, abaixa a cabeça que nós vamos sair e pegar o avião", lá pra meia-noite. Aí nós pensamos que eram mesmo todos presos. E aí, quando encostou lá, na Casa Branca, que era DNER; nós chamávamos INCRA, porque lá era INCRA, de primeiro, depois, emprestaram lá para o DNER, ou o DNER emprestou para o INCRA, e lá estivou, foram enchendo os quartos. Eu sei que eu fiquei num quarto onde havia 18 presos. Todos ficamos. Luiz Garimpeiro passou a noite em pé, sem fazer xixi, sem nada, porque tinha pegado uma rajada de FAL, humilharam demais.

Aí amanheceu o dia. Quando amanheceu, nós sem saber onde estávamos, pensávamos que estava em Brasília. Aí nos colocaram para banhar numa fila assim, de 2, 3, pertinho, só atravessando. Aí, no outro dia, tinha cada instrução assim da... de onde fazia a investigação. Aí eu ficava na brecha, reparando aquele sofrimento do povo. Pegavam um lá, emborcavam, metiam a taca, pegavam umas latinhas deste tamanho aqui para a gente pisar em cima, só com o dedo, triscando. Ali, triscava na lata, o nego caia. Esse pessoal apanhou demais. Eu vi do começo ao fim a judiação desses presos todos. Até que chegou a minha vez. Eu ainda caí duas vezes, mas não me chutaram, porque acho que estavam me reservando para levar para o mato.

Eu contei a história todinha direito. Passaram em outro... Eu sei que eram 3 quartinhos de investigação. Aí, esse pessoal... No outro dia fiquei melhor, aí me botaram pra eu lavar o quarto lá, no outro dia, que tinha assim mais ou menos 2 dedos de sangue no quarto, da judiação. Lá eu vi judiação. Eu via gente chegar, preso chegar, eu via pela brechinha da chave. Lá tinha... Na frente, assim, não tinha energia, não tinha nada. A energia era tocada a motor. Lá hoje é uma pista de carro. Lá, os helicópteros baixavam. E aí eu via eles desapearem gente; traziam amarrado num sacão, e eles iam empurrando, assim, e ele caminhando peado, dentro do saco, boca para baixo, emborcado lá. Mais ou menos eu passei uns 8 dias - uns 8 dias não, uns 3 dias -, à noite, vendo gente entrando para lá, e, de manhã, só via aquela "sangraria". Eu, o Bernardino da Matrinchã, e tinha outros companheiros, em quem eles confiaram mais para fazer aquela limpeza de lavar sangue.

Até que mais ou menos com uns 3 ou 4 dias, eles judiaram demais, pegaram uns 65 homens, desses que judiaram demais, encheram um avião e levaram para Araguaína, pra tratar. O Frederico era um. Mas o Frederico dava berros! Aqueles presos davam berros, pendurados num buraco, fizeram uma coisa assim, uma travessa, penduravam eles, eles triscavam ferro elétrico. Tudo eles fizeram com esses presos. Judiaram demais. Aqueles que já morreram, morreram todos rebentados de taca.

E eu peguei essa chumbada nesse dia, e a humilhação foi no mato. No mato eu peguei a humilhação. Aí me tiraram, eu, o único, para ir para o mato, assim, com uns 4, ou 5 dias, uns 6 dias. De lá, peguei o avião pra Bacaba. Cheguei lá, na Bacaba, fui lá diretinho para aquele presídio, sozinho. Os outros tinham ido para Araguaína, uma carrada de gente. Os colegas meus, tudo vizinho da mata.

Aí, lá, de noite, passou um caminhoneiro, com um caminhão, e porque ele não quis falar, pegaram os caras, passara uma noite lá, bateram muito no caminhoneiro. E o carro ficou preso. Ele lamentando o que significava aquilo, eu disse: "Eu também não sei". Eu sentado num canto, ele, no outro. Eu lembrando que eu tinha passado 24 horas sem comer, naquela cela, de novo, sozinho ainda, meus companheiros tinham ficado pra trás, tinham ido para Araguaína. Aí, quando foi no outro dia, umas 10 ou 11h, aí, a porta abriu. Aí, só estava eu e ele, esse preso. E aí, disseram: "Entra aqui, na caminhonete". Eu entrei na caminhonete. Aí, entrei lá para a pista de avião, do outro lado. Chegou lá, pegamos o helicóptero. Era eu, "Adurbo", Cid, Alexandre e outros mais, e Chapéu-de-Couro. Chapéu-de-Couro, eu acho que era do Marabá. E aí "peitamos" para a mata, lá para... baixamos lá na Oneide. Chegamos lá, nós baixamos lá, e ele me perguntando: "Que igarapé é esse?" Eu fui dizendo, porque eu conhecia os matos todos; fui mariscador 5 anos, lá. Eu conhecia os igarapé assim, pelas margens do açaizal. Aí, baixamos lá na Oneide e ele disse: "Onde é aqui?" Eu disse: "É Oneide". Aí, tinham tocado fogo nas barraquinhas lá no outro lado - a Oneide era de um lado, e do outro lado tinha umas barraquinhas de caçador. Eu disse: "Aqui, é Oneide". Aí desapeamos, aí eles voltaram e nós atravessemos por debaixo. Lá estava cheio de soldado que tinham dormido lá, tinham tocado fogo na casa da Oneide, estavam com uma porca velha assando; e aí pelejaram pra eu comer. Eu era crente adventista da Reforma, não comia carne. (Pausa.) Aí, nesse dia, fui obrigado eu a comer carne, porque, "Olha, se tu não comer carne - eu estava com muita fome, que eu tinha passado muita fome, 2 dias sem comer, eles não estavam dando comida pra ninguém - vai passar 5 dias dentro das trincheiras, aí teus pé vai até apodrecer de bicho dentro da trincheira, sem comer, sem nada". Não tinha nada, nem um canivete, nem fósforo, nem nada, só a roupa do corpo, calçado numa botina sete-léguas, calça velha de brim, camisa já toda molhada de suor. Aí fiquemos do outro lado, ali com eles, aí eles assaram carne lá e uma bacia velha de sal, assim, numa xícara cheia de água, e sapecando aquela carne velha daquela porca, e pelejando pra mim comer, eu não quis. Aí, apanha, vamos para o mato. A equipe... que nós viemos da Bacaba, e fomos direto para o mato. E a turma ficou lá arrodeada na barraca da Oneide, esperando o marido dela, que o marido dela estava com os guerrilheiros no mato. Aí, eles não vieram. Aí, "peitemos", "peitemos"... Quando foi de tardezinha, e aí pra fazer cocô, meu amigo, me deu um medo tão grande, que eu pra fazer cocô era obrigado... O Sidnei ia me vigiar. Eu queria me esconder e o velho falou: "Não deixa essa porra sair não, porque essa porra vai sair no meio dos outros lá, não deixa ele vazar que ele quer fugir, ele quer fugir pra o meio dos outros". "Rapaz, não é isso". Mas não fazia nem cocô por causa do medo. Aí viajamos. Saí já me apegando com tudo que era santo pra mim não me perder, porque se eu botasse ele numa bucana, se os guerrilheiros matassem um deles, eu ia morto lá, nem minha família ia saber. E eu, com o maior medo de morrer, porque a promessa era de me matar, se eu metesse eles numa trincheira. Pra eu olhar pra todo o lado, na hora que vê... Aí viajamos, viajamos, quebrando vara, até que saímos numa estrada velha, uma estradinha velha que ia para a casa do Geraldo, numa aberturazinha que tinha adiante, que se chamava Couro de Veado. Lá não tinha ninguém, só tinha uma abertura, um barracão de palha, e aí o povo já tinham saído, e tudo capim, aquele capinzão que era muito alto. E aí voltamos um pouco. Aí disseram: "Nós não vamos ficar aqui não, nós vamos ficar na beira da estrada, porque eles vão passar aqui. Eu disse: "Eles não passam; eles não andam em estrada, eles estão soltos no mato que nem caça, porque eles não fizeram mais morada, queimaram as barracas deles tudo. E aí não tem jeito". "Não, mas nós... eles têm que passar, aqui, porque chovendo - aí começou uma chuvinha -, chovendo, eles vão passar nas barracas". Aí fiquemos na beira da estrada, tudo no chão sem nada, só as pessoas, sem lanterna, sem nada. E a água caiu. Aí ficamos um pra cá, outra pra aqui, outro caiu bem no meio. Aí, de noite, a onça esturrando, e a chuva caindo. Aí a gente se juntou pra cá, tinha um soldado medroso, até que chegaram para perto. O Major, ali, no outro canto, perto de mim, o Sidnei. Aí amanheceu o dia, a chuva caindo, sem comer sem nada, e tudo. Tinha um soldado ali que ele ficou com o gogó parecendo um gogó de peru só de tatuquira, e eu também. Isso aqui ficou a coisa mais horrível do mundo, de tatuquira. Era mais ou menos umas 11h, aí nós falamos pra ir embora, aí viajamos. Aí saímos num caminho e fomos pra barraca. Chegamos lá na barraca, eles pegaram uma sopa que a menina estava fazendo ali. Eu fui pegar a água, tinha um barreio velho de porco, a água estava limpa só por cima, não podia mexer. Peguei bem devagarinho, aí toldou. Aí eu peguei... Tinha uns coadores velhos lá pra fazer café, mas naquela flanela não coava água de jeito nenhum. Aí peguemos outro em outro canto, bem pouquinho água, pra fazer a sopa. Quando nós estávamos tomando a sopa ali, nós escutamos um tiro do outro lado, dentro da derrubada, na ponta de castanha que tinha. Era um tiro de mosquetão. Aí deram mais 2 tiros. Aí o soldado disse: "Rapaz, aquilo é o (ininteligível) da Polícia que eles tinha tomado da PM. E nós vamos lá. E tu é o guia". E eu sem nada, como é que eu ia? Pra entrar no capim, eu disse: "Olha, por aqui nós não vamos que nós vamos morrer, nós temos que voltar pra trás e pegar a mata". Aí voltamos. Arrodeamos essa derrubada todinha, saímos na mata. Arrodeamos, e quando chegou perto, pertinho mesmo, já estava começando a escurecer, aí eu disse: "Major, toma a frente - eu todo suado, cansado, lascado mesmo, estava fraco demais, de passar fome e sono -, toma a frente que eles estão bem aí. Todo mundo sem arma, você tem arma". "Me mostra, porra, tem que me mostrar, tu tem que me mostrar". E ele surdo. E ele já também, zamboado, porque dentro do mato... Nós tínhamos deixado a mochila lá; ele tinha deixado a mochila lá na casa. Não podia levar porque era dentro do mato fechado. E aí eu sabia me desviar dos espinhos, aí eles encostaram em mim, aí eu disse: "Toma a frente que eles estão bem aí, porque você vai armado". "Não, porra, tu tem que me mostrar é agora, tem que me mostrar agora". Cadê, cadê, cadê?" Aí fui obrigado a me dispor mesmo, sujeito a morrer, na frente, sem nada, sem arma, sem nada. Quando chegou assim, num planozinho, eles estavam, assim, conversando, sentado. Botaram assim uns paus, tinha um porco pelado, já preparado, uns leitõezinhos em cima, assim, já tudo asseado, pra jogar nas costas pra sair. Aí, quando eles deram fé, quando eu dei fé deles, eu disse: "Olha, olha". Aí eles prestaram atenção, aí mandaram eu deitar. Eu deitei. Aí fizeram uma fila aqui outra ali, 2 adiante, 2 atrás e eu bem no meio. Aí, quando eu levantava a cabeça, eles mandavam eu baixar. Aí foram engatinhando de 4 pé, até quando chegaram perto, fecharam de uma vez, aí eu acompanhei. Na hora que estávamos acompanhando, o Alfredo ainda pegou a arma e deu 2 tiros pra cima, mas não pegou, foi pra cima. Só o Alfredo. Os outros... aí metralharam. Aí escutei berro. Nessas alturas, eu clamei, fiquei ruim, aí um velho olhava para mim e dizia: "Esses coisas são seus parentes?" Eu disse: "Não é não. É parente nada. É porque uma comoção dessa, tanto berro feio". O João Araguaia pulou de trás de uma castanheira e vazou, perdeu o revólver. Mas lá sim pegaram o revólver dele. Aí eles ficaram pegando revólver e jogando em mim. Pegaram 5 revólveres... 4 revólveres. Aí, jogando em mim, e os mosquetões também, e o Alexandre juntando. Aí jogavam de rebolada, e eu pegando. Aí quem pegou o primeiro foi o José Carlos, um revólver cano longo, mira especial. Foi o primeiro que ele jogou em mim. Aí eu segurei, e juntando os outros, aí os outros saíram assim e acharam o do João Araguaia, que ele tinha tomado da PM, um revólver novo, novinho. Aí estavam todos fardados com a farda da PM. Aí deram um balaço nas costas do Nunes. Aí ele disse: "E agora? (Falha na gravação.) pra tirar para o rumo da barraca". Eu disse: "Eu não sei nem o rumo da Bacaba". Onde é o rumo da barraca? Aí ele foi levantando. "Não levanta não" E só fez botar o braço assim, e aí pegaram a "facona" dele - uma faca assim... e me deram uma "facona"; até eu levei um corte, tá aqui - pra eu abrir o caminho. Aí eu abri. Isso foi logo que eu saí na barraca. Lá, eu peguei... eles ficaram lá. Lá eu peguei a rede do "Adurbo" e levei, uma redinha velha de nylon, bem fininha, só um pedacinho de pano que ele levava. Cheguei lá: "Porra, pra onde é que tu vai? "É pra levar..." "Não, não é pra levar, não é pra botar essa porra, aqui, dentro da minha área não, que eu vou dormir hoje despreocupado. Leva essa porra é arrastando". Aí, quando eu cheguei já estava fazendo a padiola pra levar ele. O soldado fez uma padiolinha ligeira. Aí ele embolou a sacola... a rede dele e meteu no bolso, aí fizemos o caminho pra lá. E lá botamos... e ficou num quarto assim, um quarto tampado de palha, e ficaram conversando com ele à noite todinha. Conversando, investigando, contando de onde ele veio, onde ele fez curso, onde tudo, tudo, tudo. E aí eu escutei pouca coisa. Só o "Adurbo", o Sidnei e o Alexandre, lá ao redor dele, e eu mais o soldado lá ao redor do fogo, porque praga era demais. O certo é que amanheceu o dia. Aí de madrugada, ele falou: "O que que nós fazemos pra levar esses homens pra clareira lá"? Eu disse: "Eu vou em casa, pego meus animais". Eu doido pra dar notícia à minha mulher, porque a mulher tinha ficado, quase... ela não viu nem a hora que eu passei, porque ela estava de resguardo, quebrou o resguardo e não viu mais nada, desmaiou, e não tinha quem socorresse ela, só as criancinhas assim. E eu doido pra dar notícia pra ela. "Não, então tu pega os animais. A que horas tu dá dar conta?" Eu disse: "Às 11 horas eu tô aqui". "Não, mas 11 horas, o avião chega. Às 11 horas o avião chega pra pegar e não pode passar de 11 horas". Eu disse: "Não, vamos apelar pra 10 horas. Eu vou lá, pego os animal e aí... porque para mim levar só... você não quer ajudar?" "Não, nós não vamos pegar...

