CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sessão: 0278/12 Hora: 14:17 Fase:
Orador: Data: 10/04/2012


DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO


NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES


TEXTO COM REDAÇÃO FINAL


Versão para registro histórico


Não passível de alteração



COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS EVENTO: Audiência Pública N°: 0278/12 DATA: 10/04/2012 INÍCIO: 14h17min TÉRMINO: 17h26min DURAÇÃO: 03h08min TEMPO DE GRAVAÇÃO: 03h08min PÁGINAS: 61 QUARTOS: 38



DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO


IARA XAVIER PEREIRA - Integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. GILSON CARDOSO - Coordenador Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos. RENATA GIL DE ALCÂNTARA VIDEIRA - Vice-Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros. JAIR KRISHKE - Participante. EXPEDITO SOLONÊS - Representante da Central Única dos Trabalhadores. ELIANA MAGALHÃES GRAÇA - Representante do INESC. RAIMUNDO CEZAR BRITTO ARAGÃO - Jurista e ex-Presidente da OAB. CARLOS MOURA - Representante da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, um organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. JOSÉ HENRIQUE RODRIGUES TORRES - Representante do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia. SEZOSTRYS ALVES DA COSTA - Diretor Tesoureiro da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia. AURÉLIO VIRGÍLIO VEIGA RIOS - Procurador Federal dos Direitos do Cidadão em Exercício e Subprocurador-Geral da República. JANDERSON BARROS DE SOUZA - Representante do Levante Popular da Juventude. ROSA CIMIANA DOS SANTOS - Participante. LÚCIA ALENCAR - Representante do Instituto Frei Tito de Alencar, do Comitê Cearense pela Memória e Justiça. EMANUEL JONATAS OLIVEIRA DE BRITO - Representante do CLAI. MARIA IZABEL BRUNACCI - Representante do Blog Pedra-Palavra-Voz. YURI SOARES - Estudante de História da Universidade de Brasília.



SUMÁRIO: Debate com representantes da sociedade civil iniciativas comuns e perspectivas do trabalho em prol do estabelecimento da verdade histórica sobre as graves violações de direitos humanos cometidas por agentes do Estado entre 1946 e 1988.



OBSERVAÇÕES


Houve intervenções fora do microfone. Inaudíveis e ininteligível.


A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Estamos aguardando a presença de outras entidades que vão se fazer representar nesta audiência.

(Pausa.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Vamos dar início aos nossos trabalhos da tarde de hoje.

Declaro abertos os trabalhos da presente audiência pública, uma promoção da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, que tem como finalidade debater com representantes da sociedade civil iniciativas comuns e perspectivas do trabalho em prol do estabelecimento da verdade histórica sobre as graves violações de direitos humanos cometidas por agentes do Estado entre 1946 e 1988.

Esta audiência atende a requerimento de minha autoria, na condição de coordenadora da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, aprovado no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.

Esta é a terceira audiência pública desta Comissão Parlamentar. A primeira delas foi para reunir o Fórum Parlamentar de Direitos Humanos, com participação de 16 Comissões Legislativas, sendo 11 de Assembleias Legislativas e cinco de Câmaras Municipais, além de vários representantes de entidades sociais e do poder público, que prestigiaram o evento.

O objetivo principal do Fórum foi atingido, qual seja o de criar uma rede legislativa pela Memória, Verdade e Justiça, uma articulação das Comissões de Direitos Humanos e outras dos Legislativos que queiram colaborar com o esclarecimento das violações de direitos humanos cometidas por agentes públicos entre 1946 e 1988.

A segunda audiência foi realizada no dia 3 de abril e foi uma reunião reservada para a coleta de depoimentos de dois ex-militares e um camponês que colaboraram no combate à guerrilha do Araguaia.

Nesta, que é a terceira audiência pública, temos a honra de receber todos os senhores e senhoras que representam entidades da sociedade civil e organizações do poder público, com uma trajetória de atuação em defesa dos direitos humanos.

Portanto, somos aliados naturais nessa luta pelo resgate da memória e da verdade.

Passamos, então, a compor a Mesa, convidando os seguintes expositores... Vamos dividir os trabalhos em duas Mesas, porque o número de pessoas representando entidades... Para maior eficácia do trabalho, vamos dividir em dois momentos: uma primeira Mesa, com cinco ou seis representantes; e outra, com igual número de pessoas que trarão aqui a sua contribuição.

Saudamos e agradecemos a todos a presença. Temos a expectativa de que, a partir desta audiência pública, haverá uma ação articulada de colaboração permanente entre esta Comissão e as várias entidades da sociedade civil que militam na defesa dos direitos humanos.

As condições para se chegar aos objetivos desta Comissâo e das ouras comissões pela verdade, memória e justiça supõem evidentemente força política, mobilização da sociedade e pressão sobre o Estado brasileiro, no sentido de que a Comissão Nacional da Verdade seja instalada e comece a funcionar, mais que isso, que se tenham todas as condições necessárias e indispensáveis a que esses objetivos sejam atingidos o mais cedo possível, para que se consiga, depois de tanta expectativa, tanta espera, fazer justiça àqueles a quem devemos, inclusive, a oportunidade de estar aqui com liberdade, discutindo essas questões e exigindo justiça.

Então, ao saudar todos e todas, começo a compor a Mesa de trabalhos, registrando também a presença dos vários Parlamentares que compõem esta Comissão Parlamentar Especial. Em seguida, já darei a palavra aos primeiros expositores da primeira Mesa.

Informo que as exposições serão veiculadas pela Internet em tempo real e estão sendo gravadas para documentação, registro e, depois, fonte de informação para os trabalhos que devem se seguir a cada um desses eventos que esta Comissão promove nesta Casa.

Eu quero registrar as presenças dos membros da Comissão Parlamentar presentes nesta audiência: Deputada Erika Kokay, do PT do Distrito Federal; Deputado Arnaldo Jordy, do PPS do Pará; Deputado Luiz Couto, do PT da Paraíba; Deputado Chico Alencar, do PSOL do Rio de Janeiro e Deputado Domingos Dutra, que, além de membro desta Comissão, é Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados no âmbito da qual foi criada e funciona esta Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça.

Chamo os seguintes convidados para virem integrar a Mesa de trabalhos: Sr. Expedito Solaney, representante da Central Única dos Trabalhadores - CUT; Sr. Gilson Cardoso, Coordenador Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH; Sra. Eliana Magalhães Graça, representante do Instituto Nacional dos Estudos Socioeconômicos; Dra. Juíza Renata Gil de Alcântara Videira, Vice-Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros; e Sra. Iara Xavier Pereira, integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Composta a primeira Mesa de trabalhos, no segundo momento, convidaremos os demais para também integrarem-na.

Cada expositor dispõe de 10 minutos - com certa tolerância -, para se racionalizar o uso do tempo, que é curto, porque também queremos ouvir as arguições e observações dos Parlamentares, não só dos membros da Comissão Parlamentar, mas também dos que compareçam a esta audiência pública.

Sem mais demora, passo a palavra à Sra. Iara Xavier Pereira, integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, que terá 10 minutos para a sua fala, que será voltada ao objetivo desta audiência pública: a relação, integração e trabalho cooperativo entre a sociedade civil organizada, em torno da temática dos direitos humanos, e os objetivos e finalidades da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça.

Com a palavra a Sra. Iara Xavier Pereira.

A SRA. IARA XAVIER PEREIRA - Boa tarde a todos.

Deputada, mais uma vez, muito obrigada pela oportunidade.

Eu gostaria de começar a minha fala lembrando o dia 12, quando vamos cumprir 40 anos do início da operação de massacre à Guerrilha do Araguaia. Ela começou no dia 12 de janeiro de 1972. Então fica a homenagem àqueles combatentes que tombaram nas matas, na nossa Selva Amazônica.

Nós, enquanto familiares, estamos muito preocupados com o não cumprimento da sentença da Corte Interamericana. Passado já 1 ano, o Brasil apenas cumpriu com a publicação da sentença, ainda que de forma restrita, e com uma parte das indenizações, que nunca foi, nunca é e nunca será a principal reivindicação dos familiares.

A nossa principal reivindicação é a entrega dos restos mortais, é saber as circunstâncias em que eles foram assassinados, é saber a autoria, para que eles sejam levados a julgamento. Nós queremos, sim, isso.

Com esse início, eu quero dizer aqui que é muito importante a integração da sociedade civil com esta Comissão. Nós entendemos, enquanto familiares, que o ponto prioritário na Comissão Nacional da Verdade seja os mortos e desaparecidos políticos. No nosso entender, a mais séria violação dos direitos humanos foi tirar a vida daqueles opositores.

Entendemos que nós poderíamos fazer aqui - eu sei que já foi feito várias vezes - mais uma temática a respeito de qual deve ser a prioridade. Quando a Presidenta Dilma achar que está em bom tempo - passados 5 meses da sanção da Lei -, e resolver nomear os seus membros e instalar a Comissão, que a gente já tenha aqui um acúmulo de depoimentos e de provas ou indícios desses crimes cometidos durante o regime militar.

Eu poderia falar aqui, exaustivamente, dos 129 dias de tortura e martírio de Eduardo Leite, conhecido como Bacuri. Eu poderia falar dos 8 dias de martírio de Hélcio Pereira Fortes, de Luiz José da Cunha, de Gastone Lúcia Beltrão, que foi, depois, no seu corpo, com 33 tiros, uma alagoana de 1 metro e meio...

Aqui eu poderia, realmente,... Porque, ao longo desses 32 anos, nós já conhecemos não só o rosto e a família daqueles que pudemos encontrar as fotos. Nós conhecemos, Deputado, cada marca, cada orifício, cada indício do sofrimento por que eles passaram. Mas vou me reservar o direito de expor a situação de um dos meus familiares, que é a do Alex. Eu vou começar pela Mesa. Depois, pode circular.

(Mostra fotografias.)

Alex foi assassinado há 40 anos, quando tinha 22 anos, no dia - diz a repressão - 20 de janeiro de 1972, junto com outro companheiro chamado Gelson Reis. Quarenta e oito horas depois, eles divulgaram, Deputada, que eles tinham morrido num confronto, onde também tinha morrido um cabo e ferido um subtenente, na Av. Ibirapuera. Passados quase 10 anos, nós localizamos Alex, sepultado com o nome falso de João Maria de Freitas no Cemitério de Perus.

Fizemos uma ação e, com o Projeto Brasil: Nunca Mais, encontramos as provas do Juiz Auditor Nelson Machado, pedindo ao Delegado Cintra, do DOPS, que enviasse as certidões da morte de Alex e Gelson. E eles encaminham, dizendo: “Eles foram enterrados. Estavam com a identidade falsa. Essa certidão de João Maria é do Alex e a do Emiliano é do Gelson.” E o juiz aceitou. Então, a gente vê que o conluiou bateu às portas dos Tribunais. Ele aceitou e extinguiu a punibilidade, usando dois atestados falsos. Para mim, ele é também cúmplice no assassinato e na ocultação do cadáver do meu irmão.

Com a Lei nº 9.140,...

(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)

A SRA. IARA XAVIER PEREIRA - Como? Nelson Machado, da 2ª Auditoria.

Com a Lei nº 9.140, em que o ônus da prova era também nosso, dos familiares, nós solicitamos ao então Presidente Miguel Reale não só a indenização, não só o reconhecimento, mas também a perícia nos restos mortais, o exame de DNA - na década de 80, ainda não era acessível -, para que tivéssemos certeza de que aqueles dois restos mortais que tiramos de Perus eram de Iuri e Alex.

O que eu encontrei foi o silêncio. Ao Sr. Presidente da Comissão de Morte e Desaparecidos não interessava as circunstâncias. Nós fizemos por conta própria, junto com o grupo Tortura Nunca Mais, com a equipe de Antropologia Forense da Argentina e o Dr. Nelson Mazzini.

Nestas fotos que eu estou passando, cada setinha é indicio de uma lesão ainda antes da morte, o que comprova que, antes de Alex morrer, ele foi seviciado de alguma forma e em algum local.

Nós fizemos a exumação, fizemos laudos. Essas são apenas duas fotos que recuperamos do IML. Durante esse trabalho da 9.140, nós vimos que 80% tinha o tiro de execução na cabeça. Eles chegavam no IML despidos ou com trajes íntimos: homem de cueca, mulher de calcinha, o que indica que passaram por algum local antes de serem levados ao IML.

Com base nessas provas, a Comissão acolheu, reconheceu que havia indícios de que Alex tinha sido submetido e morto sob a guarda dos agentes.

Finalizando, eu quero só deixar claro, Deputada, que nós temos ainda muita coisa. Cada vez que a gente olha esses documentos - agora estou olhando para uma ação de denúncia crime -, o que encontra? No Auto de Apreensão e Exibição não existe arma apreendida com Alex. Eles dizem que o cabo morreu com uma rajada. Que fim levou essa metralhadora? No embate onde se afere que morrem um cabo deles, dois terroristas e um subtenente, não houve criminalística de local, não existe a metralhadora, não existe arma, a única arma apreendida pelo DOPS e DOI-CODI é um revólver 32! Então, cada vez que a gente vai olhando, a gente vai vendo coisas: num laudo, eles morrem no nº 800, no outro, nº 1.000, no outro, nº 1.840. Então, cada vez mais, a gente comprova que as histórias eram montadas depois, e não batem.

Por isso que eu digo da importância da Comissão da Verdade. Nós queremos, sim, mas uma Comissão de verdade, soberana e efetiva!

Muito obrigada. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Obrigada, Sra. Iara Xavier.

Eu informo, mais uma vez, aos Srs. Deputados, registrando, inclusive, mais uma presença, a da Deputada Janete Capiberibe, membro da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça que, logo que o último componente desta Mesa usar a palavra, abriremos o debate para que façam suas observações e indagações.

Passo a palavra ao Sr. Gilson Cardoso, Coordenador Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos, que também terá 10 minutos para a sua exposição.

O SR. GILSON CARDOSO - Boa tarde a todos e todas.

Quero parabenizar a princípio a Comissão de Direitos Humanos e a Subcomissão Permanente criada nesta Casa, por meio da Deputada Luiza Erundina e de vários Deputados companheiros, que conheço há algum tempo, como o Domingos Dutra, o Chico Alencar, companheiro do Rio de Janeiro, Erika Kokay, e outros.

Quero parabenizar esta Comissão por este momento que nos dá a oportunidade de nos unirmos. Há quem diga que este tema não é popular, acho que a gente provar, ao longo desse processo, ao longo de nossa luta, que, se não é, passará a ser. Acho que em alguns momentos precisamos ampliar as nossas discussões, ampliar as nossas atividades a partir dos Estados, a partir dos nossos regionais, e aí, juntos, instituições, entidades de direitos humanos, movimentos, redes, poderemos colocar essa luta na ordem do dia do nosso País. E ela é fundamental para a luta pelos direitos humanos e a radicalização da democracia.

Eu quero dizer que esta discussão se dá neste momento, num determinado contexto político. Quero também, a meu juízo, dizer que houve momentos de avanços em nosso País, pelo menos nos últimos 10 anos, com os Governos populares de Lula e de Dilma Rousseff. Espero que ela, a partir deste nosso debate, imediatamente, constitua a Comissão. Porque, passa-se algum tempo, e as coisas não estão andando, e a gente precisa cobrar de fato que isso aconteça.

Esse contexto de avanços nos traz algumas esperanças, mas também nos coloca em situação de graves violações de direitos humanos em todo o nosso País.

Eu costumo sempre dizer, Deputado, que governos têm limites, mas nós, da sociedade civil, não temos. Nós temos responsabilidade e, para isso, estamos aqui juntos, atendendo a este chamado da Comissão, para sairmos daqui mais fortalecidos.

Precisamos entender que sem a sociedade organizada a gente não vai conseguir avançar. Acho que a criação da Comissão é um avanço, mas sem a sociedade civil organizada, junto com a Câmara, a gente não vai de fato fazer avançar a nossa democracia e a luta por direitos humanos no Brasil.

Lembramos a todos que nós só estamos hoje num período de democracia - que ainda não é a democracia que queremos -, pelo papel importante da sociedade civil em vários momentos na luta contra a ditadura, por exemplo, nas Diretas Já, na Constituinte, quando estávamos todos juntos. Por isso, devemos retomar essa luta com mais força, dando ênfase à radicalização da democracia, à luta por direitos humanos.

