CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sessão: 0190/18 Hora: 14:32 Fase:
Orador: Data: 24/04/2018


DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO


NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES


TEXTO COM REDAÇÃO FINAL


Versão para registro histórico


Não passível de alteração



COMISSÃO DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EVENTO: Seminário REUNIÃO Nº: 0190/18 DATA: 24/04/2018 LOCAL: Plenário 4 das Comissões INÍCIO: 14h32min TÉRMINO: 17h59min PÁGINAS: 71


DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO


FERNANDO AUGUSTO FORMIGA - Superintendente Substituto da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT. GUILHERME QUINTELLA - Representante da empresa de consultoria Estação da Luz Participações - EDLP. LARISSA CAROLINA AMORIM DOS SANTOS - Diretora de Licenciamento Ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA. FELÍCIO DE ARAÚJO PONTES JÚNIOR - Procurador Regional da República do MPF - Ministério Público Federal. SERGIO GUIMARÃES - Coordenador do GT Infraestrutura. ALESSANDRA KORAP - Presidente da Associação Pariri do Povo Munduruku. WAREAIUP YORIWE KAIABI - Presidente da Associação Terra Indígena do Xingu - ATIX. AGEU LOBO PEREIRA - Presidente da Associação das Comunidades Montanha e Mangabal. BEPOROTI - Cacique Geral Kayapó. BIVIANY ASTRID ROJAS GARZON - Advogada do Instituto Socioambiental - ISA. PAULO CARNEIRO - Diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio. RODRIGO PARANHOS FALEIRO - Diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável e Presidente interino da Fundação Nacional do Índio - FUNAI.


SUMÁRIO


Debate sobre o tema Ferrogrão: dilemas e desafios para a sustentabilidade de uma grande obra de infraestrutura na Amazônia. Mesa 2: Ferrogrão: planejamento, licenciamento e modelo de concessão. Mesa 3: Governança territorial e direitos socioambientais.


OBSERVAÇÕES


Houve exibição de imagens. Houve intervenções ininteligíveis. Há oradores não identificados. Houve manifestação em língua indígena sem tradução simultânea. Houve intervenções inaudíveis.


O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Declaro reaberto o Seminário Ferrogrão: dilemas e desafios para a sustentabilidade de uma grande obra de infraestrutura na Amazônia.

Vamos para a segunda Mesa, que tem como título Ferrogrão: planejamento, licenciamento e modelo de concessão.

Para esta Mesa, convido o Sr. Fernando Augusto Formiga, Superintendente Substituto da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT; o Sr. Guilherme Quintella, representante da empresa de consultoria EDLP - Estação da Luz Participações; e a Sra. Larissa Carolina Amorim dos Santos, Diretora de Licenciamento Ambiental do IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

O Sr. Felício de Araújo Pontes Júnior, Procurador Regional da República, está em outro debate, sobre Belo Monte. Se der tempo, também participará deste. Ele está na Comissão da Amazônia, onde será o primeiro a falar. Depois virá para cá. Se eles fizerem o mesmo sistema de debate que nós, talvez ele tenha que ficar na Mesa.

Concedo a palavra ao Sr. Fernando Augusto Formiga. (Pausa.)

O SR. FERNANDO AUGUSTO FORMIGA - Boa tarde a todos.

Gostaria de cumprimentar a Mesa, na pessoa do Deputado Nilto Tatto, e agradecer o convite para participar deste evento.

Quero dizer que a Agência está sempre aberta a participar de eventos desta natureza, que nos permitem expor um pouco do nosso trabalho, sobretudo acerca de um tema tão relevante.

Peço desculpas em nome do Alexandre Porto, Superintendente de Ferrovias Titular da ANTT, por não estar presente neste evento, o que decorre de um conflito de agendas.

Peço licença para ser breve na minha apresentação, tendo em vista que os colegas que me antecederam já trataram um pouco do assunto e sobretudo por acreditar que a grandeza deste evento está em possibilitar a plenitude da participação social. Então, acho que devemos destinar mais tempo ao público.

(Segue-se exibição de imagens.)

Vou fazer um breve contexto da ferrovia EF-170, denominada Ferrogrão, que nasce em Sinop, no Mato Grosso, e vai até Itaituba, no Pará.

Características da ferrovia: conecta a produção agrícola do Mato Grosso com os portos do norte do País; seus principais produtos transportados são soja, milho, fertilizante e combustível; a capacidade da ferrovia é de 58 milhões de toneladas/ano; tem a extensão de 932 quilômetros; recebeu investimento total de 12,7 bilhões.

Características técnicas: extensão, 932 quilômetros; bitola, 1,60 metros; VMA - Velocidade Média Autorizada, 80 quilômetros por hora.

Quando falamos em concessão, é importante delimitarmos a competência de cada ente nesse processo.

De acordo com a Lei nº 10.233, que também é a lei de criação da Agência, foi criado o CONIT - Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, cuja atribuição é propor as políticas públicas de integração dos diferentes modais.

O CONIT é presidido pelo Ministério dos Transportes e estabelece também que à ANTT, no âmbito das suas atribuições de transporte terrestre, cabe implementar e executar políticas públicas.

Em 2016, por intermédio da Lei nº 13.334, foi Criado o Conselho do Programa de Parcerias e Investimentos - CPPI para substituir o CONIT em suas atribuições de formulação de política pública.

A partir daí, por intermédio da Resolução nº 2 do CPPI, o Conselho estabeleceu um rol de investimentos e projetos prioritários no âmbito do Governo Federal no qual está a Ferrovia EF-170, a Ferrogrão.

Uma vez delimitada essa questão da competência, em que cabe ao PPI e ao Ministério, em conjunto com o PPI, a formulação de política pública, entra o papel da Agência de executar essa política. Então, novamente pela Lei nº 10.233, de 2001, cabe à ANTT conduzir o procedimento de licitação e celebrar os contratos.

Com relação aos estudos que foram realizados, é importante consignar aqui que eles nasceram já no âmbito do outro Governo, na época do PIL, mais precisamente no PIL Segunda Etapa, se tratarmos do trecho que vai de Sinop a Itaituba, e, por intermédio do Chamamento Público de Estudos nº 11, de 2014, que realizou a PMI, a EDLP sagrou-se vencedora e realizou os estudos, apresentando-os em outubro de 2015. Esses estudos sofreram uma atualização em 2016 e 2017, no âmbito já da CPPI.

Os estudos que foram apresentados são compostos de: estudos preliminares, estudos iniciais, diagnóstico ambiental, estudos definitivos de engenharia, análise de mercado, estudo operacional e modelagem econômico-financeira.

Eu não vou entrar em detalhes desses estudos, até porque o representante da EDLP está aqui, vai me suceder e pode explicar melhor esses estudos. Apenas vou dar uma pincelada nos principais e vou deixar para o meu sucessor explicar.

Aqui é importante enaltecer e deixar bem claro que a Audiência Pública nº 14, de 2017, que a Agência realizou, teve o exclusivo objetivo de expor os estudos que foram realizados. É importante deixar claro que foi mais uma oportunidade de a sociedade de se manifestar com relação a esse projeto da Ferrogrão.

Não há ainda nenhum ato de cunho decisório por parte da Agência para definir qualquer tipo de estudo. Apenas foram apresentados à sociedade esses estudos.

Isso está fundamentado no art. 68. Quanto às ações da Agência que têm impacto nos entes econômicos e nos usuários de transporte, ela tem esse hábito, esse costume de realizar audiências públicas. Novamente é importante deixar claro que ela não contraria nem substitui a Convenção nº 169 da OIT, ela não substitui a Convenção da OIT, mas é apenas mais uma oportunidade que foi dada para que a sociedade possa conhecer os estudos que foram feitos e se manifestar, até para corroborar os estudos ou não. Então, esse foi o intuito da Audiência Pública nº 14.

Tratando dos estudos, vou passar rapidamente por eles.

Há os estudos de demanda, que são análises de natureza de carga e dos volumes movimentados anualmente por trecho. Foram considerados nove produtos: soja, milho, farelo de soja, óleo de soja, fertilizantes, algodão, açúcar, etanol e derivados do petróleo. A área de abrangência foi todo o território nacional.

Aqui temos um retrato do estudo de demanda, considerando a produção do Estado de Mato Grosso, os produtos no sentido de exportação e a capacidade projetada para o transporte desses volumes.

Frente ao estudo de demanda, há o estudo operacional, que é o estudo para atender a demanda de transporte apontada pelo estudo de demanda.

Aí também há, de uma forma gradativa, o estudo operacional, e os dados relativos ao material rodante, por ano e a quantidade.

É importante mencionar os estudos de engenharia, que são o que realmente determina o valor dos investimentos para fins regulatórios e de modelagem econômico-financeira, que é o cálculo da outorga, e também o estabelecimento do prazo.

Novamente aí estão os estudos.

Como resultado, temos o CAPEX, da ordem de 12 bilhões, sendo 6 bilhões em infraestrutura e 4,5 bilhões relativos ao material rodante.

Com relação ao diagnóstico de impacto ambiental, é importante deixar claro que, na verdade, ele não substitui a legislação e nem tentou fazer a legislação ambiental com os estudos de EIA/RIMA e etc.; ele apenas serviu para buscar o melhor traçado da ferrovia.

Então, ele buscou identificar as vulnerabilidades, as restrições, as potencialidades ambientais e as alternativas de traçado. Esse foi o único intuito do estudo do diagnóstico de impacto ambiental.

A metodologia utilizada foi o levantamento de dados existentes.

O produto final foi um relatório contendo essas recomendações.

Aqui é somente para registrar que, diante desse diagnóstico, entendeu-se que o melhor traçado seria aquele margeando a BR-163.

Quanto à modelagem econômico-financeira, o modelo de concessão é um modelo vertical, em que a concessionária vai construir, manter e prestar o serviço. O risco de demanda é assumido pelo concessionário. A remuneração é feita através da prestação do serviço.

O horizonte de projeção da concessão é de 65 anos, sendo que os primeiros 5 anos são para a construção da ferrovia.

Com relação à modelagem econômico-financeira, a TIR esperada é de 10,6%.

Poderão participar do leilão as empresas brasileiras e estrangeiras, isoladamente ou em consórcio.

A licitação será julgada por uma Comissão.

Será declarada vencedora a proposta econômica que apresentar o maior valor de outorga.

É importante registrar que esses estudos não foram feitos pela agência. A agência recepcionou esses estudos e os apresentou à sociedade por intermédio da Audiência Pública nº 14, que se iniciou no dia 30 de outubro de 2017 e se findou no dia 30 de janeiro de 2018.

Aqui foram previstas inicialmente três audiências públicas: em Cuiabá, em Belém e em Brasília. Posteriormente, pelo clamor da sociedade, foram incluídas mais três audiências: em Itaituba, em Novo Progresso e em Sinop.

Essas audiências não chegaram a acontecer, por questões de segurança dos agentes, que foram ameaçados, mas, ainda assim, o Superintendente Alexandre chegou a ir a Itaituba com representantes do setor e realizou uma reunião.

A partir de agora, colhidas as contribuições da audiência pública, a Agência vai fazer um relatório e vai apresenta-lo à Diretoria da ANTT.

O próximo passo, seja ele aprovado ou não, é encaminhá-lo às considerações do TCU. Então, o caminho a ser percorrido agora submeter a análise das contribuições que foram colhidas à deliberação da Diretoria Colegiada da ANTT e, então, será submetida às considerações do TCU.

Era isso o que eu queria dizer a vocês.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Sr. Fernando Augusto Formiga.

Tem a palavra o Sr. Guilherme Quintella, representante da empresa de consultoria Estação da Luz Participações Ltda.

O SR. QUILHERME QUINTELLA - Boa tarde a todos.

Sr. Presidente, Deputado Nilto Tatto, parabéns pela iniciativa de promover este encontro.

Acho que um projeto do tamanho da Ferrogrão merece este tipo de discussão - ampla, transparente e franca. E não poderia haver lugar melhor para fazer esta discussão que aqui, na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados do Brasil.

Eu vou falar um pouco sobre como nós desenvolvemos o projeto da Ferrogrão, como ele aconteceu, e me juntar aos outros apresentadores, depois, para ficar à disposição de vocês para responder as perguntas que forem pertinentes.

Antes de mais nada, gostaria de dizer que a reunião do período da manhã já foi de muita utilidade, pelo menos para nós. Acho que a fala do Wareaiup Kaiabi, Presidente da ATIX, propondo um pacto, ou seja, a proposta de um pacto vinda de uma comunidade indígena - nem vou entrar no mérito da proposta ou do pacto - já é uma demonstração de como as comunidades estão preparadas para discutir de uma forma qualificada projetos dessa envergadura e que podem, sim, impactar seriamente as comunidades indígenas do Brasil.

Também fiquei muito animado com a apresentação do André, quando ele fala de planejamento de transporte e cita o caso da EPL, que é um exemplo mesmo. Acho que o Brasil, depois de quase 20 anos, volta a ter planejamento de transporte e acho que isso é uma carência do País. E essa discussão tem que ser tratada em todos os aspectos, e não só no aspecto da redução de frete, não só no aspecto ambiental e social - devemos ter essa visão holística que o André comentou em sua apresentação.

(Segue-se exibição de imagens.)

Para falar um pouquinho da Ferrogrão, eu queria contar como a história da ferrovia começou.

A história da Ferrogrão começou em 2012, quando o Governo brasileiro lançou o PIL. A ideia do Governo era reduzir em 30% o custo logístico brasileiro, fazendo investimentos da ordem de 100 bilhões de reais em novas ferrovias. O Governo queria fazer 10 mil novos quilômetros de ferrovia e pretendia fazer essas ferrovias que estão em vermelho naquele mapinha. E a ideia, então, era reduzir o custo logístico do País.

Quando o Governo lançou essa ideia, achei que poderia ser uma boa oportunidade. Há dois grandes demandadores concentrados de transporte no País, que são a mineração e o agronegócio, e eu achei que o agronegócio poderia arregaçar as mangas e trabalhar em cima da proposta que o Governo havia feito.

Por isso, convidei as tradings de soja para que elas desenvolvessem, junto com a Estação da Luz Participações Ltda., um estudo que identificasse quais eram os melhores caminhos para o escoamento de grãos no País.

O estudo consistiu no seguinte processo. Nós pegamos os 14 Estados produtores de grãos no Brasil, que estão em verde no mapa, e, Município a Município, fizemos uma previsão de demanda de transportes, fizemos uma previsão de crescimento de safra - isso para 2020, 2030, 2040 e 2050. Então, fomos prevendo, Município a Município, o crescimento de safra de todos os Municípios que produzem grãos no País, desde o Rio Grande do Sul até o Maranhão. Na época não estudamos Roraima, porque estava fora do eixo - Roraima tem uma solução caseira muito simples.

Em seguida, colocamos toda a oferta de transportes que o Governo tinha pensado em desenvolver até 2050. Então, levamos em conta todos aqueles 10 mil quilômetros de novas ferrovias, as duplicações das rodovias que o Governo estava pensando no PIL, no PAC, no Brasil em Ação, enfim, nesse mundo de projetos ou, muito mais do que projetos, nessas iniciativas de obras que o Brasil veio desenvolvendo nos últimos anos.

Nós avaliamos 38.844 rotas. E precisávamos saber qual seria o melhor caminho que o grão para exportação deveria escolher, saindo de um Município “x” para chegar até o seu destino, na Europa ou na Ásia.

E a grande questão que nós tínhamos era o Mato Grosso. É muito simples saber o que vai acontecer com a crescente produção de grão no Estado do Rio Grande do Sul, Deputado. Provavelmente esse grão vai sair pelo Porto de Rio Grande; o grão do Paraná vai sair por Paranaguá e assim por diante. Mas o Mato Grosso, que tem o maior movimento logístico, porque tem a maior produção e a maior distância física, era a grande dúvida sobre qual seria o caminho. O Governo tinha projetado a FICO - Ferrovia de Integração do Centro Oeste, que ligaria Lucas do Rio Verde até Campinorte, até o eixo da Norte-Sul, e aquela deveria ser então, conforme o Governo estava anunciando, a ferrovia da soja.

E o Mato Grosso é um Estado que tem 254 quilômetros de ferrovia - tem 900 mil quilômetros de área territorial e só 254 quilômetros de ferrovia. Se você considerar a França e a Alemanha, vai constatar que esses dois países juntos têm 900 mil quilômetros quadrados de área e têm 77 mil quilômetros de ferrovias. Não dá para comparar, pois essas são situações diferentes, mas é impossível imaginar que o Estado do Mato Grosso não vá ter pelo menos uma cruz ferroviária cruzando-o de norte a sul e de leste a oeste, para que possa dar vazão, pelo transporte ferroviário, aos grãos ali produzidos.

E o que aconteceu nesse estudo? Nesse estudo, focando especialmente no Mato Grosso, considerando a produção e a previsão de crescimento da safra do Mato Grosso e a oferta de transporte que o Governo tinha dirigido, nós chegamos à conclusão de que não haveria um grande impacto na condição de transporte do Mato Grosso. Ele continuaria a ser um Estado que transportaria cargas por rodovias - 54% continuariam a ser transportados por rodovia e 45% mais ou menos por ferrovia, em direção ao Porto de Santos.

Mas saltou-nos aos olhos um número de exportação de grãos ou de transporte na BR-163. O Governo, nesse programa, havia projetado a duplicação da BR-163 inteira, desde Santarém até Guaíra, na divisa do Mato Grosso do Sul com o Paraná. Um grande volume dessa carga seria transportado por rodovia, pela BR-163, em direção aos portos do Arco Norte.

Nós sugerimos ao Governo substituir a duplicação da rodovia pela construção de uma ferrovia. A nossa sugestão, certa ou errada, foi no sentido de substituir a duplicação da BR-163, no trecho entre Sinop e Miritituba, pela construção da Ferrovia.

O que aconteceu? A Ferrovia passou a deter 87% do volume de exportação de grãos do Estado do Mato Grosso.

O mais importante é que a diferença entre ter ou não a Ferrogrão representaria uma redução no custo logístico de toda exportação do Estado do Mato Grosso - não só do que seria transportado pela Ferrogrão - de 38 reais por tonelada, algo como 7% do valor do produto. Cada produtor do Mato Grosso teria uma redução no custo de transporte de 38 reais por tonelada.

Com isso, nós solicitamos ao Governo que fizesse um chamamento público para Procedimento de Manifestação de Interesse - PMI, manifestação de interesse privado, para autorizar a realização de estudos por várias empresas sobre a Ferrovia, no trecho que liga Sinop a Miritituba - que, à época, não se chamava Ferrogrão. Nem se tinha pensado nisso.