O SR. PRESIDENTE (Deputado Sebastião Bala Rocha) - Seu Manoel, desculpa interromper o senhor. É que nós temos que controlar o tempo. Então queria lhe dar mais 2 minutos ou 3 para que o senhor conclua. Está muito interessante a sua fala, mas o problema é que ainda temos que ouvir a Sra. Lúcia e a Sra. Míriam. Depois, temos que ir para os debates para os Deputados também fazerem perguntas.

Então, mais 2 ou 3 minutos para o senhor concluir, por gentileza.

O SR. MANOEL LEAL LIMA - Tá bom, tá bom.

Então, nós peguemos eles, levemos pra lá. Levei, cheguei lá, botei eles "tudinho" assim. Tiraram o retrato, aí foi a hora em que nós peguemos o avião. O Nunes foi no primeiro. Eu fui o derradeiro. E ele pelejava: "Tu quer ficar ou quer ir?" "Eu quero ir. Quero ficar, quero ir, quero ficar". Aí eu fui para Marabá. E aí começamos a enterrar lá, jogando umas palhas por cima. Aí foi quando eu peguei o avião e fui embora. E aí aqui eu termino. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Sebastião Bala Rocha) - Obrigado, seu Manoel, desculpe interromper a sua fala, mas é em função realmente do tempo. Daqui a pouco, temos que votar lá no plenário da Câmara. Por isso, temos que limitar o tempo disponível para os senhores.

Concedo a palavra à Sra. Lúcia Regina Martins de Souza, ex-guerrilheira do

Destacamento A da Guerrilha do Araguaia, lembrando que são 15 minutos, D. Lúcia. E lembrando que o Sr. Nélio Roberto Seidl Machado, representante da OAB, vai falar ao final das exposições aqui dos convidados.

Tem a palavra a Sra. Lúcia.

A SRA. LÚCIA REGINA MARTINS DE SOUZA - Boa tarde a todos. Eu sou Lúcia Regina. Eu, em 1966, entrei para fazer um curso de Obstetrícia na USP, e em 1967 conheci Lúcio Petit da Silva, de quem fui namorada. E em 1968 eu estava no congresso da UNE, em Ibiúna, onde fui presa. Na ocasião eu estava junto com Jaime Petit da Silva, meu cunhado, irmão do Lúcio. E por essa minha passagem no congresso de Ibiúna, que caiu, é que eu fui fichada e fiquei então conhecida. Existia uma identidade de uma pessoa ligada à Esquerda. Eu passei a morar com o Lúcio, e em 1970 nós fomos visitados por uma pessoa de nome Heitor, que veio para conversar comigo querendo saber se eu estava disposta a sair da cidade em que eu morava, Campinas, para ir para uma região do País, extremamente pobre, extremamente desassistida onde o meu conhecimento na área da saúde seria importante. E eu aceitei, achei que seria possível eu participar. O Lúcio foi antes, foi alguns meses antes para preparar o terreno, e eu fui em seguida. Eu não sabia absolutamente qual seria o meu destino.

Tomei um ônibus na rodoviária de São Paulo e desci, muito tempo depois, numa cidade chamada Imperatriz, no Maranhão. Em algum momento dessa viagem, eu não sou capaz de precisar, eu conheci o Mário, que seria, a partir daí, o meu tio Mário. E ele me acompanhou o resto da viagem. Na cidade de Imperatriz nós fizemos algumas compras: a bota que eu ia usar, o facão. E ele falou que a gente ia comprar também bombons. E os bombons que nós compramos eram balas, balas de... E aí eu já estranhei: poxa, se isto daqui é o bombom, como será que o pessoal chama o nosso bombom de chocolate? Depois eu fiquei sabendo que não existia nenhum bombom de chocolate na região para onde eu fui. E o tio Mário, disse: "Nós vamos levar os bombons porque eles são muito apreciados, as crianças gostam muito dos bombons".

Bom, segui viagem com ele até chegar a uma cidadezinha minúscula, na beira do rio, chamada Apinagés. Em Apinagés, eu conheci o Joca, que estava nos esperando com um barquinho azul e branco. O Joca, uma pessoa extremamente gentil, muito bondoso, se mostrou muito contente, muito alegre de nos ver. E nós continuamos nessa viagem de barco. Conforme passavam as horas, eu via que estávamos cada vez mais nos afastando da civilização.

Finalmente chegamos ao nosso destino, que era uma casa de adobe, na beira do Rio Araguaia, e fizemos o que o pessoal chamava de estiva. Começamos a subir todo o material que havíamos levado.

Essa seria minha residência nos próximos meses. Nessa casa moravam a Alice, que está aqui presente, o José Carlos, o Luiz, o Beto, que era o meu companheiro Lúcio Petit da Silva. Ocasionalmente o Joca aparecia para lá, ocasionalmente o Tio Mário aparecia por lá. Basicamente éramos eu, a Tia Maria, a Alice, o José Carlos, o Luiz e o Beto que morávamos ali.

Conheci, além desses com quem eu morava, alguns outros companheiros: o Tio Cid, o Landim e o Zezinho e o Nunes. Conheci Sônia, que teve um papel importante na minha história; vi de passagem a Elenira, que já conhecia do Movimento Estudantil. Ela deu entrada na região, através da casa em que eu morava, portanto, ela chegou pelo Rio Araguaia, e, numa ocasião em que houve uma reunião, da qual não participei, eu conheci o Osvaldão, assim como também o Juca. Foram pessoas que vi uma única vez.

O trabalho que desenvolvíamos nessa casa, na beira do Rio Araguaia, era relacionado com uma quitanda, um pequeno comércio, modestíssimo, que funcionava num dos aposentos da casa. Modestíssimo para nós; na região acho que equivaleria a um hipermercado.

O que o pessoal da região buscava nesse ponto de comércio funcionava mais como um escambo. Eles traziam coco babaçu, a farinha que fabricavam, e eventualmente couro. E isso era trocado por aqueles produtos a que eles não tinham acesso - o açúcar, o sal, o fósforo, eventualmente um pedaço de chita, o fumo de corda, coisas desse tipo. O que nós tínhamos e que era muito procurada também era a medicação.

Por eu ser uma pessoa que tinha alguma noção de atendimento médico, eu ficava praticamente todo o tempo na casa, não saía para outros lugares, porque o povo vinha até esse ponto, buscando atendimento médico. Era uma região em que a malária assolava, direto havia casos de malária, de leishmaniose, verminoses e muitas vezes também acidentes, pessoa ferida com machado, com facão, um tronco que caia e abria a cabeça de alguns, coisas desse tipo que íamos atendendo, servindo como podia, com muito boa vontade, rezando para não prejudicar ninguém.

O partido promoveu uma vez uma reunião entre todas as pessoas que como eu praticavam essa medicina. Isso foi encabeçado pelo Juca, que era um médico formado. Todos nos reunimos, foi na casa em que eu morava, num aposento um pouco retirado da casa principal, mas ninguém se conheceu, porque todos nós estávamos com um lenço protegendo o rosto. Juca pôde nos orientar de que maneira que deveríamos proceder nas diversas ocasiões em que fôssemos solicitados, embora não tenhamos visto o rosto. Só foi uma conversa.

Nessa ocasião, fui avisada que, a partir daí, eu passaria também a fazer o atendimento odontológico. Por conta disso, fui levada para a cidade de Marabá - a Alice estava junto, o José Carlos também - e, na cidade de Marabá, fui conhecer uma pessoa que não era um dentista, era um prático de odontologia.

Eu lembro que o nome dele era Ernesto. Ele foi absolutamente gentil e pronto. Ensinou-me o que ele sabia e deu-me de presente uma apostila, que era uma propaganda de um laboratório farmacêutico. Nessa apostila, tinha sempre um crânio seco e a posição em que a agulha com anestésico deveria ser colocada para obter a anestesia pretendida.

Então, ele me deu esse caderno e, pouco tempo depois, recebi um pacote com todo o material para eu praticar a única coisa, se possível, que seria extração de dentes.

Bom, não tem tu, vai tu mesmo, não é? Lá fui eu fazer minhas extrações de dente, que eu fui marcando, agendando num caderno qual era o nome do paciente, que dente eu havia tirado e quanto ele havia pago. Eu fui registrando, até que chegou no número 100, aí eu me senti formada: já sou uma dentista.

Uma vez, quando eu estava no alto da nossa casa, trocando a palha da cozinha junto com um colega chamado Paulo, nós estávamos lá no alto, e eu vi entrar pela porteira da nossa casa uma pessoa. Vinha andando muito ligeiro, quase correndo, e ela conversou com a tia Maria - Elza Monerat. Aí nós fomos avisados de que uma pessoa tinha sido trazida para a região, uns dias antes.

Anoiteceu, todo mundo foi dormir. No dia seguinte, ele não estava mais na casa. Aí, procuraram. Quem sabe ele está na roça, quem sabe ele está no igarapé? Mas ele não estava mais. E parece que notaram uma falta de algumas coisas: de um relógio, de uma lanterna, coisa desse tipo. Então, chegaram à conclusão que essa pessoa havia entrado na região e saído em seguida.

Por esse motivo, deveríamos estar em alerta e deveríamos dormir, a partir desta data, completamente vestidos, com a mochila pronta, com a arma do nosso lado. Passamos, então, a dormir na mata, não mais dentro de casa. Permanecíamos na casa, mas à noite íamos dormir na mata.

Depois disso - eu não sei quanto tempo depois, eu não sou capaz de me lembrar -, fui morar num lugar chamado Chega com Jeito, que era no meio da mata, não estava mais na beira do rio Araguaia. Eu fui para o meio da mata. E esse lugar era uma casa no alto, num lugar mais alto e, numa região mais baixa, tinha uma outra construção, onde parece funcionava uma oficina de serralheiro, que parece que ali trabalhava o Zezinho.

Eu digo sempre "parece" porque eu já estava bastante doente e ficava a maior parte do tempo dentro de casa, na rede. No tempo em que eu estava melhor, o meu trabalho era separar a medicação. A gente recebia bastante caixas com remédios, mas muita coisa era amostra grátis. Então, existia muito papel e pouco medicamento.

Meu trabalho nessa casa, que era no meio da mata, não tinha mais o povo procurando, era separar, triar remédio - antibiótico com antibiótico, analgésico com analgésico - embalar tudo isso em latas e nomear o que tinha dentro e para o que servia.

Muito bem. Então, estou morando no Chega com Jeito, e a Sônia, que era uma estudante de Medicina, uma vez chegou para o... Eu estava na rede. Nessas alturas eu já não conseguia me movimentar com facilidade; eu estava amarela de hepatite, cheia de furúnculos, com febre, com suspeita de tuberculose, era uma porção de suposições. A Sônia, conversando com o tio Mário, falou com a voz meio alterada - a voz dela estava alta: "Eu não sou capaz de cuidar dessa companheira, ela precisa ir para um hospital". Ele respondeu alguma coisa, e ela retrucou: "Então, eu não me responsabilizo pela vida dessa companheira". No momento seguinte, o tio Mário me procurou, eu estava na minha rede, e disse: "Arrume algumas roupas, porque nós vamos para Anápolis".