Eu acho que a nossa unidade poderá nos levar a uma discussão profunda e a radicalizar a luta por democracia neste País.

Eu me lembro bem que, no Plano Nacional de Direitos Humanos III, na Conferência de Direitos Humanos, não existia o Eixo nº 6: Direito à Memória, à Verdade e à Justiça. Fomos nós da sociedade civil que colocamos isso no papel. Acredito eu que o Plano Nacional de Direitos Humanos III possa vir a ser um roteiro fundamental para a nossa luta, desde que ele não fique na letra morta e apenas no papel.

Eu queria então deixar claro aqui a importância dos movimentos sociais, da nossa unidade nessa luta. Eu passaria então, se vocês me permitirem, a dar uma lida bem rápida num pedacinho da Cartilha do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, de uma campanha que lançamos em 2007.

O trecho diz assim: Se os desaparecidos ou as desaparecidas foram mortos, quem ordenou suas mortes. E por quê? Onde estão seus corpos?

Essa dívida o País tem com os familiares dos desaparecidos políticos.

Gostaria, então, de passar a ler um texto de um companheiro nosso, o Prof. Paulo César Carbonari, nosso Conselheiro do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, na Região Sul:

O povo brasileiro sabe o que significou a ditadura militar nas suas vidas. Famílias que perderam seus filhos ainda esperam para enterrá-los. Pessoas que foram torturadas ainda esperam para poder dizer quem foram seus algozes. Vozes ainda têm dificuldade de dizer com força o que pensam, por terem medo de serem reprimidas. A tortura segue sendo prática sistemática em delegacias e presídios. Esta é a herança da ditadura. Vítimas que sofreram e ainda sofrem a injustiça, que ainda esperam pela possibilidade de dizer sua palavra e ver a verdade proclamada. Vítimas que ainda esperam por justiça.

Aqui já começamos a enfrentar a segunda questão. Uma das tarefas da democracia é exatamente abrir os arquivos, sejam eles quais forem, estejam eles onde estiverem, e permitir que cada um possa dizer a sua palavra. Abrir um debate público sobre o sentido da história, para construir a verdade histórica como expressão da memória coletiva e criar condições para

que a justiça ética às vítimas seja feita, não como vingança, mas como reparação. São desafios à democracia. Por isso, só se consolida a democracia se forem criadas condições para que a verdade seja obra da sociedade e que a justiça seja efetiva vida de cada uma e de todas as pessoas. Sem isso, qualquer democracia será uma democracia pela metade. E democracia pela metade não é democracia!

A democracia é preferível a qualquer ditadura não por outro motivo senão porque permite que memória e verdade sejam constitutivas da justiça como realização de condições para a efetivação da dignidade humana. A justiça exige o reconhecimento das injustiças e de suas vítimas, que sofreram a injustiça. Sem isso, a justiça é vazia. Mas, sem que as próprias vítimas possam dizer sua palavra, sua verdade, recorrendo à memória dos fatos que as levaram à situação de vitimização, não há justiça. O querer justiça como memória e

verdade das vítimas é um direito das próprias vítimas, mas não só, ele também é de todos os

seres humanos, até porque esta é a forma efetiva de engajar todos/as para que não sejam

produzidas novas vítimas. Por isso, o direito à memória, à verdade e à justiça se constitui num dos direitos humanos mais basilares das sociedades democráticas. O nunca mais a todo e qualquer tipo de violação de direitos, a todo tipo situação que produz vitimas, a todo tipo de inviabilização do humano, é a expressão positiva do querer um mundo justo e humanizado para todas e cada uma das pessoas.”

Sigamos juntos.

Muito obrigado. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Obrigado, Dr. Gilson Cardoso, por sua importante contribuição.

Vou chamar à Mesa o Dr. Jair Krischke, Presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos de Porto Alegre. Ele acabou de chegar nesta sala e tem um tempo limitado de retorno a Porto Alegre. Por isso vamos ampliar a primeira Mesa para ouvi-lo. Trata-se de um grande jurista e defensor dos direitos humanos no País e na América Latina, que acabou de presidir o V Encontro Latinoamericano de Direitos Humanos no Cone Sul.

Então, Dr. Jair, obrigada por sua presença. Sem dúvida nenhuma, sua contribuição é indispensável a esse esforço que estamos fazendo em busca da verdade e da justiça.

Registro também, e vamos chamá-lo à Mesa seguinte, a presença do Dr. Cezar Brito, que é do conselho Federal da OAB, Ex-Presidente da OAB, combativo, dedicado e que realizou um grande trabalho à frente daquela instituição democrática.

Muito obrigada, Dr. Cezar. Logo em seguida, V.Exa. virá à Mesa para dar a sua contribuição.

Com a palavra, a Dra. Renata Gil de Alcântara Videira, Vice-Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros.

Em seguida, ouviremos o Dr. Jair.

V.Sa. dispõe de 10 minutos.

A SRA. RENATA GIL DE ALCÂNTARA VIDEIRA - Serei breve.

Exma. Deputada, demais Deputados presentes, sociedade civil organizada, entidades públicas, a AMB se sente muito honrada por participar desta audiência pública. Sentimos necessidade de aproximação com a sociedade.

A nossa associação de magistrados congrega aproximadamente 15 mil magistrados brasileiros de todas as vertentes, estaduais, trabalhistas, federais. E, neste momento crítico que a Magistratura vive, sentimos muita necessidade de nos mostrar e apresentar à população o que efetivamente a Justiça tem feito, especialmente nessa matéria de direitos humanos.

A nossa tarefa é muito difícil. Estamos trabalhando na associação com a humanização dos nossos magistrados. Todos sabemos que não somos preparados nas universidades, nem nos cursos preparatórios, depois que assumimos a função na área de direitos humanos. Então é um trabalho que está sendo iniciado agora, com a criação de cursos nessa matéria e também de departamentos nos Tribunais de Justiças de todo País e nas associações estaduais.

Temos pedido a cada Presidente de Tribunal que se sensibilize para a criação de Departamentos de Direitos Humanos, porque dessa forma podemos começar a catalogar e a auxiliar os magistrados que trabalhem com demandas de direitos humanos, de modo que possam identificar e dar celeridade a esses processos, exigida pelos princípios constitucionais. Então, em termos de tortura policial, estamos já fazendo esse trabalho de sensibilização de cada Tribunal e cada associação.

Paralelamente a isso, a nossa associação criou também um banco de demandas judiciais, de modo a auxiliar juízes do País inteiro que tenham em suas mãos causas de grande repercussão social e que, às vezes, não saibam lidar com essas matérias, inclusive causas relativas ao período da ditadura militar. Nós notamos que existe um desconhecimento com relação a tudo isso. Temos juízes muito jovens, que não viveram essa época. Então, dentro do âmbito associativo, damos uma ajuda, uma cooperação. Essa equipe vai até esses juízes ou os auxilia através da entrega de corpo de peritos, de documentos, para que esses magistrados tenham condições plenas de julgar essas causas.

O meu recado hoje aqui é muito breve, é de grande alegria e satisfação. A Associação dos Magistrados Brasileiros quer ser parceira, sim, do Governo e da sociedade na apuração desses fatos que marcaram a nossa história e que precisam ser divulgados para que saibamos quem somos.

Então é isso.

Muito obrigada. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Muito obrigada, Dra. Renata Gil de Alcântara Videira pela sua presença e contribuição.

A seguir, passo a palavra ao Dr. Jair Krishke, lembrando aos Srs. Parlamentares que, no final desta Mesa, abriremos a palavra a S.Exas.

Com a palavra o Dr. Jair Krishke, que terá 10 minutos ou mais, se necessário, para sua fala.

O SR. JAIR KRISHKE - Agradeço muitíssimo, Deputada Luiza Erundina, este convite e essa sua iniciativa deste momento em que o Parlamento chama a sociedade também para discutir esse tema que entendo ser de fundamental importância. Ao saudá-la, saúdo os demais membros da Mesa; o Deputado Chico Alencar, que também esteve conosco, no último fim de semana, em Porto Alegre, no V Encontro por Memória, Verdade e Justiça; e o sempre Presidente da OAB, Dr. Cezar Britto.

Vou ser bem objetivo. O tempo é curto, acho importante nos centrarmos. A Comissão da verdade é uma rara oportunidade que se apresenta, transcorridos tantos anos. Temos de ser absolutamente objetivos, e minha fala será nessa linha, de objetividade.

Para que esta Comissão cumpra com sua meta, assim como esta Comissão Parlamentar, também, é preciso saber algumas, como, por exemplo, a importância dos arquivos. Isso é fundamental! Mas vivemos reclamando para que se abram os arquivos. E é justa a reclamação. Mas quero chamar a atenção que existem arquivos disponíveis e que não são consultados.

Neste fim de semana, eu comentava com a Deputada Luiza Erundina que. para essa tarefa, não basta ser alfabetizado, tem de saber ler, o que é um pouco diferente.

Documentos existem? Sim. Começo relatando pelo meu Estado, o Rio Grande do Sul, que foi o único Estado que publicamente queimou os arquivos do DOPS. Publicamente, com a presença da imprensa, que registrou fartamente, em 27 de maio de 1982.

Pois bem, meses depois, em 4 de março de 1983, alguns desses documentos queimados reapareceram. E os encontrei no Ministério das Relações Exteriores da República Oriental do Uruguai, em Montevidéu. Como?

Nós, em 1983, em Porto Alegre, fizemos uma jornada, muito em colaboração com nossos irmãos uruguaios, trazendo do exílio, em Londres, Wilson Ferreira Aldunate, uma figura política importantíssima do Uruguai. Para que se possa comparar, é o João Goulart uruguaio, com um perfil muito semelhante. Ele veio do exílio na certeza de que do Uruguai viriam muitos de seus companheiros para começar articular um processo de redemocratização do Uruguai.

Pois bem, realizamos esse encontro na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul como uma forma de justificar essa presença. Isso aconteceu no final de Fevereiro e no primeiro dia de março de 1984.

Um informe feito então pelo Cônsul uruguaio, em Porto Alegre, datado de 4 de março de 1983, relata todos os encontros acontecidos com essa figura política. Quem esteve em Porto Alegre...

Aqui no relatório há diálogo entre aspas - isso se chama escuta ambiental. Mas o mais importante é o último parágrafo, que diz o seguinte: “Como última consideração, informo que, na visita realizada ao Congresso e à Assembleia Legislativa, Wilson Ferreira subiu num veículo Alfa Romeo, chapa WZ 5490, pertencente ao Dr. Fulano de Tal, membro do partido comunista brasileiro. Chamando a atenção que a essa atitude que, no meio do trajeto trocavam de automóvel, anexa-se ficha confidencial do Dr. Fulano.“

Então, aquelas fichas do DOPS queimadas publicamente aparecem aqui, meses depois, no relatório, com duas anotações posteriores à queima. Como se explica isso? Simples, todo esse arquivo do DOPS foi microfilmado e, claro, modernizado. Papéis, nós os queimamos; não têm mais sentido. E onde se encontram esses arquivos, onde estão esses documentos?

Aí, utilizo-me do então Ministro do Exército, General Lucena. Em matéria publicada no jornal O Estado de S.Paulo, em 25 de agosto de 1995, cujo título foi “Criticada a ideia do Ministro Lucena de devolver arquivos do DOPS aos Estados”, o então Comandante do Exército confessa, diante da indagação para saber onde estão os arquivos do DOPS: “Estão em mãos do Exército brasileiro. Todos eles microfilmados, bem organizados”. O General Lucena foi contrariado aqui, na matéria, por vários dos seus colegas.

Então, nós temos certeza de que no Exército Brasileiro existe o arquivo. A gente sabe que em São Paulo há o arquivo do DOPS, mas eu tenho certeza de que esse arquivo de São Paulo foi objeto de uma, digamos, lipoaspiração. Não está ali tudo o que realmente existe, mas lá no Exército, sim, não tenham dúvida.

No próprio arquivo no DOPS de S Paulo, pesquisando, nós encontramos um documento fantástico, um pequeno documento que relata a Operação Condor, realizada em São Paulo.

O agente do DOPS paulista que dava segurança ao Cônsul argentino, em São Paulo, relata a seu chefe que os dois argentinos que vieram, os policiais federais Fulano e Mengano, foram entregues. Então, vejam, está lá no DOPS disponível, é só saber pesquisar. Tem que saber ler.

Mas teríamos mais arquivos no Brasil disponíveis? Sim, temos. Aqui em Brasília, no Arquivo Nacional, temos documentos fantásticos. Vou-me referir a dois, apenas, que foram lá buscados pelo jornalista argentino Dario Pignotti - página 12, Agência ANSA de Notícias. O que dizem esses documentos? A primeira Operação Condor aqui está relatada. Dizem que a Operação Condor nasce no Chile em novembro de 1975, numa reunião formal, onde estiveram dois militares brasileiros que não assinaram a ata.

Não! Quem criou a Operação Condor foi o Brasil. Aqui está relatada a primeira: dezembro de 1970. Vítimas: o Cel. Jefferson Cardim de Alencar Osório, seu filho e um sobrinho. O Coronel era um tipo buscado, era um Coronel do Exército Brasileiro, tinha comandado a primeira guerrilha, a Guerrilha de Três Passos, em 1966. Então era objeto de muita atenção do exército. Ele havia sido preso, levado para um quartel em Curitiba, fugido do quartel, indo para o Uruguai.

Então, esse informe que está aqui - a origem é Ministério do Exército na Embaixada do Brasil na Argentina - relata: “No dia 11, por volta das 12h30min, recebi pessoalmente a confirmação de que Jefferson havia embarcado com o seu carro, um Aero Willys vermelho, com chapa de Porto Alegre, 521144, acompanhado de um filho, também de nome Jefferson, e seu sobrinho, num ferry boat rumo a Buenos Aires, de Colonia a Buenos Aires. Então o nosso adido Militar aciona o seu colega em Buenos Aires, que aciona a repressão argentina, e o Cel. Jefferson é recepcionado lá no porto - já é preso no porto por essa combinação da repressão argentina com a brasileira - e passam dois dias sendo torturados em Buenos Aires. Aqui, relatam que um avião da FAB foi buscá-lo para levá-lo para o Galeão.”

Em sua obra, Élio Gaspari relata que, inclusive, preso no Galeão, nele foram aplicadas torturas com aula: “Vamos ensinar técnicas de tortura”.

Também aqui junto tem informes daquilo absolutamente ilegal, que é um arquivo importante que também está aqui no Arquivo Nacional, o Serviço Secreto do Itamaraty - CIEX, que nunca existiu formalmente na estrutura do Itamaraty; nunca existiu, foi algo absolutamente clandestino, criado pelo Embaixador Pio Corrêa, agente da CIA.

Às vezes, as pessoas gostam de dizer que um Fulano é agente da CIA. Este, sim! E quem o diz? Quem o diz é o ex-agente da CIA, Philip Agee na sua obra Dentro da Companhia - Diário da CIA. Está ali escrito com todas as letras.

Neste mesmo Arquivo Nacional, aqui em Brasília, há os documentos da segunda Operação Condor. Vítima: Edmur Péricles Camargo. O Cel. Jefferson foi levado para o Rio de Janeiro e lá esteve preso 7 anos. Edmur é desaparecido. E aqui está relatada a operação. Edmur nasceu no interior de São Paulo, mas viveu muitos anos em Porto Alegre. Seu apelido era Gauchão. Uma figura fantástica: enorme de um negro, forte, mas um gentleman. Um gentleman! Tive a sorte de conhecê-lo.

Aqui está relatada a operação. Ele havia participado com um grupo da tentativa de sequestro do Cônsul norte-americano em Porto Alegre. Foram presos. Com o sequestro do Embaixador da Suíça, Buchman, ele foi trocado e foi para o Chile. Ele sai do Chile, segundo informe, rumo a Montevidéu no voo LAN Chile, e esse voo faz escala em Ezeiza; e ele é tirado do avião em Ezeiza. Nesse documento diz inclusive que os colegas argentinos se precipitaram, o comandante do avião registrou o episódio no diário de bordo - está escrito aqui -: “Um avião da FAB baixou no aeroporto de Ezeiza às 3 horas da manhã do dia 17, decolando às 6 horas para o Galeão”. Isso está escrito. Está aqui no arquivo público à disposição.