É importante mencionar que a Ferrovia EF-170 consta no Plano Nacional de Viação desde 1934, no trecho mencionado. Desde 1934 o Governo pensa em construir uma ferrovia nesse eixo.

Note-se que 16 consórcios se candidataram, mas só o nosso apresentou os estudos ao Governo Federal.

Nós apresentamos 4 mil páginas de estudos e 630 plantas. No estudo de engenharia, fizemos todo o levantamento possível de um projeto básico. Entregamos o projeto básico de engenharia ao Governo. Fizemos o levantamento aerofotogramétrico, de helicóptero, de todo o trecho - de mil quilômetros por 6 quilômetros de largura. Fizemos uma sondagem a cada 1,2 quilômetros. Fizemos todos os projetos executivos das obras de arte que são poucas.

Nesse eslaide temos o valor que a ANTT passou agora há pouco.

A Ferrogrão será responsável por 50% do volume de exportação de grãos, se ela for construída.

Trata-se de uma ferrovia com capacidade instalada de 58 milhões de toneladas e ela vai abranger 50% do volume de exportação do Mato Grosso. Os outros 50% vão ser feitos pela Rumo e por transporte rodoviário.

Os investimentos previstos com o empreendimento são estimados em 12,7 bilhões de reais.

É uma concessão vertical, um projeto Greenfield, com risco de demanda de 65 anos.

Estabelece critérios de ordenação de uso e ocupação do solo.

Prevê a redução de 1 milhão de toneladas de CO2 emitidos na atmosfera por ano.

Nós fizemos, à época, o diagnóstico ambiental, que está disponível naquelas 4 mil páginas. O objetivo era identificar vulnerabilidades do projeto. Há dois volumes de 300 páginas mais ou menos dos relatórios do diagnóstico ambiental.

Nós contratamos a TNC para nos dar suporte às nossas avaliações ambientais antes de apresentar o projeto.

Pegamos uma área de 100 quilômetros de extensão da Ferrovia, de eixo a eixo, para fazer a avaliação dos impactos ambientais abrangendo todas as comunidades. Chegamos a 48 comunidades que deveriam ser avaliadas, entre territórios indígenas e unidades de conservação.

Aqui está o programa das principais iniciativas planejadas na recuperação.

Neste momento nós estamos desenvolvendo dois trabalhos: o primeiro é a Avaliação Ambiental Estratégica do Vale do Tapajós, a que nós devemos dar início em junho - estamos finalizando a contratação agora em maio; e o segundo é o Apoio ao Plano de Consultas Livres Prévia e Informada.

E, detalhando um pouco mais, nós elaboramos esse roteiro que está em processo de discussão. Estamos discutindo esse roteiro com a Casa Civil, para que ela chame todos os entes do Governo que podem dessa discussão.

Vou deixar a apresentação aqui para todos que desejarem conhecê-la com mais detalhes.

Muito obrigado, Deputado, pela oportunidade.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Guilherme Quintella.

Com a palavra a Sra. Larissa Carolina Amorim dos Santos, Diretora de Licenciamento do IBAMA.

A SRA. LARISSA CAROLINA AMORIM DOS SANTOS - Boa tarde, Deputado, colegas de Mesa e representantes.

A minha apresentação vai ser breve. Apenas cinco eslaides serão apresentados, para que vocês entendam qual é o status do processo de licenciamento ambiental da Ferrogrão.

(Segue-se exibição de imagens.)

O processo aberto no IBAMA abrange 1.188,985 quilômetros de extensão.

Liga Lucas do Rio Verde a Miritituba, que é a ligação da Ferrovia de Integração Centro-Oeste - FICO.

Atravessa 19 Municípios, 14 no Mato Grosso e cinco no Pará.

Fica em região com diversas unidades de conservação e algumas terras indígenas.

Aqui no mapa, o que está hachurado de verde-claro são terras indígenas e o que está preenchido de verde são unidades de conservação. O que está em rosa claro é o buffer de 10 quilômetros da Ferrovia, de acordo com a Portaria 60.

Nesse mapa ainda não consta a desafetação do Jamanxim, porque não conseguimos fazer o download da nova poligonal. Na hora de confeccionar o mapa, o pessoal da Diretoria de Licenciamento Ambiental - DILIC não conseguiu essa informação atualizada. Então, nós fizemos sobrepondo mesmo.

Esse processo foi iniciado em 2015 no IBAMA, com a abertura da Ficha de Caracterização de Atividade.

A equipe técnica fez a avaliação e definiu que o rito seria o ordinário, de modo que passaria pelas três etapas: licença prévia, licença de instalação e licença de operação.

O IBAMA encaminhou a Minuta do Termo de Referência para estudo ambiental a EPL e aos intervenientes: IPHAN, FUNAI, ICMBio, Fundação Cultural Palmares, Secretaria de Vigilância Sanitária, SEMA-Mato Grosso, SEMA-Pará. Vieram as respostas dos intervenientes:

Em 31 de julho de 2015, o ICMBio respondeu que a Ferrovia e a unidade de conservação tinham uso incompatível, ou seja, que não era possível a existência daquele empreendimento naquela localização. Nós encaminhamos a resposta para a EPL, porque não era possível continuar o processo de licenciamento ambiental.

Em dezembro de 2015 foi encaminhado pedido de alteração de traçado com o aumento da extensão de 939 quilômetros para 11.111 quilômetros. Mais uma vez, o IBAMA encaminhou um Termo de Referência - o segundo - para a EPL e para todos os intervenientes. Novamente, o ICMBio respondeu que o uso era incompatível.

Em 19 de dezembro de 2016 foi publicada no Diário Oficial a alteração dos limites do Jamanxim.

Nós encaminhamos novamente a terceira versão do Termo de Referência para os intervenientes e para a EPL e tivemos a resposta de alguns intervenientes.

Este é o atual andamento: o IBAMA aguarda a EPL solicitar pedido de Autorização de Fauna - ABio para dar início aos estudos ambientais.

Quais são os próximos passos? Execução do EIA/RIMA pela EPL; entrega do EIA/RIMA ao IBAMA; check-list - quando esse estudo for entregue ao IBAMA, o Instituto realiza um check-list; audiências públicas - se tudo estiver o.k., o estudo é recepcionado e é aberto prazo para chamamento das audiências públicas; análise do estudo, depois de realizadas as audiências públicas; e manifestação do IBAMA sobre a viabilidade ambiental da Ferrovia, mediante emissão de parecer técnico.

De forma bastante resumida, são essas as etapas seguintes e o atual estágio desse processo no IBAMA.

É só isso.

Obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Larissa.

Passo a palavra para o Sr. Felício de Araújo Pontes Júnior, Procurador Regional da República do Ministério Público Federal, por 10 minutos.

O SR. FELÍCIO DE ARAÚJO PONTES JÚNIOR - Boa tarde, Sr. Presidente, Deputado Nilto Tatto.

Primeiramente eu gostaria de me desculpar por chegar neste momento. Eu estava na Comissão da Amazônia, e lá, neste momento, estão sendo discutidos com a Norte Energia os impactos e a falta de cumprimento das condicionantes de Belo Monte, e o Ministério Público Federal tem um papel importante na fiscalização do cumprimento dessas condicionantes.

Eu gostaria de saudar V.Exa. e, em seu nome, a Mesa e a plateia, através das etnias munduruku, kayapó, xavante e kaiabi. Em nome de todas as etnias indígenas aqui presentes, saúdo essa distinta plateia.

Gostaria de ir direto a um ponto específico que é muito caro ao Ministério Público Federal dentro do licenciamento de uma grande obra, como é a Ferrogrão.

Prestava atenção à palestra da diretora do IBAMA, que me antecedeu, mas quero dizer que faltou uma informação na sua exposição. Faço essa observação com o objetivo de contribuir para o debate. Onde está a consulta prévia no processo de licenciamento ambiental da Ferrogrão?

Nós já temos subsídio jurídico para dizer onde se encaixa a consulta prévia dentro de um licenciamento ambiental. O Brasil não está tão avançado como a Colômbia e o Peru, mas já tem uma jurisprudência consolidada, sobretudo no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que é um tribunal de apelação desses empreendimentos que estão sendo conduzidos na Amazônia. E o Tribunal já tem um posicionamento firme, eu diria, em dois sentidos.

A posição do Tribunal é no sentido de que um empreendimento que afete os povos indígenas e comunidades tradicionais não pode prescindir de consulta prévia. É preciso haver consulta prévia. O mapa apresentado pela diretora do IBAMA foi extremamente esclarecedor, mostrando a proximidade do empreendimento de diversas terras indígenas, que não podem ficar só no mapa como se não estivessem afetadas diretamente. Aliás, o mapa é esclarecedor. Ele mostra que não há como ser construída uma obra dessa magnitude sem que afete os povos indígenas. Esse é o primeiro pressuposto do mundo jurídico para que possa haver consulta prévia.

Uma das discussões - perdoem-me, trago de novo o exemplo de Belo Monte - é se haveria necessidade de consulta prévia se o empreendimento estivesse dentro da terra indígena. Nós defendemos a tese de que não há necessidade de o empreendimento estar dentro dos limites da terra indígena para que afete aquela população.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com sede em Brasília - já vou adiantando a V.Exas., sobretudo aos advogados que estão aqui, que, se houver a judicialização, o Tribunal vai bater o martelo e decidir a questão -, tem deliberado reiteradamente em todas as causas - repito: em todas as causas - sobre a necessidade da consulta prévia. Ficou decidido que não havia necessidade de o empreendimento estar dentro dos limites do polígono da terra indígena. Basta que ele afete a terra indígena para que haja necessidade da consulta prévia. Esse é o primeiro ponto.

Quero deixar bem claro que todas as vezes em que o Tribunal se manifestou sobre o assunto declarou que o empreendimento não poderia ser realizado sem consulta prévia. Talvez a última decisão não tivesse tido grande consequência ou estardalhaço na imprensa brasileira, como teve no Canadá. Refiro-me à decisão sobre a Belo Sun, que muitos dos senhores sabem. Aliás, foi a última decisão do Tribunal em dezembro do ano passado. A empresa alegou que o empreendimento estava instalado a mais de 10 quilômetros de distância da terra indígena. No entanto, o Tribunal disse que esses 10 quilômetros não podem ser tomados como uma verdade absoluta.

Nenhuma lei pode determinar até onde haverá impacto ambiental, ela não tem esse poder. Se há comprovação fática de que houve impacto ambiental na terra indígena, basta isso para que seja reconhecido o direito de consulta prévia dos indígenas, em caso de empreendimentos que lhes afetem. Essa é a jurisprudência pacífica, consolidada no Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, repito, será o Tribunal que julgará a causa se houver judicialização da Ferrogrão.

O segundo ponto que eu gostaria de trazer para o debate é o seguinte: a consulta prévia é anterior ao início do processo de licenciamento feito pelo IBAMA. É preciso fazer uma leitura fiel do que determina a Convenção 169 da OIT, que será aplicada nesses casos. A Convenção estabelece que ainda na fase de planejamento, muito antes do EIA/RIMA, seja levada em consideração a posição dos indígenas e das comunidades afetadas que não sejam indígenas, na tomada de decisão do Governo através do licenciamento. Eu não vi isso acontecer até agora.

Para nós do Ministério Público o processo está atropelado. Antes da tomada de decisão de fazer a Ferrogrão, que é muito antes da fase do EIA/RIMA - e o EIA/RIMA tem que ser consequência da tomada de decisão -, era preciso ter consulta prévia, mas eu não vi isso acontecer.

Eu gostaria de terminar, Deputado, dizendo a V.Exa. uma última coisa. Eu sei que pode parecer que os indígenas ficaram empoderados demais diante do direito à consulta prévia. Não é verdade. O direito à consulta prévia é apenas consequência de uma doutrina que se implantou no Brasil desde 1988 e quebrou uma doutrina que vinha desde a época da conquista.

O que existia na época da conquista se chamava doutrina do integracionismo ou do assimilacionismo. Segundo ela os indígenas têm que ser integrados à comunhão nacional. Alessandra, minha professora de munduruku, não valia nada a sua cultura.

Ela vem reafirmando ao seu povo que a cultura dele deve ser mantida, e isso é novo dentro do mundo jurídico, porque até 1988 era o contrário que as leis diziam para todos nós que as estudamos sob a doutrina do integracionismo. Nós estamos num momento de transição de uma doutrina para outra: a anterior ainda não saiu, e a nova ainda não se implantou. O direito à consulta prévia é um passo decisivo para que a nova doutrina, que eu chamo de doutrina da autodeterminação ou do pluralismo, se incorpore de uma vez por todas neste País.

Obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Felício.

Nós temos uns 20 minutos. Há alguém que gostaria de fazer alguma pergunta?

(Intervenção fora do microfone. Ininteligível.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Não sei, Larissa. Depois das questões nós vamos voltar. Pode ser?

(Intervenção fora do microfone. Ininteligível.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Levantaram a mão aqui e ali. Vamos registrar os nomes de quem levantou a mão enquanto o Sérgio fala.

Vamos combinar uma coisa? Haverá outra Mesa mais tarde, na hora em que começar a Ordem do Dia no plenário vamos ter que encerrar a reunião, e há mais gente que quer falar. Então, vamos tentar seguir a lista para todos terem oportunidade de falar.

Durante a fala do próximo orador, registraremos as outras inscrições. Depois a palavra voltará para Mesa, cujos membros também terão 3 minutos para responder e fazer as considerações finais.

Tem a palavra o Sergio Guimarães, Coordenador do GT Infraestrutura, a quem peço se atenha aos 3 minutos.

O SR. SERGIO GUIMARÃES - Deputado, todos que compõem a Mesa, Felício, Guilherme, Fernando e Dra. Larissa, é muito bom ouvir aqui a continuação dos debates da manhã. Acho que as apresentações, cada uma na sua dimensão, nos mostram o que nós estamos buscando. É isso que o GT Infraestrutura, que as organizações de GT Infraestrutura estão buscando: uma discussão qualificada, com base técnica, com base jurídica, com base cultural.

Em relação à fala do Felício, quero dizer que considero fundamental que o ponto inicial desse trabalho seja respeitar o modo de vida dessas populações. É claro que existem os estudos econômicos, existe o potencial de produção, existe o potencial de transportes, mas isso tem que dialogar de igual para igual com o modo de vida dessas culturas.

De manhã foi dito, Felício, que, além desses critérios que o senhor muito bem ressaltou aqui, devem ser consideradas na consulta prévia, como ponto de partida desse processo, algumas etapas talvez até anteriores ao projeto, como a decisão de um projeto em função de um planejamento de transportes para se saber qual das alternativas é a mais viável economicamente e menos impactante socioambientalmente. Isso é fundamental e se dá através de planejamento estratégico.

E digo mais: antes disso, por exemplo, quando se diz “olha, nós partimos para definir a demanda de carga de projeções de produção”, pergunto: como foram definidas essas projeções? Quem definiu essas projeções? Qual é o limite interessante dessa produção dessa projeção? Qual é o grau de ocupação do território com esse tipo de produção? Essa discussão é fundamental, porque assim fica fácil, quando chegarmos ao projeto, saber qual é o projeto mais eficiente e para poder fazer todo esse processo.

Esses os dois pontos que eu quero ressaltar: primeiro, que a decisão dos projetos seja feita com base na ocupação territorial, nas alternativas de projetos; segundo, que a consulta prévia e o respeito ao modo de vida dessas comunidades estejam em primeiro lugar para que isso possa acontecer. Isso é importante.

É com esse objetivo que nós, organizações que compõem o GT Infraestrutura e outras organizações, estamos aqui: trazer a maior qualificação possível em todas essas dimensões a este debate.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Sergio.

Vou passar a palavra agora para a Maria Neuza. Peço que a senhora acompanhe o seu tempo por aquele relógio ali, para que possamos ficar dentro dos 3 minutos, senão não haverá tempo, porque nós já vamos atrasar a segunda Mesa. Quem quiser falar, peço que seja rápido, para que todos tenham a oportunidade de falar.

Tem a palavra a Maria Neuza.

A SRA. MARIA NEUZA - Boa tarde a todos os presentes, aos que estão na Mesa e ao Procurador Felício Pontes.

Sou Maria Neuza Munduruku. Queria saber onde está a consulta prévia que se fala da Convenção 169. Estamos vendo aqui que o licenciamento já está em andamento, mas a prévia não feita. Onde está essa prévia?

Quero dizer que o Ferrogrão é o inferno para nós. Sabemos que isso vai afetar a vida tanto dos povos indígenas quanto dos não indígenas. Eu queria saber onde está a nossa prévia. Temos o poder de veto e o direito de ser consultados. Estamos vendo que o processo já está em andamento. Cadê os nossos direitos? Será que nós somos um lixo? Nós somos seres humanos também. Os povos indígenas têm que ser respeitados, porque nós respeitamos e sabemos cuidar do que é nosso.

Então, os senhores, as autoridades ou a instituição que fizeram isso não estão considerando os povos indígenas. Cadê a consulta prévia?

Agora eu lhes pergunto: será que só nós enxergamos essa consulta prévia? Será que só nós temos essa Convenção 169 na mão? Será que vamos precisar gritar para dizer o que é consulta prévia? Será que nós que vamos ter que dar aula de universidade para dizer para os Deputados e para as autoridades o que é prévia?

O Governo vem há muito tempo violando os nossos direitos, e estamos vendo que isso já está em andamento. Isso praticamente está matando o nosso direito, e na frente de todo mundo. Se não estivéssemos aqui, não íamos poder dizer isso. Ainda bem que estamos aqui para dizer que isso está errado. Não sei se eu estou errada. Será que eu estou errada? Será que o que estamos falando não é verdade?

Por isso, eu queria perguntar para vocês onde está essa consulta prévia? Será que a Convenção 169 já está morta? Mataram ela mesmo? Será que não existem mais os povos indígenas?

Eu queria pedir para vocês darem essa atenção para nós. Estamos aqui para ouvir os senhores.

Obrigada. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Maria Neuza.

Tem a palavra a Alessandra Korap, Presidente da Associação Pariri do Povo Munduruku.

A SRA. ALESSANDRA KORAP - Boa tarde, senhores.

A gente tinha uma audiência em Itaituba, mas nós a cancelamos, porque nós somos guerreiros e, quando mexem com a nossa terra, vamos lá, fechamos e pronto.

Eu vou ler a carta que nós fizemos:

“Nós, caciques, lideranças, pajé, guerreiros e guerreiras do povo Munduruku do Médio Tapajós, exigimos que a Agência Nacional de Transporte - ANTT consulte nosso povo Munduruku e todos os povos indígenas e ribeirinhos que vão ser impactados pela Ferrovia do Grão (Ferrogrão), desde Sinop, no Mato Grosso, até Itaituba.