Então, fomos. Saímos dessa casa a tia Maria, o Lúcio, o tio Mário e eu. Embora tivesse o tio Mário, que era uma pessoa de idade, e a tia Maria, que era uma pessoa de idade, a única pessoa que foi montada num burrinho fui eu.

Atravessamos a mata toda e chegamos na beira da estrada Transamazônica. Ficamos sentadinhos ali no chão, debaixo de um sol abrasador, até que apareceu um ônibus. O Beto deu sinal para o ônibus e subimos para a viagem a tia Maria e eu. O Lúcio e o tio Mário ficaram na estrada.

O ônibus estava completamente apinhado de gente, e a tia Maria era uma senhora, mas alguém se levantou e cedeu lugar para mim. Eu devia estar meio feinha, não é? Então, eu sentei naquele banco de ônibus, depois de 18 meses de só sentar em toco de pau, e eu posso garantir para vocês que eu jamais, e nunca mais, sentei num lugar tão confortável, tão maravilhoso.

Viajamos nesse ônibus até... Não sei, tem muita coisa apagada da minha memória. Não sei se teve algum trecho de rio. O fato é que eu cheguei na cidade de Anápolis junto com a tia Maria. Fomos para uma pensão e, em seguida, ela me levou até um hospital.

Nesse hospital, na parte do térreo, no andar térreo, eram consultórios médicos, e eu fui fazer a consulta com um médico. Era uma pessoa muito clara, ruiva, cheia de sardas. Ele me examinou e falou: "Essa moça não pode simplesmente sair daqui com uma receita; ela precisa ser hospitalizada." E eu fiquei então internada neste hospital, que não sei qual é o nome. A tia Maria falou: "Eu não posso ficar com você. Eu tenho compromissos assumidos. Então, eu vou sair, vou cumprir o que eu tenho que fazer e eu volto aqui para te buscar."

Então, tudo bem. Aí, ela foi embora, eu esperei algum tempo. Eu desliguei o soro que estava no meu braço, arrumei a minha roupa, desci para o andar térreo, apresentei-me para o médico e eu falei: "Eu quero que o senhor assine a minha alta", e ele se recusou. Eu falei: "Não, eu assino um termo de responsabilidade. Mas o senhor pode ficar tranqüilo porque eu estou indo para São Paulo. A minha família é de lá e por lá eu vou me cuidar."

Então eu saí. Saí do hospital. Fui até à pensão e deixei um recado para a tia Maria - "Eu estou indo para a minha casa em São Paulo" - e fui embora. Fui embora de ônibus. Cheguei em São Paulo no dia 19 de dezembro e isso é uma coisa que eu lembro bem, porque foi 2 dias depois da data de aniversário do meu irmão.

Cheguei em São Paulo, fiz os tratamentos, já estava bem melhor e recebi uma ligação da tia Maria. Nos encontramos ali pela rua Vergueiro em São Paulo e ela perguntou como eu estava. Falei: "Estou bem." Então ela disse: "Então nós vamos programar o seu retorno." Eu disse: "Eu não volto." Ela disse para mim: "Não é você que decide se você volta ou não. É uma decisão do comitê central. Mas eu vou levar então a sua posição e você vai explicar por que você não volta." "Então, está bom."

Fiquei aguardando uma ligação. Aconteceu. Marcaram que eu deveria estar em determinado ponto da rua Vergueiro. Tinha lá uma padaria, existe até hoje, e fui então para esse lugar para encontrar com a pessoa que iria me levar até o comitê do partido para eu explicar porque não queria voltar para a região do Araguaia. Ninguém apareceu. Repeti o ponto, conforme o combinado, 15 minutos depois, e, depois, 15 minutos. Foram 3 vezes. Ninguém veio. Então voltei para a casa esperando um novo contato. Mas nunca mais ninguém entrou em contato comigo.

Isso era já 1972. Em 1973, comecei a cursar a faculdade de Odontologia. No ano de 1975 eu fui presa no meio da noite e fui levada para a rua Tutóia, onde, num prédio ali na rua Tutóia, tinha a OBAN. Fui interrogada a noite toda. Durante, ninguém me bateu, não aconteceu nada disso, até porque eu não escondi nada da minha experiência, da minha vivência...

O SR. PRESIDENTE (Deputado Sebastião Bala Rocha) - Desligou o microfone? Vou aproveitar para informar à senhora que os 15 minutos já esgotaram.

A senhora consegue concluir em 2 ou 3 minutos?

A SRA. LÚCIA REGINA MARTINS DE SOUZA - Perfeitamente. Estou exatamente no fim.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Sebastião Bala Rocha) - Obrigado.

A SRA. LÚCIA REGINA MARTINS DE SOUZA - Então uma dessas pessoas que estavam me interrogando em determinado momento perguntou se eu tinha a curiosidade de saber o que havia acontecido com o meu companheiro Lúcio Petit da Silva. Eu disse que sim.

Então ele me apresentou um papel todo coberto. Só tinha uma linha aparecendo. Então, na coluna da esquerda, "Lúcio Petit da Silva". Na coluna da direita "morto".

Acho que essa é a única coisa que posso acrescentar aqui, porque tudo isso está farto de ser comentado. Que existe, então, na rua Tutóia um documento onde consta que Lúcio Petit da Silva está morto e não desaparecido. É só o que tenho a falar.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Sebastião Bala Rocha) - Muito obrigado, Dona Lúcia Regina.

Passo a palavra à Sra. Myriam Luiz Alves, jornalista e pesquisadora da Guerrilha do Araguaia, que dispõe de 15 minutos.

Daqui a pouco encerramos as exposições com o Dr. Nélio.

A SRA. MYRIAN LUIZ ALVES - Boa tarde a todos. Agradeço a oportunidade de estar nesta Comissão, onde já servi como assessora do Deputado Greenhalgh.

Eu gostaria, se fosse possível, de passar um vídeo de 1 minuto, em DVD, feito em 2004. Muita coisa surgiu a partir daí. Depois eu gostaria de mostrar 3 fotografias de prisioneiros, entre eles o Lúcio Petit, porque fica mais fácil.

(Exibição de vídeo.)

Antes de mostrar as fotos, gostaria de esclarecer que fiz um trabalho como Assessora da Presidência da CPI de Perus. Naquele período, foi realizado um convênio entre Prefeitura de São Paulo, Universidade de Campinas e Governo do Estado para a identificação dos 1.059 corpos que tinham sido retirados de uma quadra toda e depois sepultados numa vala comum, aberta com uma retroescavadeira, sem registro.

Pelo menos 3 pessoas que estavam nessa vala foram reconhecidas, 2 delas em menos de 1 ano, ainda durante os trabalhos da CPI. Um dos rapazes que estava morto, enterrado ao lado da Sônia Angel - numa quadra normal, não numa vala comum -, era um ex-companheiro da Constituinte Moema São Thiago, Antônio Carlos Bicalho Lana. Todas essas pessoas foram identificadas por métodos de antropologia forense.

Na época, eu era ligada ao Partido Comunista do Brasil e, como Assessora da Presidência da CPI de Perus, pedi que o caso Araguaia fosse colocado na CPI - a única CPI que, até hoje, teve começo, meio e fim. Nesse período, a Comissão Justiça e Paz foi à região do Araguaia, sempre na busca do médico João Carlos Haas, o Juca, e acabou encontrando Maria Lúcia Petit, identificada 5 anos depois. A outra cunhada dela tinha bastante informações e jamais foi chamada para prestar qualquer auxílio.

Em 2001, retomamos o trabalho do Araguaia aqui na Câmara dos Deputados e muitas barreiras foram surgindo - corpos foram retirados em 1996 - de forma que não conseguimos obter informações.

Procurei mostrar esse vídeo... Inclusive, o Deputado Genoíno -- na época era Presidente do DCE, e o Bergson, Vice-Presidente, no Ceará --, começou sua vida política pública contando o episódio ocorrido com o Bergson, na Base de Xambioá. O Bergson, enterrado publicamente, foi o primeiro guerrilheiro a ser morto. Era muito conhecido em Xambioá, onde ia, junto com o Juca, comprar principalmente estopa para fazer, talvez, depósitos. Os 2 eram muito altos - 1,82 metros, 1,83 metros - parecidos na altura, mas com corpos muito diferentes.

O corpo de Bergson era sempre apontado no cemitério de Xambioá, porque ele foi enterrado publicamente, ao lado da Maria Lúcia Petit. Essa foto, na qual aparece o irmão da Dina, inclusive, saindo do cemitério, é de 1980. Ele foi retirado em 1996 e apontado, como segundo hipótese, numa relação de 6.

Com a luta do grupo de trabalho nesta Casa, consultei legistas, inclusive o Diretor do IML do Ceará. A partir daí uma correria, depois de mais de 6 anos, para tentar identificar. Mas nunca o corpo de Bergson foi enviado a um médico legista brasileiro a fim de retirar DNA, se fosse preciso DNA. Ele foi morto com 28 dentes. O Badan Palhares, realmente, mexeu nesse corpo em 1991, mas jamais foi à cova do João Carlos Haas, o Juca, que estava enterrado do outro lado.

Bom, sobre essa questão das identificações - estou fazendo aqui um relato pequeno - é algo confuso, porque o Brasil tem um trabalho fantástico na identificação. Não vou falar de legistas que serviram ao regime, isso não está colocado aqui, mas universidades etc. Um corpo leva ao outro, quer dizer, uma história leva à outra.

Em 1996, foram também retirados ossos da reserva indígena Suruí. O antropólogo Fondebrider deixa indicado no seu relatório que há mais restos mortais a serem retirados.

Pouco tempo atrás, foi publicado o livro de Luiz Maklouf Carvalho, com participação do Cel. Lício, que traz relatos do General Cerqueira, o mesmo que combateu o Lamarca, que teve um QG exatamente quase no mesmo ponto. Se observarmos a quilometragem, nem estava dito que o General Cerqueira serviu no Araguaia. Hoje sabemos que sim.

Creio que vários guerrilheiros, realmente, foram vitimados dessa forma, em mata etc., mas muitas pessoas foram, sim, enterradas em cemitérios, em covas identificadas pela população, até por militares. Acredito que é possível fazer um trabalho antropológico sério, com o acompanhamento da sociedade, com o acompanhamento de vários profissionais brasileiros, e que a pesquisa tenha acesso.

Afora a questão das identificações, da qual podemos falar em um outro momento com mais tranqüilidade, acho que a Guerrilha do Araguaia é uma das únicas da história em que podemos ter acesso a fotos de prisioneiros que desapareceram. A primeira foto, enviada à Comissão de Mortos e Desaparecidos, em 1998, foi justamente a do Antônio de Pádua Costa, agachado, com uma tropa militar atrás.

Hoje, tive oportunidade de conversar aqui com o Tenente Jiménez, o qual escreveu um livro contando como prendeu Antônio de Pádua Costa, o Piauí, como era chamado, estudante de Astronomia. O Santa Cruz contou a esta Comissão, em uma sessão secreta aqui, e na Câmara Municipal de Belém, que ele conduziu o Piauí 5 vezes na mata, mas não tinha responsabilidade sobre essa morte e que sobre ela o Estado deveria perguntar ao Curió. Isso ele falou na Bacaba, onde morou, inclusive com sua família.

O Tenente Jiménez escreveu um livro com documentos, entregues na década de 90, que confirmam a prisão de Antônio de Pádua Costa, confirma a prisão da Dinalva e ninguém responde por isso!

Durante todos esses anos, a imprensa divulgou muito sobre a Guerrilha do Araguaia. Toda vez que tentamos identificações, pedem-se arquivos. Mas não existem arquivos.

Esta Comissão, no início da sua existência, recebeu relatórios militares de 3 Ministros, da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, com datas de morte, com formas de narrativa que dão para perceber que são prisioneiros, são depoimentos, como no caso do Daniel Callado. Há foto dele preso com o Santa Cruz.

Então, do ponto de vista documental, tem de se exigir do Estado os documentos originais, ou cópias dos originais, porque vários militares têm documentos. Quando pedem para suas aposentadorias ou para suas homenagens, eles já receberam na década de 90. O relatório da Operação Marajoara, por exemplo, como o de outras operações, deixa claro que foram tiradas 21 cópias fora das respectivas agências que deveriam receber.

Eu não acredito que o Estado brasileiro seja relapso a ponto de queimar folhas de alterações de militares, até porque, na hora de pleitear aposentadoria, eles precisam dessas folhas. Já li folhas e folhas de alterações: quando a pessoa sai do quartel e chega numa região, o que ela fez, o que ela deixou de fazer. A área militar é muito burocrática. Então, tudo é feito com detalhes.

Uma das pessoas que assinou os relatórios da Operação Sucuri foi o Cel. Curió, da reserva. Tem a relação dos militares que foram agentes com seus nomes verdadeiros e os nomes que iriam usar num determinado tempo. Eu posso citar aqui o Sargento Joaquim Artur, o Ivan, o qual foi posseiro na região do Chega com Jeito, que vendeu munição para o guerrilheiro André Grabois com autorização do Curió. Isso está sendo contado agora.