E os militares, todos vocês sabem, negam a existência de arquivo, dizem que queimou. Não foram queimados. Isso é uma redonda mentira. Certamente, a maioria dos senhores e senhoras lembram do programa Fantástico, no domingo 12 de dezembro de 2004, quando a Globo exibe documentos queimados na base aérea de Salvador. Aquilo me chamou muito a atenção, quer dizer, o sujeito entra com uma câmera numa base aérea, filma, sai, e ninguém lhe pergunta nada.

A leitura que fiz na ocasião em jornalismo isso se diz: foi criar o gancho para que o coronel do Serviço Secreto da Força Aérea fosse entrevistado. Entrevistado, disse: “Isso é muito grave. Vamos investigar.” No Brasil, quando as ditas autoridades dizem: “Isso é grave. Vamos investigar”, é um problema grave mesmo ter dito isso. E ele diz solenemente: “Vamos investigar porque todos os arquivos..”, todos os documentos do SISA - Serviço de Informações de Segurança da Aeronáutica, quando do incêndio do Aeroporto Santos Dumont, ali foram destruídos. Isso está dito.

Então, todo o serviço secreto da força aérea, toda sua documentação foi queimada no Aeroporto Santos Dumont. E, por um milagre, o atual comandante da Força Aérea, Brigadeiro Janito, em outubro de 2010, faz entrega ao Arquivo Nacional de quase 60 mil documentos. Certamente, aqueles que queimaram lá no Aeroporto Santos Dumont. O tempo seria muito curto para produzir tanto documento.

Então, vejam que é uma arrematada mentira. Os arquivos militares existem, até por uma razão singela: é uma norma dos serviços, uma norma internacional: informação não se destrói, nunca; ela sempre será útil. Isso é a cabeça deles.

E, por último, eu venho insistindo há muito tempo que se peça ao Governo norte-americano para fornecer ao Brasil toda documentação desclassificada que eles possuem. Porque nós podemos criticar os americanos por várias coisas, certamente em muitas delas teremos razão, mas eles costumam cumprir a sua lei. E os documentos são desclassificados e levados para a Universidade George Washington. E lá existem muitos documentos. Na Argentina, no Governo Menem, foi pedido; e os norte-americanos mandaram para Buenos Aires 74 mil documentos, dos quais tenho cópia. O Governo argentino me forneceu cópia. E alguns desses documentos são tão interessantes, porque nos serviram para fundamentar o pedido de reparação junto à Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de argentinos.

E como prova de que é assim, está aqui o documento norte-americano que conta detalhadamente como levaram a efeito uma operação, a Condor, no dia 12 de março de 80, no Aeroporto Galeão, onde desaparecem Mónica Susana Pinus de Binstock, cidadã Argentina, e Horacio Domingo Campiglia. Em 12 de março, depois da anistia, em 80, eles desaparecem no Aeroporto Galeão - uma operação que está aqui relatada pelos agentes norte-americanos.

Por que o Brasil não pede? Já que há dificuldade, por que não pede? O Governo americano vai disponibilizar. Nós estamos perdendo uma oportunidade estando a Presidente Dilma lá em Washington. É só pedir que eles mandam. Não há dificuldade.

Então, eu procurei ser bem objetivo, mostrando que existem documentos. Existem documentos, e muitos estão disponíveis, podem ajudar, sim, tanto a esta Comissão do Parlamento, quanto à Comissão da Verdade. O que se faz necessário, por um lado, é gente que conheça. Por exemplo, especialista em arquivo, e nós o temos. Neste momento, os arquivos do Movimento de Justiça e Direitos Humanos já estão quase concluindo toda a organização, através de uma organização que se chama Arquivistas Sem Fronteiras, que é uma ONG vinculada à Universidade de Barcelona, que existe no Brasil e que está prestando esse serviço para nós, e com muita eficácia, e que poderia colaborar, porque conhece os sistemas. E, por outro lado, gente que saiba ler, tomar um documento em mãos e ler.

Para encerrar, Deputada Erundina, quero deixar tudo isso que citei aqui, como uma base para que se possa efetuar um trabalho objetivo. O quanto isso vai render? Não sei, mas acho que bastante.

Muitíssimo obrigado pela oportunidade. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - A Mesa arbitrou um tempo maior ao Dr. Jair, exatamente pela importância da contribuição que ele tem a nos dar nesse esforço, com enormes dificuldades. Esta Comissão não tem meios, não tem estrutura, não tem apoio inclusive da direção da Casa, por enquanto, mas vamos cobrar, para cumprir a sua parte na busca dessa verdade.

Nós sabemos que a Comissão Nacional da Verdade, mais cedo ou mais tarde, será instalada. E, certamente, terá as condições que nós não temos. Mas também entendo que o Parlamento brasileiro, em particular, a Câmara dos Deputados, não poderia nem deveria ficar assistindo àquilo que acontecerá ou não acontecerá no âmbito do Poder Executivo.

Esta Casa, através desta Comissão, que tem toda uma história de compromisso concreto, real, objetivo com os direitos humanos, vai fazer a sua parte naquilo em que lhe couber como resposta ao preço que os familiares dos desaparecidos políticos, dos resistentes da ditadura militar, dos que têm construído ao longo dessas décadas a democracia do País, que estará inacabada, incompleta enquanto não se desvelarem esses fatos, esses crimes e seus responsáveis...

Por isso, Dr. Jair, companheiros da Mesa e companheiros e companheiras que ainda virão trazer suas falas, suas observações, suas ajudas, essa é uma tarefa gigantesca. Eu tenho consciência do tamanho dela, das dificuldades, da complexidade, mas também tenho uma consciência profunda de que cabe a nós dar a fatia, do tamanho que for possível, para que o Congresso brasileiro, a Câmara dos Deputados, que também foi cúmplice dos crimes da ditadura, mas também foi vítima da ditadura, quando foi forçada, foi levada a fechar as suas portas mais de uma vez... Houve Parlamentares com seus mandatos cassados, houve funcionários perseguidos, punidos e demitidos, como os funcionários do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados e Senado Federal. Então, não podemos ficar omissos, omissas, assistindo passivamente a tudo isso. Vamos alargar as condições, os meios.

Por isso, a gente quer uma parceria muito concreta, muito permanente, muito direta com a sociedade civil organizada, porque foi essa sociedade civil organizada que nos trouxe até aqui, Dr. Jair. O senhor sabe melhor do eu, porque é um militante histórico dessa causa. Portanto, tê-lo conosco, ter a sua instituição de tanto prestígio pelos serviços prestados ao longo desses anos todos, compreendendo o objetivo dessa tarefa e nos ajudando, é algo que nos fortalece muito.

Aqui estão representantes dos trabalhadores, dos estudantes, das entidades da sociedade civil, dos familiares. Acho que essa é a força que precisamos mobilizar a fim criarmos condições políticas, inclusive para Presidente da República nomear os membros da Comissão Nacional. Mesmo instalada esta Comissão Nacional, temos uma tarefa que nos cabe cumprir, que é dar nossa contribuição nesse esforço de busca. Certamente os senhores e as senhoras representantes das entidades, esta Mesa, e a Mesa seguinte, que irá se constituir daqui a pouco, são, sem dúvida nenhuma, uma esperança, um ânimo, um alento, porque há momentos em temos a tentação - e eu não quero ceder a essa tentação de desanimar ou de desistir. Nós vamos até às últimas consequências. Eu e os meus colegas da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão Parlamentar de Memória, Verdade e Justiça estamos decididos a fazer essa tarefa. E só podemos cumpri-la com o apoio da sociedade civil organizada, tão bem e tão legitimamente representada pelas companheiras e companheiros, pelos senhores e as senhoras que vieram a nosso convite para também prestigiar este momento da Comissão Parlamentar.

Dr. Jair, obrigada pelo esforço e sacrifício de ter vindo até aqui. Saiba que não será inútil.

O SR. JAIR KRISHKE - Conte sempre conosco.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Obrigada, D. Jair. Fique à vontade se tiver que sair para pegar o avião; mas se puder, fique um pouco mais até para ouvir os nossos Parlamentares.

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Sra. Presidenta Luiza Erundina, tenho agora uma reunião no Colégio de Líderes...

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Sim, Excelência...

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Quero aproveitar a presença do Sr. Jair e tornar imediata uma demanda que ele nos sugeriu aqui, até porque há urgência no caso: esta Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça já encaminhar ainda hoje - ouviu Márcio - para a Presidenta Dilma, que creio ainda esteja nos Estados Unidos, essa solicitação que o governo argentino já fez, há muito tempo, sobre os documentos já desclassificados de posse do governo dos Estados Unidos. Acho que é uma demanda imediata, urgente e fundamental. Nós estamos cumprindo também o nosso papel. Ela pode demorar em nomear os membros da Comissão da Verdade, é outra situação, agora esse pedido, essa solicitação, ainda mais com o Presidente Obama, que é tão simpático, deveríamos fazer ainda hoje. Quem sabe, através do Ministério das Relações Exteriores, fazer chegar essa demanda da Comissão.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Luiza Erundina) - Deputado, a Mesa acolhe, aceita a sua sugestão, vamos encaminhá-la imediatamente.

Obrigada, Dr. Jair, por sua sugestão.

Aproveito para agradecer a compreensão dos demais membros por terem dado um tempo maior ao Dr. Jair Krischke, por razões que são evidentes.

Passo a palavra ao Sr. Expedido Solonês, representante da Central Única dos Trabalhadores.

O SR. EXPEDITO SOLONÊS - Boa tarde, companheiras e companheiros!

Prezada companheira Deputada Luiza Erundina, obrigado pelo convite. A CUT agradece por estar presente nesta audiência importante, em companhia do companheiro Domingos Dutra, Presidente da Comissão de Direitos Humanos, que teve a iniciativa, certamente com a senhora e outros Deputados envolvidos na militância dessa luta, de chamar para si a responsabilidade e criar essa Comissão Parlamentar de Memória, Verdade e Justiça e, nesse sentido, contribuir com esse processo a partir da aprovação da lei que criou a Comissão Nacional da Verdade.

A CUT nasceu combatendo a ditadura militar, em 1983. Antes, com as greves no ABC, em Minas, em todos os Estados onde já se organizavam as oposições aos sindicatos, quando militares destituíram diretorias legitimamente eleitas em 1964 e nomearam interventores, quando, de alguma forma, a distensão começa, no final da década de 70. A CUT, repito, foi criada em 1983, mas já combatia a ditadura, lutava pela reconstituição da democracia no País.

Recentemente, estivemos visitando os gabinetes em Brasília - no gabinete da senhora, Presidente; do Deputado Chico Alencar; e de outros Deputados - fazendo debates em relação à necessária mudança, ainda no termo da lei que criou a Comissão Nacional da Verdade, por entender que, se, desde o período longo, de 1946 a 1948, da época de 1964 a 1985... enfim, é o tamanho da composição.

Passado esse processo, estamos aqui presentes, contribuindo e organizando os comitês da Comissão Parlamentar de Memória, Verdade e Justiça nos Estados, contribuindo com escutas estaduais. A CUT nacional tem participado mais precisamente do comitê do Estado de São Paulo, mas estamos aqui nos dispondo a pressionar sobretudo para que seja instalada a Comissão o mais breve possível.

Como todos acompanharam, no último dia 29, no Rio de Janeiro, na frente do clube militar, novamente a polícia bate nos manifestantes, atira inclusive com balas de choque, gás lacrimogêneo, num momento importante desse processo do silêncio ao longo dos anos, nesse período que passamos. Foram 27 anos até ser pautado esse debate com mais firmeza, e temos que considerar os mesmos problemas que colocamos, lá atrás, em relação à criação da Comissão da Verdade. Mas, abre-se um novo ciclo, um novo debate na sociedade brasileira, a CUT vem contribuindo com esse movimento que a juventude chama para si, denominado Levante Popular da Juventude, com mobilizações nos Estados de Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Pernambuco. Ou seja, são jovens que nasceram, a grande maioria, depois de 1980, que estão querendo conhecer a memória e a verdade históricas do que foram esses 21 anos de ditadura militar no Brasil. Esses agentes todos têm nome, sobrenome, CPF, têm documentos - como disse o companheiro Jair, com toda propriedade. Há documento suficiente para que a gente possa punir, sobretudo, ou seja, que a Comissão trabalhe. Ela não tem esse poder de punir evidentemente, mas nós queremos que a Justiça possa punir. Há ainda todo o debate sobre a Lei da Anistia no Supremo Tribunal Federal, um dos problemas seríssimos que temos que resolver, primeiro. Ou seja, temos que mudar a Lei da Anistia, temos que fazer um debate franco aqui no Congresso Nacional para que se reveja a Lei da Anistia.

Então a CUT tem participado dando a sua contribuição como central sindical, como entidade organizada dos trabalhadores. Os trabalhadores sofreram pesadamente o golpe com mortes, com ocupação de sindicatos, diretorias destituídas, como disse no início, intervenções de sindicatos, documentos históricos destruídos, do mesmo jeito que trabalhadores rurais estão no anonimato no processo de documentação. Inclusive, estou vendo o companheiro Domingos Dutra com um relatório importante da Secretaria de Direitos Humanos sobre ligas camponesas, vários trabalhadores rurais que ainda não têm registrado o que passaram da mesma forma que esta semana foi publicada matéria sobre 2 mil índios da etnia waimiri-atroari, que, de 1972 a 1975, na época da abertura da BR-174 e da Transamazônica, foram literalmente dizimados pelo regime militar, e ninguém sabe onde estão seus corpos. Certamente estão todos enterrados naquela região ou debaixo da água.

Enfim, estamos vivendo um momento importante da sociedade brasileira, que é o de não mais silenciar perante essa situação. Eu acho que com a juventude à frente, os comitês instituídos nos Estados, a Comissão Nacional da Verdade na iminência de ser indicada, esta Comissão Parlamentar fazendo esta terceira audiência e pressionando os Parlamentares e nós falando daqui para o País inteiro, ou seja, exigindo como entidade... A CUT tem escrito sobre o tema nos seus documentos. Nós vamos fazer o XI Congresso Nacional, de 6 a 9 de julho, em São Paulo, e vamos fazer a divulgação de todo o material. Temos um centro de documentação importante, com uma memória significativa do movimento sindical e estamos contribuindo para esse processo. A Secretaria de Direitos Humanos, em parceria, tem apresentado o que tem de documentos já escritos, desde o PNDH-3, o Plano Nacional de Direitos Humanos, toda aquela cruzada do ex-Ministro Paulo Vannuchi, uma cruzada terrível contra o ex-Ministro Jobim. Enfim, todos acompanharam. Este é um momento rico.

Consideramos, companheira Luiza Erundina, a sua iniciativa de chamar esta terceira audiência pública e as entidades para se comprometerem com esse processo, comprometerem-se com a senhora e com todos os Deputados desta Casa, para pautarmos, de fato, o tema e, primeiramente, exigirmos a instalação da Comissão, do seu trabalho, da estrutura, sobre a qual iniciei falando, porque tem que haver uma estrutura. Trata-se de uma Comissão muito pequena, com 7 membros e 14 assessores, para trabalhar com um período - certamente ela deve eleger o período da ditadura militar. Mas ainda não sabemos a sua composição, se vai eleger ou não determinado período. Vai que ela resolve eleger o período da ditadura Vargas, imaginem. Então temos que estar muito firmes para estar na rua comprometidos com esse processo, devido à importância desta luta - a juventude nos está exigindo isso na condição de representantes da sociedade, de organizações sindicais -, para exigir do Parlamento, do Governo Federal, da Presidenta Dilma. Afinal, foram 27 anos. Países como Argentina, Chile e Peru instituíram Comissões da Verdade ato contínuo à abertura. Aquela abertura segura, lenta e gradual prevaleceu, porque foram 27 anos para tomarmos novamente as ruas; mais do que a ditadura, que durou 21 anos.

Quero louvar este momento histórico da juventude, do Parlamento, através da Comissão de Direitos Humanos, esta Comissão Parlamentar que tem a obrigação de discutir a memória, a verdade e a justiça, assim contribuindo para a Comissão Nacional pela Memória, Verdade e Justiça.