Nós temos o direito de consulta prévia, livre e informada, como garante a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho - OIT, do qual o Brasil é signatário, mas o Governo brasileiro insiste em não respeitar a própria legislação interna e internacional que criam e de que fazem parte. Saibam que nós vamos continuar lutando por nossos direitos até que eles sejam cumpridos.

O Ministério Público Federal já recomendou à ANTT que a audiência fosse cancelada, que as consultas fossem realizadas, e que se tenha a dimensão dos impactos que isso vai causar para nós indígenas, para os nossos companheiros de luta, beradeiros, para as unidades de conservação.

A Convenção nº 169, no art. 6º, diz: 'Consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas a medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente', bem como 'As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa-fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir consentimento acerca das medidas propostas'.

Nós não fomos consultados, os beradeiros não foram consultados, e nossos parentes de outros povos também não foram. Pelo menos 19 áreas indígenas, durante todo o percurso da ferrovia, são impactadas. Audiência pública não é consulta prévia, livre e informada. Não tentem nos enganar, dizendo que esse é um cumprimento da Convenção nº 169. Nós sabemos dos nossos direitos. É para isso que nós temos nosso protocolo de consulta. É por isso que Montanha, Mangabal e Pimental também têm o seu. Lá, nos falamos de como consultar e o que deve acontecer com os nossos povos.

Nós não vamos mais aceitar que, mais uma vez, vocês, pariuates, venham com esses projetos pensados por vocês e que querem impor para o nosso povo, sem serem discutidos, sem nos consultar e sem considerar os impactos no nosso modo de vida, em nossos territórios, nossos lugares sagrados e de nossos parentes.

Nossa floresta grita - o pajé também, que ele está precisando de ajuda -, mas vocês, pariuates, não sabem o que é isso. Vocês só querem destruir para construir empreendimento, que acaba com a floresta, e expandir o agronegócio na nossa região, acabando com a nossa árvore e com a nossa biodiversidade, para colocar no lugar milhares de quilômetros de soja. Nós não vamos deixar isso acontecer.

Nós, mulheres, nos reunimos no segundo encontro da aldeia Sawre Muybu, nós estamos vendo que os pariuates estão destruindo os nossos rios, nossa floresta. E nós nos preocupamos com os nossos filhos. Nós vamos lutar junto com os nossos guerreiros contra a hidrelétrica, contra a ferrovia, contra tudo que vier em nome da destruição.”

Sawe! (Manifestação dos convidados: Sawe!)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Alessandra.

Tem a palavra o Wareaiup Yoriwe Kaiabi, Presidente da ATIX - Associação Terra Indígena do Xingu.

O SR. WAREAIUP YORIWE KAIABI - Boa tarde, eu só queria fazer uma prévia para que haja um entendimento melhor.

Agora de manhã, a gente ouviu o Felício, do Ministério Público, a Larissa Carolina, do IBAMA, e o Tarcísio, para quem nós entregamos o protocolo de consulta. Mas ele falou para gente que não ia fazer consulta prévia. Existe isso? É brincadeira. A gente acaba vendo também o próprio representante do IBAMA descartar o nosso protocolo de consulta. Isso é engraçado. Parece que estão totalmente desorganizados, parece que estão fazendo a coisa sozinhos.

Eu tenho certeza de que a gente poderia unir mais, entender melhor para fazer esse trabalho. É porque somos índios, é por isso que somos descartados? Claro que não. Pensamos, entendemos, falamos, somos iguais, não existe diferença nenhuma.

Essa é a parte que eu quero colocar. A minha preocupação é dessa forma.

Grato. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Waré.

Tem a palavra o Marquinho Mota, da FAOR - Fórum da Amazônia Oriental.

O SR. MARQUINHO MOTA - Boa tarde a todas e todos.

Eu queria saudar Aninha Kabá Munduruku, que está aqui na frente e, em nome dela, todos os demais indígenas que se fazem presentes nesta audiência. Eu queria saudar o meu conterrâneo Felício Pontes e, em nome dele, esta Mesa e todas as pessoas dos órgãos públicos que defendem os direitos dos povos indígenas.

O meu nome é Marquinho Mota. Eu sou de Santarém, no Pará. Também nasci às margens do Rio Tapajós. Atualmente trabalho numa organização chamada Fórum da Amazônia Oriental.

Eu queria dizer a vocês que, toda vez que escuto a palavra “progresso” somada à palavra “desenvolvimento”, imagino uma castanheira sendo derrubada, um índio, um quilombola ou um extrativista sendo morto e um rio sendo represado, porque infelizmente essa é a visão, essa é a história que nós temos na Amazônia. Toda a vez que alguém falou em desenvolvimento com a gente, foi isso que aconteceu.

Então, Felício, até hoje isso me assusta muito. Tenho pesadelo quando se fala em fazer projeto de desenvolvimento da Amazônia sem antes consultar a população da Amazônia.

Outra questão que me preocupa muito é que parece que há uma confusão proposital de que audiência pública é consulta prévia. Audiência pública não é consulta prévia. Como diz o próprio nome, e como já foi dito pela Alessandra e pelo Felício, a prévia antecede todo o processo de licenciamento, não pode ser feita quando o processo está acontecendo. Que história é essa?!

Em relação à consulta, outra questão é o fato de ela ser livre. Mesmo nas audiências não têm sido respeitada essa liberdade das comunidades. Eu lembro as audiências públicas de Belo Monte em Belém, Altamira ou Vitória, em que havia mais agente da Força Nacional do que moradores do Xingu para falar - 1 minuto para cada pessoa! Que liberdade é essa?! Isso não é livre.

E, na questão do “bem-informado”, preocupa-me, e muito, que até hoje nenhum material desses grandes projetos, nem o mapa, nem o EIA/RIMA, nenhum documento foi traduzido para a língua dos povos indígenas. Cadê o material da Ferrogrão em munduruku, para que os mundurukus tenham acesso e sejam bem informados? Cadê o material na língua dos kaiabis, na língua dos kayapós, dos xavantes, entre outros povos?

Isso não foi feito, não está sendo feito, isso não está sendo levado em consideração, porque, como bem disse a Neuza, parece que os povos indígenas são invisíveis. Parece que não existe vontade, por parte do Governo, do Estado brasileiro, de fazer a consulta, porque para ele o povo indígena não existe mesmo. É o que a gente vê com Belo Monte, foi o que a gente viu com São Luiz do Tapajós e foi o que a gente viu em outros projetos na Amazônia.

Para mim, o principal ponto é que, enquanto a Amazônia for pensada aqui em Brasília e pela lógica das empresas, a gente está fadado a desaparecer.

Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Marquinho.

Tem a palavra o xavante Crisanto Rudzõ Tseremey Wa.

O SR. CRISANTO RUDZÕ TSEREMEY WA - Boa tarde aos integrantes da Mesa, em nome do Procurador.

Para quem não me conhece, eu sou Crisanto Rudzõ Tseremey Wa. Falo isso para demonstrar que nós temos diferentes cronologias de contato. Gostaria de começar a minha fala dessa forma para esta plenária, antes de entrar no assunto da Ferrogrão.

Como Presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso, eu venho apelar a esta plenária, nesta audiência, para que a consulta prévia seja efetivada. O Brasil é signatário dessa lei internacional. Não quer dizer que isso sobrepõe à nossa Constituição, à Carta Magna brasileira. Mas, se é acordo, é acordo. Nós povos indígenas respeitamos essas leis escritas pelos não indígenas. Para nós, a palavra é que vale. O Congresso Nacional tem rasgado as próprias leis que escrevem para os diferentes segmentos da sociedade brasileira. Não estou aqui para reclamar, para apelar. Não estou aqui para pedir que nos olhem como coitadinhos.

Nós temos 518 anos não de descobrimento do Brasil ou do continente, mas de invasão. Quando aqueles povos encostaram as 13 caravelas, meus patrícios guaranis aceitaram de forma amigável, e nós sofremos até hoje. Então, peço o mínimo de respeito aos povos indígenas. Se há instrumentos legais, consultem.

Senhores presentes nesta audiência, nós não somos empecilhos ao desenvolvimento nacional. Queremos apenas discutir, para que o ambiente em que vivemos não sofra impacto. Nós queremos participar do desenvolvimento nacional. Colocamos nosso conhecimento milenar nesse desenvolvimento. Temos assistido a essa ganância do homem na busca de riqueza, na busca de lucro. Isso tem acabado com o nosso meio ambiente. Os nossos antepassados viviam sadios, sem doenças graves, e nós estamos à mercê da própria sorte. Muitas doenças não fazem parte do nosso universo, da nossa vida cotidiana.

A passagem da Ferrogrão não atingirá somente as terras indígenas. Atingirá, em sua integralidade, a vida das comunidades indígenas, dos ribeirinhos, daqueles povos que não sabem há quanto tempo vivem naquele chão onde a Ferrogrão vai passar.

Eu transmito aqui minha mensagem aos Deputados, aos empresários que querem esse desenvolvimento nacional à velocidade da luz. Meus senhores, somos humanos. Nós somos responsáveis pelo nosso ambiente, pelo meio onde vivemos. Estamos vivendo no período do aquecimento global e nos esquecemos dessa responsabilidade com o nosso planeta Terra, com nosso meio ambiente, com nossas florestas, em nome de ganância, em nome de lucro. Podemos viver muito bem no mesmo espaço; precisamos apenas respeitar um ao outro.

Na República Federativa do Brasil, o Estado de Direito em que qualquer cidadão brasileiro tem direito de ir e de voltar nós não temos hoje. Estamos vivendo um retrocesso na dinâmica da evolução da humanidade. Não tenho mais esperança.

Eu, como uma das lideranças xavantes - estou liderando 43 povos indígenas do Estado do Mato Grosso -, peço aqui às autoridades que efetivem a Convenção 169 da OIT, que coloca em prática a consulta livre, prévia e informada, porque o Brasil não é só de meia dúzia de pessoas, o Brasil é de todos os brasileiros. Nós estamos incluídos há milhares de anos nessa nossa querida terra República Federativa do Brasil, Estado de Direito.

Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Crisanto.

Concedo a palavra à Silvana Dias, Presidente do Instituto Ambiental Augusto Leverger.

A SRA. SILVANA DIAS DE CAMPOS - Bom dia, senhores.

Felício, é um prazer ter o senhor aqui conosco.

Eu quero falar para o senhor que eu fui ao Pará. Subi as serras do Pará, as serras que o pessoal da Estação da Luz, no seu projeto, classifica como resíduo. Eu subi lá. Lá há campos arqueológicos. Eu cavei com as minhas mãos, fotografei, marquei pontos com o GPS. Eu percorri o Rio Tapajós, que a Ferrogrão indiretamente vai atingir, sobre o qual não há nenhum estudo. Lá estão quilombolas. São mais de 15 quilombos reconhecidos pelo Ministério Público, pelo INCRA e pela Fundação Zumbi dos Palmares.

Quero que o senhor nos responda, por favor: como fica a questão dos campos arqueológicos dos sambaquis indígenas naquelas serras, porque não subiram para fazer estudo nenhum? Como ficam as reservas de açaí ao longo da BR-163, que já estão sendo destruídos? Como vai ficar o que restou lá?

Quero também dizer à Larissa e ao Felício que o Instituto Chico Mendes publicou em seu site um estudo sobre animais ameaçados de extinção no parque do Jamanxim. Está lá, para quem quiser ver. Dentre estes animais, está uma espécie de macaco que só existe nesse parque. Com a desafetação do parque, essa espécie vai acabar, porque talvez esses macacos estejam justamente do ladinho que está sendo desafetado. Como que fica isso? Isso tudo vai ter que ser judicializado para tentar se resolver?

Outra questão, Sr. Felício. Quando a Ferrogrão chega ao Pará, no quilômetro 30, são abertos três ramais: Santarenzinho, Miritituba e lá embaixo onde há próximo uma aldeia dos mundurukus.

Como vai ficar a beirada deste rio? Tudo indica que este rio tenha pedras vulcânica ao longo dele. Logo, ele tem um subsolo vulcânico. Como vai ficar tudo isso?

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Silvana.

Concedo a palavra ao Sr. Silvio Marinho, que é advogado do Movimento “Ferrogrão ou Ferrograna”.

O SR. SILVIO MARINHO - Boa tarde a todos, em nome do Deputado Nilto Tatto, eu cumprimento todos da Mesa.

Vou ser objetivo. Faço uma pergunta ao representante da EDLP, Guilherme: qual é o papel das tradings Cargill, ADM, Bunge, Dreyfus e da Maggi no estudo que a EDLP realizou? Foram eles que pagaram? Se não foram eles, quem pagou? Quem bancou os 33 milhões, que o estudo incompleto custou?

Outra pergunta: recentemente a EDLP apresentou uma PMI ao Governo, propondo a concessão da BR-163 por 10 anos. Pergunto: esse é o prazo que o senhor entende necessário para terminar a ferrovia? Os dois são incompatíveis, uma não subsiste sem a outra?

Ao Superintendente da ANTT eu gostaria de dizer que, além da Convenção 169, existem vários outros dispositivos. O senhor mesmo mostrou aqui o art. 68, da Lei nº 10.233, de 2001, diz que qualquer iniciativa de projeto de lei deve ser precedida de consulta aos afetados. Isso não foi feito.

Hoje de manhã, nós perguntamos ao Tarcísio a respeito do cumprimento da Convenção 169, que nós entendemos que é extensiva a toda a comunidade, não só aos indígenas e aos ribeirinhos, por conta do art. 68 da Lei nº 9.784, de 1999. Ele foi taxativo: “Nós vamos encaminhar ao Tribunal de Contas da União, sem cumprir a Convenção 169”.

Quer me parecer, ao ouvir o final da sua fala, que o senhor disse a mesma coisa, que saindo daqui vai encaminhar ao TCU. Pergunto: a ANTT vai encaminhar para o TCU sem aprofundar os estudos, sem cumprir a Convenção 169, sem cumprir o art. 68 da Lei nº 10.233? Vai enviar ao TCU sem cumprir o compromisso que foi feito pelo Jorge Bastos, no dia 12? Ele disse, com todas as palavras: “Nós vamos aprofundar os estudos, vamos fazer quantas audiências forem necessárias, vamos ouvir todas as comunidades, não só as indígenas”. Pergunto: a ANTT vai passar por cima desse acordo e vai encaminhar ao Tribunal de Contas da União?

Faço também uma pergunta subjetiva para o senhor. Agradeço se quiser respondê-la: está existindo pressão para que os técnicos da ANTT cumpram esse lado mais perverso do Governo, que é atropelar todo mundo com esse projeto? Há interesse do Ministro Blairo Maggi?

Agora me dirijo ao representante do Mistério Público Federal. Recentemente saiu uma decisão de muita importância para nós a respeito de outra medida provisória, estabelecendo que não podem ser desafetadas áreas protegidas por medida provisória. Já existe uma Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI em andamento na PGR. O senhor tem notícia se essa medida vai ser interposta?

E mais, diante dessa manifestação do Secretário do PPI hoje aqui - ela não foi oficial, porque ele não respondeu, mas nós o indagamos aqui no corredor, e ele nos disse com todas as letras: “Nós vamos encaminhar ao TCU sem cumprir a 169.” - o MPF vai judicializar essa questão?

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Silvio.

Com a palavra o Sr. André Nóbrega.

O SR. ANDRÉ NÓBREGA - Boa tarde a todos, só gostaria de fazer uma sugestão à Sra. Larissa: gostaria que ela desse uma olhada no estudo preliminar de engenharia da EDLP, nas páginas 18 a 23, em que existe uma projeção de produção em áreas proibidas. Repito, no estudo preliminar, nas páginas 18 a 23. Eu tenho esse documento. Não sei se a senhora tem acesso a isso. Acho que vale a pena dar uma olhada.

Ao Fernando pergunto o seguinte: esses estudos chegaram a vocês no dia 30 de outubro e, até o dia 30 de janeiro, vocês não avaliaram isso? Para mim chegaram bem depois e, em pouco tempo, eu achei um monte de coisa que poderia ser bem questionável. É isto que eu acho muito estranho: esses estudos ficaram 90 dias na agência, e ninguém falou nada. Se não fosse o pessoal se mobilizar e se esforçar para entender o que estava acontecendo, a coisa iria passar praticamente batida.

Ao Sr. Guilherme faço uma pergunta mais técnica: qual é a porcentagem de carga de retorno que viabiliza uma ferrovia? O senhor pode me dizer isso depois.

Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, André.

Voltando à Mesa, vamos começar de lá para cá. Vamos tentar responder e fazer as considerações em 3 minutos.

Tem a palavra o Sr. Felício.

O SR. FELÍCIO DE ARAÚJO PONTES JÚNIOR - Vou cumprir o determinado pelo Sr. Presidente.

Em relação ao que disse a Silvana, gostaria de aproveitar a oportunidade para pedir auxílio às diversas entidades que aqui estão e também às universidades, para que nos ajudem na análise de EIA/RIMA, não só desse caso, mas de vários outros, porque esse caso me parece claro, pelo que você nos trouxe. Acho que há essa necessidade. Nós não podemos deixar de modo algum que o EIA/RIMA passe sem que todos os impactos do empreendimento estejam considerados ali, porque aquilo vai afetar diretamente o estabelecimento de condicionantes pelo IBAMA. E é possível que muito desse patrimônio arqueológico, por exemplo, se perca de uma vez por todas sem que consigamos recuperá-lo.

O Ministério Público tem um corpo de peritos extremamente competente, mas não suficiente para tanta informação, para tantos especialistas que precisam ser ouvidos antes que um EIA/RIMA seja aprovado.

Respondendo ao Dr. Silvio, essa questão é muito cara ao Ministério Público. A instituição entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, e ainda era, se eu não me engano, a desafetação de cinco unidades de conservação na Amazônia, que aquela medida provisória trazia no ano de 2013, salvo engano. Esperamos ansiosamente que ela fosse julgada, e foi julgada agora, no sentido do que o Ministério Público queria.

Eu ainda não posso dizer o que vai ser feito pela Procuradora-Geral da República, mas há a possibilidade concreta de pedir apenas a extensão dos efeitos; que não haja uma outra ação judicial, e isso faria com que a medida de desafetação do Jamanxim ficasse sem nenhum efeito, ficasse nula.

Obrigado, Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Felício.

Passo a palavra ao Guilherme Quintella.