Segundo um livro, ele teria fuzilado a Dina, que por sua vez teria justiçado outro guerrilheiro. Segundo o relatório de 1993, foi morto por forças de segurança, provavelmente durante a Operação Sucuri, quando não era ainda para matar, com exceção do Osvaldo. O relatório da Operação Papagaio, a qual matou o Juca e mais 7 guerrilheiros, tem a relação das pessoas e o respectivo número de embarque no avião da FAB.

A mãe do Ciro Flávio Salazar, que morreu com o Juca, que teve farmácia com o Paulo Roberto, na Palestina, já tinha feito um dossiê em 1996 informando que a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos convocaria o General Bandeira, o Curió, e o Tenente Eduardo Serra de Castro, que teria assinado a Operação Papagaio.

Os militares, hoje, são mais do que conhecidos, muitos deles bastante conhecidos, como o Coronel Curió, que é Prefeito de Curionópolis. A cidade de Marabá é das regiões que mais abriga soldados do Exército, em situação inclusive de penúria. Concordo que não dá para entender por que há tanto soldado em Marabá, uma área extremamente devastada, uma população sofrida.

Eu poderia contribuir no sentido de que é possível contar a História do Brasil sem drama. Cada uma das cópias desses relatórios foi divulgada por militares, a começar pelo do General Bandeira, quando a filha dele, ele ainda em vida, passou para O Globo. O jornalista Ronaldo Brasiliense teve acesso às fichas das pessoas que fizeram os fuzilamentos. Tenho um roteiro disso e depois vou passá-lo à Comissão.

Como pesquisadora, já conversei com alguns militares que me confirmaram inclusive que estiveram no Paraná por causa da questão do Onofre Pinto. Ou seja, acredito que havia um grupo de militares especialista na atuação de campo e que atuou contra várias organizações, incluindo o Partido Comunista do Brasil e a Ação Popular.

Morei no Maranhão e estudei um pouco a história do Rui Frazão, que é uma das mais dramáticas da história da ditadura, e também um pouco da história do Ernestino Guimarães, cuja mãe está viva, mora aqui no Guará. Ele é nome de museu em Brasília. A impressão que dá é que tudo faz parte da mesma forma de repressão, e talvez com os mesmos agentes nessa repressão.

Fico indignada, porque sou mãe. Uma das primeiras mães que conheci foi a mãe do Cazuza, Dona Helena Pereira. Sou pesquisadora, não sou parente de ninguém.

Gosto dessa história em particular. Hoje conheço a região, e trabalho a história do ítalo-brasileiro Libero Jean Carlo. Mas quem me conhece sabe que o João Carlos Haas, o Juca, faz parte quase diariamente da minha vida. O sul do Maranhão presta-lhe homenagem em nome de hospital, nome de ponto de cultura, e nome de centro desportivo. Eu brinco com os dirigentes da cidade quando digo que, qualquer hora, vai mudar de nome a cidade. Há realmente um carinho muito grande, e ele é conhecido como médico.

Acredito no seguinte: os relatórios, desde o início de 1972, comentam que a população nega-se a prestar informações, ou constrói a cada dia seres maravilhosos. Todo mundo tem o direito a sua história, a sua família. A alma de uma nação é a sua história. Enquanto esses homens e essas mulheres estiverem vivos, teremos a grande oportunidade de ouvir os relatos. Eu não acredito que haverá um relatório em que virá escrito que Antonio de Pádua Costa foi sepultado perto de uma árvore assim, assim, assim. Esses testemunhos são orais, e o testemunho oral - aprendi isso com o Deputado Biscaia, durante a CPI do Narcotráfico - é prova.

Não estou aqui para concordar ou discordar do Tenente Jiménez. A opinião dele é ideológica, ele participou dessa história, mas sabe qual será a conseqüência se for cumprida a sentença da Juíza Solange Salgado sobre prisioneiros que desapareceram. E ele relata a prisão do Antônio de Pádua Costa.

Isso pode ser contado de forma muito natural pelo Parlamento brasileiro, talvez com uma CPI. Tivemos uma CPI no Município de São Paulo levou, inclusive, a Comissão Justiça e Paz ao Araguaia, porque não tínhamos jurisdição. A única guerrilheira identificada, que agora o Curió contesta numa matéria no Jornal do Brasil, é Maria Lúcia Petit. Sem que houvesse ido à região, em 1991, ela não teria sido encontrada.

Eu acho que tem que se respeitar a população e as autoridades da população. Até a Cidade de Xambioá pode fazer uma CPI conjunta com a Câmara dos Deputados. Ela é história estudada no ensino fundamental de Xambioá. As pessoas têm nome, endereço, e muitos anos de vivência.

Faço uma sugestão, porque Xambioá não fica no sudeste do Pará, mas no norte de Tocantins. Xambioá, o Tenente Jiménez sabe disso, era um município, desde os anos 50, formado por nordestinos que foram para o garimpo de cristal. As pessoas eram enterradas com mortalha, de preferência em caixão de mogno, porque era árvore abundante na região. Então a morte é algo temido e respeitado. Cada guerrilheiro que foi enterrado no cemitério de Xambioá, em público, e não foi retirado, está lá até hoje, porque não existe inumação, ou seja, o cemitério vai abrigando as pessoas.

Quando vamos à região e ouvimos relatos de outro gaúcho, o Paulo Mendes Rodrigues, isso é algo que realmente nos emociona, porque ele morou ali desde 1966. Era natural que deixassem que o corpo dele fosse exibido, até para que a população visse que o Dr. Paulo havia morrido. É uma lógica militar, não há outro sentido, porque eles tinham que mostrar de alguma forma que eles estavam combatendo aquelas pessoas, e que aquelas pessoas estavam caindo militarmente.

Hoje o Município de Xambioá quer criar uma biblioteca com o nome Paulo Rodrigues, quer fazer isso, quer fazer aquilo. Isso é um negócio que emociona. E não é difícil que o Paulo tenha sido enterrado em caixão de mogno, tamanho é o respeito que as autoridades de Xambioá ainda hoje lhe dedicam. A Arena pedia voto para ele no Caiano. Era um líder que foi para lá em 1966, 1967; era filho de militar, era economista, e até pouco tempo atrás não havia foto dele. Foi encontrada agora por uma pesquisadora, porque estava dentro de uma pasta.

Então as pessoas têm a sua história, e deixem que essas histórias sejam contadas. Tem segredo de Estado? Isso tem que morrer aos poucos. Até onde sei, o acordo desse grupo era de 30 anos, provavelmente o grupo comandado pelo Curió.

Todo mundo sabe disso, todo mundo sabe o papel do Curió - e vou usar o termo que ele usa, porque ele é um coronel da reserva mas ele se coloca assim. Ele ficou na região, ficou com agentes na região, para comandar a questão de Serra Pelada. O próprio Presidente Lula, na época, como dirigente político, esteve na questão da expulsão dos padres franceses. E agora ele vem ao jornal dizer que sabe o paradeiro dos 59, e que a Maria Lúcia Petit não era a Maria Lúcia Petit? Isso é um desrespeito.

Então deixo uma sugestão, quer dizer, um vai ouvindo o outro até que, um dia o Parlamento consiga trazê-lo a esta Casa, da qual ele já fez parte, e que ele tenha a dignidade de contar o que sabe. Não acredito que ele seja o responsável por tudo, há também os generais, mas sou cidadã do meu País, pago impostos, sou jornalista, sou pesquisadora, respeito essa história e respeito cada cidadão do Brasil, incluindo toda a população da região que agora está sendo acompanhada pela Comissão de Anistia. Depois de muitos anos, a Comissão reconhece que aquelas pessoas têm o direito, sim, à anistia.

São essas as sugestões. Muito obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Agradeço à jornalista Myrian Luiz Alves a contribuição.

Antes de passar a palavra ao representante da OAB, informo que a Dra. Criméia tem viagem de avião marcada às 6 horas e por isso pediu a palavra por 3 minutos. Ela atravessou o Brasil para estar aqui, não só ela como a Dona Laura Petit também, mas a D. Criméia vai falar em nome das duas.

A senhora está com a palavra.

A SRA. CRIMÉIA ALICE SCHMIDT DE ALMEIDA - Boa tarde. Nós agradecemos a estas pessoas que até agora falaram, que contribuíram com a repressão à guerrilha do Araguaia, que estiveram presentes nos atos que mataram, que enterraram etc., porque nos deram, hoje, essas informações. Há algum tempo alguns já vêm dizendo, mas levaram 30 e tantos anos para nos dar essa informação.

Mesmo assim, a gente agradece a essa Comissão, que há anos trabalha conosco. Inclusive em 1991 o representante dessa Comissão esteve conosco no Araguaia, quando nós encontramos a Maria Lúcia. Nós só estranhamos que hoje as pessoas resolveram falar - hoje ou mais recentemente - porque há 5 anos nós ganhamos na Justiça o direito à verdade; uma ação judicial que o Governo brasileiro vem recorrendo para protelar. Já perdeu o último recurso, e no entanto essa ação que foi ganha em 2003 e até hoje não foi cumprida, até hoje não foram abertos os arquivos deste país.

É isto o que nós queremos, que se abram os arquivos, que se execute a ação que nós ganhamos. Nós temos o direito à verdade. A verdade ainda não foi contada. Nós temos o direito à memória, e esta, nós, familiares, preservamos com muito carinho.

Muito obrigada por ter me dado o espaço. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Está bom, Dona Criméia. Muito obrigado. É um apelo emocionado. Obrigado à senhora e à Dona Laura, que está junto. Ambas vieram de São Paulo.

A Comissão de Direitos Humanos está trabalhando, todos os Deputados, cada um da sua forma, num esforço para que possamos avançar sem precisar ruminar, sem precisar remoer, remastigar para engolir de novo. Esclarecer é preciso. Nós não queremos mastigar, colocar para fora, mastigar e engolir de novo. Isso nós não queremos, mas a verdade é preciso florescer, clarear, e esse é o nosso propósito.

Está com a palavra, para encerrar as manifestações, o Dr. Nélio Roberto Seidl Machado, representante do Conselho Federal da OAB e relator do processo na OAB sobre a abertura dos arquivos do Araguaia. Em seguida, passaremos aos questionamentos dos colegas Parlamentares.

O SR. NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO - Em primeiro lugar, gostaria de dizer que aqui represento Cezar Britto, que é Presidente do Conselho Federal. Por circunstâncias do destino, fui indicado por ele para ser o relator de um procedimento que nasceu de uma sugestão do Prof. Fábio Konder Comparato, que dizia exatamente que, a rigor, quando se fala em anistia no Brasil e se defende a tese de que ela contemplava uma reciprocidade, ou seja, anistia para os perseguidos bem assim para os perseguidores, essa situação não se aplicaria de nenhum modo quanto a esta canhestra explicação de que os documentos relacionados com a Guerrilha do Araguaia e com a repressão, que foi feita da forma absolutamente reprovável, como os vários depoimentos registraram; como também não há razoabilidade, não há justificativa plausível que se possa aceitar dando conta de que tais documentos simplesmente sumiram, não existem mais.

A rigor, em várias pesquisas levadas a efeito, algumas evidências já vieram. O depoimento é prova; prova testemunhal, mas é. Podem ser feitas perícias, exames, idas ao local e, a rigor, todo militar - como bem lembrado por um orador que me antecedeu, existem os assentamentos militares - tem registrado o dia que nasceu o filho, o dia que se casou, o dia que foi promovido, qual a missão que desempenhou, e assim por diante. Então, não é crível que através de um processo minimamente razoável de investigação não se chegue a evidências daquilo que todos sabem.

Na realidade, sabe-se que houve um massacre, uma ação absolutamente desumana. Desumana inclusive em relação aos que aqui estão e narraram a forma pela qual o Exército brasileiro dele se valeu, pessoas inclusive da comunidade.

Nós, através da Ordem dos Advogados do Brasil, formulamos uma notícia-crime ao Superior Tribunal Militar. O Superior Tribunal Militar teve um papel relevante na época do regime ditatorial. Evidentemente que neste episódio a atuação foi nenhuma, como também no caso Riocentro o STM encobriu a verdade com uma simulação de inquérito policial militar, e poderia ser coibida aquela investigação. Acabou não sendo, e não há quem desconheça que houve uma verdadeira armação, criando-se uma versão fantasiosa que não correspondia à realidade.

O que se quer agora é repetir mais ou menos a mesma farsa no caso da morte de tantas pessoas citadas. Falou-se do Anestino. Pode-se falar do Deputado Rubens Paiva, pode-se falar de Ana Maria Nacinovic, pode-se falar de Jean Henry Raya. Estou mencionando alguns que, de lembrança, passaram até pelo meu escritório.

Trabalhei ao lado do meu pai, Lino Machado Filho, que morreu no ano passado, mas que foi um dos grandes advogados na luta contra o regime de exceção que se estabeleceu neste País, com o Ato Institucional nº 5, com o Ato Institucional nº 2, assim por diante.

A rigor, não é razoável que nada se faça. No STM, hoje, o assunto foi levado formalmente, em documento assinado pelo Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados, com prova colhida em vários depoimentos, até pela Comissão de Direitos Humanos da OAB, e o Tribunal remeteu a conhecimento do Ministério Público Militar porque no Brasil isso não é incorreto. O cabimento para a propositura de uma demanda, instauração de uma investigação é muito mais do Ministério Público e da própria autoridade policial - no caso é o IPM que se impõe, porque toda a repressão foi feita a partir das Forças Armadas. Era um regime militar. O poder era exatamente o que advinha da caserna, e eles não podem acobertar, de modo algum, o que se passou.

