Introdução
Em atenção ao convite para a audiência pública destinada a discutir o PL nº 2.338/2023 sobre inteligência artificial no Brasil, apresento minhas contribuições técnicas e acadêmicas com enfoque no Capítulo X – Sandbox Regulatório, baseadas na vivência junto à FDRP/USP, CIAAM/USP e ANPD, além da atuação em governança, inovação regulatória e cooperação multissetorial.
O objetivo é aprimorar o texto legislativo, alinhando o Brasil às melhores práticas internacionais (UE, G20, OCDE), fortalecendo a confiança pública e garantindo que a experimentação na regulação seja efetiva.
Estrutura da apresentação:
- Considerações gerais sobre sandbox regulatório
- Contribuições em cinco dispositivos (arts. 4º, 38, 55, 56 e 57)
- Sugestão de novos dispositivos legais
- Consolidação das propostas
Considerações Gerais sobre o Sandbox Regulatório
O que é?
Modelo experimental, não sinônimo de desregulação, mas espaço controlado, que tolera exceções temporárias e incentiva a colaboração e aprendizado entre reguladores e regulados, estimulando inovação e melhoria das normas.
Princípios orientadores
- Proporcionalidade e precaução
- Proatividade regulatória
- Cláusulas experimentais normativas
Características
- Zonas de teste com tempo limitado
- Flexibilidade regulatória com foco em soluções inovadoras
- Coleta e partilha de aprendizados para aprimorar legislação futura
Definição internacional de inovação
Segundo o Oslo Manual: "produto ou processo novo ou significativamente melhorado, implementado e com criação/preservação de valor, em qualquer organização pública ou privada".
Contribuição 1 – Art. 4º (Definições)
| Texto Atual | Texto Sugerido |
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| Art. 4º, XVIII- ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório): conjunto de condições especiais estabelecidas para desenvolver, treinar, validar e testar, por tempo limitado, um sistema de IA inovador, bem como modelos de negócio e políticas públicas inovadoras e técnicas e tecnologias experimentais que envolvam IA, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos e por meio de procedimento facilitado; | Art. 4º, XVIII - ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório): instrumento de regulação experimental temporário, destinado à testagem e à validação de soluções inovadoras em inteligência artificial, observando fases padronizadas de desenho, implementação, monitoramento e encerramento, assegurando o aprendizado regulatório. |
Centralidade da inovação
A definição visa a restringir sandboxes para experimentação de soluções realmente inovadoras em IA, vedando seu uso para práticas rotineiras ou consolidadas, conforme padrões internacionais (Oslo Manual).
Fases padronizadas e transparência
Garante clareza procedimental, aprendizado regulatório e publicização dos resultados com resguardo ao interesse público e à proteção de segredos industriais.
Coordenação nacional
Articulação pelo SIA serve para evitar sobreposições, dar uniformidade e fortalecer o ambiente regulatório.
Inovação responsável
Vincula todo o processo do sandbox à finalidade pública de aprendizado regulatório e evolução normativa baseada em evidências.
Contribuição 2 – Art. 38 (Responsabilidade e Risco)
| Texto Atual | Texto Sugerido |
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| Art. 38. Os participantes no ambiente de testagem da regulamentação da IA continuam a ser responsáveis, nos termos da legislação aplicável, por quaisquer danos infligidos a terceiros como resultado da experimentação que ocorre no ambiente de testagem. |
Art. 38 – Os participantes no sandbox regulatório da IA são responsáveis, nos termos da legislação aplicável, pelos danos causados a terceiros durante a execução dos testes.