O SR. GUILHERME QUINTELLA - Respondendo primeiro às perguntas do Dr. Silvio, comentei no início da minha apresentação que nós começamos na Estação da Luz a desenvolver o projeto. A Estação da Luz não é uma empresa de consultoria para terceiros, ela desenvolve consultoria para ela mesma desenvolver projetos e fazer investimentos. Depois nós fomos procurar as empresas do agronegócio, e se associaram a ela ADM, Amaggi, Bunge, Cargill e Dreyfus. Então, os estudos foram patrocinados pelas seis empresas, as cinco tradings e a Estação da Luz, com recursos próprios.

Quanto à pergunta que o senhor fez sobre a BR-163, nós entramos agora, no dia 9 de abril passado, com um pedido no Ministério dos Transportes para fazer uma avaliação. Esse pedido foi resultado de uma longa conversa que nós tivemos com o Consórcio Tapajós - está aqui o Prefeito Valmir, de Itaituba -, já que o consórcio demonstrava, e ainda demonstra, uma grande preocupação com a qualidade da BR-163.

Então, nós apresentamos ao Ministério dos Transportes uma solicitação para fazer um estudo de uma concessão de 10 anos sim, porque 10 anos - de 10 a 12 anos - é o prazo que se imagina que leve para a Ferrogrão entrar em operação, e com algumas características. Entre essas características, estão: seria uma rodovia tarifada apenas para o transporte de soja de caminhão, e os veículos leves não pagariam pedágio; não haveria praças de pedágio, mas sim outro sistema de cobrança.

O André me perguntou a respeito da porcentagem de retorno em ferrovia. Esse número tecnicamente não existe. Por exemplo, a Estrada de Ferro Carajás, a Estrada de Ferro Vitória a Minas, ferrovias da Vale, elas têm praticamente zero de carga de retorno. A MRS também tem quase zero de carga de retorno. A Rumo, hoje, no seu grande volume de exportação, de Rondonópolis para Santos, também tem zero na sua carga de retorno.

Então, respondendo à sua pergunta, esse número não existe. Não é obrigatório que se tenha carga de retorno para se viabilizar uma ferrovia.

Queria mais uma vez agradecer a oportunidade. Acho que para mim, especialmente, foi muito importante esta manhã e este começo de tarde. Tive muita oportunidade de escutar as comunidades indígenas, o Ministério Público, os colegas de Mesa e os outros palestrantes da manhã, além das manifestações do público. E, com muita certeza, saio daqui mais animado a fazer um projeto que faça sentido para o Brasil, quer dizer, ajudar a desenvolver um projeto que, quando digo que faça sentido para o Brasil, significa que faça sentido para as comunidades, em especial as comunidades indígenas e ribeirinhas, e que também traga benefício ao agronegócio.

Acho que, como já se falou, existe a possibilidade de se fazer um pacto, de se fazer uma conversa que agregue os interesses de todos e que todos saiam de uma forma satisfatória desse empreendimento, ou o empreendimento não vai acontecer, o que é bastante claro aqui nessas apresentações e na conversa que nós estamos tendo aqui.

Mais uma vez eu agradeço ao Deputado a oportunidade da conversa.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Guilherme Quintella.

Passo a palavra agora para o Fernando, da ANTT.

O SR. FERNANDO AUGUSTO FORMIGA - Mais uma vez, eu reitero que a agência não teve intuito nenhum de substituir a convenção da OIT com relação à consulta prévia, apenas expôs os estudos realizados que lhe foram apresentados pelo Governo Federal.

A agência é sensível a essas questões que foram tratadas aqui hoje. Certamente, isso vai ser levado à Diretoria da agência e vai constar do relatório final, que está sendo produzido pelo corpo técnico.

Eu gostaria de ressaltar que não há pressão política nenhuma sobre os técnicos da Agência. Nós somos servidores, na maioria, concursados, efetivos, que estamos hoje no comando da gestão da área ferroviária. Somos servidores do Estado, não do Governo.

Com relação à indagação do Dr. Felício, a Agência fez uma análise prévia desses estudos, que juntamente com as contribuições colhidas nas audiências constarão do relatório da audiência pública.

Eu gostaria de agradecer mais uma vez a oportunidade e dizer que a Agência está à disposição para que o for preciso.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Fernando.

Tem a palavra a Larissa, do IBAMA.

A SRA. LARISSA CAROLINA AMORIM DOS SANTOS - Deputado, as perguntas foram muitas. Eu vou tentar responder de maneira objetiva.

Em primeiro lugar, queria dizer que eu Larissa, não eu Diretora, sou extremamente solidária com tudo que as lideranças indígenas colocaram aqui, que entendo, reconheço e acho pertinente.

Causou-me estranheza o posicionamento do Procurador quando disse que há jurisprudência e determinação, porque, enquanto não houver regulamentação da OIT, enquanto nós não tivermos um regramento dizendo quem é responsável por fazer essas consultas, quando devem ocorrer, se dentro do licenciamento, quem vai gerenciar essas consultas antes das consultas públicas da ANTT, quem vai dizer se essas consultas foram feitas a contento? O IBAMA? A FUNAI? A ANTT? O Ministério Público? Nós não sabemos.

Na Política Nacional do Meio Ambiente, cujo órgão executor responsável é o IBAMA, não há qualquer atribuição ao IBAMA para a realização dessa audiência. Não há. E esse problema, como todos os outros que não são resolvidos quando há ausência do Estado em regiões como Pará e Mato Grosso, vai parar no colo do licenciamento ambiental, que vai ter que resolver essa situação. Não há regulamentação.

Então eu deixo aqui o meu apelo aos Parlamentares, ao Ministério Público, para que façam essa regulamentação, tirem isso da insegurança jurídica e determinem os atores e os responsáveis por realizar essas consultas, o momento, e digam se elas foram efetivas ou não.

É um desconforto imenso não ouvir ou deixar de ouvir as lideranças e os povos indígenas, que não é papel do órgão licenciador.

Eu gostaria muito que a FUNAI estivesse aqui para dizer qual o seu posicionamento sobre isso e para dizer em que momento isso tem que ocorrer. Ficamos aqui todos, servidores públicos, para resolver um problema, uma consulta, que deveria ter sido realizada anteriormente, porque ela tem que ser livre, prévia e informada. Mas prévia é o quê? Livre em que moldes? Informada como? Os mundurukus têm um protocolo de consulta, mas eles são a exceção.

Onde estão os outros representantes indígenas? Como eles vão ser ouvidos, os que não têm protocolos? É o IBAMA que vai dizer isso, é a FUNAI que vai dizer isso, ou são os próprios indígenas, como afirma a OIT? Falta regulamentação, e mais uma vez um problema não solucionado por Estado vem para o licenciamento resolver. E nós não temos atribuições para isso.

Respondendo à pergunta tanto do consultor quanto da Silvana, o IBAMA não participou e não teve qualquer ligação com a nova delimitação do Jamanxim. Não há estudos, nem de impacto ambiental, nem estudo prévio apresentado no IBAMA ainda. Então eu não tenho como me manifestar sobre estudos que ainda não foram apresentados ao órgão.

É isso. Muito obrigada pela oportunidade. Desejo a todos boa sorte.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Larissa.

A SRA. MARIA NEUZA - O IBAMA é responsável, sim, por desmatar, por acabar com o nosso rio. Isso, sim, o IBAMA sabe fazer. Mas para consultar, cadê? Tem ICMBio, tem o Ministério Público e tem a Convenção nº 169.

Não venham dizer que o índio precisa ter o protocolo. Mas tem a Convenção nº 169, que o Brasil está no meio também. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Muito bem.

Felício, Guilherme, Fernanda, Larissa, obrigado.

Eu vou desmontar esta Mesa.

(Não identificado) - Deputado, eu só gostaria de fazer...

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Foi questionado aqui, portanto informo que o ICMBio está na próxima Mesa, a FUNAI está na próxima Mesa. Há uma próxima Mesa. Se der tempo depois da próxima Mesa, vamos abrir de novo, mas se demorarmos não vai ter nem a próxima Mesa. É isso.

(Não identificado) - Toda a nossa discussão desde cedo está permeada em torno da Convenção nº 169. Faz-se uma pergunta objetiva ao técnico da ANTT, e ele não responde. A pergunta é: “vai encaminhar para o TCU sem cumprir a 169?” Ele que responda! É objetiva.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Ele não vai responder agora, gente. Vamos trocar a Mesa agora.

Obrigado, Felício, Quintella, Fernando e Larissa. (Pausa.)

Mesa 3: Governança territorial e direitos socioambientais.

Vou chamar para compor esta Mesa os Srs. Ageu Lobo Pereira, Presidente da Associação das Comunidades Montanha e Mangabal; Cacique Geral Beporoti, liderança caiapó; Biviany Astrid Rojas Garzón, Advogada do ISA - Instituto Socioambiental; Paulo Henrique Marostegan e Carneiro, Diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação, do ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, e Rodrigo Paranhos Faleiro, Diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável e Presidente Interino da FUNAI.

Peço aos convidados que tentem ficar dentro do tempo de explanação de 10 minutos, para termos oportunidade de, depois, abrir o debate.

Com a palavra o Sr. Ageu Lobo Pereira, Presidente da Associação das Comunidades Montanha e Mangabal.

O SR. AGEU LOBO PEREIRA - Boa tarde a todos. Quero agradecer à Mesa, ao Deputado proponente e ao amigo Brent Millikan.

Para quem não me conhece, eu sou representante de uma associação de comunidade tradicional, conhecida como Montanha e Mangabal, no Alto Tapajós, vizinha ao território Sawré Muybu, o território dos parentes mundurukus.

Há anos nós vivemos numa luta pela defesa do território e a não temos apoio para conseguir ser reconhecidos como população tradicional, como ocupantes de todo esse território. Na verdade, em 2006, Mangabal conseguiu ser reconhecida como população tradicional pela Justiça Federal. Hoje, é um assentamento, um PAE. Fizemos um trabalho de autodemarcação por conta de ausência do órgão competente, que deveria fazer. Resolvemos fazer, porque nós dependemos do rio e da floresta para nossa sobrevivência, assim como os parentes mundurukus. Contribuímos também com o trabalho de autodemarcação com os parentes mundurukus. E hoje o território Sawré Muybu ainda não está homologado. Essa é uma preocupação muito grande.

Além de todas essas dificuldades que vimos enfrentando, o que é mais difícil para nós é saber que, dentro desse nosso território - nós só conseguimos sobreviver lá - existem essas ameaças de grandes projetos para a região. E esses projetos são discutidos aqui em Brasília, que é muito distante das nossas comunidades. Quem faz esses projetos não conhece a realidade e o modo de vida da população de Mangabal, nem do povo munduruku, nem de outros povos.

Então, é preocupante. Eles burlam, passam por cima da Convenção nº 169 da OIT. Fiquei triste de ouvir o rapaz que estava aqui na Mesa - eu esqueci o nome dele no momento - dizer que não vai cumprir o protocolo. Lembro que já foi entregue para ele o protocolo dos parentes munduruku, o protocolo de Mangabal. Então, nós vivemos diante dessas ameaças.

Eu fico pensando como é que vai ficar a futura geração, ameaçada por esses grandes projetos. E fico me perguntando o porquê de as empresas começarem o projeto de longe, de fazerem um projeto, um trabalho técnico e encaminharem para audiências públicas, de apresentarem em audiências públicas, levando essa audiência pública como uma consulta prévia, como uma consulta conforme a Convenção nº 169. Na verdade, é muito diferente.

No meu entendimento, tinham que começar com a consulta prévia lá no local, conhecendo o modo de vida das populações que dependem do rio e da floresta. Para eles que moram em um lugar distante, não significa nada uma árvore, não significa nada um rio, porque eles não dependem diretamente. Mas, para quem depende diretamente, como nós de Mangabal, beiradeiros de Mangabal, e para os nossos amigos munduruku, é muito triste isso. Cada árvore tem um significado importante na vida de cada um de nós.

Então, há uma preocupação muito grande, porque nós vemos muitos projetos avançando sem respeitar a Convenção nº 169 - e o Brasil é signatário dela. O que nós exigimos é que sejamos consultados conforme a Convenção nº 169, conforme o protocolo que nós fizemos, baseado, é claro, na Convenção nº 169, que nós já entregamos e que já foi reconhecido na Casa Civil também. Entregamos ao Ministro Miguel Rossetto, na época, com os parentes munduruku. E nós exigimos que esse protocolo seja cumprido. Essa é a nossa reivindicação, porque nós dependemos do rio, dependemos da floresta. Nós não conseguimos viver fora de lá.

Quero dizer para todos aqui presentes que a floresta em pé também é muito importante para todos vocês. Muito embora vocês não morem lá na floresta, ela é um bem para a humanidade. E nós lutamos é pelo bem de todos. Coloquem isso na cabeça. Peçam às autoridades que façam justiça, que façam com que as empresas sejam punidas por violar esses direitos.

Mantendo a resistência, nós vamos continuar contra esses grandes projetos. Disso nós não abrimos mão de maneira alguma.

São essas as minhas palavras. Quero agradecer muito aos parentes munduruku pela luta e também pedir apoio, porque, nessa luta de defesa do território, nós não estamos defendendo nada de ninguém, não estamos brigando por nada de ninguém. Nós estamos brigando pelo que é nosso. O lugar lá é nosso. Nós nascemos lá, moramos lá e vamos continuar lá. Por conta dessas lutas, nós somos ameaçados até de morte. Então, eu peço às autoridades providências e agradeço esta oportunidade.

Boa tarde. Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Ageu.

Passo a palavra agora para o Cacique Geral Beporoti, liderança caiapó.

Antes, porém, eu queria anunciar a presença da Deputada Luizianne Lins, do PT do Ceará. Ela é uma guerreira também.

O SR. BEPOROTI - (Manifestação em língua indígena.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Para traduzir, passo a palavra para o Bep.

O SR. BEP Y KAYAPÓ (Intérprete) - Meu nome é Bep. O cacique geral deu boa tarde a todos os participantes da Mesa. Ele pediu que todas as lideranças sejam ouvidas e falou:

Eu sou um representante, sou uma liderança que manda nas minhas aldeias, assim como tem outras lideranças que mandam também. Então, temos que ser ouvidos, temos que ter nossa cultura respeitada. Quando vocês quiserem fazer um projeto, têm que consultar os indígenas. Eu não estava ciente do que estava acontecendo. Fiquei sabendo apenas por outras pessoas e me manifestei para poder chegar ao ponto de falar que estou aqui e preciso ser ouvido”.

Então, o cacique geral da nossa região no Pará, em Novo Progresso, pede para as autoridades que todas as lideranças sejam ouvidas. Ele não aceita isso da forma como está acontecendo.

Ele falou:

A gente manda também na nossa região. Isso não vai passar enquanto não nos consultarem, em cada aldeia. Nós temos o nosso futuro, temos nossas crianças também. Não é fazer isso agora e amanhã acabar.

Isso leva muito tempo. Então, nós temos que primeiro ver o nosso direito de ter segurança também, porque vai ter impacto para nós. Cadê a nossa segurança?”

Então eu peço que vocês, autoridades, nos ouçam. A nossa decisão... Nós não somos a favor nem contra. Nós queremos ser ouvidos. Vocês criaram a lei, mas tem que ser da forma que vocês mesmos criaram. Nós não aceitamos da forma como está acontecendo.

De nossa parte, dos caiapós, nós protocolamos documento, encaminhamos para o Ministério Público para que seja da forma que tem que ser feita.

Muito obrigado a todas as autoridades e aos que estão participando. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, cacique Beporoti.

Agora passo a palavra para Biviany Rojas Garzon, advogada do ISA.

A SRA. BIVIANY ASTRID ROJAS GARZON - Boa tarde.

Honorável Deputado Nilto Tatto, primeiramente gostaria de agradecer o convite, a oportunidade e a pertinência da convocação desta audiência.

Vou ficar em pé apenas para poder fazer uma breve apresentação que prometo não deve demorar mais de 10 minutos.

Faço apenas um preâmbulo. Durante o dia inteiro da audiência, eu realmente terminei de me convencer da importância de que o direito de consulta seja reivindicado e exercido neste momento.

Antes de ter um projeto pronto com um empreendedor e um conjunto de investimentos comprometidos, neste momento, o Governo, que é o responsável pelo desenho da proposta do modelo econômico, da responsabilidade dos custos socioambientais e dos impactos, ainda não decidiu como deve ser feito isso.

Talvez o mais importante que eu estou aprendendo hoje durante o dia inteiro de audiência pública tenha a ver com o fato de que a consulta livre, prévia e informada só tem sentido se ela for útil. Quantas vezes durante o dia escutamos que não era o momento adequado de se fazer a consulta!

Então, pensamos que neste momento deveria esperar o empreendimento ficar pronto para, depois de ele estar operando e em funcionamento, discutir com os povos indígenas, comunidades tradicionais, ribeirinhos e demais populações impactadas quais são as medidas de compensação que eles querem negociar e trocar, mas só quando estiver pronto, do jeito que nós vimos passar os grandes empreendimentos da Amazônia.

Ontem houve julgamento no TRF. É uma pena que o Procurador Felício tenha ido embora, porque ontem a 5ª. Turma do TRF 1 decidiu não discutir uma ação civil pública que, entre outras questões, discutia o direito de consulta livre, prévia e informada, porque não tinha mais objeto, porque se perdeu.

Hoje a Usina Hidrelétrica de Belo Monte já está em operação. Então, se o direito de consulta foi reivindicado lá atrás, paciência, hoje não há mais nada que se falar. Isso é uma falta de respeito e de seriedade mínima para discutir em um Estado de Direito que reconhece que os povos indígenas e comunidades tradicionais têm direito a viver legitimamente.

(Segue-se exibição de imagens.)

Então, essa é uma apresentação muito breve. Está dividida em três blocos. O primeiro tem a ver com uma descrição básica do contexto territorial dentro do qual o empreendimento pretende ser inserido. O segundo é sobre a necessidade de aprimoramento desse projeto percebido pelas pessoas que o estão acompanhando desde o início. O último é sobre a importância e a oportunidade de escutar comunidades indígenas e tradicionais agora.

Infelizmente, pouco ou nada se tem falado sobre as características ambientais desta região, mas ela está caracterizada pelo Ministério do Meio Ambiente como uma das regiões mais importantes para conservação e uso sustentável da biodiversidade.

Nela estão localizadas áreas de alta, muito alta e extremamente alta prioridade para a conservação de biodiversidade. Isso já deveria ter um primeiro sinal de alerta e precaução para qualquer tipo de empreendimento que se pretende instalar nesse local.

Este é um mapa do diagnóstico ambiental feito pela empresa de consultoria Estação da Luz e publicado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres, que identifica quais seriam as terras indígenas localizadas na área de influência. Ela claramente identifica pelo menos 21 terras indígenas entre as bacias do Xingu e do Tapajós.