Com relação ao Ministério Público Militar, o certo é que, desde que essa documentação chegou às mãos da chefia do Ministério Público Militar, nada se fez de concreto objetivando a instauração de um inquérito policial militar, o qual teria como base legal, no mínimo, o art. 321 do Código Penal Militar. E esse artigo é absolutamente hígido do ponto de vista de pertinência persecutória e apuratória, porque é o delito que corresponde a quem extravie livro oficial ou qualquer documento de que tenha a guarda em razão do cargo, sonegando ou inutilizando total ou parcialmente.

Ora, se há 21 cópias, não é possível que não se busque uma dessas cópias. Devem existir pelo menos 17, sem contar alguns que de forma privada podem ter isso guardados ou como documento para surgir na posteridade, ou como uma relíquia a partir de uma visão que se tenha. As visões podem ser díspares, não convergentes.

Hoje mesmo víamos... Eu repudio tudo o que ouvi do nosso tenente, mas respeito o direito que ele tem de dizer. Clamor pela volta do regime de 64, volta do regime militar, que naquele tempo não havia desonestidade, não havia corrupção... O que existia é que escondiam tudo, matavam, torturavam, desapareciam com as pessoas. Essa é a verdade histórica do País, e essa verdade não pode ser escondida. Ninguém aqui tem saudade do regime militar.

No regime de agora isso não significa que passemos a mão na cabeça dos erros ou das mazelas que possam acontecer. Ainda agora vejo uma situação preocupante: os grampos telefônicos no País. As pessoas antigamente eram torturadas, mas quando eram julgadas diziam: "fui torturada, fui torturado". E aquela prova, pela lei, não valia. Hoje, no grampo telefônico, são 500 mil. As pessoas não têm o instinto de defesa, e a Constituição diz que o preso tem o direito, ou o investigado, de não se auto-incriminar. Isso é procedimento de Gestapo, isso é procedimento de estado policial. Não é possível que se continue desta forma, os juízes tolerando todos esses abusos.

Naquela época, o AI-5 impedia e proibia o habeas corpus. O nosso escritório fez habeas corpus para Rubens Paiva. Meu pai o assinou. E houve informação da entrega do carro à D. Eunice Paiva, e dali se fez a prova da existência da prisão.

O habeas-corpus não era conhecido, mas o STM o admitia como representação ou petição, e localizava-se o preso, muitas das vezes. Não nesses, mas em muitos dos casos, quebrava-se a incomunicabilidade. O advogado falava com o réu, a família o via.

Pois bem, hoje, se alguém impetrar um habeas-corpus, meio idôneo que a Constituição defere para proteger um perseguido, os juízes, com base em legislação que viola a Constituição, a partir dessa conversa de arapongagem generalizada, acham que têm o direito de nada informar, porque são procedimentos sigilosos. Dessa forma, daqui a pouco teremos, no Brasil, por conta do narcotráfico, do 11 de Setembro de um moralismo equivocado, juízes que não têm rosto e testemunhas que, na realidade, não precisam aparecer.

Então, do mesmo modo que combatemos da trincheira da liberdade no passado, hoje é impositivo que não aceitemos o retrocesso. E a situação do Araguaia mais se agrava, na medida em que temos um Governo eleito com a bandeira da Esquerda no País. O próprio Presidente foi preso. Então, ele tem a obrigação ética, política, moral, jurídica de fazer com que essa decisão judicial de 2003, ao que se sabe, já passada em julgado, insuscetível de qualquer modificação, seja cumprida.

Temos Ministro da Defesa Civil. Não é razoável que o próprio Governo não entre efetivamente nesta missão em favor da História e como forma de repudiar a maneira como agiu no passado, com o Poder que oculta e o Poder que se oculta, como dizia Norberto Bobbio.

A Constituição Federal brasileira foi apodada por Ulysses Guimarães de Carta Cidadã. Como tal, vincula os Poderes da República. Portanto, não é razoável que uma decisão judicial seja completamente desrespeitada por inércia do Poder Executivo.

Por isso, o papel da Ordem será, como já vem sendo e foi, historicamente, o de fazer com que esses fatos não fiquem acobertados pelo silêncio ou pelas conveniências.

Além disso, na perspectiva da democracia que queremos formar, é preciso que o Congresso esteja atento para que não tenhamos de novo, ainda que com a formalidade de uma Carta Constitucional liberal, a volta de uma ditadura de outra forma: a ditadura da perseguição, a ditadura do Judiciário, a ditadura do Ministério Público, a ditadura da mídia, em detrimento da defesa fundamental dos direitos da pessoa e dos cidadãos.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado pelo convite que a Ordem recebeu. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Muito obrigado, Dr. Nélio Roberto Seidl Machado, com cujas palavras nós concordamos, não pelo acaso de sermos colegas advogados, mas porque sei das razões que lhe assistem e conheço os argumentos que oferece.

Há colegas inscritos.

Tem a palavra o Deputado Luiz Couto, do PT da Paraíba.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Sr. Presidente, demais membros da Mesa, obtivemos aqui informações importantes que nos mostram a existência de uma verdade, que precisamos buscar sempre. A busca da verdade e da memória é necessária para que não aconteça nunca mais aquilo que ocorreu em nosso País: repressão, tortura, mortes, desaparecimentos e até desqualificação de pessoas que ninguém sabe se estão vivas ou mortas, mas que são tratadas como colaboradoras do regime, do sistema.

Nós observamos uma diferença entre pessoas que participaram daquele momento histórico e que dele falam sem rancor e outras que falam com rancor, com deboche, achando que são donas da verdade e que é preciso voltar a haver aquela experiência nefasta ao nosso País, o que queremos que nunca mais venha a acontecer.

Aliás, para isso é que servem a memória e a verdade: para que aprendamos a lição. A democracia permite que os casos de corrupção sejam investigados, as pessoas sejam presas. É ela que também permite que alguém escreva um livro e defenda a volta da ditadura - naquela época sequer se podia colocar informações nos jornais, como se fazia utilizando-se os mais diversos métodos, como inserindo-as entre receitas de bolo e outras coisas mais.

A democracia é isso, e é por ela que estamos travando esta luta.

Vou fazer algumas perguntas ao Tenente Vargas, mas primeiro gostaria de perguntar ao Vanu.

Vanu: você era guia do Grupo de Combate do Exército. Como você chegou à região?

O SR. MANOEL LEAL LIMA - Cheguei à região muito antes da guerrilha. Quando os guerrilheiros chegaram lá eu já estava há muito tempo.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Sim. E aí você foi contactado por quem?

O SR. MANOEL LEAL LIMA - Eu fui contactado porque era vizinho deles. Quando o Exército veio, já veio me pegar.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Sim, mas quem? Quem foi a figura do Exército que lhe procurou para conversar?

O SR. MANOEL LEAL LIMA - Quem me prendeu? Foi o Ivan que me prendeu no dia.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Quer dizer, você foi preso, para depois ser guia?

O SR. MANOEL LEAL LIMA - Fui preso no dia e nunca mais me soltaram. Passei 11 meses preso, andando com o Exército.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Certo. Então, você foi obrigado a...

O SR. MANOEL LEAL LIMA - Obrigado, fui obrigado. Não me ofereci. Nenhum dos guias foi por vontade própria.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Quer dizer, você foi obrigado a servir de guia?

O SR. MANOEL LEAL LIMA - Sim, senhor.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - E você recebia alguma coisa por isso?

O SR. MANOEL LEAL LIMA - Não. Eu não tinha negócio de política.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Hein?

O SR. MANOEL LEAL LIMA - Eu não tinha negócio de política, não. Eu vivia dentro da mata trabalhando com meus filhos, só.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Quer dizer, você não recebia nada do Exército por essa...

O SR. MANOEL LEAL LIMA - Não, eles não deram assistência para nós, não.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Quer dizer, você disse que foi preso, foi espancado, judiado.

O SR. MANOEL LEAL LIMA - Fui preso, espancado, judiado; perdi as minhas coisas; fui obrigado a sair de lá. A família foi para Brejo Grande, para São Domingos, para a cidade. Durante esses 11 meses, eles não me deram...

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Quer dizer, quando você mudou para a região, os guerrilheiros já estavam lá, mas o Exército não estava ainda.

O SR. MANOEL LEAL LIMA - Não, não. Eu cheguei lá em 1962. E a guerra começou em 1973. Já estava com 10 anos, não é? Mais de 10 anos.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Isso.

Eu queria ouvir também o Sr. Lorivan.

O senhor falou de treinamento desumano, degradante para vocês. O senhor inclusive chegou a perder um dente e sofrer em conseqüência disso.

O SR. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - Isso. Porque era muito pesado, na época, e a gente estava acostumado ali só com praia - Marabá é uma cidade praiana. Nós fomos para lá e, nos primeiros 5 dias, os primeiros treinamentos foram com aqueles cupins. O senhor sabe o que é cupim?

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Sim.

O SR. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - O Sargento Hélio e o Sargento Trajano assanhavam aquilo e nós tínhamos que rolar pelados em cima daqueles bichos. Depois, havia um buraco enorme onde a gente se melecava de barro e ficava aquele monte de homem lá dentro, tudo pelado, por 1 hora, 2 horas, e assim por diante.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - O senhor falou do João Araguaia.

O SR. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - João Araguaia. Sim.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - O senhor o viu ser preso?

O SR. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - Não. Eu tirei serviço onde ele estava sendo preso, o DNER, que hoje se chama Casa Azul. Foi o homem que me atacou. Quando fui servir água para ele, jogou água no meu rosto; queria me agarrar.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - E depois desapareceu?

O SR. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - Morreu na hora.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Foi morto lá.

O SR. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - Foi. Chegou a me agarrar...

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - E quem atirou nele?

O SR. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - Soldado Bastos.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - E o senhor viu quando o corpo dele saiu? Levaram para onde?

O SR. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - Não. Eu e o Bastos e os outros militares fomos enterrar ele na margem do Rio Itacaiúnas, à noite.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Foram enterrar?

O SR. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - Fomos. Fomos enterrar.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - A mando de quem?

O SR. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - A mando do Comandante da Guarda, que, na época... Não me recordo o nome agora. Mas eu fui, estava presente, com o Soldado Bastos e mais uns 3. Nós o enterramos.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Quem era o Sargento Anselmo?

O SR. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - Sargento Anselmo era, na época, um instrutor, assim como o Sargento Hélio, o Sargento Trajano. Eram uns animais.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Eram uns animais.

O SR. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - Desculpa a palavra, mas eram animais. Eles nos treinaram mesmo para aquilo. Já sabiam o que tínhamos que fazer. Nós éramos obrigados a fazer aquilo. Fazer o quê? Tinha que fazer o treinamento. Não havia outra saída.

Num desses treinamentos, no Rio Itacaiúnas, morreu um amicíssimo meu, Cabo João. A hélice do bote o pegou e degolou. Morreu. Até hoje eu o ouço gritar para parar.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Correto. O senhor viu ou presenciou guerrilheiros sendo decapitados e mutilados?

O SR. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - Não, isso não. O que eu presenciei foi só a morte do João Araguaia e a prisão, perto das margens, do Alavanca: colocaram-no dentro do saco, amarraram a boca do saco e o transportaram para a 1ª 52 BIS - Batalhão da Infantaria de Selva.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Certo.

O SR. LORIVAN RODRIGUES DE CARVALHO - Quando estava em Xambioá presenciei uma mulher, da qual não sei o nome. Tirei 3 dias de guarda para ela. Segundo eles, era o melhor tratamento para a pessoa falar. Colocava no jirau, com aqueles tambores de 12 litros, e aquilo ficava pingando na cabeça da pessoa amarrada, pelada. Com uma hora a pessoa já estava com o olho vermelho e falava o que queria e o que não queria.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - O Sr. Vanu viu algum guerrilheiro tendo a cabeça cortada? (Pausa.) Não. Está bem.

Agora pergunto ao Sr. Raimundo.

Sr. Raimundo, durante a visita da Secretaria Especial de Direitos Humanos, que esteve lá em 2004, o senhor teve a oportunidade de indicar locais onde os guerrilheiros teriam sido enterrados. No entanto, depois de feitas as escavações, os corpos não foram encontrados. Nada foi encontrado.

O senhor saberia dizer por que isso aconteceu?

O SR. RAIMUNDO ANTÔNIO PEREIRA - Isso aí, para mim, aliás, foi até uma decepção. Não sei se foi lá a revista Época, com mais pessoas, fazer algum circo lá - circo, eu falo, pelo seguinte: fazer de palhaços eu e os outros colegas meus que estiveram lá e sabem. Qualquer militar que for lá... A mata, para nós, nunca mudou. Aquela mata continua viva em nosso pensamento.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Quer dizer, o senhor...