Quero saudar a companheira Sônia Hipólito, servidora da Casa (palmas.), há pouco anistiada. Ela foi torturada, sofreu no regime militar e, no ano passado, conseguiu o pedido de perdão do Governo brasileiro por ter sido torturada. Então, companheiros, a CUT está presente e à disposição. Vamos estar na luta para ajudar no processo de reconstituição da memória, da verdade e da punição, sobretudo.

A senhora disse que o Parlamento brasileiro também foi vítima da ditadura. Ele foi vítima, mas teve a dignidade de votar a Lei da Anistia, em 1979, com 206 votos a favor, da ARENA, e 201 votos contrários, do MDB. Então, não foi muito simples e consensual a Lei da Anistia, como alegam. Há necessidade de este Parlamento revê-la. Várias leis foram revistas, inclusive o Código Florestal há pouco, e o Código Penal está sendo revisto. Assim, há a necessidade de se rever essa lei inclusive para adequá-la à legislação internacional. O Brasil é país membro da ONU e da OEA; tem, enfim, obrigação de adequar sua legislação à legislação internacional.

Muito obrigado e vamos à luta. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Obrigada, companheiro Expedito.

Quero informar ao companheiro e aos presentes que tramita nesta Casa... Se, por um lado, foi o Congresso, em 1979, que aprovou aquela Lei de Anistia manca, porque a correlação de forças à época não era favorável, pois os militares ainda controlavam o poder no País, pelas armas, por isso saiu aquela lei acochambrada da Anistia, por outro, a mesma instituição, o Congresso, tem hoje o poder de dar uma nova interpretação àquela lei. Há um projeto de lei sobre o tema engavetado na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania desta Casa desde o final do ano passado. Está na hora de trazer de volta a matéria, já que o Supremo Tribunal Federal está negando à cidadania brasileira uma interpretação justa daquela lei manca, de vários anos atrás, 27 anos atrás.

Essa é uma bandeira que o levante popular da juventude, que os trabalhadores, que as entidades dos Direitos Humanos devem defender nas ruas para que o Congresso, submisso naquele tempo, resgate a sua imagem e a sua responsabilidade, dando uma nova interpretação a um artigo da lei. Isso é o que vai resolver, e não esperar que o Supremo Tribunal Federal tenha compreensão da sua responsabilidade de dar uma nova interpretação à Lei da Anistia para que os crimes não permaneçam impunes. Crime de desaparecimento, crime de tortura, crime de assassinato estão impunes até agora, por conta de uma tal Lei da Anistia que não corresponde a todas as leis de anistia que já existiram no mundo, inclusive no nosso continente. Isso é inaceitável! Por isso esta Casa tem que se tocar nos seus brios e fazer a sua parte na busca da verdade.

Obrigada, Expedito. Desculpem, às vezes eu me entusiasmo e tomo a palavra quando não devia.

Passo a palavra agora à última expositora desta Mesa, a Sra. Eliana Magalhães Graça, representante do Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos - INESC.

Depois passaremos a palavra ao Dr. Cezar Britto, que tem uma limitação de tempo, e não podemos deixá-lo sair, sem ouvi-lo.

Com a palavra, por 10 minutos, a Sra. Eliana Magalhães Graça.

A SRA. ELIANA MAGALHÃES GRAÇA - Serei rápida. Obrigada, Deputada.

Primeiro, em nome do INESC, quero agradecer à Comissão de Direitos Humanos o convite que nós recebemos para comparecer a esta reunião; parabenizar os membros da Comissão e a Deputada Luiza Erundina pela criação desta Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça. Eu acho que ela é fundamental no momento, chega num momento muito importante.

O INESC jamais se vai furtar a comparecer aqui, porque acreditamos que é importante haver essa força dentro do Parlamento. Ela é fundamental, mas se não houver uma organização do lado de fora e nas ruas, e quebrarmos o silêncio de tantos anos, já dito aqui, realmente todos os processos vão ser mais lentos. Talvez demoremos mais uns 20 ou 30 anos para resolver, para quebrar o silêncio.

Então, a organização é da sociedade, ela é fundamental neste momento inclusive para se enfrentarem dificuldades dentro do próprio Parlamento. Sabemos que há dificuldades internas, por causa de Parlamentares que não querem ver a Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça funcionando. Foi, inclusive, notícia, na semana passada, o Parlamentar que invadiu a Comissão e quis tomar documentos.

Eu acho que só a nossa força, a força de toda a sociedade junto à força dos Parlamentares, pode fazer pressão a fim de que a Comissão Nacional da Verdade seja instalada.

Eu só queria falar rapidamente sobre a história do INESC. O INESC nasceu há 32 anos exatamente para enfrentar a ditadura. Ele foi criado por uma mulher que era foragida política, esteve muitos anos fora do País e, quando retornou, ainda passou escondida um bom tempo, porque não podia aparecer. Até que a Lei da Anistia, essa lei tão polêmica, surgiu e ela pôde, então, fundar uma organização para cuidar da questão da democracia, da redemocratização do País e dos direitos humanos, principalmente em relação ao pessoal foragido, aos exilados, à garantia do seu retorno ao País.

Então, a organização já nasceu atrelada a essa questão e, ao longo da sua existência, nos últimos 32 anos, tem colocado como missão a radicalização da democracia, a defesa e a garantia dos direitos humanos.

A entidade tem participado de vários fóruns de direitos humanos, inclusive do Movimento Nacional de Direitos Humanos e da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais. Com isso, tem defendido os direitos humanos numa concepção mais ampla e também a questão dos direitos civis e políticos. Na disputa, inclusive, no PNDH-3, o INESC esteve bastante presente, buscando exatamente a inclusão da questão da memória, da verdade e da justiça, que o Gilson já comentou aqui.

Então, quero declarar que o INESC, no pouco que pode fazer - ele não é uma organização de massa, mas tem força pela sua história -, junta-se, neste momento fundamental, à Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, corroborando sua importância. Contem conosco, porque nós vamos estar juntos. E precisamos estar juntos, porque o desafio é enorme e só mesmo a união das nossas forças pode-nos ajudar a vencer os obstáculos que temos pela frente.

Muito obrigada. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Obrigada, Sra. Eliana.

Dr. Cezar Britto, por gentileza, V.Sa. aperte-se um pouco aqui conosco para usar o microfone na sua intervenção.

(Pausa.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Eu estou recebendo aqui, do Dr. Jair, os documentos que ele está deixando com a Comissão Memória, Verdade e Justiça. Obrigada, Dr. Jair, por sua presença e pelos documentos. Boa viagem. Vamos convocá-lo outras vezes.

Com a palavra o Dr. Raimundo o Cezar Britto Aragão, grande jurista e ex-Presidente da OAB.

O SR. RAIMUNDO CEZAR BRITTO ARAGÃO - Deputada Luiza Erundina, colegas da Mesa, senhores do plenário, Sras. e Srs. Deputados, peço inicialmente desculpas por ter antecipado a minha manifestação e por não poder permanecer depois dela. Ocorre que somente fui convidado pelo Presidente Ophir para representar a OAB ontem à tarde. E eu havia agendado um compromisso para às 16 horas, relativo a outra luta desta comissão, a questão dos cinco cubanos que estão presos nos Estados Unidos. Tive a honra de, na condição de Presidente, ser observador internacional no julgamento do caso e de ingressar com amicus curiae na ação lá nos Estados Unidos. Hoje eu tenho a visita dos familiares em nosso escritório; por isso a pressa. Tentei adiar a reunião via e-mail e via torpedo, e não o consegui.

Eu faço algumas indagações aqui para justificar a presença da OAB nesta reunião. É a mesma razão que nos fez ingressar, há pouco tempo, com a ADPF em que pedimos a punição dos torturadores.

O mesmo motivo que fez com que ajuizássemos outra ADPF em que eu chamo a maior vítima da confusão de anistia com amnésia. Trata-se de uma ADPF que nós temos no Supremo Tribunal Federal em que os militares que resistiram à ditadura militar, aqueles que cumpriram o seu dever constitucional, continuam sendo punidos. Criaram um regime especial em que eles não recuperam a patente, não são reintegrados às Forças Armadas e, se morrerem, os seus familiares não têm direito a pensão. Continuam os militares, os que resistiram, sendo punidos pela ditadura militar.

É a mesma razão que nos fez, no período em que tive a honra de presidir a OAB, ajuizar uma ação para abrir os arquivos da ditadura, colocando como inconstitucional aquela lei que permitia, em crimes de direitos humanos, o sigilo eterno.

Também o mesmo motivo que fez com que ajuizássemos uma ação no Superior Tribunal Militar para punir aqueles que queimavam os arquivos naquele exemplo citado em Salvador.

O mesmo motivo que fez com que a OAB, recentemente, apoiasse a luta dos camponeses, lá no Araguaia, que tinham as suas anistias, de forma absurda, suspensas por decisão judicial.

E a mesma luta que recentemente travamos com aqueles que resistiram no Arsenal de Marinha.

E que razão é essa? Qual a motivação? Uma única: sobrevivência democrática.

Nós compreendemos que não estamos falando do passado apenas. Nós compreendemos na OAB que, para garantir a nossa subsistência no hoje e no futuro, é preciso que todos os torturadores, todos os ditadores do mundo saibam que os seus crimes jamais ficarão impunes, jamais serão objeto de anistia.

Esse é o conceito mais moderno do mundo. É ele que justificou a invasão da Líbia para prender Kadafi. É ele que justifica várias ações internacionais na Sérvia, agora prendendo mais um ditador africano. É essa noção de modernidade, que vai fazer com que os ditadores compreendam que nem sequer os seus Estados soberanos servirão de álibi para os seus crimes, que pode garantir hoje a sobrevivência da humanidade. Se Idi Amin Dada soubesse disso, jamais teria feito o que fez em Uganda. Se Baby Doc soubesse disso, jamais teria feito o que fez no Haiti.

O que me preocupa e preocupa à OAB é que no Brasil ainda parece que os ditadores dos outros são feios e os nossos são bonitos e perdoáveis. É a essa lógica fundada no medo que nós, da OAB, resistimos o tempo todo.

Nós defendemos que todo país precisa de sua justiça de transição para que, conhecendo o seu passado, não repita o seu erro no hoje e no futuro. E nós compreendemos que, no conceito de justiça de transição, o Brasil ainda deve muito a nós mesmos.

Nós cumprimos, no conceito de transição, com a Comissão de Anistia, a anistia e a reparação. Não cumprimos o dever de punição àqueles que cometem crime contra a humanidade e parece que agora começaríamos outro elemento: o do direito à história, à memória e à verdade. Estranhamos a demora, mas o Brasil está preparado e necessariamente deve discutir o direito à memória e à verdade.

Repito o que tenho dito nas várias manifestações que tenho feito na OAB: não estamos falando apenas de passado. Deve haver a garantia - e eles devem saber disto - do que diz uma frase, que não é minha, mas de um filósofo alemão: “O futuro da tortura tem relação direta com o futuro do torturador”.

Se nós perdoarmos ao torturador, se nós aceitarmos como normal a tortura, vai acontecer o que acontece ainda nas delegacias brasileiras: tortura como objeto de prova válida, estimulada, por parte da sociedade quando tem um objeto seu roubado, naquela frase: “dê um apertinho, que ele resolve.” Enquanto não compreendermos que isso é crime contra a humanidade, nós não vamos ter um hoje garantido, um hoje democrático, um hoje republicano.

A Ordem, que tem a sua tradição de defender a pessoa humana, repete: não fala por revanchismo, até porque no passado saudou o golpe militar. O seu Presidente, Povina Cavalcanti, participou da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, mas a Ordem compreende que tem que contar a sua verdade, até a própria verdade dela, porque compreendeu no futuro, aí já com seus próximos presidentes, que a melhor forma de democracia é a democracia. Não tem outra. E ditadura é uma coisa que tem que ser contada.

Uma frase que eu tenho repetido, que parece ter relação com esta Comissão, é: anistia não é amnésia; nós temos o direito de saber.

Obrigado. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Obrigada, Presidente da OAB, sempre Presidente da OAB, pela sua presença e por essa mensagem que nos deixa aqui neste momento.

Bom, assim encerramos esta primeira Mesa, mas colocando para os Deputados alguma observação, alguma indagação aos presentes, deixando o Dr. Cézar à vontade para cumprir a sua agenda.

Obrigada, Dr. Cézar. Obrigada.

Deputado Domingos Dutra, nosso Presidente da Comissão de Direitos Humanos.

O SR. DEPUTADO DOMINGOS DUTRA - Sra. Presidenta, senhores expositores, primeiro eu quero informar a todos que eu e a Deputada Erundina, em nome da Comissão, encaminhamos hoje uma correspondência à Presidente Dilma, apelando para que ela designe os sete membros da Comissão Nacional da Verdade. Nós compreendemos a delicadeza do tema, a dificuldade de encontrar sete brasileiros com as características que a história exige, que a lei determina, mas achamos que já é tempo suficiente para que a Presidente Dilma nomeie essa Comissão. Portanto essa carta que encaminhamos hoje é mais um gesto que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara não se omitirá.

Segundo, diante de mais esta audiência, e com a riqueza dos depoimentos de todos, eu só quero constatar o acerto da Comissão de Direitos Humanos ao criar esta Comissão para tratar do assunto. Ou seja, o Parlamento brasileiro, através desta Comissão, sai na frente, e vai puxar. Como se diz no Nordeste, quem não vier por consciência vai ser arrastado pelo beiço como jumento ruim. (Risos.) Porque é impossível que os apelos da sociedade não façam com que aqueles que têm obrigação tomem as suas medidas.

Este debate já está sensibilizando Parlamentos estaduais, Parlamentos municipais, sensibilizando e dando corpo às manifestações da sociedade organizada, e cada depoimento que esta Comissão produz aqui é como aquele ditado popular: “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”.

A sociedade brasileira, a partir das manifestações dos últimos quinze dias, nas ruas, nas redes sociais, está demonstrando que este tema não vai ser objeto apenas da intelectualidade, e não apenas dos políticos. Esse é um tema da sociedade brasileira, com esse tom que foi dado aqui pela Mesa: temos que fazer essa luta não apenas pelo que ocorreu, mas sobretudo para evitar que ocorra novamente.

Portanto, eu quero parabenizar a Comissão, parabenizar a todos que estão na Mesa neste momento. Vamos continuar esse debate. A Comissão, embora com dificuldades estruturais, acho que vai ter que sair daqui, pelo menos no que diz respeito à Guerrilha do Araguaia, e ir lá para a região para fazer o debate, ouvir o máximo de pessoas, e talvez também ajudar na localização dos corpos. O Grupo de Trabalho do Araguaia encerra-se agora dia 29. Nós temos que saber quais foram os resultados desse grupo de trabalho, que tem o objetivo de localizar os restos mortais daqueles que participaram da Guerrilha do Araguaia.

Portanto, parabéns. Eu peço licença para sair, porque estamos em outra batalha, a da PEC 438, do Trabalho Escravo. Está acontecendo uma reunião da CONATRAE, eu vou lá expor toda a nossa agenda até o dia 09 de maio, porque está prevista a votação da PEC do Trabalho Escravo, no dia 09 de maio. Portanto, nós estamos aí em mutirão para conseguirmos essa conquista que será, talvez, a segunda lei para tentar extirpar da realidade brasileira o trabalho escravo.

Por último, no dia 18, nós vamos fazer aqui uma reunião, e vamos chamar todos os movimentos sociais, para apresentar o programa de trabalho da Comissão deste ano, mas também para tocar no coração das entidades para tentarmos construir o PAC, que é um programa de aceleração da cidadania. Nós temos que fazer com que a Presidente Dilma, com o mesmo empenho e com a mesma força que está tocando o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, movendo hidroelétrica, modificando leito de rios, levantando estádios de futebol, temos que dar vazão para a cidadania brasileira, que precisa de um PAC. Do contrário, nós vamos ver ações desarticuladas. Hoje já estive em reunião para discutir a saúde do sistema carcerário. Saí, fui discutir a questão lastimosa dos índios guarani, em Mato Grosso. Portanto são ações pulverizadas. Nós queremos que o Governo faça um programa de aceleração da cidadania para termos um programa com a mesma força, com recursos, com estrutura, com prazos, com metas para compartilharmos o crescimento econômico com a cidadania de verdade.