Isso chamou a atenção imediatamente do Ministério Público com relação à negativa do Governo Federal de implementar o direito de consulta livre, prévia e informada como mecanismo de participação idônea para garantir a participação de povos indígenas e comunidades tradicionais.

Essa região que tem essas características de alta biodiversidade e de ampla diversidade também social e cultural tem esse histórico de desmatamento recente. Aqui se apresentam as maiores taxas de desmatamento da Região Amazônica. Está bem no arco de desmatamento da região.

Não é muito boa a imagem, mas é precisamente nessa região em branco que estão hoje as terras indígenas e as unidades de conservação que seguram o desmatamento na região. Sem a existência delas e das pessoas que nelas moram e vivem, provavelmente não existiria mais mata nesses lugares.

É importante ressaltar que essa é uma região onde há conflitos por disputa de terra, conflitos fundiários, que se traduzem em mortes violentas pelo campo. No informe da Comissão Pastoral da Terra do ano passado, foi identificado precisamente o eixo em torno da rodovia BR-163, nas regiões de Mato Grosso e Pará, onde a ferrovia pretende se inserir, como a segunda e a terceira região mais violenta por conflitos de disputa de território, conflitos agrários e fundiários no País. Isso faz parte do contexto da região e não pode ser desconsiderado na hora de discutir publicamente sua inserção regional.

Por último, a Ferrogrão evidentemente não é um empreendimento que está isolado nessa região dentro da qual está só a hidrovia que faz parte desse corredor logístico no Tapajós. Estão também o conjunto de portos de Miritituba e as rodovias que necessariamente terão que levar até as estações da ferrovia os grãos que são... Está péssima a imagem, não sei se dá para ver, mas essa rodovia que está cruzando, interceptando todo o corredor de áreas protegidas do Xingu, que é a MT-322, provavelmente vai ser, dentro do projeto da Ferrogrão, o principal vetor de transporte de grãos da região leste da Bacia do Xingu para a região oeste, onde estaria instalada a ferrovia. Isso significa não só a quebra de um corredor de áreas protegidas e de unidades de conservação de mais de 28 milhões de hectares na Amazônia, como também um estrangulamento e um isolamento das terras indígenas que estão aqui localizadas.

Há uma questão importante: a Bacia do Xingu - vocês conseguem ver esse corredor de áreas protegidas - está praticamente isolada da Bacia do Tocantins e tem como única conexão com o resto da Amazônia o Parque Nacional do Jamanxim. Esse é o único espaço ainda de conectividade, apesar de precário e interrompido pela BR-163, com a Bacia do Tapajós e com o resto da Amazônia. Intensificando esse fracionamento, a Bacia do Xingu vai ficar isolada da Amazônia como um todo, o que tem impacto significativo em relação à perda de biodiversidade.

Os outros empreendimentos que têm impactos sinérgicos e acumulativos com relação à Ferrogrão estão precisamente ao sul do corredor de áreas protegidas, na região das nascentes do Rio Xingu. Então, o Ageu, hoje de manhã, falou até um pouco sobre eles e por que essa relevância.

As propostas do projeto precisam ser aprimoradas. É importante retomar que hoje de manhã escutamos por parte do representante do Governo Federal do Programa de Parcerias Público-Privadas que o Governo Federal quer dar garantias aos investidores para poder lidar com esse contexto tão diverso, tão delicado em termos de sociobiodiversidade, e oferecer um limite dos custos socioambientais.

O que está previsto, dentro dos estudos publicados, é que os custos socioambientais para o empreendedor não devem superar o valor de 391 milhões e poucos reais, com uma previsão de desembolsos em cotas de 5% semestrais até seu esgotamento, que aconteceria durante os primeiros 10 anos.

Qual a memória de cálculo desse valor? Como chegamos à conclusão de que esse valor é suficiente para atender o conjunto de impactos socioambientais gerados por um empreendimento dessa magnitude sendo implementado...

Para finalizar, a questão é a seguinte: hoje de manhã foi dito várias vezes que esses recursos eram expressivos. Ser expressivo depende de quê? Depende de saber para que se vão usar esses recursos. Depende de ter um conhecimento minimamente detalhado.

Não é uma coisa exaustiva, é uma coisa que consegue identificar, a partir dos principais impactos, quais são as medidas de prevenção, de mitigação e de compensação que o empreendedor tem a responsabilidade de executar. Ele tem que ter uma estimativa de custo disso. Não pode ser simplesmente uma porcentagem fixa do valor do empreendimento total. Do mesmo jeito que é feita uma memória de cálculo sobre os custos da engenharia da ferrovia, e ela é discriminada em termos do projeto de engenharia, do tipo de material de que precisa, da região onde ela vai ser implementada, enfim, também se consegue e precisa discriminar os custos socioambientais para poder chegar a um valor. Não é possível chutar um valor e achar que isso é ser responsável. Isso já é altamente reprochável, mas chutar um valor sem nenhuma memória de cálculo, sem nenhuma referência aos impactos concretos sobre os quais esse valor está falando e, ao mesmo tempo, limitar a um valor fixo a responsabilidade do empreendedor, falando que tudo aquilo que supere esse valor será responsabilidade da União - entenda-se “dos contribuintes brasileiros” - não é uma irresponsabilidade, é uma temeridade!

Isso é o que está colocado no projeto. É um leilão de alto risco, em uma região de contexto delicado, que demanda cuidado e precaução; há a proposta de um valor absoluto para compensações socioambientais, mas aparentemente sem memória de cálculo - pelo menos, não é explícita nos estudos que foram publicados; o risco de subestimação de impactos e geração de conflito é muito alto.

Então, isto aqui é a confirmação que foi feita hoje de manhã pelo representante do Governo Federal, que assinou uma declaração feita ao jornal Estadão, em novembro do ano passado. Nunca tínhamos escutado o Governo Federal confirmar a informação de que o Governo tinha a pretensão de assumir a conta. Ninguém sabe o tamanho dessa conta, mas já sabemos que será paga pelo contribuinte brasileiro.

Então, se temos que aferir essa conta, discutir qual é essa conta, o momento de discutir isso é agora. É agora, no momento em que este projeto está sendo desenhado, redimensionado. Estão sendo discutidos qual é o modelo, qual é a responsabilidade do empreendedor e do Governo. É uma concessão de 65 anos. Se para um empreendimento que vai demorar 65 anos - provavelmente, nenhum de nós vai estar vivo, daqui a 65 anos, para saber se deu certo, ou não -, não vamos ter tempo suficiente para discutir quais são...

Então, não temos tempo para nenhum outro empreendimento. Estamos falando de uma concessão de 65 anos, que deve ser discutida segundo o protocolo de consulta, que decide a forma, o caminho já existe.

É uma pena que a Larissa tenha ido embora. Mas só faço um registro: não é necessário - e isso é uma jurisprudência pacífica - haver uma regulamentação do direito de consulta para ele ser autoaplicável. Ele é um direito fundamental, isso está mais do que superado na jurisprudência deste País e internacional. Então, é falsa esta afirmação que foi feita aqui pela Diretora da Diretoria de Licenciamento Ambiental - DILIC, de que até não haver uma regulamentação é impossível aplicar o direito de consulta. Juridicamente, é falsa.

A consulta é um princípio ético de relacionamento, é um princípio funcional do planejamento e execução de decisões públicas. Trata-se de um conhecimento que ninguém pode se dar ao luxo de desprezar neste momento de planejamento. E o cumprimento é indispensável à continuidade do processo.

Muito obrigada. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Bivi.

Rapidamente, passo a palavra ao Paulo Carneiro, do ICMBio.

O SR. PAULO CARNEIRO - Boa tarde, Deputado Nilto Tatto, lideranças indígenas, companheiros de ONGs e demais presentes.

Vou fazer uma apresentação curta.

(Segue-se exibição de imagens.)

Fui chamado aqui para falar um pouco da governança territorial. E acho que não podemos falar da governança territorial nessa área sem lembrar que esta não é a primeira vez que estamos discutindo isso. Quando discutimos aqui a pavimentação da BR-163, em 2005, foi feito o BR-163 Sustentável, um projeto bastante grande, que envolveu quase todo o Governo Federal, que trabalhava na mesma região de que nós estamos falando, desde o sul do Amazonas até Itaituba.

Se olharmos os objetivos desse plano no passado, veremos que são quase os mesmos que nós discutimos agora: ordenamento territorial e gestão ambiental; produção sustentável; inclusão social e cidadania. São praticamente os mesmos eixos.

Dentro desse projeto em que começamos a tratar do ordenamento territorial dessa região, foi instituída aqui, em azul... em verde estão as unidades de conservação e as terras indígenas que já existiam, e foi instituída uma Área de Limitação Administrativa Provisória - ALAP, onde seriam estudadas as destinações das áreas. Isto aqui sem contar o desmatamento acumulado até 2005, considerando o desmatamento na área que a Bivi já mostrou.

Aqui vemos todo mundo que integrou esse projeto. Dá para ver que estava presente o Governo Federal inteiro: vários Ministérios; Casa Civil; FUNAI; na época não havia o ICMBio ainda, mas o IBAMA participou, etc...

O objetivo era criar políticas que mantivessem a floresta em pé. E nós, claramente, vemos que, 12 anos depois desse plano, não conseguimos sucesso na implementação dele. Aqui estava o Distrito Florestal da BR-163, vários movimentos.

Foi criada, nessa época, uma sequência de unidades de conservação. E aqui ficou uma área de desenvolvimento agrícola, uma área que estava ao redor da faixa da BR-163, que é conhecida por quem mora lá como Faixa Branca. As outras unidades estavam pintadas no mapa, essa parte não estava pintada e ficou conhecida como Faixa Branca.

Há 1 ano e meio, quando estávamos discutindo aqui a alteração do limite do Parque Nacional do Jamanxim, nós participamos de uma audiência pública - o Deputado Nilto Tatto estava aqui - em que a demanda era totalmente inversa: a ampliação da área da faixa branca e desafetação das unidades de conservação.

Então, dessa proposta, o que ficou? Ficaram aqui praticamente 82% dessa ALAP como área de exploração florestal; 2,5 milhões de hectares para propriedades rurais; 4 milhões e 400 mil hectares para garimpo, onde poderia haver atividades de garimpo; e 1 milhão e 400 mil hectares de área de proteção integral - Parque Nacional do Jamanxim, Parque Nacional do Rio Novo.

Podemos ver aqui que as áreas se sobrepõem porque em algumas áreas podem ser feitas várias atividades.

Bom, 12 anos depois, como é que estamos? Vemos, neste eslaide, o desmatamento acumulado na região, de 2005 a 2017. Então, percebemos que a estratégia de ordenamento territorial deu resultado. Nós diminuímos o desmatamento de 600 quilômetros quadrados para alguma coisa em torno de 200 quilômetros quadrados, de 60 mil hectares por ano para 20 mil hectares por ano na região. Desculpem-me, isto aqui é na Amazônia inteira. Na região é o que está em azul. A área em azul mostra que tivemos uma queda e, depois, um aumento. Hoje, o desmatamento está estabilizado em cerca de 19 mil hectares, sendo que 10 mil só na BR-163.

Então, eu mostrei isso aqui - e tinha várias fotos para mostrar, mas, devido ao prazo, vou pular - só para mostrar que essa região, como foi bem colocado pelo ISA, é quente na questão do conflito socioambiental. Ela não é só uma região de desmatamento, é uma região de exploração ilegal de recursos minerários, é uma região onde há violência no campo, que atinge todo mundo - os representantes do ICMBio e do IBAMA que estão lá, as populações tradicionais indígenas e os moradores. Todo mundo está sujeito à pressão e à violência que se impõem nessa região.

Bom, feita esta pequena introdução - e eu corri para ela caber em 5 minutos -, eu vou falar um pouquinho do que aconteceu no Parque Nacional do Jamanxim.

Nós recebemos uma demanda para estudar a Ferrogrão em 2015. Conforme foi colocado aqui pela Larissa, isso foi negado duas vezes pelo ICMBio, porque a ferrovia passava sobre a poligonal do parque, e isso, por lei, não é possível.

Os estudos da ferrovia que nós recebemos foram adaptados para acompanhar o eixo da BR-163.

Eu me esqueci de algo e vou voltar um pouquinho. O Parque Nacional do Jamanxim foi criado exatamente para fazer a conexão entre as duas bacias hidrográficas, conforme a Bivi colocou. Havia um bloco de Unidades de Conservação em terras indígenas - um a oeste, e outro a leste. Então, no momento da criação dele, a ideia era a de fazer uma conexão na área menos impactada da BR-163, que é a área em que está localizado o Parque Nacional do Jamanxim. Quando foi criado, a área de influência da BR-163 foi excluída do parque. Só que ela não foi definida. Então, já havia ali uma exclusão, que girava em torno de 400 hectares, mas que não estava exatamente delimitada no campo.

Quando os estudos da Ferrogrão foram adaptados, eles foram aproximando a estrada dessa faixa de influência da BR-163. A única Unidade que a Ferrogrão interceptava no caminho inteiro era o Parque Nacional do Jamanxim. Ela passa perto da Reserva Biológica da Serra do Cachimbo, é próxima, fica a 2 quilômetros e 300 metros. Então, a única Unidade de Conservação ali seria o Parque Nacional do Jamanxim.

O que foi feito aqui? Na escala em que os mapas são mostrados, praticamente não é possível perceber. O que nós fizemos? A ferrovia não faz as curvas fechadas que a Rodovia 163 faz. Nós abrimos alguns pedaços, alguns trechos - e é possível enxergar se olharmos no detalhe -, afastando um pouco o limite do parque da estrada, permitindo que fosse feita a curva programada da ferrovia.

Na proposta da Medida Provisória nº 758, foram excluídos do Parque Nacional 400 hectares de área. Em contrapartida a esses 400 hectares de área que estavam sendo excluídos, a proposta do ICMBio trazia a incorporação de uma área praticamente intacta de floresta, aqui nessa região, de 60 mil hectares. Então, na proposta encaminhada pelo Governo Federal estava a compensação desses 400 hectares com o aprimoramento, com uma proteção mais forte nesses 60 mil hectares. Essa proposta não foi aprovada aqui, na tramitação da medida provisória.

Eu acho importante dizer que, na tramitação da MP, foram apresentadas diversas outras propostas para mudar as Unidades de Conservação: a criação da APA do Trairão, sobrepondo-se à proposta da Terra Indígena Mundurucu, nas FLONA de Itaituba I e II; a criação da APA do Rio Branco, pegando o norte do Jamanxim; a criação da APA de Carapuça; e a ampliação da APA do Jamanxim. Isso levaria à recategorização de quase 1 milhão de hectares e diminuiria a proteção dessa área. A MP acabou sendo aprovada e depois vetada pela Presidência da República.

É a primeira vez que mexemos numa Unidade de Conservação? Não. Nessa região mesmo, mexemos nelas em 2012, para fazer os barramentos do Rio Tapajós. Quando obtivemos os projetos, mexemos nos limites das Unidades, excluindo as áreas que iam ser alagadas. Isso foi feito porque o processo de licenciamento não pode acontecer se ele se sobrepor como Unidade de Conservação. Quando isso acontece, a depender do interesse do projeto, o limite da Unidade de Conservação é alterado. Isso só pode ser feito por lei, conforme foi feito esse do Jamanxim.

Corri para tentar respeitar o prazo de 10 minutos. Espero ter sido claro.

Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Muito bem, Paulo. Obrigado.

Está aberta a inscrição para quem quiser participar do debate depois.

Concedo a palavra por 10 minutos a Rodrigo Paranhos Faleiro, Diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável e Presidente interino da FUNAI. É ainda? (Pausa.)

O SR. RODRIGO PARANHOS FALEIRO - Boa tarde a todos.

Obrigado pelo convite à FUNAI. Inicialmente, ele foi feito à Janete, a minha Coordenadora de Licenciamento, que me pediu para vir no lugar dela.

Eu estou Presidente substituto da FUNAI. Embora tenha sido nomeado hoje o Presidente, ele ainda não tomou posse.

É uma honra estar nesta Casa para discutir temas relevantes para as populações indígenas.

Quero concentrar minha fala em três aspectos. Primeiro, porque é o meu lugar de fala. Eu sou antropólogo, trabalhei 30 anos na área ambiental, trabalhei muito com essa questão da sociodiversidade. Conheço várias pessoas aqui, temos algumas histórias juntos, na defesa da questão ambiental e dos direitos das populações tradicionais.

Queria também falar um pouco exatamente sobre o grande dilema que enfrentamos no que diz respeito à questão da consulta. Talvez pelo vício histórico do SPI e da FUNAI dos anos 70, confunde-se a ideia da FUNAI, como um órgão que detém os índios. Não. A FUNAI é um órgão de defesa dos direitos indígenas e, como tal, legalmente deve e tenta da melhor forma possível garantir esses direitos. Nem sempre a FUNAI é a única interlocutora ou é a definidora do cumprimento de tais direitos, mas tentamos sempre estar em parceria, em construção coletiva com vários parceiros para garantir esses direitos.

Nesse sentido, para nós é muito claro que o protocolo de consulta existe e é aplicado. Tanto é que muitos índios, muitos povos têm feito seus protocolos. Nós temos acolhido esses protocolos e os incorporados ao processo de licenciamento.

Essa forma de estabelecer o diálogo com a sociedade é fundamental, para que tenhamos o aspecto da diversidade cultural garantido. Não adianta pensar que estamos garantindo a diversidade, se nos negarmos a conversar com a diversidade nos termos que o outro exige. Afinal de contas, eles têm uma forma de entendimento do mundo diferenciada da nossa. Se não tivermos clareza de que esses indígenas, que têm uma forma diferenciada de mundo e de entendimento do seu território, não podem ter um diálogo conosco nos mesmos patamares, estaremos realmente quebrando o próprio Estado de Direito.

A FUNAI como instituição - e eu advogo neste sentido - sempre defende que os índios têm que ser ouvidos. Nós zelamos por isso em todos os procedimentos que temos instituídos naquela casa.

Existem questões do protocolo, sobre abrangência, que podemos discutir. Até que ponto o protocolo deve ser uma forma de apresentação do povo para a sociedade não indígena? Esse é um tema que muitas vezes sequer discutimos. Os caciques estão organizados de uma forma, as cacicas, enfim, os povos indígenas se organizam de alguma forma. Deve estar no protocolo a forma de apresentação? Esse é o debate que talvez precisemos fazer, porque muitas vezes lideranças chegam até nós, e depois outra liderança nos diz que aquelas não são as lideranças. A esse embate talvez o protocolo possa responder também, quando ele é construído pelos povos: “Não. Quem fala por nós são as instituições”.