O SR. RAIMUNDO ANTÔNIO PEREIRA - Eu mandei até um documento para o Dr. Nilmário. Eu falei com ele. Eu tenho isso em fita, gravado. Ele falou que não, que foi bom aquilo que aconteceu. Eu disse: "Mas não foi encontrado! E não foi cavado primeiramente onde nós marcamos!" Eu marquei num lugar, e há uma pessoa chamada Helder, dentro do Ministério da Justiça, que no dia estava lá. Passamos a fita, e, quando chegamos lá, as pessoas que vieram da Argentina colocaram em outro lugar. O que eu fiz? Falei com um colega meu, Josian, que viu no dia quando a Walquíria foi morta: "Aqui na base eu não fico mais. Por que eu não fico? Porque a gente marca num lugar; a pessoa que vem da Argentina sabe onde está o corpo, sendo que eu tirei 30 dias de serviço em cima daquela sepultura do Osvaldo e da Walquíria".

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Certo.

As informações que o senhor traz agora, acerca dos restos de Maria Diná e Jaime Petit e da cabeça do Ari, são diferentes daquelas que já estavam disponíveis em 2004. Com relação a essas fotos que o senhor apresentou agora, por que naquela época o senhor não as exibiu? Porque o senhor não as tinha ainda?

O SR. RAIMUNDO ANTÔNIO PEREIRA - Vou responder ao senhor - e a D. Criméia disse: primeiramente, foi medo, porque houve colegas meus da região - aqui está a prova de que servimos juntos - que, após ter dado baixa no quartel, em 1974, foram presos pelo próprio Exército e retornados ao quartel, onde ficaram por 30 dias presos, porque beberam e falaram demais sobre a participação deles no Araguaia.

E a respeito da Maria Diná, essa informação eu já passei para a Diva, que é irmã dela. Aliás, o próprio depoimento eu já passei há bastante tempo para ela, dizendo onde está, e a senhora que está lá, D. Antônia, que é esposa do Arlindo Piauí, qualquer hora que precisar, vai lá mostrar o local onde está enterrado - hoje há até uma lagoa por cima da sepultura das pessoas.

Eu estive, também, com o jornalista Leonel, do Correio Braziliense, no local, e o levei até a sepultura da Maria Diná, na Oito Barracas. Chamamos o Sr. Olímpio para confirmar de quem era aquela sepultura. E ele disse que aquela sepultura que está ali é da Fátima e que ela nunca foi desenterrada. Ela está em um local entre 2 palmeiras - na época, ele falou que essas palmeiras eram pequenas; hoje são palmeiras grandes - e ao lado de um córrego, o que é de fácil de identificação.

Sobre a cabeça do Ari, eu soube agora, dia 1º, que a pessoa esteve no quarto do hotel onde eu fiquei hospedado, e essa pessoa chama Doutorzinho. Eu tenho o telefone da pessoa. Qualquer hora que quiserem ele vem confirmar que ele ficou dormindo com essa cabeça ao lado dele. E um militar falou para ele que a cabeça dele também seria enterrada se ele, de manhã cedo, não enterrasse aquela.

Como ele me falou isso, eu disse: "Só que agora você já me contou isso e eu vou levar ao conhecimento das pessoas". Ele disse: "Mas para que eu fui falar isso? Nunca pensei que você fosse fazer..." Eu disse: "Não. Tudo que vocês me falam eu passo para frente".

E, aliás, uma coisa que eu quero deixar bem claro também é que os depoimentos das pessoas, muitas vezes, vão para a Comissão de Anistia, onde procuram por aquelas pessoas. Muitas daquelas pessoas - aliás, eu tenho prova de algumas - tiveram os nomes mudados. Aí pegam informação na ABIN, que não vai informar, por exemplo, que Raimundo Antônio Pereira de Melo foi preso, porque no documento que estava lá na Transamazônica, perto de Brejo Grande, o seu nome era outro - esse aqui sabe também o local onde havia um acampamento e onde lá eram tirados os documentos. Era a ACISO, um movimento do Exército, na época, que fazia isso. Através dessa ACISO era trocado o nome da pessoa.

Como a Comissão de Anistia vai anistiar uma pessoa, se não vai encontrar o nome dela? É claro que não vai encontrar! Vai ter outro nome completamente diferente! Ele fala lá que apanhou, que perdeu a terra, que fez isso, que fez aquilo, mas, quando a ABIN vai informar, é outra coisa completamente diferente.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - O senhor falou, na sua exposição, que esteve em turno de hora onde a Lia era...

O SR. RAIMUNDO ANTÔNIO PEREIRA - É Lia o nome dela. Essa pessoa jamais vai sair da minha mente.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Que ela chegou encapuzada.

O SR. RAIMUNDO ANTÔNIO PEREIRA - Chegou encapuzada, com um saco de estopa.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - E o senhor viu quando ela saiu de lá?

O SR. RAIMUNDO ANTÔNIO PEREIRA - Vi a hora em que ela chegou.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - E a hora que saiu?

O SR. RAIMUNDO ANTÔNIO PEREIRA - Ela chegou mais ou menos entre 16h e 17h à Base de Xambioá, que fica do lado direito do aeroporto, entre ele e o Rio Araguaia. Após as 10h, foi o primeiro turno que eu tirei. O primeiro a tirar o turno fui eu, das 10h até as 12h. Das 12h em diante, foi dividido em 2 horas. Aliás, ainda desamarrei a mão dela; deixei só o pé amarrado. Ela estava amarrada em um - alguém que entender de roça vai saber do que eu estou falando - um esteio. Ela estava amarrada nesse esteio, com as mãos para trás e os pés. Então, eu a deixei dormir dentro do meu horário. O outro rapaz que chegou também continuou deixando-a dormir, e ela dormiu a noite toda. A única coisa que ela fez no meu horário - quando eu já ia saindo; na última hora minha - foi pedir água, e eu dei do meu cantil.

E a ordem que eu tive nesse momento - eu estou falando isso porque é a mais pura verdade - era a seguinte: qualquer movimento que você ouvir - porque era cercada a casa, ao redor, pela mata -, você pode atirar. Só que eu não precisei disso e jamais iria precisar, principalmente porque vamos supor que corresse um calango ali e eu pensasse que fosse uma pessoa para libertá-la, ia fazer uma coisa.

E, complementando aqui o que o meu colega estava falando, o que vocês pensarem que fizeram conosco para combate ao pessoal do PCdoB é pouco. Eles nos ensinaram a beber sangue de animal. Isso aí foi a coisa pior da minha vida, e eu acho que de todos os colegas. Nós, da turma de 1974, jamais vamos esquecer o que o Trajano, o Tenente (ininteligível), o Tenente Silva e o Sargento Anselmo fizeram conosco dentro daquela mata lá do Tauri e do Taurizinho.

Houve colega meu que foi pego em Marabá e aprendeu a beber sangue de animal. Ele andava matando os animais de Marabá e bebendo sangue. Isso foi filmado por uma empresa de televisão de lá.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Sr. Raimundo, o senhor disse que tinha muitos arapongas naquela época. Esses arapongas eram pessoas pagas para pegar informações?

O SR. RAIMUNDO ANTÔNIO PEREIRA - Não. Eram pessoas do próprio Exército.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Do Exército. Eles não eram...

O SR. RAIMUNDO ANTÔNIO PEREIRA - Aliás, quando eu era funcionário da Prefeitura de Marabá, o Prefeito de Marabá, que, na época, passou à Segurança Nacional, era o Capitão Elmano de Moura Melo, com quem, aliás, eu trabalhei. Eu era funcionário, na época, e, quando sai do quartel, perdi o meu lugar na Prefeitura; fui demitido. E não há registro na Prefeitura de que eu trabalhava lá.

E existia também o Português, que já veio de Imperatriz. Depois, nós soubemos que era um tenente-coronel. Ele vendia pastel na rua, e eu o conheci dentro da Prefeitura de Marabá.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - O senhor falou o nome de alguém que cortava a cabeça dos guerrilheiros, mas não deu para pegar.

O SR. RAIMUNDO ANTÔNIO PEREIRA - Iomar.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Iomar. Era militar?

O SR. RAIMUNDO ANTÔNIO PEREIRA - Não, ele foi uma das pessoas que foi presa e foi obrigada a fazer o que eles queriam.

E eu cheguei a ver 3 cabeças dentro de Xambioá, e é com aquilo que eu tenho vários pesadelos. Há semanas em que eu tenho 3 dias de pesadelos.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - O senhor disse que toda vez que diz alguma coisa recebe recadinhos. Esses recadinhos são ameaças?

O SR. RAIMUNDO ANTÔNIO PEREIRA - Esses recadinhos são ameaças, sim.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Ameaça de quê?

O SR. RAIMUNDO ANTÔNIO PEREIRA - Eu estava dentro da reunião nossa, a pessoa chegou e disse: "Olha, o catingueiro não veio aqui para a reunião de vocês porque não deu". Mas aí eu perguntei para a pessoa: "O que o catingueiro tem a ver com ex-militar? Você fala para ele que lugar de ex-militar é completamente diferente do guia; que ele é..." Eu sei, através dos outros - não vou contar com certeza quem -, que ele é uma pessoa que mora dentro da casa do Sebastião Curió.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Muito bem.

Agora, pergunto ao Tenente Vargas: o senhor citou, nessa carta do Coronel Lício, o diário do velho Mário, não é?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Sim, está.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - O senhor tem conhecimento da localização ou do paradeiro desse diário hoje?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Não. De nenhum dos 2. Eu não cheguei a ler nem o diário Mário nem o do Arroio.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Mas o senhor tomou conhecimento dele a partir dessa carta ou o senhor já sabia da existência desse diário?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Não. Não sabia, não.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - O senhor sabe que muita gente tem documentos, não? Inclusive o senhor usa documentos, alguns de 1989, outros anteriores, e também documentos de 1990. A maior parte dos documentos que o senhor usa aqui é de 1990, quando já estávamos em um outro processo.

Ou seja, e essa documentação que muitos dizem que foi queimada? O senhor, como militar que conhece - o senhor inclusive utilizou-se de documentos para escrever o seu livro; o Coronel Lício também; outras pessoas também -, acredita que há muitos documentos nas mãos de militares e de outras pessoas e que essa documentação vai surgindo a partir dos livros que são publicados?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Esse questionamento que o senhor está fazendo foi motivo de uma sindicância no Exército, que tinha como objetivo saber onde e como eu adquiri esses documentos, por causa do meu livro.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Eram documentos secretos, não?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Sim. A resposta que eu tive lá no... Eu não trouxe! Poderia ter trazido a inquirição feita por um coronel e um capitão, advogado do CMO, o Comando Militar do Oeste. Chamaram-me lá para depor, para eu dizer por que publiquei esses documentos sigilosos, confidenciais e secretos. A primeira coisa que eu respondi foi: "Para que o meu livro tivesse credibilidade. Sem provas, não teria credibilidade".

E os documentos correspondem a 2 fases. Foi o que eu respondi lá e vou responder aqui para o senhor. Os relativos à primeira fase eu recebi lá na Casa Azul: plano de captura e destruição, plano de busca e apreensão, normas gerais, fotos dos guerrilheiros e esse plano do PCdoB para implantação. Eu era comandante de grupo e por isso me foram dados esses documentos.

Em 1990, eu vi que muitos militares que estiveram na guerrilha tinham sido agraciados com essa medalha, e eu, que estive lá, não. E isso aí serve, para nós, militares, para a promoção; nos dá pontos. Tanto é que consta no livro que, por eu ter ganhado a medalha, fui número um no Brasil a ser promovido a tenente.

Então, os documentos secretos da segunda fase que o senhor comentou, de 1990, foram oriundos da sindicância aberta para que me concedessem essa medalha. E eu era escrivão. E como, nessa sindicância - estão aí, em anexo, os documentos -, os que foram meus comandantes e meus subordinados falavam bem de mim, em elogiavam, eu guardei. Mas nunca foi minha intenção escrever um livro. Estavam esses documentos guardados para, quando eu morresse, meu filho entrega-los a um historiador.

Porém, depois de muito tempo ouvindo e lendo meias verdades sobre a guerrilha, em 2004, eu comecei a escrever o livro. Passei 3 anos escrevendo.

Então, é isso aí.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - O senhor, na pág. 56 do livro, diz o seguinte: "As técnicas de interrogatório a que eram submetidos os guerrilheiros em Bacaba consistiam em choques com corrente elétrica gerada por baterias de telefones de campanha portáteis; telefone, que consistia em dar tapas com força, simultaneamente, nos ouvidos, com as mãos abertas; colocá-los em pé, descalços, em cima de duas latas de leite condensado, apoiando-se somente com um dedo na parede; dar-lhes socos em pontos vitais como fígado, rins, estômago, pescoço, rosto e cabeça; além de fazê-los passar fome e sede".

Essas técnicas foram enumeradas a partir do que o senhor viu, como tenente, ou do que narraram para o senhor? O senhor presenciou a prática de algumas dessas técnicas de tortura?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Sim, sim, eu presenciei algumas, mas não sei por quem foram praticadas. Eu posso falar do Piauí, porque, no desenrolar da missão, quando se prendia um guerrilheiro - no caso, eu posso falar muito do Piauí, que eu peguei vivo e há documentos de outras pessoas atestando isso, confirmando a minha versão -, ele estava abalado e não queria falar. Então, tínhamos que aplicar algumas técnicas citadas aí para ele poder delatar. Porque, depois que ele voltasse à calma, não falaria nada.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Aí, o senhor diz que o guerrilheiro Antônio Pádua da Costa, o Piauí, o senhor capturou vivo, e hoje ele consta como desaparecido. "Quando fui evacuado da região..." Foi em 1974 que o senhor saiu de lá, não?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Em 27 de fevereiro.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Em 27 de fevereiro. Ele ainda estava...