Portanto, parabéns Presidente Luiza Erundina pela condução dos trabalhos. Conte conosco, e peço licença para ir para essa outra tarefa, mas ainda voltarei aqui, antes do final desta sessão. Parabéns a todos os expositores. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Presidente Dutra, eu quero lhe agradecer a presença, o apoio que vem dando a esta Comissão. Nós temos certeza de que, com a sua ajuda, com a sua determinação, nós vamos avançar para além daquilo que as nossas forças.

Eu tenho dito, nós somos um “exército de Brancaleone”. Somos poucos, mas os tentáculos que nós queremos espalhar por este País afora, que estão aqui já representados, vão compensar essa desvantagem que temos em relação a outras iniciativas.

Então, muito obrigada, Deputado, e agradeço a todos os companheiros e a todas as companheiras da Mesa.

Quero informar que, na próxima semana, sobretudo o Expedito aqui, que tem uma relação direta com a iniciativa que nós vamos realizar, que é a projeção de um filme sobre Manoel Fiel Filho, Perdão Mister Fiel, o Operário que Derrubou a Ditadura, um metalúrgico. Então vai ser um debate. O diretor do filme vai estar presente ao debate, outras pessoas vão debater. Vamos trazer provavelmente a esposa do Manoel Fiel Filho, velhinha, para homenageá-la por ocasião da projeção do filme, que será na próxima semana.

Muito obrigada. Vamos desconstituir a Mesa, e constituir a próxima, e muito obrigada todos os companheiros e companheiras.

Ah, desculpem, a nossa companheira Erika Kokay, que é membro efetivo, titular da nossa Comissão, chegou a tempo de fazer suas observações. Obrigada, Deputada por ter vindo. Recomponho a Mesa. (Risos.)

A SRA. DEPUTADA ERIKA KOKAY - Deputada Erundina, a quem mais uma vez parabenizo pela iniciativa, e também a própria Comissão de Direitos Humanos, que teve a sensibilidade de produzir nesta Casa parlamentar uma Comissão da Verdade para que nós possamos fazer o diálogo com a sociedade civil, que tem se organizado em comitês, e ao mesmo tempo possamos também fiscalizar, analisar e acompanhar os trabalhos a serem efetivados pela Comissão da Verdade.

Gostaria de, num primeiro momento, dizer que nós estamos há cinco meses desde que a lei foi aprovada no Congresso Nacional e nós não temos ainda uma Comissão da Verdade instituída. Nós, desde o início, sabíamos que a Comissão carrega no seu projeto original limitações, que nós acreditamos que possam ser superadas no correr do processo, ou seja, a limitação do prazo, que é extremamente largo - nós estamos desde 1946 até... Enfim, é um período extremamente largo que é preciso que nós concentremos para que possamos analisar um dos mais profundos traumas da história brasileira.

Eu reputo que nós tenhamos três grandes traumas na história brasileira, que são interligados, porque em nenhum deles foram feitos os lutos necessários. Portanto, os ciclos não foram fechados e os traumas não foram sanados e superados. Um deles é colonialismo, onde o naco de terra também servia como um sentimento de propriedade das pessoas, das crianças, das trabalhadoras, das mulheres; a própria escravidão neste País, que desumanizou; e a ditadura militar. Portanto, esses três grandes traumas precisam ser superados. E nós temos um desses traumas neste período, e me parece que nós devemos estar muito atentos para que tenhamos a investigação no período da ditadura militar, porque é o que corresponde a um dos grandes traumas da história brasileira.

O segundo aspecto é a própria limitação do número de integrantes dessa Comissão e o seu prazo, prazo que achamos que é preciso alargar para que possamos sair da Comissão da Verdade com a verdade nas mãos. E a verdade nas mãos significa ter, dentre outras coisas, o resgate da nossa memória.

Acho que há um grande escritor que diz que quem não conhece seu passado, não pode ter domínio sobre o seu futuro. Não pode ser. É impossível admitir que a ditadura, que roubou o País de nós mesmos; que roubou as vidas dos nossos resistentes, dos nossos combatentes e das nossas combatentes, que essa ditadura também se aproprie também da memória do povo brasileiro, da história. Porque o ser humano não consegue se reconhecer sem se reconhecer dentro da sua condição, da sua historicidade. A sua história é espaço de reconhecimento humano. O ser humano é histórico, e não “ahistórico”. Então, portanto, é preciso que nós possamos resgatar.

Penso que nós deveríamos estar aqui nos posicionando, nesta audiência pública, na perspectiva de que haja um esclarecimento para esta Comissão sobre qual é o sentido e por que tanta demora na indicação. Porque nós precisamos da instalação da Comissão para que possamos proceder ao acompanhamento e sermos os olhos de Antígona. Porque nós temos uma série de antígonas - Antígona da tragédia grega - que, na verdade, exigem que nós possamos sepultar os nossos próprios heróis e, consequentemente, sepultar esse período da história brasileira.

Então penso que nós deveríamos elaborar um requerimento de informações, em que possamos dizer: “por que tanta demora?” Porque essa demora possibilita reações. Reações. Nós tivemos muitas críticas acerca da Comissão da Verdade por conta das limitações que fazem parte da sua própria gênese, as quais, penso eu, podem ser superadas. Mas essas limitações, para aqueles que se apropriaram da história e que querem que o Brasil continue sob botas e baionetas, ainda que sejam metafóricas, essas são limitações inadmissíveis para esses que transformaram em política de Estado as salas escuras da tortura.

Eu costumo dizer que não são apenas as pessoas que foram torturadas; o Brasil foi torturado, foi despersonalizado, foi desencarnado, e é preciso que nós possamos fazer essa recomposição para fechar esse ciclo.

Portanto, eu sugeriria, Deputada Erundina, que nós pudéssemos encaminhar um requerimento de informações sobre os motivos de a Comissão da Verdade ainda não ter sido instalada neste País, porque nós temos pressa. Nós temos pressa de resgatar a memória, resgatar a verdade e, consequentemente, resgatar a justiça para podermos bater no peito e dizer que as salas escuras da tortura foram todas abertas.

Há relatos que indicam que, quando a chave entrava na fechadura, o medo que isso provocava. Acho que hoje nós temos uma chave, que é a Comissão da Verdade, que provoca um medo muito grande naqueles que querem roubar a nossa própria memória. Uma chave que entrava nas celas, e as pessoas diziam: “Não sabia se era eu que ia ser chamado; não sabia se eu ia poder voltar, não sabia o que me esperava”, esse sentimento de medo ou de morte iminente que a ditadura colocou sobre todos nós, inclusive sobre aqueles que não tiveram consciência que viviam em uma ditadura. Nós não estamos falando apenas das novas gerações, mas de uma camada muito grande da população brasileira que viveu a ditadura sem ter a consciência de que vivia numa ditadura com as proporções que nós vivenciamos.

Então, Deputada Erundina, faço esse encaminhamento. Mais uma vez lhe parabenizo e parabenizo a todos os expositores e expositoras para que nós possamos, nessa longa jornada, buscar a memória, a verdade e consequentemente a justiça. Porque memória e verdade são apenas meios para que se resgate a condição humana que se faz através da justiça. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Muito obrigada, Deputada. V.Exa. é membro desta Comissão, nós lhe agradecemos a participação, e vamos encaminhar essa proposta que V.Exa. apresentou aqui.

Então, eu agradeço mais uma vez aos membros da Mesa, e vamos imediatamente compor a segunda Mesa de trabalhos.

Eu convido o Dr. Carlos Moura, que é Secretário-Executivo adjunto da CNNB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que tem sido uma parceira na luta pelos direitos humanos em nosso País. Convido também o Dr. Maurício de Andrade, representante do CONIC - Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil. Convido o Sr. José Henrique Rodrigues Torres, Presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia, que é outra entidade que tem protagonizado lutas importantes em defesa da democracia em nosso País. Convido o Sr. Sezostrys Alves da Costa, que é Diretor-Tesoureiro da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia - desculpe se eu não pronunciei exatamente o seu nome; pode vir à Mesa. Eu convido o Dr. Aurélio Virgílio Veiga Rios, que é Procurador Federal dos Direitos do Cidadão em exercício e Sub-Procurador Geral da República. Agradeço a presença a V.Exa., que certamente vem contribuir para esse trabalho nosso na tarde de hoje.

Convido ainda dois jovens, lembrando aqui a luta dos caras-pintadas e a participação dos jovens na defesa da democracia em nosso País, na luta democrática em toda a história da República brasileira. Convido o representante do Levante Popular da Juventude, Janderson Barros de Souza (palmas) e André Vitral, que é Diretor das Relações Institucionais da UNE - União Nacional dos Estudantes, de bela memória de luta democrática no País. Então, com estudantes, operários, sociedade civil, ninguém vai segurar esse barco, e com certeza chegaremos ao porto. E o porto é a memória, verdade e justiça em nosso País.

Então, imediatamente, passo a palavra ao primeiro expositor, que terá dez minutos, que é o Sr. Carlos Moura, é um velho companheiro - não velho de idade, evidentemente -, nas lutas que esta Casa tem encaminhado através das frentes parlamentares e de Comissões como esta.

V.Sa. tem dez minutos para a sua manifestação.

O SR. CARLOS MOURA - Muito obrigado, Deputada Erundina, sempre lutando pelas boas causas, muito gentil quanto ao “não tão velho assim”.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Porque, como é que eu ficaria? (Risos.)

O SR. CARLOS MOURA - Cumprimentos os componentes desta Mesa.

Agradeço, em meu nome e em nome da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, um organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o convite da Comissão Permanente Memória, Verdade e Justiça, vinculada à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados para participar desta audiência pública.

Sem dúvida, ao abrir as portas da Câmara dos Deputados com a finalidade de refletir sobre temática tão importante para a consolidação da democracia, os Srs. Deputados e as Sras. Deputadas prestam excelente serviço à sociedade, na medida em que esta, assentada, calca-se nos valores da moralidade e da ética na afirmação no respeito aos direitos humanos e à dignidade da pessoa.

Permitam-me buscar no passado, na formação da nacionalidade, nos escaninhos de antanho, algo que talvez possa ser considerado como um dos elementos introdutórios das torturas físicas e psíquicas em nosso País: a escravidão. Nossos antepassados africanos, aqui trazidos à força, homens e mulheres, na mais tenra idade, na adolescência, adultos, idosos, padeciam nas mãos dos seus algozes. Durante séculos os escravizados foram vitimados por torturas, da separação das famílias à brutalidade assassina, após longa e terrível prática de castigos físicos.

A maldita escravidão, dentre as muitas mazelas deixadas no imaginário da sociedade, plantou a tortura, um dos maiores símbolos da covardia, da pequenez humana, da negação ao mesmo tempo do ser que a comanda e aplica e do ser vítima.

A propósito, senhores, qual a situação do sistema penitenciário e o tratamento recebido pelos detentos nos estabelecimentos penais e nas delegacias de polícia? De que maneira, na maior parte das vezes, são realizados os interrogatórios antes e durante a construção do inquérito? Respondo: em grande parte, mediante tortura física e psíquica. O importante é conseguir a confissão, chegar-se ao agente do ato criminoso, e, para tanto, os métodos utilizados são os da brutalidade. Culpados e inocentes passam pelo sofrimento, humilhação, degradação, vilipêndio.

Existe um universo de 513.802 encarcerados. Há carência de 200 mil vagas nas prisões brasileiras. Os seres humanos, amontoados nas cadeias, são vítimas de torturas, sem assistência jurídica, sem assistência médica, sem trabalho, sem nenhum aprendizado, tudo ao arrepio da Lei de Execução Penal.

O tema a ser debatido é o da Comissão da Verdade, criada pela Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011.

Há crimes, Sra. Deputada, senhores, senhoras, de lesa-humanidade, que são imprescritíveis. Seus autores devem ser punidos mediante julgamento e, evidentemente, à base de plena defesa. Contudo, em caso de tal não ser possível, em razão de mandamento legal, mandamento esse que pode ser desconstituído pelo mesmo Parlamento que o criou, à sociedade é dado o direito de conhecê-los e julgá-los moralmente.

Não se trata de vingança, mas de ato com dupla finalidade: punir moralmente e prevenir para que ninguém volte a perpetrar tamanha iniquidade. Os horrores das ditaduras não podem ficar acobertados. Necessitam ser expostos à claridade solar, como um preito aos que, vitimados, pereceram ou trazem dentro de si as marcas indeléveis do arbítrio.

E aqui rendemos homenagem a um integrante desta Casa e desaparecido, o ex-Deputado Rubens Paiva. (Palmas.)

Não se deve permitir ao Estado acobertar agentes seus, que em seu nome tomaram atitudes por ação ou omissão, feriram a dignidade, desconstruíram-na no âmago, na essência, no mais fundo da sua integralidade, eliminaram vidas.

Sábia a Lei nº 12.528, quando nos incisos VI e VII do art. 3º, respectivamente, promana:

“Art. 3.º

....................................................................................

VI - recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir a violação de direitos humanos, - prevenir a violação de direitos humanos! -, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional.”

O texto legal não pode ser apenas uma falácia. Cumpre ao Executivo, ao Legislativo, ao Judiciário e a nós, sociedade civil, não permitir que o texto legal seja mera falácia.

O inciso VII:

VII - promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da história dos casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar para que seja prestada assistência às vítimas de tais violações.

Por isso, Deputada Erundina, a Comissão Brasileira de Justiça e Paz se associa a essas manifestações, se associa a esta Comissão para que a verdade seja revelada. Não se pode esquecer torturas, não se pode esquecer assassinatos, porque isso significaria cumplicidade nossa - cumplicidade nossa!

É possível que este velho não tão velho assim esteja um pouco emocionado nesta sentada, porque aqueles, como nós, vítimas de prisões na ditadura militar, não conseguem jamais compreender as manifestações de desrespeito ao ser humano, à dignidade da pessoa, veiculados por intermédio da tortura.

Alguém levantou aqui Sófocles citando Antígona, que enfrentou Creonte dizendo: “Enterrarei meu irmão. É um direito que tenho. É um direito humano enterrar o meu irmão.” E Creonte teve que se submeter às aspirações, às reivindicações e às exigências de Antígona.

Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.

Muito obrigado. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputado Luiza Erundina) - Que beleza! Muito obrigada, Carlos Moura. Você nos emociona e nos dá esperança.

Eu vou passar a palavra agora ao Dr. José Henrique Rodrigues Torres, do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia.

V.Sa. tem 10 minutos.

O SR. JOSÉ HENRIQUE RODRIGUES TORRES - Boa tarde a todas, boa tarde a todos, boa tarde Deputada Luiza Erundina. Eu devo, inicialmente, em nome da Associação Juízes para a Democracia, agradecer a imensa honra de ter sido convidado para participar deste evento.

Gostaria apenas de dizer àqueles que não conhecem que a Associação Juízes para a Democracia é uma associação que tem por princípio lutar pelos princípios democráticos e pelo império dos direitos humanos.

Aliás, o próprio nome da associação revela os seus objetivos. É uma associação não corporativa. Talvez seja a única associação que eu particularmente conheça que não é uma associação para os associados; é uma associação para a democracia.

Pois bem, senhores e senhoras, era uma vez um tempo em que a minha gente andava “falando de lado e olhando para o chão”; era o tempo da escuridão, o tempo da tristeza, do pecado inventado. Mas nós ouvíamos, ouvimos naquela época, na voz do poeta, o povo cantando:

Amanhã vai ser outro dia (...)

Quando chegar o momento

Esse meu sofrimento

Vou cobrar com juros (...)

Todo esse amor reprimido

Esse grito contido (...)

Cada lágrima rolada

Nesse meu penar (...)”

Senhores e senhoras, o amanhã, o outro dia é hoje. Chegou o momento. Não há como proibir o galo que insiste a cantar. O dia está raiando, o jardim florescendo, o amanhã renascendo, e ninguém há de abafar o nosso coro a cantar.