Além disso, outra questão para a qual o protocolo de consulta acaba sendo importante como instrumento de debate é a da forma como ele pode aglomerar dentro de um território vários povos. Por exemplo, o território mundurucu é organizado em cima de um fórum de caciques, e em outro território há mundurucus que estão com os caiabis e os apiacás. Então, são duas terras. Como eles se organizam? É um debate que talvez o protocolo possa abrigar. E por que eu falo que ele pode abrigar? Porque não precisamos criar vários instrumentos para debater como os índios podem se expressar. Precisamos, sim, garantir que eles se expressem.

Feita essa fala, eu gostaria de entrar numa segunda, que é sobre a questão da forma. Muitas vezes se atribui aos indígenas, ao território indígena, o ônus do atraso, o ônus da falta de desenvolvimento, o ônus do obstáculo ao crescimento, o que é um equívoco. Na realidade, não estamos falando de nada mais do que de um direito que qualquer cidadão quer ter, de participar e de dialogar sobre seu destino. Não podemos confundir uma garantia de direito com um óbice ao desenvolvimento do País. Precisamos pactuar, discutir e garantir que todos os lados sejam ouvidos.

Nesse sentido, a FUNAI não tem para si o processo de licenciamento. A legislação atual garante o licenciamento aos órgãos do SISNAMA, que são o IBAMA, no âmbito federal, os órgãos estaduais - OEMAS e os órgãos municipais. A FUNAI é um órgão interveniente envolvido. Compete-nos intermediar o diálogo entre o projeto de desenvolvimento, no caso de empreendimentos, e os indígenas. Para isso, o que a FUNAI faz é qualificar os estudos e ir com o empreendedor aos indígenas para apresentá-los. Compete aos indígenas decidir o seu destino. Não compete à FUNAI dizer qual é o destino. É importante que isso fique claro porque muitas vezes se atribui à FUNAI o papel mágico de impor obstáculo ao desenvolvimento. Não. Ela é mantenedora, ela é garantidora dos direitos indígenas. Como tal, ela tem que zelar por isso e tem que garantir essa intermediação.

Uma FUNAI forte e capaz de fazer isso pode realmente garantir aos povos indígenas uma participação mais eficiente. Infelizmente, a FUNAI está bem aquém do que ela já foi. Muito embora seja um órgão forte, no final do ano passado, tinha 7 mil processos de licenciamento para uma equipe de dez pessoas. Isso é impraticável. Por mais que tenhamos um papel de consulta - e fazemos essa consulta em três etapas, quatro etapas, quando não há óbice dos povos indígenas; às vezes, nós voltamos inúmeras outras vezes -, é uma quantidade de trabalho humanamente impossível de ser feito. Então, o fortalecimento da FUNAI no sentido de ser capaz de absorver isso, de ser capaz de fazer esse diálogo com a ponta é imprescindível.

Para finalizar, quero dizer que do projeto da Ferrogrão nós participamos como órgão envolvido. Não nos compete dizer “sim” ou “não”, mas, sim, qualificar a discussão. Temos defendido que a Ferrogrão tem que ter a participação dos caiapós, que reivindicam serem consultados no processo. Nós nos somamos a esse esforço, porque não vemos problema em conversar e construir soluções. Vemos problema quando não conseguimos fazer isso. Por quê? Porque, justamente quando isso não acontece, entramos no ambiente de conflito, entramos no ambiente da judicialização, ambientes esses nos quais não temos governança nenhuma, nem os índios nem o Estado.

Encerro a fala agradecendo e me colocando à disposição para quaisquer esclarecimentos.

Obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Rodrigo.

Tem a palavra a Silvana Dias, do Instituto Ambiental Augusto Leverger, por 3 minutos.

A SRA. SILVANA DIAS DE CAMPOS - Falo diretamente para o Sr. Paulo, do Instituto Chico Mendes.

Quero que o senhor me responda, como Coordenador do Instituto, provavelmente como ambientalista e como ser humano, se é a favor da desafetação do Parque Jamanxim, para a construção da Ferrogrão.

Para documentar a terra de quem está lá, não houve nem estudo para saber há quanto tempo está lá. Não foi documentada a terra, e eles não podem fazer nada porque é o parque.

Mas me pareceu na sua fala que o senhor não tem nada contra desafetar, para construir a Ferrogrão: “Nós pegamos outro pedacinho ali e resolvemos a questão”. Estou enganada? Está tudo bem? Está tudo certo?

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Silvana.

Quero anunciar a presença do Deputado Zé Geraldo, do PT do Pará.

Passo a palavra a Wilson Rodrigues, do Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens de Sorriso e Região - SINDICAM Sorriso.

O SR. WILSON RODRIGUES - Quero fazer uma pequena colocação.

Sabemos que, sobre a situação da Ferrogrão, vai haver muita discussão. Vamos resistir o máximo possível junto com o povo e acreditamos que não vai sair a Ferrogrão.

Esperamos que as nossas autoridades competentes pelo menos mantenham bem a BR-163, que está intransitável. Eu ouvi um participante, que acabou de sair, falar que o Governo não quer arrumar a BR-163, para que a solução seja fazer uma licitação para instalar pedágio. Só os caminhoneiros pagariam. Por que só os caminhoneiros? Por que não enchem de praças de pedágio o local por onde passam os trens? De Sinop a Rondonópolis há sete praças de pedágio. Já pagamos ali de 6 reais a 7 reais por eixo. Por que para o trem não põem praça de pedágio? Por que só para nós, que pagamos 4 reais pelo litro de óleo diesel em Mato Grosso, hoje? Quatro reais! Cinquenta por cento do frete corresponde a óleo diesel. Não é feita a manutenção da rodovia, e temos que dar manutenção em pneus e no veículo. Já pagamos PIS/COFINS, vários impostos abusivos, e ainda temos que pagar pedágio. Por que só em cima de nós?

Não estamos aguentando mais carregar essa carga, carregar esse peso. Então, pedimos às autoridades que revejam a questão do óleo diesel. É uma vergonha, é um absurdo, com todos os recursos que existem no Brasil, pagarmos 4 reais pelo litro do óleo diesel em Mato Grosso. Aí, quando têm que arrumar a rodovia, a primeira solução que acham é a de pagarmos de nova essa conta, com o pedágio.

Por que no Pará existe aquele caos com caminhões, e a rodovia foi detonada antes do previsto? Porque todo mundo está correndo, está sufocado de tanto pedágio. Nós pagamos o equivalente a uma parcela de um caminhão novo por mês em pedágio. Poderíamos capitalizar, crescer mais, mas vai tudo em pedágio.

Essa é a nossa bronca, que eu queria deixar bem colocada aqui para as nossas autoridades, para os Deputados, para reverem esse absurdo que sempre estoura em cima de nós.

Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Wilson. Se você morasse no Estado de São Paulo, aí você ia ver o que é bom.

Tem a palavra Silvio Marinho, advogado e coordenador do Movimento Ferrogrão ou Ferrograna?

O SR. SILVIO MARINHO - Quero me dirigir ao Paulo Carneiro, do ICMBio.

Você falou, na sua explanação, da governança, da gestão daquela região. No dia 21 do mês de fevereiro deste ano, participamos da reunião do Conselho do ICMBio, em Caracol. Lá foram feitos alguns encaminhamentos:

1) verificar os traçados para a ferrovia e trazer mapa para os conselheiros, com a matriz de impacto nas comunidades, nos aspectos social, ambiental e econômico; 2) atender aos itens da ata da reunião de janeiro de 2018 e enviar as resoluções deste Conselho aos seguintes órgãos: Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, Ministério Público Federal, Ministério dos Transportes, Tribunal de Contas da União, Casa Civil, Secretaria do Patrimônio da União, Prefeituras e Câmaras Municipais, Assembleia Legislativa do Pará, Ministério Público Estadual do Pará, além de outras.

Pergunto: o ICMBio deu encaminhamento a essas deliberações dentro da governança do parque?

Eu queria chamar a atenção de todos aqui para um aspecto que temos ouvido lá na região. Isso serve para os Parlamentares e serve para quem busca pacificar as relações sociais no nosso País. Nós temos notado uma energia premente de revolta civil. Ela está expressada na fala da Alessandra Munduruku, ela está expressada na fala do Cacique Beporoti, ela está expressada na fala do cacique caiabi. E ouvimos caminhoneiro falar, ouvimos comunitários falarem o seguinte: “Se passar o trem da forma como está vindo, atropelando todo mundo, nós vamos botar fogo nos vagões e nas máquinas, nós vamos derrubar os trilhos”.

Alguém tem dúvida de que quem vem aqui e fala de cara limpa que vai resistir, se não for feito democraticamente, não vai fazer isso acontecer?

Eu ouvi um senhor dizer, em Três Bueiros, taxativamente: “Se passar desse jeito, a máquina vai ser queimada”. Então, existe essa energia premente de resistência civil a esse projeto. Já foi manifestada no Movimento da Ferrogrão, no dia 12, na ANTT. Já houve essa manifestação de resistência civil.

Dentro dessa discussão de governança do parque, eu queria chamar a atenção para o que foi encaminhado, para o que está na ata do dia 18. Está sob a responsabilidade do ICMBio fazer os encaminhamentos:

Que qualquer encaminhamento e discussão sobre o projeto da EF-170, a Ferrogrão, seja feito a partir do atendimento das políticas públicas essenciais para as populações impactadas pelo projeto, que é o término da BR-163.

Você defendeu, e nós estamos atrás do desse Projeto BR-163 Sustentável.

Outros encaminhamentos:

Preservação dos milhares de empregos, não só de motoristas, mas de quem está aproveitando o ciclo de desenvolvimento econômico do modal rodoviário; cumprimento da consulta prévia, livre e informada, das etnias, de acordo com a Convenção 169; regularização fundiária, para não haja expulsão do homem do campo” - como aconteceu em Altamira; que sejam complementadas as linhas de energia ao longo da BR-163; construção de postos de saúde e escolas.

Tudo isso está no Projeto BR-163 Sustentável. Eu pergunto: o ICMBio encaminhou as deliberações dessa reunião de fevereiro?

A outra pergunta eu faço ao representante da FUNAI. Toda a discussão hoje em torno da Ferrogrão envolve o cumprimento da Convenção 169. Nós estivemos reunidos com os representantes da ANTT em diversas oportunidades, e eles dizem que a ANTT não vai fazer isso sem a FUNAI. Eu pergunto: a FUNAI vai exigir que isso seja cumprido?

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Silvio.

Concedo a palavra à Ana Cristina, da TNC - The Nature Conservancy.

A SRA. ANA CRISTINA BARROS - Boa tarde a todos.

É riquíssimo o dia de discussão aqui.

Parabenizo o Deputado Nilto Tatto, parabenizo o GT Infraestrutura, que trouxe essa proposição e trouxe a sua capacidade técnica, e parabenizo os palestrantes.

Eu acho que estamos em duas situações muito cômodas: a da revolta, que você acabou de mencionar, a de uma insurgência civil; e a do não projeto. Então está bom, não há projeto. Não há investidor, não há investimento, não fazemos nada.

Acho que a dificuldade toda aqui é a de acharmos o caminho do “como”. Está bom, se não é para haver revolta, se não é para haver o não projeto, como é que construímos corretamente o caminho?

Um elemento desse caminho está posto há muito tempo - está posto na Justiça, está posto no arcabouço do Direito, está posto nas várias vozes que estão aqui: para informar um projeto, para ajudar o projeto a ser bom, tem que ser feita a consulta indígena. E a consulta indígena é feita neste momento, quando o projeto não está concebido. É assim que o resto do mundo faz, é assim que o Chile tem feito, é assim que o Peru tem feito. Felício Pontes mencionou a Colômbia também.

Eu queria perguntar para a Biviany, que é uma especialista, talvez uma das maiores especialistas no assunto da consulta indígena, como ela vê a possibilidade de não cairmos na armadilha de Belo Monte e de outras hidrelétricas, em que demandamos a consulta, o Governo embroma, tratora, outros setores fazem suas demandas, mas a coisa acontece e vira fato consumado. O que vimos hoje é que o projeto está avançando.

Eu queria perguntar para a Bivi, tendo em vista que em muitas das outras obras que vimos se perdeu a batalha por projeto conciliado, que atenda a todos, no que podemos inovar no caso da Ferrogrão?

E ainda faço uma pergunta mais específica. Há organizações, como aquela para a qual trabalho já há 15 anos, a TNC, que é internacional, que têm um diálogo não só aqui no Brasil, que tem diálogo nos Estados Unidos, na Europa, na China. Será que não podemos trazer isso, para fortalecer essa demanda básica de melhorar o planejamento, de fazer a consulta indígena, de ter uma visão de desenvolvimento da Bacia do Tapajós que atenda a todos?

Você acha, Bivi, que dá para somarmos forças aí? Qual é o caminho?

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Ana.

Brent Millikan, da Internacional Rivers, tem a palavra.

O SR. BRENT MILLIKAN - Primeiro, sobre a questão da consulta e do consentimento prévio, livre e informado, eu acho que a Bivi lembra uma questão essencial, a de que, de fato, a Convenção 169 é autoaplicável, não precisa de regulamentação. Em alguma hipótese, poderia ser desejável, mas não é necessário.

É bom lembrar muitas experiências na América Latina. Dependendo do contexto político, uma regulamentação pode ser um retrocesso. Isso já aconteceu muitas vezes. Então, se é para haver regulamentação, deve ser para melhorar, não para retroceder, lembrando que a Convenção 169 é autoaplicável. Não é necessária a regulamentação. Agora, o que fazer para avançar na implementação?

Eu acho que os próprios protocolos de consulta aos povos indígenas já dão em grande medida o caminho das pedras, e um plano de consulta, a partir desse protocolo, que detalhe como deve ser feito um processo de consulta. Acho que isso é um avanço.

Há outra coisa que eu gostaria de lembrar. Em 2014, a Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável - DPDS, da FUNAI, fez uma nota técnica, que depois se traduziu num ofício do Presidente da FUNAI, enviado para o Ministério da Justiça, justamente tratou da questão da consulta e do consentimento livre, prévio e informado, de como deve ser implementado, fazendo referência, especificamente, ao Tapajós. Infelizmente, esse ofício está dormindo em alguma gaveta do Ministério da Justiça. Nunca houve retorno, nunca houve avanço na discussão sobre como implementar.

Mas caminhos e propostas concretas existem. Há toda uma reflexão, inclusive dentro da FUNAI, sobre como fazer isso.

Nesse sentido, eu acho que ficou clara aqui a falta de diálogo intergovernamental, entre os órgãos. Talvez o possível fosse fazer uma espécie de protocolo de entendimento entre os órgãos, talvez mediado pelo próprio Ministério Público, com o envolvimento da FUNAI, do IBAMA e de outros órgãos, como a ANTT e a EPE, do setor elétrico, para ser criado um entendimento. Não precisaria passar pelo Congresso, onde haveria um grande risco de retrocesso, mas poderia avançar no sentido do momento da consulta, de como fazer, de como incorporar os protocolos de consulta.

Acho que isso é plenamente possível. Poderíamos pensar nisso até como encaminhamento, junto com o Ministério Público.

Sobre a questão da governança territorial, que foi lembrada, eu quero dizer que trabalhei no Ministério do Meio Ambiente à época em que foi elaborado o Plano BR-163 Sustentável, com todos esses elementos de Unidade de Conservação, de Distrito Florestal. Realmente, a ideia não era a de ficar naquela dicotomia clássica de vale-tudo ou áreas em que não se pode fazer nada. A ideia era a de pensar outro modelo de desenvolvimento para a região, baseado na floresta em pé, no reconhecimento de áreas públicas, no reconhecimento dos direitos territoriais das populações indígenas e de outras populações tradicionais, e na melhoria do uso das áreas já desmatadas. Havia inclusive o componente da infraestrutura sustentável, que trabalhava a logística do pequeno produtor. A infraestrutura não significava só pavimentar estrada. Então, existe essa reflexão.

Esse plano foi inaugurado em junho de 2006 e, infelizmente, foi jogado na lata do lixo. É triste verificar isso, porque houve todo um esforço. Primeiro, da sociedade civil, que tomou a iniciativa de fazer estudos, de fazer debates na região e chamou o Governo para o debate. Houve uma liderança da Ministra Marina Silva e de Ciro Gomes, do Ministério da Integração Nacional, e se viabilizou, via José Dirceu, um grupo de trabalho interministerial, com a Casa Civil. Então, houve realmente esse esforço, mas, em função de uma conjuntura, de uma política de alianças, optou-se por descartar esse novo modelo de desenvolvimento da Amazônia e por uma lista de obras do PAC, essencialmente, que começou em fevereiro de 2007. Hoje, eu acho que estamos vendo, infelizmente, os resultados disso.

Além das outras coisas a que estamos assistindo, há os retrocessos em relação à desafetação de Unidades de Conservação, questionada no Supremo - houve inclusive uma decisão sobre a ADI 4.717, a de que não se pode desafetar Unidade de Conservação dessa forma, sem considerar a justificativa social, o impacto sobre remanescentes das áreas, uma série de coisas -, e outros retrocessos também, a exemplo da Medida Provisória nº 759, conhecida como “MP da Grilagem de Terras Públicas”, que também cria uma situação de governança extremamente difícil, porque incentiva conflitos na região, desmatamento e até situações em que o instrumento que deveria servir para regularizar, para contribuir para a governança territorial é usado de forma questionável, equivocada, como aconteceu com o CAR, o Cadastro Ambiental Rural, que vimos sendo usado como forma de legitimar posses dentro de Unidades de Conservação, para depois se justificar a sua desafetação. Precisamos exatamente do contrário. O instrumento que deveria servir para conservar e proteger florestas acabou sendo usado para outros fins.

Então, acho que temos que fazer uma reflexão mais profunda sobre o que está acontecendo com essas políticas territoriais, sobre a relação com as políticas setoriais de desenvolvimento, aprender com os erros e os acertos do passado e talvez recuperar um pouco dos acertos que havia numa determinada época, mas que foram abandonados. Acho que isso valeria a pena.

Voltando ao que a gente falou no início, eu acho que o reconhecimento dos direitos territoriais das populações locais e o direito à consulta livre, prévia e informada é o básico, é o ponto de partida para qualquer discussão de obra de infraestrutura.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Brent.

Tem a palavra Ivã Bocchini, do ISA.

O SR. IVÃ BOCCHINI - Boa tarde.

A minha pergunta é para o Rodrigo, mas também pode ser destinada para os demais integrantes da Mesa.