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Vivo.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Vivo. "E ainda se encontrava vivo e colaborando conosco."

Ou seja, o senhor considera que Piauí ainda esteja vivo, ou essa questão da colaboração, de que falam, é para desqualificar a ação dele como guerrilheiro?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Não, ele colaborou da seguinte forma: ele falava o que ele queria, o que a gente já sabia. Ele foi um dos maiores guerrilheiros que eu vi, tanto que eu digo aí que, quando ele recebia tortura, não gritava, não falava. Os outros diziam: "Pelo amor de Deus, me mata!" Ele, não; ele falava assim: "Hum! Hum! Hum!" Só isso. E ele falava quando queria.

Agora, eu não posso dizer para o senhor como ele sumiu. esse documento do Coronel Lício e do Dr. Asdrúbal, que eu li, já me deixou em dúvida se realmente ele ficou lá e foi morto ou se está vivo e mudou de identidade para não ser justiçado.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - É, porque alguns outros documentos de que nós tivemos conhecimento, até aquele livro que foi publicado pelo jornalista, onde fala do livro negro, dizem que essas pessoas que eram colaboradores se tornavam cachorros. Era o termo usado lá também?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Não, não que eu saiba.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Não.

Farei mais 2 perguntas, para concluir.

No seu livro, na pág. 53, o senhor relata que Zeca Fogoió - Coioió? Fogoió. Aqui no livro está Fogoió, e eu estou citando o texto dele -, José Humberto Bronca, foi morto em ação do Exército na noite de Natal de 1973. No seu livro está escrito isso. Entretanto, relatório do Ministério da Marinha apresenta a morte de Zeca no dia 13 de março de 1974. Afinal, qual é a data correta e qual foi a causa da morte de Zeca Fogoió?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Bom, eu não participei desse confronto. Agora, eu estava lá. Na época, era terceiro sargento e juntava informações de um e outro companheiro que participou. Depois eu tive oportunidade de trabalhar no Serviço de Inteligência e tive acesso a documentos. Além disso, quando eu resolvi escrever o livro, pesquisei também, juntando as minhas informações da guerrilha, as informações do Serviço de Inteligência e as informações que saíram nas revistas Época, IstoÉ e no Jornal do Brasil. Aí cheguei a essa conclusão. No próprio livro há um capitão que diz que eu participei lá onde foram mortos 8 guerrilheiros. Então, o número 8 vem daí.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - E a última pergunta, Sr. Presidente, para dar oportunidade aos outros: o senhor afirma, também na pág. 53 do seu livro, que Ari, o Marcos José de Lima, foi morto na ação da noite de Natal de 1973. entretanto, registro do General Bandeira entregue ao jornal O Globo em 1996 aponta que Ari foi preso na Rodovia Transamazônica no dia seguinte, 26 de dezembro de 1973. Afinal, qual versão está correta?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Ari Arameiro? É o Ari Arameiro? Eu não posso afirmar, mas eu posso confirmar o que está no meu livro, baseado nisso que eu lhe disse agora.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Sim, mas e essa informação que o senhor colocou no seu livro, na pág. 53?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - São 8 guerrilheiros.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Quem lhe deu essa informação? O senhor teve acesso a esse fato? Presenciou?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Não, não. Eu não estava nessa ação.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Não, mas tem documento que a comprove?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Mas eu o juntei aí, não? Fui juntando. Eu juntei e cheguei a essa conclusão, baseado em informações de companheiros do pessoal do Serviço de Inteligência e nas outras reportagens publicadas.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - O General Bandeira entregou o material para o jornal O Globo em 1996, dizendo que ele foi preso na rodovia Transamazônica no dia seguinte - não no dia de Natal, mas no dia 26 de dezembro de 1973. Essa informação do General Bandeira o senhor já tinha quando escreveu o seu livro?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Não, estou sabendo agora.

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Sr. Presidente, muito obrigado. Vou encerrar a minha intervenção, para que os outros companheiros também possam fazer suas questões.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Obrigado, Deputado Luiz Couto.

Concedo a palavra ao Deputado Chico Alencar.

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Bom, infelizmente, pelo adiantadíssimo da hora para nós, outros, que temos que ir para a votação em plenário, eu terei que ser muito sintético.

Em primeiro lugar, ressalto que esta audiência pública tem um conteúdo histórico muito importante para a busca da verdade e para garantir o direito do povo brasileiro à sua própria memória, à sua própria história, direito que tem sido sonegado pelas sucessivas autoridades maiores da República há muito tempo. Então, o depoimento de cada um aqui é muito rico e muito franco.

Nesse sentido - o Tenente Jiménez não vai gostar da citação -, Lenin diz que a verdade é revolucionária. Então, o senhor, mesmo estando em um campo ideológico oposto ao dos socialistas, com o seu livro, na medida em que ele traz elementos de verdade, ajuda também. E tudo isso só é possível porque estamos num processo, embora lento, de democratização, sem dúvida.

Eu queria fazer basicamente 2 perguntas. Primeiro, para o Tenente Jiménez, pergunto a que se deve essa reação - e como o senhor, um homem cioso da hierarquia militar e do papel dos militares, mesmo na quadra da ditadura, a explica - de alguns altos oficiais em relação à divulgação de documentos. Eles, ao fim e ao cabo, querem ocultar toda a verdade do Araguaia?

Eu percorri rapidamente algumas páginas do seu livro, que a Deputada Moema me mostrou, e observei nele situações em que as pessoas foram presas - o senhor testemunha isso; participou da ação - e são dadas como desaparecidas até hoje. Portanto, por que há uma reação da alta oficialidade em relação a esses escritos?

Em segundo lugar, pergunto o que o senhor acha que pode ter acontecido com essas pessoas. Todas mudaram de identidade e estão vivendo uma outra vida?

Para o Dr. Nélio Roberto Machado, amigo de longa data, pergunto: nessa situação, o que a OAB e o próprio Poder Legislativo podemos, juntos, fazer para que toda a verdade venha à tona? Já se passou tempo demais. É inaceitável que fiquemos, ainda, nesse limbo em relação a essas situações tão comoventes para as pessoas, e, mais do que isso, tão necessárias para o nosso processo civilizatório.

A Câmara dos Deputados, ontem, às 10h da noite, revalidou a anistia aos líderes da Revolta da Chibata, entre os quais, João Cândido, proposta pelo Senador Rui Barbosa em 26 de novembro de 1910. Demorou 98 anos para ser aprovada! Não é possível que continuemos com esse ritmo!

Então, são essas 2 questões que eu apresento.

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Deputado, eu não posso falar pelos outros, mas realmente eu sofri muita pressão, principalmente por parte de oficiais superiores. Dentro do meu nível, não, mas oficiais superiores, sim. Eu estou na reserva, mas sempre faziam comentários. Há encontros de guerreiros de selva em Campo Grande, e, quando eu comentava que estava escrevendo o livro, sempre me falavam: "Deixa isso quieto". "Não faz isso." "Não mexe; deixa parado." Entendeu?

Agora, com relação a documentos, eu não sei se já falei que em 1985 eu trabalhava no Serviço de Inteligência - eu até comentei que fazia 26 anos que eu não vinha aqui, porque em 1981 fiz a EsNI, hoje extinta. Por isso, passei 6 meses aqui em Brasília, e depois passei a trabalhar no Serviço de Inteligência do Exército.

Quando eu trabalhava em Belém chegou a ordem para destruir os documentos. Então, é por isso que confirmo que foi dada ordem para destruí-los. Eu até já comentei isso quarta-feira passada...

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Quando foi isso?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Em 1985.

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Onde o senhor estava?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Em Belém do Pará.

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Servindo lá?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Isso, no Serviço de Inteligência.

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - A ordem veio...

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Sim. A 8ª Região é subordinada ao Comando Militar da Amazônia e ao Comando Militar do Centro de Informações do Exército. Então veio a ordem. Dessa eu posso falar.

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Sem maiores explicações?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Sem maiores explicações. Eu era o encarregado pelo arquivo e queimei tudo. Foi queimado. Inclusive testemunhei isso na quarta-feira passada, na Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. Realmente, essa era a minha função, e eu destruí todos os documentos do Araguaia.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Não guardou nem um pouquinho?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Nada. Esses que eu tenho não eram de lá; conforme eu comentei, foram-me dados lá na guerrilha; e os outros são baseados na sindicância que foi feita. São informações como as que estão xerocadas aí. Só que, às vezes, os senhores vão pegar o livro e ver que não dá para ler algum documento xerocado. Mas ele já está transcrito antes. Ele está ali só para mostrar que eu tenho os documentos. Mas o que está ilegível já foi transcrito antes.

Falando em livro, só um parêntese: quem o tiver pegado, por favor, acerte comigo, porque eu tenho que acertar com a livraria. Eu trouxe alguns exemplares que a livraria me passou, e eu preciso acertar com ela.

Mais alguma pergunta?

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Tenente da reserva não ganha bem, não é?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Não ganha. Ganha menos do que o soldado da Polícia Militar de Brasília.

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Por fim, o senhor acha que é possível haver cópias desses documentos?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Eu tenho cópias; eu tenho documentos originais.

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Dos destruídos, o senhor imagina que pode haver outras cópias? Não eram peças únicas, originais?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Não, daqueles lá, não. Eu estava na minha função, e aqueles eu destruí mesmo, entendeu?

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Mas eram documentos absolutamente originais e singulares? O senhor considera impossível haver cópias deles?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Não, não, porque vão-se tirando cópias, quando passam de uma unidade para outra. Eram cópias.

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Era um volume muito grande?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Era bastante, todos sobre a Guerrilha do Araguaia.

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Todos relativos à Guerrilha do Araguaia?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Posso até citar. Por exemplo, eu li e me baseei também em informações da Operação Araguaia, aquele livro da jornalista. Ali há documentos secretos, confidenciais, da primeira fase; da segunda fase não há. Mas, daquela primeira fase, havia um documento que eu mesmo fiz, quando mandaram perguntar que militares foram mortos e feridos na Guerrilha do Araguaia. Há lá uma cópia da relação dos documentos. Eu trabalhava no Serviço de Inteligência e fui eu que fiz. Cada um de nós tinha um código, quando mandava o documento, para se saber quem era o autor.

Esses dias eu até comentei com o jornalista que está presente ali que aquele documento fui eu que fiz e mandei, e ele estava anexado ali.

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Por fim, o senhor sofreu, além dessas advertências - deixa isso quieto; não reconta isso etc. -, algum tipo de ameaça?

O SR. JOSÉ VARGAS JIMÉNEZ - Inicialmente, como eu comentei, diziam: "Você é louco! Maluco!" "Isso é nitroglicerina pura." "Isso é uma bomba." "Você vai ser preso." Depois que eu lancei o livro e nada me aconteceu, diziam: "Você é herói." "Você é um cara corajoso."

E, inclusive, não querem que eu fale, mas eu passei a ser admirado por oficiais de alta patente por ter escrito esse livro. Não posso dizer por quem, mas, dentro do meio militar e do meio civil, passei a ser admirado pela coragem que tive de escrever esse livro, e ainda pela coragem de vir aqui falar com os senhores, e na quarta-feira passada também.

O SR. NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO - Deputado Chico Alencar, V.Exa., que é professor de História - eu sou seu admirador de longo tempo -, sabe que, a rigor, em qualquer circunstância, o que se busca, mais do que tudo, mais do que qualquer punição, mais do que um encarceramento de quem quer que seja, é o restabelecimento da verdade e a projeção do passado, para que ele nunca mais se repita.

Isso é uma espécie de pequeno holocausto - se é que se pode considerá-lo pequeno - do que foram os tempos vivenciados na Ditadura Médici e na que a precedeu, na época da Junta Militar.

V.Exa. mudou de partido, mas o Presidente Lula, outro dia, andou dizendo: "Brasil: ame ou deixe-o"; "Ninguém segura este País". Essas são expressões que deveriam ser banidas da memória de qualquer um de nós, como banida também deveria ser a truculência do Araguaia. O que se lê - eu li alguns trechos do livro - são situações que nós sabemos que existiram, mas que causam repúdio, causam verdadeiro asco quando se pensa nelas e se vê a que ponto se chegou.

E vemos aqui a prova cabal, apesar de dizerem que não há provas. O mínimo que se tem que fazer agora é instaurar um inquérito policial militar sério; levar adiante o trabalho que a CPI possa vir a fazer, se instaurada, e o trabalho da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.

Além disso, a Ordem vai fazer aquilo que é a sua vocação histórica: ela não existe apenas para tratar de assuntos meramente corporativistas relativos à classe dos advogados; ela só se engrandece e se eleva na medida em que luta pelo aprimoramento da ordem jurídica do País; na medida em que não transige com qualquer tipo de afronta aos princípios inerentes ao Estado de Democrático de Direito.