O povo brasileiro conquistou a democracia, e agora nós temos o direito de conhecer a nossa história. Nós temos o direito de saber tudo que aconteceu sob o manto pusilânime da escuridão. E os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário não podem mais lavar as mãos.

É verdade, como diria Drummond, que “tinha uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra”, que se chamava a Lei da Anistia. Por muito tempo, tentaram nos convencer de que essa pedra era necessária para pavimentar os caminhos da democracia e que ela fora colocada em nosso caminho em razão de um livre acordo nacional para possibilitar a transição política tranquila e pacificadora. Ledo engano. Hoje, todos nós sabemos que a Lei da Anistia acabou se transformando em produto de uma estratégia política da ditadura civil e militar. Hoje, nós sabemos que essa lei foi ditada pelo regime militar a um Congresso ilegítimo e impotente, que não tinha liberdade política para pactuar ou para fazer qualquer tipo de acordo. Hoje, até “as pedras sabem” que o regime militar promulgou essa lei como e quando quis, visando não à segurança jurídica e política da República, mas visando, sobretudo e antes de qualquer coisa, à segurança jurídica e política de seus agentes criminosos e de sua própria sobrevivência. Naquele momento histórico, era necessário o afrouxamento diante da resistência popular e do clamor social contra a violência e contra o arbítrio, mas o que acabou prevalecendo foram as razões de Estado. Nada de acerto, de acordo pacificador.

E, agora, que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos retirou essa pedra do nosso caminho, nós podemos seguir caminhando na busca da memória, da verdade e da justiça. Mas, depois dessa decisão, há de prevalecer a dignidade humana, que não aceita barganha nem acordos. A dignidade humana não tem preço nem pode ser negociada. O Estado não pode mais acobertar torturas, estupros, desaparecimentos e tantas outras crueldades hediondas e criminosas ocorridas nos seus porões, nas suas entranhas, nos seus ínferos. E a Associação Juízes para a Democracia tem cumprido o seu papel nesta luta pela busca da verdade e pelo resgate da dignidade do povo brasileiro. A AJD foi admitida, ingressou, como a (ininteligível) Cúria exatamente nessa ação, através da qual a Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro a cumprir o seu dever e a tirar todas as pedras do nosso caminho, de abrir todas as portas da verdade, de investigar e responsabilizar todos aqueles que, de modo ilegítimo e indevido, estavam escondidos sob o manto protetor da Lei da Anistia.

Assim, para que haja uma verdadeira reconciliação nacional, para que realmente haja uma consolidação democrática exatamente de acordo com a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Estado brasileiro deve imediatamente adotar medidas, inclusive judiciais, para esclarecer a responsabilidade pelas violações dos direitos humanos ocorridas durante a ditadura civil e militar.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tem jurisdição no Brasil, já decidiu que é inadmissível estender a proteção da Lei da Anistia para os torturadores e para todos aqueles civis e militares, policiais, agentes estatais que participaram direta ou indiretamente das horrendas e indignas violações dos direitos humanos ocorridos durante a ditadura. E decidiu mais: afirmou que não há de falar em prescrição nem na aplicação de qualquer instrumento jurídico que pretenda excluir ou evitar a investigação plena ou a punição dos responsáveis.

Agora, portanto, Sra. Deputada, senhoras e senhores, só nos resta cumprir a decisão da Corte. Aliás, Ruy Guerra tem uma expressão na composição Fado Tropical, música que fez com o Chico Buarque, que gosto muito de lembrar: “Se a mão fica sempre longe do coração, é porque existe distância entre intenção e gesto”. Não nos basta a intenção, não nos bastam decisões, conquistas de tratados internacionais e textos constitucionais, num âmbito meramente formal, se não conseguirmos realizar materialmente todos esses direitos. Precisamos lutar para isso, para que esses direitos humanos conquistados sejam efetivamente materializados.

A Associação Juízes para a Democracia - AJD, Deputada Luiza Erundina, está aqui hoje para dizer publicamente a todos e todas que espera que o Executivo cumpra o seu dever, que o Legislativo cumpra o seu dever e que o Judiciário também cumpra o seu dever, mas, mais do que isso, que o Legislativo, o Judiciário e o Executivo não façam o papel do porteiro de Franz Kafka. Os senhores se lembram daquele momento, no processo de Franz Kafka, em que o homem chega às portas da lei feita por ele e não consegue nela penetrar exatamente porque diante da porta havia um porteiro que o impedia de ingressar na lei? Assim estamos nós diante de todos esses direitos, impedidos do acesso a eles.

Senhoras e senhores, além da Comissão da Verdade, extremamente necessária, nós, juízes e juízas da Associação Juízes para a Democracia, acreditamos que precisamos da verdade judicial também. E precisamos mais de uma Comissão da Verdade do próprio Judiciário.

Nessa luta, nessa caminhada, contem conosco, com os juízes e as juízas da Associação Juízes para a Democracia.

Muito obrigado. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Obrigada Dr. José Henrique Rodrigues Torres pela belíssima exposição.

Peço ao nobre Deputado Luiz Couto, do PT da Paraíba, que assuma a presidência dos trabalhos por um tempo.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Com a palavra o Sr. Maurício de Andrade, representante do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil - CONIC. (Pausa.)

Concedo a palavra ao Sr. Sezostrys Alves da Costa, Diretor Tesoureiro da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia.

O SR. SEZOSTRYS ALVES DA COSTA - Boa tarde a todos e todas, ao Deputado Luiz Couto e à Deputada Luiza Erundina, a quem quero agradecer pelo convite à nossa Associação. Embora não se encontre presente, agradeço também ao Deputado Domingos Dutra, que preside a Comissão de Direitos Humanos.

Quero fazer a explanação de um documento que produzi: A Comissão Nacional da Verdade e a Guerrilha do Araguaia.

No Brasil, a partir da aprovação do PNDH-3, iniciou-se a árdua missão para o Governo Federal, que foi criar a Comissão Nacional de Verdade. A partir de 2010, o então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei que criava a Comissão Nacional da Verdade. A partir de então, começa no País uma grande discussão e mobilização em relação à aprovação dessa Comissão, que vem para trazer luz ao passado obscuro sobre a ditadura militar. Em novembro de 2011, ela foi aprovada e tem a missão de investigar as relações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. No entanto, até os dias atuais, estamos aguardando a devida instalação da Comissão Nacional da Verdade, faltando, portanto, a nomeação de seus membros e sua respectiva estruturação.

Isso deve ser feito imediatamente pela Presidenta da República Dilma Rousseff, para que o mais breve possível a Comissão inicie seus trabalhos no sentido de acompanhar e aprofundar as investigações e o acesso a informações verídicas relacionadas à ditadura militar, em especial sobre a Guerrilha do Araguaia, trazendo luz à escuridão que perdura sobre esse período da nossa história.

No que tange à Guerrilha do Araguaia, muito há por ser esclarecido e resgatado no âmbito da recém-criada Comissão Nacional da Verdade, assim também como nesta Comissão Parlamentar de Memória, Verdade e Justiça da Câmara, ao que devemos muito louvar a iniciativa de ter criado e compor com os Deputados comprometidos com essa causa.

As ações relacionadas ao Araguaia devem ir desde a reconstrução dos fatos, contando a sua realidade, a identificação dos agentes de Estado que estiveram presentes em cada ação, levantar e detalhar todos os tipos possíveis de crimes cometidos por agentes do Estado contra os camponeses e os militantes que ali estavam e também envidar esforços no sentido de buscar a efetiva localização e identificação dos desaparecidos políticos naquele período.

É sabido que dezenas de países no mundo estão comprometidos a fazer o resgate histórico e a busca da verdade relacionada aos anos de chumbo de suas respectivas ditaduras militares, quando criaram suas comissões de verdade e justiça, com muito êxito, e a devida punição dos agentes que cometeram crimes contra a humanidade, o que, pela legislação internacional, são imprescritíveis e não podem ser perdoados por leis menores aos dos tratados internacionais para os direitos humanos.

Sabemos que a Lei da Anistia de 1979 impede o julgamento e a condenação dos militares que participaram de torturas, perseguições e morte durante a ditadura militar, pois a lei foi questionada em 2010, no STF, que a revalidou até agora. Inclusive, ela deve ser novamente analisada nos próximos dias.

Quero também enaltecer a iniciativa do Ministério Público Federal, que ajuizou, meses atrás, ação criminal contra o Coronel da Reserva, Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, pelo sequestro de cinco combatentes na Guerrilha do Araguaia. Historicamente, é a primeira denúncia criminal apresentada contra um oficial do Exército. Curió foi acusado pelo crime de sequestro, o que, para o MPF, se trata de crime permanente. Como até hoje não se sabe o paradeiro das vítimas, o crime continua acontecendo, até que sejam encontrados e entregues os seus restos mortais aos familiares.

Para mim, essa ação contra o Curió vem reforçar a luta que temos defendido. Tenho atuado naquela região há mais de 10 anos nesse trabalho de resgate dessa memória, dessa luta incessante pela localização dos desaparecidos no Araguaia. Essa ação reafirma esse compromisso e dá mais clareza e confiança às pessoas que têm colaborado com essa luta.

Não há revanchismo, assim como em diversos outros países. E aqui, no Brasil, não pode ser diferente. Eles têm de prestar contas do que fizeram. Não podemos ficar a vida inteira sem saber o que realmente aconteceu no Brasil e também na Guerrilha do Araguaia, em especial.

Como representante do PCdoB no Grupo de Trabalho Araguaia, criado e coordenado pelos Ministérios da Defesa, da Justiça e pela Secretaria de Direitos Humanos, que tem o objetivo de localizar, recolher e identificar os restos mortais dos desaparecidos na Guerrilha, quero afirmar que esse é um caminho para que o nosso País possa tentar punir os remanescentes da ditadura, podendo, assim, abrir uma nova página na nossa história. É muito importante esse esforço que o Ministério Público Federal tem feito para fazer justiça em relação a esses algozes que cometeram atrocidades contra centenas de inocentes na região durante a Guerrilha do Araguaia.

Com ações como essa tendo êxito no Judiciário brasileiro, pode-se colaborar inclusive na aquisição de informações contundentes sobre a localização dos desaparecidos, pois, sem isso, muitas pessoas que colaboram com as buscas de restos mortais de guerrilheiros continuarão sofrendo intimidações e ameaças. Isso tem sido constante nessa doação no Araguaia, lembrando ainda que o Brasil foi condenado pela OEA, ao final de 2010, a realizar a localização dos restos mortais dos desaparecidos no Araguaia, assim como fazer justiça e punir os responsáveis por tais práticas. A punição de torturadores não só se resume ao Curió, mas a dezenas de outros oficiais, que - da mesma forma, excepcionais militantes vivos - se encontram nas mesmas circunstâncias dos cinco mencionados na ação contra o Curió. Ou seja, são centenas de guerrilheiros e militantes, camponeses, desaparecidos pela Guerrilha do Araguaia que tiveram o mesmo destino desses cinco que constam dessa ação contra o Curió. Vários outros oficiais que estavam atuando na Guerrilha do Araguaia devem ser identificados e também responsabilizados criminalmente.

Com relação ao Araguaia, uma situação que a Comissão da Verdade e também esta Comissão Parlamentar da Câmara devem levar em consideração e atuar com firmeza é sobre a denominada Operação Limpeza, que aconteceu na região logo depois da aniquilação da Guerrilha. Essa operação iniciou-se em 1975, e temos registro de que até a década de 90 ela continua acontecendo. Portanto, a Comissão da Verdade e a Comissão Parlamentar devem assumir essa tarefa de investigar, de buscar mais informações acerca dessa operação que pode levar a uma possível localização coletiva dos restos mortais.

Existem dezenas de relatos, inclusive tenho documentos, vídeos e depoimentos que comprovam a presença do Major Curió e de dezenas de outros oficiais, membros do DOI-CODI, do DOPS, nessas operações. Posteriormente, passarei esses documentos à Presidência da Comissão.

Precisamos também identificar, e a Comissão da Verdade terá a missão de analisar e esclarecer a participação de todos os agentes nas operações limpeza. Isso também tem sido obstáculo durante os trabalhos de campo do Grupo de Trabalho Araguaia, criado em 2009 para cumprir uma sentença da Juíza Federal, Dra. Solange Salgado.

Essa missão tem de ter um caráter de inserção, pois é sabido que existem arquivos de tudo e sobre todos os fatos. Não creio em arquivos queimados ou extraviados, mas que eles se encontram em arquivos pessoais de dezenas de ex-militares que estavam no oficialato naqueles tempos. Comandando tais operações, eles não faziam nada sem registro. Prova disso é que tenho em minha posse vários documentos sobre as quatro champanhas militares que ocorreram na Guerrilha, documentos esses que estavam com ex-militares que eram oficiais, com militares da ativa do Exército Brasileiro. O Jair Krischke falou muito bem aqui que todos os arquivos, inclusive dos DOPS dos Estados que faziam os registros, devem estar com o Exército Brasileiro. Isso deve ser investigado a fundo, tem de ser feita uma inserção imediata em relação a isso.

Quero ressaltar também que a população, os camponeses, vive até hoje as consequências das atrocidades sofridas, essas que foram impetradas de forma covarde e que modificaram para sempre a vida de centenas deles que sobreviviam da lavoura e que, nas ações dos militares, foram impedidos e tiveram negado o direito de ir e vir, passando a viver em estado de sítio e em espaços abertos na selva. Eram proibidos de trabalhar, plantar e também colher. A subsistência fora duramente prejudicada e limitada a favores e migalhas, não tinham direitos, apenas deveres.

Documentos comprovam quanto foi cruel o nível de cerceamento e controle da população. Um processo de restabelecimento da dignidade dessas pessoas se iniciou a partir de 2009, com a concessão de anistias a dezenas de camponeses. Inclusive, defendemos que esse processo precisa continuar e ter mais brevidade, porque todos se encontram na terceira idade, muitos já faleceram no decorrer desse tempo. A propósito, no dia 15 de abril, em São Domingos do Araguaia, nós vamos comemorar, com um ato, os 40 anos da Guerrilha do Araguaia. Dezenas deles já faleceram sem terem sido reparados, sem terem tido direito de restabelecer sua dignidade em vida.

Então, defendemos também que a Comissão faça esse registro a partir de agora. Contudo, defendo que a Comissão Nacional da Verdade, ao ser implantada de fato, assim como a Comissão Parlamentar, centrem esforços no sentido de fazer investidas imediatas nos arquivos estaduais do Pará, de Goiás, do Tocantins e Maranhão, porque lá também existem documentos relacionados à Guerrilha do Araguaia. Eu tenho aqui, relacionada à Guerrilha do Araguaia, cópia impressa de um documento emitido pela Delegacia de Polícia de Xambioá, em 6 de junho de 1973, em que o delegado autoriza a mudança de um camponês de Xambioá para Marabá - no trajeto ele é preso e torturado por mais de 15 dias.

Existem documentos emitidos pela Polícia que são atestados de vida e residência, atestados de conduta, para que as pessoas pudessem circular na região. Só andavam na região se tivessem esse documento, se fosse feita uma vasculha nos arquivos das delegacias. E aqui tenho uma prova, um documento que estava na posse desse camponês citado. Então, os arquivos estaduais têm esses documentos que devem ser buscados por essas duas Comissões.

Nesse contexto, diversas cidades foram acometidas, devem ser investigadas e terem soluções para que sejam apresentadas à sociedade. Entre elas, destaco a questão relacionada à utilização de injeção letal durante a Guerrilha do Araguaia. Há registros de que um capitão do Exército, na época médico, Dr. Walter, executou duas guerrilheiras na Base de Bacaba usando injeção letal. Temos registro disso em depoimentos de ex-soldados que ouviram esses comentários e presenciaram esses fatos.

Outra questão que merece atenção especial diz respeito à atuação questionável de agentes da ABIN, no Pará, que, segundo denúncias ao MPF, são remanescentes da Guerrilha e continuam atuando no órgão, atualmente na superintendência do Pará. No ano de 2000, foram encontradas ossadas em Belém, numa obra. Esses restos mortais tiveram destinos desconhecidos, e os documentos referentes ao caso foram extraviados na superintendência da ABIN do Pará. Inclusive houve registros, por meio de procedimento administrativo interno da ABIN, de que os documentos relacionados a essa ossada foram extraviados da agência e que possivelmente essa ossada seja, mediante as informações e os depoimentos que temos, de um guerrilheiro preso na Guerrilha e levado para Belém. Vários camponeses também passaram por esse processo de ir para Belém e depois retornarem para a região. Esse guerrilheiro foi executado em Belém e desaparecido. Sabemos que foi encontrada essa ossada, em 2000, e desaparecida essa documentação.