Pego carona nas falas anteriores, ainda sobre a consulta, para dizer, até onde me consta, Rodrigo, que a FUNAI tem por prática promover um momento de consulta quando da contratação da equipe ou da empresa que vai realizar os Estudos de Impacto Ambiental do componente indígena. Ela, então, leva essa equipe a campo, apresenta para os indígenas um plano de trabalho e discute esse plano de trabalho com os índios. Ou seja, o primeiro momento de diálogo com os povos indígenas ocorre muito depois de já ter sido tomada a decisão política e administrativa de realização de determinado empreendimento, de qualquer um do qual se esteja falando.

No mesmo caminho seguido pelo pessoal que está perguntando sobre regulamentação, pergunto se existe algum entendimento lá dentro da FUNAI sobre isso. Vocês continuam com essa prática, de que este é o momento certo de iniciar a consulta ou não?

Hoje de manhã, por exemplo, o Presidente da ATIX, Yoriwe Kaiabi, representando os povos xinguanos, colocou aqui na Mesa uma proposta ousada: a de se zerar o desmatamento nas cabeceiras do Xingu antes de se falar em qualquer coisa; a de se recuperar todos os passivos ambientais na cabeceira do Xingu antes de dar continuidade a esta conversa.

Não adianta, depois que as decisões já foram tomadas, depois que já existe licitação, que já existe concessão, que já existe empresa escolhida para fazer a obra, que já existem valores definidos, porcentagens que vão ser gastas com compensação socioambiental definida, o pessoal ir lá e colocar esse tipo de proposta na mesa. Vira uma piada. Na verdade, vira um balcão de favores, como se vê em todas as obras por aí. Há conflitos entre os próprios indígenas, entre os indígenas e outras comunidades tradicionais, entre as prefeituras. Todo mundo briga para abocanhar alguma coisinha ali. E as condições realmente necessárias para tornar aquela obra viável nunca se dão, não podem ser dadas, porque a discussão começou depois que as grandes decisões todas já foram tomadas.

Então, como fazer essa consulta ser prévia de verdade? O pessoal está louco para ser cidadão e participar do Governo, mas parece que existem muitos impedimentos para isso. Afinal de contas, é possível esse diálogo?

No caso específico da FUNAI - e o restante da Mesa também pode comentar -, como vocês estão enxergando esse processo de consulta? É preciso regulamentação? Não é preciso regulamentação? Existe alguma normativa interna?

Eu não conhecia esse documento que foi citado e que está dormindo lá no Ministério da Justiça. Ele está dormindo no Ministério da Justiça, mas está acordado lá na FUNAI? (Riso.) Como está isso? Depois é confusão, é conflito. A Bivi colocou o grande risco que se está assumindo em fazer essa obra sem uma consulta prévia de fato.

Eram essas as minhas perguntas.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Ivã.

Com a palavra o Deputado Zé Geraldo, do PT do Pará.

O SR. DEPUTADO ZÉ GERALDO - Sr. Presidente, quero fazer uma saudação à Mesa, aos representantes dos povos indígenas, aos representantes das organizações não governamentais e aos demais presentes.

Naturalmente, sempre que discutimos grandes projetos, acabamos nos voltando mais para o Estado do Pará. Não que os outros Estados não tenham grandes projetos, mas porque o Estado do Pará, nos últimos 40 anos, foi o mais impactado. Lá pelos anos 70, no Governo Médici, na ditadura, foram construídas a Rodovia Cuiabá-Santarém e a Transamazônica, sem falar dos incentivos fiscais etc.

Bom, sobre a Transamazônica, naturalmente, no período da ditadura ninguém pôde falar nada. E quem falasse... Muitos índios morreram na abertura da Transamazônica, ali na região de Altamira.

Depois, no período da Nova República, não se fez nada, tudo foi abandonado. Eu chego exatamente nessa época. Cheguei em 1979. Durante 20 anos, pelas duas rodovias ninguém passava. Era um pesadelo o dia que chovia: eram 10 dias de Marabá a Altamira, mais 10 dias até Itaituba, mais 20 dias de Itaituba a Mato Grosso. E foram 20 anos assim. Nova República. Vinte anos: Governos Sarney, Itamar, Collor; e 8 anos de Governo Fernando Henrique.

Aí veio o período do Governo do qual eu participei. Em 2003, cheguei aqui, eleito Deputado Federal, junto com Lula na Presidência da República. E vim para cá para fazer a defesa da trafegabilidade - não se falava nem em asfaltamento das rodovias, mas da trafegabilidade das rodovias. Lula colocou isso no PAC no segundo mandato dele, e nós começamos a licenciar. Até hoje, para a obra do trecho entre Medicilândia, Uruará e Cachoeira Seca não há licença concedida pela FUNAI, porque algumas condicionantes negociadas não foram cumpridas. Mas em 6 meses, 7 meses, recentemente, tiraram quase toda a madeira de dentro de Cachoeira Seca. Durante 1 ano tiraram madeira, de dia e de noite, até que um grupo achou que estava liberado e começou a ocupar. E chegou todo mundo para tirar.

Então, parece-me que os Governos não conseguem. Nos Governos Lula e Dilma pelo menos havia espaço, e se criou um grupo interministerial.

Eu me lembro de que um grupo privado chegou com uma proposta de asfaltar a Cuiabá-Santarém. O pedágio seria altíssimo. Eu mesmo reagi: “A economia regional não aguenta pagar isso”. “Então, vamos fazer com recursos públicos”. E agora estamos num debate sobre privatizar.

A verdade é que aquela rodovia dificilmente vai aguentar 500 mil carretas, com 60 toneladas, 70 toneladas, 80 toneladas, para lá e para cá todos os dias. Dificilmente. Mesmo privatizada. Como vai aguentar? Na região chove durante 6 meses. A não ser que seja uma obra muito benfeita, o que dificilmente vemos acontecer.

Bom, uma ferrovia. Quem vai ser o dono da ferrovia? Três empresas: talvez duas chinesas e uma da família do Maggi, do grupo dele, e mais nada. A concessão será por 60 anos - sei lá. O financiamento será 100% do BNDES. O desenvolvimento regional está travado.

Por exemplo, no projeto de desenvolvimento sustentável da BR-163, a Transamazônica, nós propusemos o assentamento de 10 mil famílias ao longo da rodovia. Não era para ficar a 100 quilômetros, era para ficar às margens da rodovia. Não conseguimos avançar.

Qualquer pistoleiro coloca o INCRA para correr, qualquer pistoleirozinho de lá coloca o INCRA para correr. Colocava, porque hoje o INCRA nem existe mais. O Ministério da Reforma Agrária foi extinto, o Ministério da Pesca foi extinto, o INCRA não existe. Como vamos dialogar? Como vamos trabalhar neste momento, com este Governo?

Sinceramente, eu estou muito pessimista, até porque eles podem fazer por decreto. Temer agora quer terminar a reforma trabalhista por decreto. Como expirou o prazo da medida provisória, estão dizendo que vai ser feita por decreto.

Nós podemos estar vivendo um momento em que falar em resistir é fácil. Eu ouvi dizerem aqui o seguinte: “Lula vai ser preso. Não, não, não vai. Nós não vamos deixar”. Lula está lá, preso. Será que é assim mesmo fácil enfrentar? Será que é fácil juntar os índios?

Nós temos força social na região? Temos. Podemos unir os índios, os pescadores, os ribeirinhos, os trabalhadores rurais. Temos uma força social. Mas não adianta também remar contra a maré. Se você não tiver com quem sentar à mesa para negociar, por 2 décadas, por 3 décadas, pelo menos isso, um programa de regularização fundiária através do qual os índios tenham paz nas suas terras, através do qual a agricultura familiar tenha as suas terras, tenha as estradas, pelo andar da carruagem, cidades como Altamira, Itaituba, Santarém e outras vão se encher de pessoas, de desemprego, de cocaína. E não vai adiantar o Fantástico fazer uma reportagem sobre Altamira, como a de domingo, e dizer: “A culpa é de Belo Monte”. Belo Monte não produz cocaína, Belo Monte produz energia. Se for colocada lá uma Polícia Federal eficiente, para desmontar um monte de coisas que existem lá, já vai melhorar um pouco.

Têm que ser gerados empregos. Como vão ser gerados empregos? Os bancos já não financiam mais. Um pequeno produtor de lá, para obter o LAR - Licenciamento de Atividade Rural - porque, agora, na Amazônia, é preciso ter, além do CAR, o LAR -, paga 4 mil reais. A Prefeitura do Município de Medicilândia cobra 2.500 reais por uma licença ambiental para o pequeno produtor. Ou seja, ele já não vai pegar o financiamento. E o pequeno produtor ainda tem que pagar a uma empresa, porque as Prefeituras estão todas desaparelhadas, numa região como aquela, para fazer qualquer licença ambiental.

Há uma série de debates que nós precisamos fazer para a promoção de um plano de desenvolvimento sustentável, e também não é aquele que dizia que um litro de copaíba ia salvar a pátria. Eu estou vendo mulheres lá no interior de Uruará extrair óleo de copaíba e vender a 10 reais o litro, para a Natura faturar dinheiro. Então, que modelo nós precisamos ter para a região?

Chegou a energia, mas as pessoas não aguentam pagar a conta. Nós estamos pagando a energia mais cara do mundo. Quando você vai ver, são 50% de imposto; no Pará, são 30% - 27% mais a tributação -, fora os outros impostos. Nosso combustível já é o mais caro do mundo: são 5 reais por um litro de gasolina e 100 reais por um botijão de gás de cozinha. O valor da passagem área nem se fala. Para uma cidade como Itaituba já não há mais nem transporte aéreo. De Cuiabá a Santarém, você tem de pegar um voo de linha regular em Guarantã, no Mato Grosso.

Quanto ao projeto da BR-163 sustentável, nós praticamente estamos com uma rodovia que não acabou. Há 3 anos estamos patinando e, pelo andar da carruagem, nós vamos demorar em torno de 20 anos para terminar a Transamazônica. Ainda falta 1 bilhão! Se forem liberar 50 milhões por ano, aí serão 20 anos. Está lá parada, os buracos estão abertos; são três buracos. O DNIT não tem 20 milhões para tampar buracos. Não estou falando de buraquinhlos, não. Estou falando de onde afundou a rodovia de Medicilândia, próximo ao quilômetro 80. Lá, há buracos, e a empresa diz: “Só vou, se liberar 20 milhões. Se não liberar, eu não vou, porque como é que eu vou botar máquina e sair de lá depois?”

Está numa situação difícil a região oeste do Pará. E estou falando do oeste do Pará, porque envolve uma questão fundiária e também um modelo de desenvolvimento para esse povo poder se sustentar. Não há uma autoridade fundiária naquela região, não há. E hoje nós acabamos até com o pouco que havia. Instalamos uma superintendênica do INCRA em Santarém, uma unidade avançada em Altamira e não há um real - podem verifificar no orçamento - nem na superintendência de Belém, nem na de Marabá, nem na de Santarém, para incluir uma ponte nos projetos de assentamentos que já existem. Os projetos todos estão abandonados, não foram consolidados. Houve uma intervenção do Ministério Público Federal, por conta da questão ambiental, e a questão ambiental não foi resolvida para licenciar esses assentamentos.

A rodovia Cuiabá-Santarém continua sendo preparada exatamente para latifundiarização, porque, das 5 mil famílias que era para serem assentadas ali, não tem 200 assentadas até hoje. Essa é uma grande demanda, além da demarcação das terras indígenas.

E, só para terminar, já falei várias vezes que o Instituto Chico Mendes tem que sentar e negociar o que é possível. Percebe-se que há questões fundiárias dentro das áreas do Instituto Chico Mendes. As pesoas lutam para serem assentadas lá, e nada se resolve. Passaram-se 10 anos, e não se resolvem as coisas, a ponto de precisar que eu tivesse que liderar aqui, por meio de medida provisória, a retirada da cidade de Aveiro de dentro da FLONA de Tapajós, que foi criada no tempo do Médici. A cidade de Aveiro não podia receber uma emenda parlamentar para fazer uma obra, porque não tinha regularização fundiária, a cidade não tinha légua patrimonial, como a Vila São Jorge, no Município de Belterra.

Eu acho que precisamos nos sentar, ver o que é possível negociar, em que ponto é possível radicalizar, porque nós temos que pensar, naquela região, para os próximos 50 anos, no mínimo. Ou fazemos isso agora, ou a situação vai ficar cada vez pior, e nós vamos perder força. As nossas forças são pequenas.

Quanto valia um hectare de terra na BR-163 há 20 anos? E quanto vale hoje? Quais são as técnicas dos latifundiários para praticar a grilagem? São outras. Agora, com a titulação das áreas, esse é um passo para daqui a 10 anos essas áreas formarem grandes latifúndios documentados, inclusive nos assentamentos. Acho que há grandes desafios. Esses são alguns comentários.

Agora, diante desse momento que estamos vivendo, dessa desestruturação, com esse desmonte, inclusive dos órgãos, quero saber como FUNAI, INCRA e MDA funcionam. Quem lidera? É essa Casa Civil que está aí? Quem é a autoridade da Casa Civil? Eu nem vou lá! Sinceramente, desde que o Temer assumiu o Governo, nunca mais pisei lá, porque não vejo consistência. Peço desculpas a quem faz parte do Governo.

E agora vamos entrar numa época de campanha política. É isso que vai rolar daqui para frente. Até agora houve uma coesão, mas daqui para frente não mais. Dia 15 de agosto, temos chapa; em janeiro próximo, senta-se na cadeira o novo Governo. Temos que nos preparar e torcer para que tenhamos o cenário de um Governo com qual possamos dialogar, que tenha autoridade, inclusive sobre as organizações não governamentais, que têm contribuído muito e podem contribuir ainda mais para ajudar nesse processo de desenvolvimento sustentável para aquela região.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Deputado Zé Geraldo.

Volto a palavra aos integrantes da Mesa. Serão concedidos 3 minutos aos nossos convidados para responderem as questões e fazerem suas considerações finais. Vamos começar pela ordem inversa.

Concedo a palavra ao Sr. Rodrigo Paranhos Faleiro, Diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável e Presidente interino da FUNAI.

O SR. RODRIGO PARANHOS FALEIRO - Não sei se consigo concluir em 3 minutos, porque houve mais minutos de perguntas. Eu começaria respondendo ao Ivan, mas ele saiu, então vou começar respondendo à provocação do Brent e da Ana. Antes de pensar na provocação de vocês, estamos discutindo sobre democracia, sobre o direito ao diálogo. No final das contas, é isso. Estamos lutando. Quando a FUNAI fala em reconhecimento dos direitos indígenas, estamos falando em garantir que os índios falem por si só.

A FUNAI não é um órgão licenciador, como eu disse. Há casos em que órgãos licenciadores deram a licença e a FUNAI teve que interpelar judicialmente, via Ministério Público, contra as respectivas licenças. Como órgão de Estado, não cabe ao Presidente da FUNAI ou a qualquer representante público da FUNAI declinar da sua obrigação legal. Temos que cumprir uma norma, temos toda uma parametrização dessas normas. Cada vez mais, nós temos tentado dar qualidade e consistência a essas normas. Nesse sentido, o processo de consulta, no licenciamento, acontece no mínimo de 3 a 4 vezes. Por quê? Porque, primeiro, é feita a apresentação do plano de trabalho e, depois, a discussão. A partir dessa discussão, faz-se a apresentação do projeto do plano de trabalho para fazer os estudos e, depois, a apresentação dos estudos. Muitas vezes, é pedida uma complementação, então é feita uma nova apresentação. Depois de concluída essa fase, que pode ter várias idas e vindas, é feita a apresentação de um plano de trabalho para a elaboração do PBA - o Plano Básico Ambiental.

A FUNAI, diferentemente dos outros órgãos, não recepciona recursos. Ela faz uma relação de equilíbrio entre o impacto e a mitigação. Nessa relação de equilíbrio entre o impacto e a mitigação, não mensuramos o valor, mas a ação. E essa ação repercute justamente nos PBAs, que, como disse o colega, muitas vezes não são cumpridos. E, quando eles não são cumpridos pelo órgão interveniente, no caso da BR que foi citada, acaba sendo um óbice para um novo licenciamento, porque os próprios índios não confiam, já que o órgão, ou a instituição, ou o empreendedor, não cumpriu o primeiro acordo. Se não cumpriu um, como é que vai cumprir o outro?

Aí, vem a pergunta do Ivan: “Mas está certo esse tempo?” Não, estamos falando do tempo de consulta dentro do processo de licenciamento. O protocolo é muito maior do que isso. O protocolo é uma forma de diálogo entre os povos indígenas e a sociedade. Ele não deve se ater a esse momento do licenciamento. Muitas vezes, os povos adotam o protocolo dentro do processo de licenciamento, como uma forma de defesa da garantia dos seus direitos.

Isto posto, eu concordo com ele. Poderia ser melhorado? Aí, vamos para o “como”, que a Ana e o Brent colocaram. Como poderia ser melhorado? Talvez com um planejamento, como o Deputado citou. Agora, estamos falando de projetos de 40, 30, 20 anos que ainda estão em curso. Então, não pode ser imputado à FUNAI o ônus desse processo. Nós já estamos qualificando-os dentro da normativa vigente. Pode ser que mude daqui a pouco? Também pode mudar, afinal de contas, somos uma instituição pública que segue, muitas vezes, a orientação desta Casa.

Em relação ao protocolo de consulta em si, nós estamos começando um debate interno para que possamos oferecer subsídios. Não entendemos que devemos regulamentar. Entendemos que o protocolo é uma conquista dos índios e que, sem eles, não temos um papel maior do que esse. Temos que discutir subsídios que possam qualificar melhor esse protocolo, para que ele melhor alcance o seu resultado. Mas isso tem que ser feito com os índios, essa tem sido a diretriz que a FUNAI tem aplicado em todos os seus pontos.

Vou ficar devendo a resposta ao Silvio, porque eu esqueci o que ele perguntou.

O SR. SILVIO MARINHO - Eu perguntei justamente isto: em todas as intervenções que fizemos junto à ANTT, eles disseram que não é competência deles fazer o diálogo da Convenção 169 com as populações tradicionais indígenas, então a FUNAI vai fazer e exigir que seja cumprido, tal qual está sendo reivindicado aqui?

O SR. RODRIGO PARANHOS FALEIRO - Eu me lembrei agora da pergunta.

Nós fazemos isso e, muitas vezes, o processo para, principalmente na questão das rodovias, porque o empreendedor não cumpriu a sua parte. Isso cria uma situação de desconfiança, e os índios não aceitam negociar um novo acordo. Sem resolver o passivo, o acordo, muitas vezes, não adianta - respondendo rapidamente sua pergunta.