E essa lição serve também para que ninguém, em nenhuma circunstância, cogite, novamente, no Brasil, de um poder absoluto. Nós temos que ter uma vacina permanente, porque precisamos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Mais do que nunca, cada Poder com a sua missão.

Eu não vou adiante, caso contrário vou entrar na seara da necessária autonomia efetiva de legislar que se vem esvaindo junto ao Congresso Nacional.

Cumprimento V.Exa. e reitero a minha profunda admiração pelo seu trabalho parlamentar.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Há mais algum questionamento? (Pausa.)

Apresente-se, por favor.

O SR. ELMO SANTOS SAMPAIO - Sou Elmo Santos Sampaio.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Identifique-se para nós. Diga o seu nome e o que o senhor representa.

O SR. ELMO SANTOS SAMPAIO - Eu sou soldado da Guerrilha do Araguaia. Dirijo-me ao representante da OAB.

No ano passado, nós fizemos um trabalho junto à OAB. A Comissão de Direitos Humanos daquela entidade deu-nos oportunidade de escutar, em depoimento pessoal, os soldados da Guerrilha do Araguaia. Passamos 3 dias dentro da OAB dando depoimentos. Voltei posteriormente e fui informado pelo então funcionário da OAB de que esse processo tinha sido encaminhado para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, de que uma cópia tinha sido encaminhada ao então Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos e de que o assunto estava sendo providenciado. Até hoje, tentei já várias vezes algumas incursões na busca de como está andando esse processo, mas não tenho conseguido êxito quanto ao esclarecimento disso. Como o senhor falou inicialmente que estava representando a Comissão da Guerrilha do Araguaia, eu gostaria de saber se é fruto desse momento o trabalho que o senhor está fazendo nesse sentido.

O SR. NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO - Na realidade, a minha designação como Relator nasceu do trabalho feito anteriormente pela Comissão de Direitos Humanos. O Conselho deliberou, por unanimidade, fazer uma notícia formal de crime ao Superior Tribunal Militar. Quanto a essas medidas tomadas à época dos depoimentos, esclareço que não tive participação nesse episódio, mas vou sugerir-lhe algo. A Ordem do Advogados fará a sua reunião mensal na próxima segunda-feira e terça-feira, de 9h às 18h. Sugiro-lhe que vá à Ordem e procure-me. Eu sou da bancada do Rio de Janeiro. Vou encaminhá-lo para o órgão competente, para que o senhor tenha efetivamente uma comprovação das medidas que teriam sido tomadas desde aquela hora. Quanto ao que possa existir no Ministério da Justiça, a Ordem poderá oficiar para saber como as coisas andam. O senhor também poderia fazê-lo, mas creio que a Ordem pode estar do seu lado para esse efeito, sem nenhum tipo de dificuldade.

O SR. ELMO SANTOS SAMPAIO - Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - A nossa jornalista quer espaço para fazer um esclarecimento.

A SRA. MYRIAN LUIZ ALVES - Vou aproveitar este momento, porque tenho muita admiração pelo Deputado Chico Alencar, que é professor de história.

A título de esclarecimento, porque não pudemos falar, digo que o Ministro da Justiça Maurício Corrêa, em 1993, pediu relatórios sobre os 400 mortos e desapreciados do Brasil. Os 3 Ministros militares entregaram relatório sobre todos os mortos e desaparecidos do Brasil. Mesmo quando não havia nada, colocavam ali, numa linha: "Não há informação". Em 2001, fizemos um cruzamento, um apanhado só do que era referente ao Araguaia. Eu não deixaria de aproveitar a presença do Tenente para esclarecer o senhor.

Sobre o Antônio de Pádua da Costa, que estudava Astronomia no seu Estado, o Rio de Janeiro, e que foi capturado pelo Tenente, em 1993 a Marinha diz... A Comissão de Direitos Humanos vai ficar como uma cópia da fotografia, que está no CD que estou deixando nesta Comissão, que mostra o Antônio de Pádua Costa preso com uma tropa atrás dele. Esses militares são possivelmente identificáveis. Segundo a Marinha, ele foi morto a golpes de facão pela guerrilheira Maria Célia, cuja prisão na Bacaba foi amplamente testemunhada - o livro do Tenente chama-se Bacaba. Por quê? Porque eles eram prisioneiros. Muita gente os viu presos.

Portanto, quem estuda história vai verificar que há pelo menos 3 tipos de justiçamento. Por quê? Porque alguns oficiais não iriam querer assumir mais lá na frente que eles foram fuzilados. Contudo, há relatos de moradores e de ex-guias, que teriam testemunhado Maria Célia, Antônio de Pádua Costa e Luiz René, o Duda, também do seu Estado, serem mortos pelas costas na beira de um rio, na cabeça, por pelotões.

O senhor estava perguntando sobre arquivos. Como foram feitos relatórios para o Ministro Maurício Corrêa, sem nenhum estardalhaço, sem nenhum questionamento, com informações, em 1993? Por que essas informações não foram divulgadas para as famílias ou para os grupos de direitos humanos? Nunca foram divulgadas, Deputado! Serviram depois para um livro, mas nunca foram estudados esses relatórios. De onde surgiram essas informações? O senhor é historiador, eu também sou, por isso fico questionando-me como isso pode acontecer.

A cada ano a Guerrilha do Araguaia tem uma versão. É claro que existem documentos aqui e no Rio de Janeiro, mas nunca foram pedidos os relatórios da Marinha. Por que a Marinha tem quase todas as datas de morte e por que a Marinha se refere a novembro de 1974? Porque o relatório da Operação Marajoara provavelmente é de novembro de 1974, após a morte da Valquíria, que foi fuzilada na base de Xambioá, com 3 tiros. Existe um depoimento do Soldado Adaílton, na Comissão de Mortes e Desaparecidos Políticos. O Dr. Pinô colheu esse depoimento e logo em seguida caiu da Comissão. Ou seja, num trabalho bem-feito de apuração parlamentar, porque o senhor sabe que qualquer Câmara pode instalar uma Comissão de Inquérito, as pessoas seriam obrigadas a vir falar.

Como é que a Rosinha, que era presa como um passarinho - inclusive o Tenente Jiménez a homenageia no livro, cita um poema feito em homenagem a ela, como ela poderia ter matado o Piauí a facão e depois ser morta em seguida? Como é que isso poderia acontecer ao Piauí, no meio de uma tropa daquelas, em um lugar que era um campo de concentração, como Bacaba? São coisas horríveis e covardes. Foram 8 mulheres mortas em 1974, a partir da prisão. Somente 2 guerrilheiras, em 1973, foram mortas. Aliás, a Sônia foi morta em 1973 e outras 2, em 1972, Maria Lúcia e Elenira. Tirando as meninas que saíram ou que foram presas em 1972, todas as outras mulheres foram mortas, presas. De vinte e poucos presos em 1974, 8 eram mulheres, inclusive a última delas, a Valquíria, pedagoga de Minas Gerais.

É claro que os relatórios existem, caso contrário não poderiam ter sido montados em 1993. E percebe-se claramente que são depoimentos, como no caso do Daniel Calado, da Áurea, da Dina. São depoimentos, extratos de depoimentos. E hoje isso fica claro, vendo-se os relatos.

Essa história sempre volta, Deputado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Acho que vamos ter que encerrar, porque estão chamando-nos para a votação e o nosso Tenente de Vargas, que deve ser descendente de Getúlio Vargas, tem que pegar o avião. Cada um tem um compromisso, e nós temos votação.

Pelo que senti, temos muito trabalho pela frente. Não se trata - e quero deixar isto bem claro - de ficarmos ruminando, botando para fora, mastigando para engolir de novo, mas de resgatarmos a história. A anistia está aí para reparar juridicamente uma e outra parte, tanto um quanto outro. Isso é absoluto. A OAB disse estas palavras, as quais sublinho: "A anistia é um entendimento entre as partes que se compreendem". Se, de um lado, alguém acha que exagerou, o outro exagerou por outro lado. Há que se ter compreensão, e a anistia é isso. Contudo, resgatar a história faz parte da memória e do direito à memória que uma Nação tem, especialmente no que diz respeito às famílias. Para mim, essas pessoas não estão desaparecidas, mas escondidas. Para mim, está claro que há muita gente que se sabe onde está. O que não existe é o propósito de se descobrir. E, se descobrir, qual é o problema? Quem vai morrer por causa da descoberta? O que vai acontecer de mau para alguém, em função dos corpos que serão descobertos? Nada! Só vai acontecer algo de bom para o Brasil. Essa é uma página da história que nós precisamos passar, precisamos virar.

Tenho certeza de que nós vamos trabalhar mais ainda esse tema, Zezinho. Tu sempre estás presente conosco e tens sempre a oportunidade de conversar. Nós vamos conversar muito mais ainda sobre esse tema pela frente. Pergunta sobre a tua dúvida.

O SR. ZEZINHO DO ARAGUAIA - Em 1996 e em 1992, foram retirados corpos dos meus companheiros. Hoje eles estão sem identificação na Comissão de Mortos e Desaparecidos. Estão lá, dentro de caixas de papelão. E há aqui também, na Comissão de Direitos Humanos, ossos dos meus companheiros. Quero saber da Ordem dos Advogados e dos companheiros o que fazer para identificá-los.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Zezinho, só para esclarecer, até para que não haja dúvida, digo que tu tens razão, em parte, na tua reclamação. Realmente existem esses ossos, que foram retirados e não foram identificados. Por isso estão cobrando-nos que esclareçamos isso. A Comissão de Direitos Humanos tem sido cobrada e eu me propus a fazê-lo.

Não se trata de retaliação, não é retaliação contra o Exército. Não é como alguns dizem: "Olha, é para ver se alguém, hoje politicamente importante, pertenceu à guerrilha e na época entregou camaradas, entregou companheiros". Não se trata disso. Não se trata de saber se o Exército agiu assim ou assado. O que nós queremos - e isto é verdade - é saber o que diz respeito principalmente aos corpos e à sua localização, à história. É isso o que queremos.

Para isso, um dos primeiros atos que patrocinei aqui na Comissão foi entregar oficialmente toda essa documentação e essa ossada que estava aqui na Câmara, que parecia uma coisa fantasmagórica, a quem de direito, a quem tivesse a memória, o arquivo. E nós temos que cobrar de lá a apuração, o avanço das investigações. mas não há mais nada aqui na Comissão. A Comissão não tem mais esse material.

Digo isso só para te informar, senão vai parecer que nós temos a responsabilidade sobre o material. Nós não temos essa responsabilidade. Entregamos todo esse material. Deixo isso esclarecido. Contudo, a tua reclamação é pertinente, porque, na verdade, isso não foi esclarecido.

Companheira, concedo-lhe 1 minuto. Identifica-te para nós.

A SRA. MARIZETE GOUVEIA DAMASCENO SCOTT - Meu nome é Marizete Gouveia. Estou representando a Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia.

Congratulo-me com o trabalho da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Temos construído uma história de parceria de êxito também com a OAB.

A minha preocupação aqui é uma, como cuidadora que sou: o que existe agora em benefício dessas fontes de história viva que vêm aqui? Falar dessa história horrível é retraumatizante para eles. Qual cuidado, o que podemos oferecer a eles? O que temos para eles, para prevenir esse tipo de coisa?

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Perfeito, Dra. Marizete. Eu agradeço a colaboração a V.Sa.

A presença do Presidente da Comissão da Anistia representa exatamente a interlocução de que nós precisávamos para dar seqüência e conseqüência às reclamações dele, tanto que a Comissão de Anistia está recebendo centenas de requerimentos, em que se alega a realidade de cada um e reivindicam-se direitos. Eles estão examinando caso a caso. S.Sa. alertou, no começo da audiência, que 260 casos estão sendo analisados. E a Comissão de Anistia vai ao Araguaia, inclusive para - já foram tomados depoimentos - definir alguns julgamentos. A Comissão de Direitos Humanos vai acompanhar, muito próxima, o processo.

Assim, o caso dele - e não só o dele, mas o caso de todos - será tratado na Comissão de Anistia. Se algum caso não for alcançado, se não se chegar até lá, nós seremos um instrumento para encaminhamento dessas questões.

(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pompeo de Mattos) - Eu compreendo. E essa é a discussão que não está definida na Comissão de Anistia. Por quê? O próprio Presidente da Comissão disse: há interpretações que são contra aqueles que sofreram agressões e há entendimento de que aqueles que agrediam cumpriam ordens, portanto também têm seqüelas. Portanto, ainda não há um entendimento pacificado dentro da Comissão. Ele tem razão na reclamação que faz, tanto que há um encaminhamento jurídico, mas a Comissão não pacificou o entendimento. Será só para os guerrilheiros, e não para os soldados? Nós temos que pacificar a Nação. Nosso propósito é esse. Democracia é reconhecer a realidade que está posta. Nesse sentido estamos encaminhando.

Agradeço a oportunidade da audiência pública. É óbvio que nós não encerramos o tema aqui. Nós temos muitas conversas pela frente, mas acho que pudemos avançar significativamente.

Agradeço a todos os senhores e senhoras a presença e a colaboração que prestaram à Comissão.

Quem quiser o áudio desta reunião pode requerê-lo à Comissão.

Muito obrigado.