Atualmente é inaceitável imaginar que pessoas que cometeram esses crimes contra os que lutaram contra a ditadura, pela liberdade e instalação da democracia neste País, não assumam suas responsabilidades.

Vivemos em um país cuja história se resume a cinco séculos, onde há um registro da quase totalidade desse período, mas existe uma lacuna dentro do conselho histórico relacionada à ditadura militar no que se refere à Guerrilha do Araguaia na qual estão os documentos históricos oficiais sobre esse período negro. Nos livros de História do Brasil que trazem registros referentes à Segunda República nas revoltas, guerras, guerrilhas, tais como Contestado, Guerra de Canudos, Balaiada, Farroupilha, Sabinada, etc., não é tratado nenhum assunto referente à Guerrilha do Araguaia.

Nós observamos que dentro dos PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais não existe conteúdo relacionado à Guerrilha. Que a partir de agora a Comissão Nacional da Verdade possa fazer o registro devido e que isso passe a fazer parte da vida da juventude brasileira, dos estudantes brasileiros, para que possam conhecer as verdades, o que aconteceu durante a Guerrilha do Araguaia. E o Brasil deve realizar isso o quanto antes, para que a sociedade possa ter acesso à verdade sobre o seu passado recente. Mesmo havendo resistência em alguns setores da sociedade, tem de prevalecer, inclusive sobre as Forças Armadas, a posição da maioria da sociedade brasileira, assim como foi no restabelecimento da democracia no nosso País, para que não se esqueça e para que nunca mais aconteça.

Obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, companheiro.

Concedo a palavra ao Dr. Aurélio Virgílio Veiga Rios, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão em Exercício e Subprocurador-Geral da República.

O SR. AURÉLIO VIRGÍLIO VEIGA RIOS - Boa tarde a todos. Cumprimento a Mesa na pessoa do Deputado Luiz Couto, velho companheiro de lutas da Paraíba que tem dado sempre uma enorme contribuição, e, ao mesmo tempo, a nossa querida Deputada Luiza Erundina, que até há pouco estava presidindo essa importante Mesa.

A Procuradoria Federal de Defesa do Cidadão, como instituição nacional de direitos humanos, tem obviamente o compromisso com a memória, a verdade e a justiça.

Esse compromisso não é só retórica. Já há algum tempo vários colegas têm se dedicado a isso, especialmente dois colegas de São Paulo, que gostaria de deixar registrado, Marlon Weichert e Eugênia Fávero, que têm um longo inquérito civil público no qual essas investigações têm sido feitas, inclusive com a solicitação da exumação de corpos em Perus, na Guerrilha do Araguaia e em outros tantos lugares.

Recentemente, o Ministério Público Federal também realizou seminário sobre Justiça de transição, para tratarmos exatamente das consequências da decisão da Corte Interamericana de Justiça, que condenou o Brasil, e que obviamente terá de haver alguma implicação com isso.

Do mesmo modo, o Dr. Marlon Weichert, juntamente com vários colegas - eu estava em São Paulo - e eu participamos da cerimônia de repatriação dos documentos que geraram o livro Brasil: Nunca Mais e que foram agora digitalizados e estão à disposição de todos os interessados, inclusive nas bibliotecas. Essa era uma documentação que estava na Suíça por questão de segurança dos documentos. Somente agora conseguimos obter toda a cópia digitalizada desses documentos.

Há outra questão muito importante que precisamos discutir quando estamos pensando na formação dessa importante Comissão, fruto da Lei nº 12.528, que é a Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, que trata obviamente de remover as pedras que estão no caminho, como foi dito pelo Dr. Torres. Essas pedras estão em todos os lugares. Uma parte delas está em nós mesmos, que são os nossos medos, os nossos receios e a nossa dificuldade de superar o medo do desconhecido. E as outras pedras estão nas instituições com quem trabalhamos.

E aí, Deputado Luiz Couto, não podemos esquecer a enorme barreira e dificuldade que esta Comissão terá nesse próprio Congresso Nacional para viabilizar qualquer lei que venha a superar os impasses criados pela Lei de Anistia.

Também no Poder Executivo, embora tenhamos uma Presidenta que sofreu na pele a tortura e conhece isso não por teoria, mas na prática, pois ela sabe a dor da perda de companheiros e do que ela sofreu, sabe-se que dentro do que se chama governabilidade e da ampla aliança que cumpriu o Governo, não tem sido fácil superar os impasses postos não só pelos Ministérios militares, é preciso dizer, mas também dentro de áreas importantes e estratégicas do Governo.

Também no Poder Judiciário - o Dr. Torres sabe melhor do que ninguém, como todo bom juiz da Associação Juízes para a Democracia - temos uma enorme pedra, que é o Supremo Tribunal Federal, numa interpretação bastante restritiva, que praticamente anula a possibilidade de uma responsabilização criminal dos agentes que participaram disso. A não ser que modifiquemos o atual entendimento, não quero dar nenhuma ilusão de que, como resultado da Comissão, teremos o fim da impunidade. O que acho que teremos e precisamos ter é, primeiro, a resposta básica: onde estão os corpos? A identificação dos corpos. A segunda, a investigação sobre os fatos que levaram a esses corpos. E, obviamente, a terceira, e não mais importante, porque está ligado, a identificação dos autores disso.

O limite da responsabilidade penal disso será outra pedra, outra muralha imensa a ser vencida. Nós do Ministério Público Federal, da Procuradoria Federal da Defesa do Cidadão, a exemplo de muitos juízes, sejam eles da AMB, sejam ligados à Associação Juízes para a Democracia, estaremos pedindo isso. Concretamente, isso se dá com essa ação recente, essa denúncia contra o Major Curió extinta por um juiz e da qual nós vamos recorrer. E foi extinta, citando o precedente do Supremo Tribunal Federal.

Um ponto importante é que não nos iludamos em relação a essas pedras, e que essas pedras formem uma muralha. Não significa que nós vamos parar diante delas, mas é importante unirmos forças para poder ultrapassá-las e ver o futuro ali adiante. Para usar a expressão poética: há luz depois da escuridão.

Um ponto importante, Deputada Luiza Erundina - há pouco tive a oportunidade de homenageá-la pela luta incessante pela memória neste Congresso, nesta Casa -, é a instalação imediata da Comissão. Mais do que discutirmos o que podemos fazer com ela, ela precisa ser criada. É preciso buscar essas três coisas: primeiro, uma informação cívica sobre onde estão os corpos; segundo, o que ocorreu, quais são os fatos que estão por trás desses corpos, e, terceiro, identificar os seus autores. Independentemente das consequências, isso é o que se espera da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça.

Por isso, acho que a principal colaboração que nós, da Procuradoria Federal da Defesa do Cidadão, vamos dar é lutarmos juntos pela criação imediata da Comissão e para que ela obviamente tenha representantes dignos da sua importância, e que nada fique esquecido.

É óbvio que nada será como antes, para usar um verso de Fernando Brant, mas também é preciso dizer que tudo poderá ser repetido se nós não conhecermos o nosso passado e não entendermos o que temos de fazer para evitar essas coisas.

Eu gosto muito, Deputado Luiz Couto, de uma expressão muito importante do grande escritor tcheco Milan Kundera. Ele diz que a busca da verdade será sempre a luta da memória sobre o esquecimento.

Então, se nós quisermos a verdade, teremos que aguçar a memória e lutarmos permanentemente contra o esquecimento. Para usar a expressão do Conselheiro Federal Cezar Britto, o fato de que a anistia não pode ser amnésia. Começam com “a”, mas têm sentidos completamente diferentes. Então, esse é o ponto. Se estamos falando da memória, estamos falando de uma luta permanente contra o esquecimento para que haja luzes, para que a luz do sol clarifique sobre o que ocorreu neste País durante alguns anos.

As consequências estão aí, não só em relação aos parentes das vítimas, seja especificamente da tortura do Araguaia, seja de outros tantos, mas principalmente para que os mais jovens saibam que este é um Brasil que nós nunca mais queremos que aconteça. Não é que haja aquele jogo de palavras que alguns militares da direita usam: o Brasil sempre. O Brasil sempre, sim, é o que nós desejamos, mas o Brasil das trevas, o Brasil da tortura, o Brasil do desaparecimento de pessoas, da ocultação de cadáveres, nunca mais.

É importante que até na questão semântica saibamos nos colocar em relação a isso, não deixar que certas pessoas ou certos grupos que participaram, e até desavergonhadamente não se sentem constrangidos de dizer isso, queiram apropriar-se da verdade, queiram apropriar-se de um discurso que eu escuto com enorme pavor: “Bom, se vocês tivessem vencido, este Brasil seria uma Coreia do Norte, seria uma coisa horrorosa”. Não sei o que seria do País, nem tem como ter bola de cristal para adivinhar, mas sei que teríamos evitado, num processo democrático, as mortes, as torturas, o desaparecimento de pessoas e a infelicidade de milhares de famílias neste País e neste continente.

Quando falo das pedras, meu querido Padre Luiz Couto, todos nós temos as nossas, inclusive a Igreja. Inclusive a participação da Igreja Católica chilena no golpe de Pinochet tem que ser lembrada. Não é para que possamos demonizar esta ou aquela instituição, mas para saber que o inimigo também está dentro de nós e que temos as nossas pedras para carregar e muros a superar.

Eu quero terminar, até em homenagem aos mais jovens que estão aqui, usando, com a permissão poética do Dr. Torres, expressão de um compositor de Brasília que tive a oportunidade de conhecer, já morto há alguns anos, chamado Renato Manfredini Júnior, que os senhores conhecem como Renato Russo. Ele dizia, em um determinado momento, que um dos grandes desafios da vida é poder fazer florestas do deserto e diamantes de cacos de vidro.

Obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Dr. Aurélio, pela contribuição. Quero dizer que alguns têm pedras, outros têm lajedo completo. Não são pedrinhas, mas são lajedos de impedimento, de não querer que a verdade venha à tona.

Com a palavra o representante do Levante Popular da Juventude, Sr. Janderson Barros de Souza.

Antes, registro a presença da Deputada Rosinha da Adefal, do Estado de Alagoas, membro da Comissão.

O Sr. Janderson Barros de Souza está entregando o manifesto Levante Popular, Juventude contra a Tortura.

O SR. JANDERSON BARROS DE SOUZA - Primeiramente, parabenizo por esta iniciativa a Exma. Deputada Luiza Erundina e o Presidente da Mesa, Deputado Luiz Couto.

Em primeiro lugar, vou falar um pouco sobre o Levante Popular da Juventude. Pode ser algo novo que esteja na mídia e nos ouvidos da sociedade.

O Levante Popular da Juventude é uma organização, um movimento social que tem como objetivo reunir a juventude para a organização, formação e luta, algo que a ditadura deixou em nosso País e que tem impedido muito a mobilização social. Então, o Levante Popular da Juventude vem com essa iniciativa.

É importante deixar claro que nós não vivemos a ditadura militar, nós não vivemos os mais de 20 anos atrás, mas nós aprendemos com aqueles com quem vivemos. Então, muitos dos que viveram a ditadura militar nos ensinam.

Queremos deixar claro que a juventude hoje ainda vive um processo de tortura, um processo de criminalização da juventude pobre, negra e trabalhadora.

Então, isso nos leva a essa pauta, a ir para as ruas e lutar com essa pauta que a ditadura militar deixou até hoje, porque é só ligar a televisão, olhar os jornais, os noticiários que vemos relato sobre jovens sendo assassinados nas periferias todos os dias.

Também não queremos vingança. Não queremos vingança do que foi feito pelos torturadores na ditadura militar. Nós queremos o reparo dos crimes cometidos pelos torturadores. Nesse sentido, queremos pedir também à Presidenta Dilma que acelere o processo de criação da Comissão da Verdade, porque esse processo pode contribuir e ajudar a acabar com o processo recente e atual na nossa conjuntura de extermínio da juventude.

Por essas e várias outras razões o Levante Popular da Juventude resolve ir para as ruas e manifestar-se, denunciar os torturadores, trazer e chamar a sociedade para discutir, debater esse tema da Comissão da Verdade.

Acreditamos que essa iniciativa do Parlamento é importante, mas não basta ficar só aqui. É necessário que a sociedade civil organizada se posicione com relação a esse tema. E a sociedade que não está organizada, que se organize. Então, o nosso propósito é organizar a juventude para debater esses e vários temas que estão em nossa pauta.

Com relação a isso, fizemos um manifesto. Peço licença à Mesa para lê-lo:

Saímos às ruas hoje para resgatar a história do nosso povo e do nosso país. Lembramos da parte talvez mais sombria da história do Brasil, e que parece ser propositalmente esquecida: a Ditadura Militar.

Um período em que jovens como nós, mulheres, homens, trabalhadores, estudantes foram proibidos de lutar por uma vida melhor, foram proibidos de sonhar, foram esmagados por uma ditadura que cruelmente perseguiu, prendeu, torturou e exterminou toda uma geração que ousou se levantar.

Não deixaremos que a história seja omitida, apaziguada ou relativizada por quem quer que seja, a história dos que foram assassinados e torturados, porque acreditamos ser possível construir uma sociedade mais justa, é também a nossa história. Nós somos o seu povo. A mesma força que matou e torturou durante a ditadura hoje mata e tortura a juventude negra e pobre. Não aceitamos que nos torturem, que nos silenciem, nem que enterrem nossa memória. Não nos esqueceremos de toda a barbárie cometida.

Temos a disposição de contar a história dos que caíram e é necessário expor e julgar aqueles que torturaram e assassinaram nosso povo e nossos sonhos. Torturadores e apoiadores da ditadura militar: vocês não foram absolvidos! Não podemos aceitar que vocês vivam suas vidas como se nada tivesse acontecido enquanto, do nosso lado, o que resta são silêncio, saudades e a loucura provocada pela tortura. Nós acreditamos na justiça e não temos medo de denunciar os verdadeiros responsáveis por tanta dor e sofrimento.

Convocamos a juventude e toda a sociedade para se posicionar em defesa da Comissão Nacional da Verdade e contra os torturadores, que hoje denunciamos e que vivem escondidos e impunes e seguem ameaçando a liberdade do povo. Até que todos os torturadores sejam julgados, não esqueceremos, nem descansaremos pela memória, verdade e justiça”.

Uma das grandes questões que o Levante Popular da Juventude vem debatendo é a construção de um poder popular. E não é possível construirmos em nosso País um poder popular com a presença de torturadores soltos, andando em nosso meio.

Relembro que se indignar contra qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo é a qualidade mais bela de um jovem. A juventude que ousa lutar constrói o poder popular. E a construção desse poder popular só é possível começando por reparar os crimes cometidos pelos torturadores.

Ainda nesse sentido de luta, queremos convidar toda a sociedade civil organizada e também os que não estão organizados para se juntarem a nós para cobrar a reparação desses crimes.

No dia 12, data fundamental e importante em que se completam os 40 anos da Guerrilha do Araguaia, provavelmente a questão será julgada no STF. E o Levante Popular da Juventude está convocando para um ato, a ser realizado a partir das 14 horas, no Supremo, para, a partir daí, fazermos pressão para que aquela Corte julgue a questão.

É com pressão popular, com o povo na rua e a ação no Parlamento que, acredito, poderemos avançar nessa pauta. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Registro a presença de Heloísa Soares Nascimento, do Levante Popular da Juventude; Alejandra Pascual, da UnB; Eliana Graça, do INESC; Lúcia Alencar, do Comitê Cearense pela Memória, Verdade e Justiça; Darci Frigo, da Plataforma Dhesca; Emanuel Jonata Oliveira de Brito, membro da junta diretiva do CLAI; Iberê Lopes de Araújo, CEBRAPAZ; Edson Luiz Ferreira, jornalista; Dulce Queiroz, jornalista; Maria Izabel Brunacci, do blog Pedra, Palavra, Voz; Eric de Sales, UnB; Elinaldo Nascimento e Najla Passos, da Carta Maior; Eden Magalhães, do CIMI; Dalva, da AMB; Dario Garcia, do jornal Página R, e José Carlos Torres, da FENAJ.