Agradeço muito a oportunidade e, no que precisarem, estou à disposição.

Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Rodrigo.

Concedo a palavra ao Sr. Paulo Carneiro, Diretor do ICMBio.

O SR. PAULO CARNEIRO - Quero primeiramente agradecer aos senhores a oportunidade de estar aqui participando deste seminário. Acho que isso é bastante importante para nós.

Vou passar rapidamente às respostas das questões que me foram feitas. O ICMBio participou do processo de alteração dos limites do Parque Nacional do Jamanxim. Como tal, nós nos manifestamos favoráveis a essa proposta que foi feita de alteração dos limites. Os processos estão disponíveis na base do ICMBio. Quem quiser pode consultar e conhecer os termos da análise técnica que nós fizemos para subsidiar a alteração do limite. Isso pode ser feito, foi feito aqui, em Brasília, com a participação da nossa equipe de Itaituba. Então, temos conhecimento e nos manifestamos. Eu, particularmente, assinei alguns dos pareceres sobre a alteração dos limites. Então, não temos como fugir dos atos que fazemos, e esse nós assumimos aqui.

Com relação às pessoas, reconhecemos os diversos conflitos que nós temos na região. Temos realmente conversado muito aqui com o Deputado Zé Geraldo e com outros Parlamentares sobre como equacionar essa questão. Com o que não concordamos é que pessoas que chegaram lá depois da criação das unidades reivindiquem o mesmo direito de pessoas que estavam lá antes da criação da unidade. Para prazos que estavam antes da criação da unidade, nós defendemos uma indenização justa e, em alguns casos, nós podemos discutir alguma eventual alteração de limite, para corrigir alguma injustiça que tenha acontecido. Mas para quem chegou depois da criação da unidade, não defendemos essa questão, e vai ser isso que nós vamos responder nos documentos que nós recebemos da reunião do Conselho que ocorreu no Caracol, da FLONA Trairão e das FLONAs Itaituba I e II.

Então, nós recebemos esses documentos, nossa equipe local encaminhou os documentos a todas as pessoas e órgãos, conforme o que foi pedido pelo Conselho. Não recebemos nenhuma resposta ainda dos órgãos, mas nós responderemos pela nossa parte.

Para finalizar, adianto que, pelo fato de conhecermos a região, conhecermos a dinâmica e o conflito que lá vivemos há muitos anos, nós alertamos todos os interlocutores do Governo sobre a possibilidade de conflito com as populações locais, caso fosse implementado mais um grande projeto de infraestrutura na região, sem equacionar a questão da regularização fundiária das pessoas que estavam lá. Isso nós alertamos a diversas instâncias do Governo Federal e reconhecemos que existe essa possibilidade de conflito, porque as pessoas esperam lá há anos uma solução, e nós de tempos em tempos implementamos um projeto grande de infraestrutura que atinge essa mesma população, sem dar algum tipo de resposta às demandas que estão acumuladas.

Era o que eu tinha a dizer. Agradeço de novo aos senhores o convite para estar aqui.

Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Paulo.

Com a palavra a Sra. Biviany Astrid Rojas Garzon, do ISA.

A SRA. BIVIANY ASTRID ROJAS GARZON - Rapidamente, com relação às questões apresentadas pela Ana Cristina, neste momento, já não dá para voltar atrás. Ninguém vai aceitar um grande empreendimento do tipo de Belo Monte, sem consulta. Ninguém estará disposto a permitir que a história se repita desse jeito. Então, não existe outra opção. Temos que avançar com as ferramentas que hoje possuímos.

O primeiro ponto com relação à regulamentação é que ela não é indispensável para a aplicação do direito. Ela pode ser até desejável em termos de garantias, de segurança jurídica para os setores envolvidos, mas é absolutamente inviável neste momento no Brasil. Não há nenhuma condição política para se fazer um processo de regulamentação do direito de consulta livre, prévia, informada, já que as condições que de fato levaram à retirada do movimento indígena da Mesa de regulamentação da Convenção nº 169, do processo de consulta feito no ano de 2013 estão hoje colocadas. Naquele momento, a Portaria nº 303, de 2012, da AGU, negava o próprio direito de consulta. E essa portaria foi reeditada com o Parecer nº 001, de 2017, da AGU, que restabelece todas as condicionantes da demarcação da Raposa Serra do Sol como limitantes do exercício da liberdade dos povos indígenas nas terras demarcadas. Então, isso estabelece um condicionante intransponível para avançar em uma regulamentação sobre direitos, mesmo ela sendo desejável.

Não temos nenhuma possibilidade de falar de regulamentação. Isso não tem nenhum sentido. Ela não é exigível judicialmente nem viável politicamente. Assim, o que nos resta é trabalhar com o que temos. E o que temos hoje são instrumentos colocados por iniciativa dos próprios povos indígenas e de comunidades tradicionais, como Montanha e Mangabal, somados aos protocolos de consulta e às indicações e diretrizes jurisprudenciais, como a necessidade de elaboração de planos de consulta.

Os planos de consulta são uma ferramenta estabelecida na jurisprudência brasileira e internacional. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos estabelece a necessidade de definição de regras prévias ao início de qualquer processo de consulta. Assim, o plano é uma pactuação das regras do próprio processo de consulta. Os protocolos devem servir para cada um dos povos que participa de uma articulação política maior com outros povos indígenas e comunidades tradicionais como uma indicação interna com relação à representatividade, ao processo de tomada de decisão. Mas o plano vai ser produto do acordo feito com o Governo, que tem a competência para tomar a decisão específica em cada caso.

Por isso, essa não é só uma questão de decisões de licenciamento ambiental. Trata-se de decisões administrativas capazes de afetar direitos coletivos de povos indígenas. É exemplo disso a licitação do projeto da Ferrogrão, que deve ser objeto de consulta. E o plano de consulta, que é uma ferramenta colocada aí pela jurisprudência, precisa ser exercitado. Nesse sentido, a Ferrogrão tem que ser uma oportunidade para se avançar em um patamar civilizatório de diálogo, de compreensão entre modos de vida e visões de mundo diferentes, que se reconhecem na diferença, mas se respeitam.

É isso que eu tinha a dizer.

Obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Biviany.

Passo a palavra agora para o Beporoti. E o Bep fará a tradução.

O SR. BEPOROTI - (Manifestação em língua indígena.)

O SR. BEP Y KAYAPÓ (Intérprete) - O Cacique Beporoti passa que a gente tem o nosso direito, que tem um limite até onde chegar. Quando você vai entrar na minha casa, tem que pedir licença. Mesmo se for eu. Nunca invadi nada de ninguém, nem de vocês, nem de outras pessoas. Então, para fazer alguma coisa temos que ser consultados, já que somos o dono da casa, quem está morando ali.

A gente está discutindo aqui para poder ver o meio de resolver. Mas, dessa forma que está acontecendo, é um desrespeito a nós, à população não indígena, aos moradores daquela BR-163.

Essa discussão tinha que ter sido feita antes, porque, para você entrar na minha casa, tem que pedir licença. E eu também posso fazer a mesma coisa. Então, é o nosso direito.

Eu peço a todos e agradeço o convite feito aos kayapós e a toda etnia.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado, Bep.

Passo a palavra agora ao Ageu, para que faça suas considerações finais.

O SR. AGEU LOBO PEREIRA - Eu só quero agradecer à Mesa, agradecer a todos e dizer que eu percebo que a gente nada como se nadasse, nadasse, e morresse na praia, porque a gente não vê uma decisão. A gente não vê alguém confirmar assim: “Olha, a gente vai fazer conforme a 169; a gente vai desrespeitar o protocolo do povo munduruku, dos povos indígenas, do povo de Mangabal”. A gente não vê isso de empresa nenhuma. Ainda não vi. E isso deixa a gente muito preocupado, porque a gente participa de eventos, viaja, vem a um local como este aqui, muito distante da nossa comunidade, e fica na curiosidade de saber quais vão ser os encaminhamentos a partir daqui.

Eu espero que dê bons frutos. Vamos esperar, mas, por enquanto, ainda não vi.

Obrigado.

(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Sim, Rodrigo. Fale ao microfone.

O SR. RODRIGO PARANHOS FALEIRO - Onde tem protocolo, a FUNAI o respeita no processo de licenciamento, sim. Seguimos piamente o que está estabelecido no protocolo e cobramos do empreendedor.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Estamos caminhando para o encerramento, mas antes eu queria falar alguma coisa, pois fiquei o dia todo conduzindo os trabalhos.

Primeiramente, eu quero agradecer a todos os palestrantes que aceitaram o convite para vir fazer este debate. Quero agradecer o GT Infraestrutura, o Brent, especialmente, por ter trazido esta oportunidade de fazermos o debate. Sabemos que o debate não se esgota aqui.

Acho que era papel da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável contribuir com esse debate, pelo entendimento que também temos de que, se esse empreendimento for seguir adiante, é preciso pensar em outras bases que não naquelas em que historicamente aconteceu qualquer grande empreendimento na Amazônia, como foi dito aqui pelo colega Deputado Zé Geraldo.

Eu quero dizer aos senhores que a Comissão vai encaminhar a órgãos públicos tudo o que nos chegou, enfim, tudo aquilo que foi debatido, tudo aquilo que está registrado aqui, para que o material seja considerado em processo que pode acontecer se isso for adiante.

A Comissão não tem muito o que fazer a não ser, como Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, levar ao Executivo e ao Judiciário aquilo que saiu deste debate. É esse um pouco o nosso papel. É evidente que daqui também saíram ideias de como podemos fazer o debate e como podemos, inclusive, aprimorar a legislação aqui na Casa.

Mas, mais ou menos na toada que o Deputado Zé Geraldo levantou, eu gostaria de dizer que não é possível mais pensarmos em empreendimentos que gerem impacto para populações tradicionais, para os povos indígenas e quilombolas sem considerar o processo de consulta prévia e informada, conforme definido na própria na Convenção 169 da OIT. Nós precisamos, de uma vez por todas, fazer isso e seguir a norma, não na perspectiva de que determinados setores empresariais do Brasil vejam isso como um empecilho, mas para um ganho da humanidade, para justamente não cometermos erros e atrocidades como os que têm acontecido ao longo do tempo.

Quanto a minha descrença pela conjuntura, eu queria chamar atenção de quem está trabalhando e gastando energia, inclusive na elaboração desse modelo e dessa proposta - viu, Quintella? -, de quem está gastando energia, gastando recursos, para que entenda. O setor econômico que tem interesse nesse empreendimento é o mesmo setor econômico que, em Comissão aqui na Casa, amanhã, quer aprovar a flexibilização do uso do agrotóxico.

Amanhã também haverá reunião da Comissão Especial que trata da Lei de Proteção de Cultivares e, lá, esse mesmo setor econômico quer restringir a possibilidade de a agricultura familiar dos indígenas e quilombolas trocarem sementes. Esse grupo age a serviço das empresas que dominam o setor do agronegócio, o mesmo setor interessado nesse empreendimento.

Não estou entrando no mérito da viabilidade, de ser importante ou não. Estou apenas dizendo que esse setor econômico tem maioria aqui e no Governo atualmente. É isso que eu estou falando. Esse setor aprovou a PEC 215, que está pronta para ir a plenário. É o mesmo setor.

A PEC 215, para quem não sabe, tira do Poder Executivo a possibilidade de conduzir o processo de demarcação de terras indígenas, unidades de conservação, territórios quilombolas e a traz aqui para o Congresso Nacional, portanto, para nunca mais sair. Nunca mais!

Esse mesmo setor quer mudar a legislação de licenciamento ambiental, o que é grave, pois, por exemplo, com a alteração, qualquer empreendimento agropecuário não vai precisar mais de licenciamento ambiental. Isso é muito grave.

Aliás, a intenção é não considerar como impacto para populações indígenas aquelas terras que já estão tituladas e homologadas. Os senhores sabem que o Estado brasileiro não cumpriu a Constituição no que diz respeito à demarcação das terras indígenas do Brasil, que não chegou ainda a um terço do que deveria ser demarcado.

É assim: a sociedade brasileira, enfim, o Estado que representa essa sociedade não cumpriu a Constituição no que diz respeito a vários povos indígenas, que já deveriam ter a sua terra titulada, demarcada, toda certinha. Esse mesmo Estado, depois, vai dizer o seguinte: “Olha, nós atrasamos, nós não cumprimos a Constituição e, agora, nós vamos rasgar essa Constituição. Não se demarcou a terra indígena, e a culpa é de vocês, a culpa é dos índios. A culpa é dos índios! Então, como não se cumpriu, vocês não têm a sua terra demarcada e não é preciso mais fazer isso”.

Esse mesmo grupo que está no poder agora, esse mesmo grupo que tem papel importante e que quer essa ferrovia, assassinou 130 pessoas em conflitos fundiários. Ele é responsável pelo assassinato de 130 pessoas, entre elas lideranças indígenas, quilombolas, ambientalistas e trabalhadores sem terra, desde que o Temer deu o golpe e assumiu o poder. Eu estou falando de assassinato.

Esse mesmo grupo criou uma versão, uma fantasia, uma mentira, de forma que está encarcerado, lá em Santarém, o Padre Amaro. Inventaram uma mentira. Parte dela já foi agora desmentida, porque mentira tem perna curta.

Esse mesmo grupo patrocina o rasgo da Constituição de forma permanente. Esse mesmo grupo, aqui dentro, patrocinou a CPI do INCRA e da FUNAI, que pede o indiciamento de mais de 100 pessoas, de bispo a lideranças indígenas, de trabalhadores de entidades de apoio à causa indígena, quilombola e da agricultura familiar e dos sem terra a técnicos da FUNAI e do IBAMA. A lista contém mais de 100 indiciados. Qualquer pessoa de bem deste País gostaria de fazer parte dessa lista, porque nenhuma daquelas pessoas de que eles pedem o indiciamento cometeu crime algum.

Eu quero dizer a vocês que essa conjuntura não é propícia, tanto aqui dentro do Congresso Nacional como no Poder Executivo, para avançar com um empreendimento dessa magnitude, porque qualquer coisa que se combine pensar em outro patamar de discussão mais civilizatório não é possível acreditar, não é possível confiar, pelas razões que estão colocadas aí hoje: rasga-se a Constituição a qualquer momento.

E no momento, inclusive, parte do Judiciário rasga a Constituição, essa estância limite, última, para entrarmos com recurso. Os senhores sabem do que eu estou falando, porque nós temos um preso político. Depois de 30 anos de democracia, nós temos um preso político, porque se usa o Judiciário para fazer política, partidarizar. E aí nós não temos esperança nenhuma.

Então quero dizer que é muito importante o debate que nós fizemos aqui. Precisamos analisar o momento político que estamos vivendo, analisar essa conjuntura, considerando as forças políticas que aqui dentro dominam e querem retroceder em termos de garantias para os diversos grupos sociais que se tornaram sujeito político de direito nos últimos 30 a 40 anos. Falo das conquistas de grupos de populações tradicionais, de conquistas do ponto de vista da legislação ambiental, das conquistas em relações à natureza, em relação ao modelo de civilização, daquilo que garantimos na Constituição, que vai na perspectiva de construir uma Nação de respeito à sociobiodiversidade. É preciso entender que nós precisamos construir um país que contemple um projeto que considere sua diversidade étnica cultural, de entender que a natureza, os recursos naturais, a floresta, as outras formas de vida fazem parte deste planeta, como nós fazemos parte deste planeta, e que as outras formas de vida também são portadores de direitos, de direito à proteção, e nosso papel principal é a proteção.

Então, o que está na Constituição e que nos levou a avançar um pouco -pouca coisa -, a implementação de uma perspectiva está em risco atualmente, porque se rasga a Constituição. Então, é momento de resistência, e não de construção de empreendimentos, que com certeza nós vamos pelo caminho de fora.

E eu vou citar um exemplo aqui. Eu recebi um projeto de lei que muda toda a política de fauna no Brasil, que gostaria de mexer, mudar, atualizar, aperfeiçoar a legislação. Mas eu achei por bem fazer um relatório contrário ao projeto, porque é um projeto que volta há 40, 50 anos, e qualquer coisa que eu quisesse avançar ali iria ficar comprometido, porque a conjuntura aqui dentro é de retrocesso. Então, é uma forma de resistência. Cito esse caso só para dar um exemplo.

Então, é esse o caminho que nós temos à frente: como é que devemos discutir? Como é que devemos avaliar? Precisamos pensar que é importante sim que tenha uma ferrovia, mas como vai ser? Hoje não estão dadas as condições para ver como é possível ter essa ferrovia.

Estou falando isso porque eu participei, eu militava na sociedade civil por uma BR-163 sustentável. Eu estava lá - ouviu, Brent? Eu estava lá e coordenei seminários, inclusive junto com o Sérgio, e nós não tivemos condições de implementar as ideias, porque o grande problema dos grandes empreendimentos na Amazônia é que eles chegam, assim como chega o capital - pensamos que modernidade é com a chegada do capital -, mas, aí, com a ausência do Estado, fica tudo ao Deus dará e acaba se provocando mais barbárie do que desenvolvimento sustentável.

De certa forma, nós aqui nesta Comissão ajudamos a fazer o debate. É evidente que ele não se encerra aqui. Provavelmente, se o empreendimento tiver sequência, nós vamos ter que puxar de novo esse debate aqui para a Casa.

Então, eu quero agradecer a cada uma, a cada um que participou, que aqui veio e dizer que a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável vai continuar seguindo o seu caminho.

A partir de amanhã, as apresentações dos palestrantes desta audiência estarão a dispor dos interessados na página da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável na Internet, no link “Seminários e outros eventos”.

(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Sim, Alessandra, bem rapidamente,

A SRA. ALESSANDRA KORAP - É uma coisa de que eu ia me esquecendo sobre o protocolo.

Dia 24 de janeiro deste ano, o Governo do Estado Pará decretou, fora da 169, um protocolo que desrespeita o nosso protocolo de consulta, dos mundurukus, da comunidade de Pimental, das comunidades Montanha e Mangabal e dos quilombolas que têm protocolo. Então, fizemos uma nota repudiando esse decreto, e o MPF também repudiou.

E esse decreto nunca saiu. Está lá. Isso é muito preocupante para nós, porque está surgindo muito empreendimento lá, e ele quer passar por cima do nosso protocolo de consulta. Isso é violação do direito dos povos indígenas e dos quilombolas.

Essa é uma fala repudiando o Governo Simão Jatene.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilto Tatto) - Obrigado.

Agradeço a presença dos convidados, dos Parlamentares e dos demais presentes, assim como a participação dos internautas.

Declaro encerrada a presente reunião.