Convido a Presidenta Luiza Erundina para que S.Exa., que abriu esta reunião, possa também fazer a conclusão dos trabalhos.

Antes, porém, Sra. Presidenta, registro que, na manhã de hoje, recebi de membros das comunidades indígenas matéria que revela que 2 mil índios waimiri-atroari contrários à rodovia, naquele tempo da ditadura, desapareceram durante regime militar do Brasil. Eles não estão na lista oficial de desaparecidos políticos, nem de vítimas de violação de direitos humanos durante o regime militar do Brasil, mas foram considerados empecilhos para o desenvolvimento, guerrilheiros e inimigos do regime militar.

Então, vou deixar cópia dessa matéria também, porque nela há uma lista de pessoas, como disse o indigenista missionário Egídio, e, com certeza, também algumas considerações importantes.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Obrigada, Deputado Luiz Couto, um guerreiro dessa luta.

Vou passar a palavra agora aos Parlamentares que ainda estão aqui e que queiram fazer alguma observação quanto ao que aqui foi dito.

(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - V.Exa. acaba de chegar, portanto, não acompanhou as discussões. Então, vai interrogar sobre o quê? Vai intervir sobre o que, se V.Exa. não acompanhou as exposições?

(Intervenção fora do microfone. Ininteligível.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Bom, eu vou encaminhar a proposta do companheiro Sezostrys Alves da Costa de procurar documentos esclarecedores nas delegacias da região do Bico do Papagaio. Vamos encaminhar essa providência e vamos também encaminhar formalmente ao Conselho Federal de Educação a proposta de inclusão da história da Guerrilha do Araguaia, nos currículos de História nas escolas brasileiras.

Estou recebendo uma lista de pessoas que estão solicitando a palavra. Mas, como daqui a pouco seremos convocados para votar em plenário, peço que observem o tempo de 1 minuto, para não comprometermos os trabalhos do Plenário.

Com a palavra a Sra. Rosa Cimiana dos Santos, por 1 minuto.

A SRA. ROSA CIMIANA DOS SANTOS - Deputada, na condição de filha de ex-preso político, venho agradecer à senhora a iniciativa. Acompanho sempre o Parlamento, porque sou comunista desde criancinha. E sou comunista, graças a Deus, viu, Deputado Luiz Couto?

Quero agradecer muito à senhora a iniciativa e também agradecer muito ao Levante Popular da Juventude e aos outros camaradas que se encontraram aqui. ÉÉ muito importante a iniciativa da senhora, porque está demorando muito a saírem os nomes para a Comissão da Verdade.

Ouvi o Sr. Jair Krischke falar. Eu sou gaúcha, nasci em Santa Maria e não pude viver lá, porque meu pai foi preso. Ele tinha muitos defeitos: era negro, ferroviário, pobre e comunista. Ele foi o único que ficou preso, foi condenado e banido deste País.

Então, eu quero muito essa Comissão da Verdade. Eu, filha de ex-preso político, quero essa Comissão. É um direito meu! Eu quero essa Comissão da Verdade, sim, e admiro a sua coragem, porque a senhora enfrenta coisas muito sérias aqui dentro. Nós sabemos que o Parlamento é muito difícil. Eu não saio desta Casa. Estava aqui na Lei de Anistia, em 1979, eu tinha 20 anos e entrei aqui sem documento. Nós não tínhamos documento. Quem me pôs para dentro foi o Deputado Ulysses Guimarães, que era muito ligado ao meu pai. Ele me pôs aqui dentro. Dormi no Salão Verde junto com outras pessoas e fui acordada com o chute de um militar.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Conclua, por gentileza

A SRA. ROSA CIMIANA DOS SANTOS - Concluindo, é muito duro que até hoje nós não possamos entrar no Ministério da Defesa, nas reuniões que eles fazem. Mas, até hoje, eles nos espionam, como se isso daqui não fosse divulgado pela Internet, como acabou de dizer esse Deputado, que já me chamou de “cadela de Auschwitz”.

Então, é só colocar o meu nome no Google. Meu nome é Rosa Cimiana dos Santos, coloquem no Google e vejam as ofensas que já me fizeram, mas isso não faz com que eu recue, porque há Parlamentares como a senhora, como o Deputado Luiz Couto, como esse outro Deputado que vi pela televisão. Então, há muitos Parlamentares que nos dão essa vontade de continuar lutando e há também a rapaziada - “porque eu acredito é na rapaziada”. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Obrigada, companheira.

Com a palavra Lúcia Alencar, do Instituto Frei Tito de Alencar, do Comitê Cearense pela Memória e Justiça. Obrigada pela sua presença, companheira.

A SRA. LÚCIA ALENCAR - Bom, gostaria de parabenizar a Casa pela iniciativa de criação da Comissão Parlamentar da Memória, Verdade e Justiça. Gostaria também de parabenizar todos os expositores da tarde de hoje. Foram falas extremamente esclarecedoras e sugestões pertinentes.

A minha fala vai ser bem breve, por conta do tempo. Eu gostaria só de lembrar, porque houve aqui referência à questão de documentação, o papel da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Eles têm um acervo maravilhoso de informações, por conta de todo o trabalho que vêm fazendo nas reparações políticas. Então, acho que a Comissão de Anistia é uma grande fonte também para os trabalhos desta Casa.

Devo lembrar ainda que momentos como este são muito importante para nós que fazemos os comitês nas nossas cidades. É um momento de muita interação. E aproveito para convidá-los para, nos dias 26 e 27, participarem, no Ceará, do Seminário Memória, Verdade e Justiça. A cada semestre, preparamos um seminário e gostaríamos imensamente de contar com a presença da Deputada Luiza Erundina.

Na oportunidade, a companheira Amparo, de Recife, apresentará as experiências do Comitê de Recife e da Secretaria de Direitos Humanos de lá.

Muito obrigada a todos. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Obrigada, companheira, a quem agradeço o convite - e vou ver a possibilidade de agenda.

Concedo a palavra ao Sr. Emanuel Jonatas Oliveira de Brito, representante do CLAI.

O SR. EMANUEL JONATAS OLIVEIRA DE BRITO - Primeiramente, quero agradecer à senhora a oportunidade de estar representando aqui o Conselho Latino-Americano de Igrejas.

O Conselho Latino-Americano de Igrejas está presente em 20 países e conta com 180 organismos.

Eu queria deixar registrados apenas três pontos importantes.

Primeiro, o CLAI tem um trajetória na defesa e na promoção dos direitos humanos na América Latina. Segundo, o CLAI participou da entrega também do dossiê Brasil Nunca Mais, realizado pelo Conselho Mundial de Igrejas, no ano passado, junto ao Ministério Público Federal. Terceiro, o CLAI está disposto a colaborar nessas Comissões, grupos de trabalhos, audiências públicas e demais iniciativas para a garantia da defesa e da promoção dos direitos humanos.

Agradeço a oportunidade.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Obrigada pela sua presença e pela disposição de ajudar nesse esforço.

Com a palavra Maria Izabel Brunacci, do blog Pedra-Palavra-Voz. Bonito o nome do blog.

A SRA. MARIA IZABEL BRUNACCI - Boa tarde.

Obrigada por esta oportunidade.

Eu queria só pedir a esta Comissão que fizesse o encaminhamento de uma tese que nós defendemos, de que a ditadura no Brasil não foi exclusivamente militar. Foi uma ditadura empresarial militar e civil militar, como já disseram alguns hoje aqui também.

Portanto, o resgate da memória deve passar também pelos civis que colaboraram com esse período de exceção como também participaram de sessões de tortura, da delação para expulsão de estudantes das universidades, para a cassação de professores das universidades.

Eu vivi o período mais cruento dessa ditadura aqui em Brasília. Posso dizer que perdi companheiros, amigos que nunca mais vi. Perdi inclusive uma amiga que seria a madrinha da minha primeira filha.

Eu queria deixar esse encaminhamento.

Muito obrigada. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Obrigada, companheira.

O último inscrito é Yuri Soares, da UnB.

O SR. YURI SOARES - Boa tarde a todos.

Eu sou estudante de História da Universidade de Brasília.

Há uma questão que acho importante a Comissão observar quando estiver acompanhando os trabalhos da Comissão da Verdade. Não sei quais são os mecanismos que o próprio Parlamento tem para isso, mas, quando se lida com arquivo, é muito complicado saber exatamente o que tem lá.

Recentemente, ano passado ou retrasado, no Itamaraty, foi descoberta uma série de arquivos da ditadura que nem mesmo os responsáveis pelos arquivos daquele órgão sabiam que estavam lá. Essa é a realidade hoje dos arquivos que temos hoje no Brasil. O Prof. Erick, da UnB, também já trabalhou comigo muitos anos no arquivo. Nem mesmo os responsáveis pelos arquivos sabem quais são os documentos que estão lá, os documentos muitas vezes estão desorganizados, não registrados, as equipes são pequenas.

Então, se apenas uma comissão nacional composta de poucas pessoas mandar uma série de ofícios para todos os arquivos do Brasil pedindo que informem o conteúdo desses arquivos, eu não digo que vai haver má vontade, mas, sim, desconhecimento.

Às vezes é um arquivo gigantesco e tem três pessoas trabalhando, e muitos responsáveis vão dizer: “Não sei o que tem sobre a ditadura aqui. Tem muita coisa que não está catalogada, não está registrada.” Basicamente muitos arquivos são depósitos, na verdade.

Então, é preciso que esse trabalho se dê não apenas com uma demanda passiva de se mandar ofícios, mas é preciso que se monte equipes com arquivistas, com conhecimento do período, historiadores. Juro que isso não é uma defesa de reserva de mercado. Eu já estou muito bem empregado. Mas quem já trabalhou com arquivo sabe que não basta apenas informar para uma equipe pequena o que tem num determinado arquivo, porque não vão saber dizer o que tem. Logo, a resposta mais óbvia vai ser: “Olha, aqui não tem nada relevante.” Vai dizer isso sem fazer aquele trabalho maçante, mas próprio de quem trabalha com arquivos, que é garimpá-los, olhar as fotos, folhear documentos, coisa que, por exemplo, recentemente vem sendo feita pelo novo Superintendente do Arquivo Público do DF, Gustavo Chauvet, que assumiu neste novo Governo.

Em pouco tempo, ele já encontrou muitos documentos relativos a espionagem na Universidade de Brasília, documentos relativos a diversos militantes e movimentos. Só que precisou de gente para fazer isso. Isso é preciso ser pensado por esta Comissão.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Obrigada. Inclusive nós tivemos uma audiência, em nome da Comissão, com o Reitor José Geraldo, para estabelecer convênios com a universidade, inclusive nessa área de arquivistas, de historiadores, porque nós temos uma equipe de consultores sob a coordenação da Dra. Débora, consultora aqui da Câmara e historiadora. E nós precisamos do concurso da universidade para nos dar esse reforço.

Como eu disse, nós não temos recurso nenhum. Estava até bolando o que fazer para criar um fundo a fim de manter o mínimo de condições de funcionamento desta Comissão. E nós vamos fazer isso.

Muito obrigada.

Agradeço a esta Mesa, aos companheiros maravilhosos. As contribuições estão registradas no documentário que vai ser oportunamente publicado e divulgado.

E quero me dirigir aos internautas que nos acompanharam essas horas todas e fazer uma convocação. Vocês devem ter visto a qualidade dessas pessoas comprometidas com a causa, a razão de ser desta Comissão Parlamentar Memória Verdade e Justiça.

Nós não existimos como Comissão, porque a outra ainda não foi instituída. É uma Comissão no âmbito do Congresso Nacional. Num dado momento, queremos até tentar envolver o Senado, porque é o Congresso Nacional como um dos poderes do Estado, o Poder Legislativo, que tem que dar sua contribuição e fazer sua parte na busca da memória da verdade, na perspectiva de se fazer justiça, de transição deste País.

Vamos pressionar para que a Comissão Nacional se instale. Está demorando demais. Mas, mesmo ela sendo instalada, nós vamos continuar trabalhando. E temos uma agenda própria. Não vamos concorrer com a Comissão Nacional que tem todas as condições, nem é esse o propósito. Não vamos fazer paralelismo com aquela Comissão, mas queremos inclusive contribuir com ela, levando aquilo que eventualmente até lá já tenhamos resgatado, buscado, encontrado, identificado.

E vamos fazer a nossa parte, mesmo funcionando aquela Comissão, porque lá não consta a preocupação, o objetivo de fazer justiça, mas de fazer reconciliação. Achamos que não precisamos só de reconciliação, mas também de justiça para que a democracia se consolide em nosso País.

Então, agradeço a todos. Espero que os internautas acompanhem a programação desta Comissão, relembrando que, na próxima semana, terça-feira, dia sete, às 14h, neste mesmo plenário, teremos a projeção do filme sobre Manoel Fiel Filho, o operário que derrubou a ditadura. A partir do sacrifício dele foi-se desestruturando aquela coisa horrorosa que era a ditadura e os ditadores de plantão.

Provavelmente vamos trazer a esposa do Manoel Fiel Filho, que já está com mais de 80 anos, já cansadinha, mas vai fazer um esforço de vir aqui com sua filha ou parente. Vamos homenageá-la e receber a energia que essa mulher deve ter, por tudo o que passou esses anos todos, com o sofrimento, o sacrifício e o martírio daquele operário a quem devemos pela democracia que nos permite estar aqui hoje.

Para concluir os nossos trabalhos, eu passo a palavra ao Presidente da Comissão de Direitos Humanos, inclusive pedindo que venha à Mesa para fazer o encerramento dos trabalhos, Deputado Domingos Dutra.

O SR. DEPUTADO DOMINGOS DUTRA - Não, Deputada. Pode deixar. Falarei daqui.

Deputada Luiza Erundina, apenas dois avisos. Um é para ratificar o que disse há pouco, convidando todos os expositores e demais presentes para o dia nove de maio, quando vamos fazer aqui uma grande audiência pública sobre a questão racial no País, convidando todas as lideranças negras, quilombolas, indígenas e ciganas.

Estamos tratando com o Poder Executivo para vir aqui discutir sobre todos os entraves que impossibilitam até hoje que esses segmentos sociais tenham cidadania.

Como eu tenho dito, os diagnósticos são fundamentais, mas nós já cansamos dos diagnósticos. Queremos saber onde estão os problemas e como vamos resolvê-los. Nesse dia 9, essa mobilização terminará - eu espero -, com a votação, em segundo turno, da PEC nº 438, de 2001, a PEC do Trabalho Escravo.

Então, queremos solicitar a ajuda de todos para nos mobilizar e nesse dia possamos colocar aqui um número expressivo de entidades, atores sociais, e assim por diante.

Quero informar também que temos uma agenda no Rio, com o Presidente da Comissão de Direitos Humanos, na quinta-feira, dia do lançamento do livro de Cesare Battisti. No mesmo dia, haverá o lançamento da campanha pela união civil e, no sábado, outra atividade com artistas.

Eu estou indo e convido para ir quem puder, principalmente os Deputados do Rio. A nossa intenção é constituir um núcleo de artistas para entrar nessa campanha pela aprovação da PEC: assinar o manifesto, constituir o núcleo de mobilização, colocar essa questão nos seus espaços de apresentação artística, virem aqui à Câmara e estarem presentes também no dia 9.

Por último, amanhã, às 15h, iremos até o Corregedor da Câmara para pedir celeridade na representação que fizemos para apurar o incidente ocorrido na semana passada com um Parlamentar que não suporta ouvir a verdade.

Portanto, convidamos os Parlamentares para exigir da Corregedoria que apure os fatos que relatamos, para saber se houve ofensa ao decoro parlamentar e, havendo, queremos punição exemplar. Este Parlamento precisa ser respeitado. Não pode haver risco de depoentes serem aqui agredidos ou ameaçados outra vez por um integrante das forças do atraso.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Obrigada, Deputado.

Nada mais havendo a tratar por hoje, declaro encerrados os trabalhos.

Boa noite a todos. (Palmas.)