§1º – Os responsáveis pelo sandbox regulatório da IA deverão adotar medidas proporcionais de mitigação de riscos. §2º - Para os fins do disposto no §1º, a mitigação de riscos poderá ser feita mediante: 1- contratação de seguros; 2- termos de responsabilidade; 3- fundos de garantia compartilhados; 4- outras formas adequadas de cobertura. §3º – A admissão em sandbox regulatório dependerá da apresentação de plano de mitigação de riscos éticos, tecnológicos e de segurança, entre outros, aprovado pela autoridade competente. §4º – Poderá ser instituído fundo coletivo de garantias, de caráter opcional ou facultativo, destinado a complementar a reparação de danos em casos excepcionais. §5º - A negativa de admissão em sandbox regulatório deverá ser motivada pela autoridade competente, devendo ser indicados de forma clara e objetiva os itens que não foram atendidos, oportunizando ao interessado seu atendimento, vedada a cobrança de novas taxas, se o caso. §6º - É vedado o condicionamento de aprovação de sandbox regulatório a contratação de seguro ou qualquer outra garantia contratual ou real específica, cabendo ao interessado indicar o meio de mitigação de risco que lhe parecer mais adequado, resguardado o direito de avaliação de autoridade competente. |
Mitigação e inclusão
A redação permite múltiplos instrumentos proporcionais de mitigação de riscos, evitando burocratizar ou excluir pequenas empresas e startups, dando lastro à inovação.
Governança e aprendizado
Exige que projetos tragam plano aprovado de mitigação de riscos, fomentando governança preventiva e aprendizado institucional contínuo.
Contribuição 3 – Art. 55 (Competência)
| Texto Atual | Texto Sugerido | ||||
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Art. 55. A autoridade competente e as autoridades setoriais que compõem o SIA deverão promover e autorizar o funcionamento de ambiente regulatório experimental para inovação em inteligência artificial (sandbox regulatório de IA) por conta própria ou para as entidades que o requererem e preencherem os requisitos especificados por esta Lei e em regulamentação, inclusive em regime de cooperação público-privado.
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Art. 56. Compete à autoridade competente e às autoridades setoriais integrantes do SIA promover e autorizar o funcionamento de ambiente regulatório experimental para inovação em inteligência artificial (sandbox regulatório de IA), de ofício ou mediante requerimento de entidades interessadas que atendam aos requisitos previstos nesta Lei e em regulamento, inclusive em regime de cooperação público-privada.
§ 1º É assegurada aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a autonomia para disciplinar o sandbox regulatório em seus respectivos âmbitos, nos termos da Constituição Federal, da legislação federal aplicável e das regras gerais estabelecidas pelo SIA. §2º No caso de o sandbox regulatório afastar exclusivamente a incidência de normas estaduais, distritais ou municipais, caberá à respectiva autoridade competente a promoção ou a autorização previstas neste artigo. §3º - Nos casos em que a inovação envolver múltiplos setores regulados, poderá ser instituído sandbox regulatório intersetorial, coordenado pelo SIA, com a participação das autoridades competentes.
§ 1º O sandbox regulatório visa a facilitar o desenvolvimento, a testagem e a validação de sistemas inovadores de IA por um período limitado antes da sua colocação no mercado ou colocação em serviço de acordo com um plano específico, a fim de desenvolver negócios inovadores de maneira segura.
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Art. 55, caput, renumerando-se os demais:
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Art. 55 - O sandbox regulatório possui a finalidade de viabilizar, por prazo determinado e sob supervisão da autoridade competente, o desenvolvimento, a testagem e a validação dos sistemas de inteligência artificial inovadores antes da sua colocação no mercado ou da sua colocação em serviço, conforme plano específico, com o objetivo de permitir a entrada segura e responsável dessas soluções no mercado ou em serviço.
§ 2º A autoridade competente e as autoridades setoriais poderão, individualmente ou em colaboração, no âmbito de programas de ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório), afastar a incidência de normas sob sua competência em relação à entidade regulada ou aos grupos de entidades reguladas.
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Art. 56:
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§4º – A autoridade competente e as autoridades setoriais poderão, individualmente ou em cooperação, no âmbito de programas de ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório), autorizar de forma temporária, justificada e proporcional o afastamento da incidência de normas sob sua competência em relação a entidades reguladas ou a grupos de entidades reguladas, asseguradas a proteção de direitos fundamentais, a segurança jurídica e a transparência do processo. §5º - A autorização para implementação de sandbox regulatório poderá ser dada em regime de cooperação, quando envolver áreas submetidas a mais de uma autoridade competente, mediante a celebração de convênio ou consórcio, observadas as limitações previstas nesta lei. |
Competência técnica e federativa
O texto fortalece arranjo federativo, harmoniza competências, permite sandboxes regionais alinhados e prevê modelos intersetoriais, essenciais para temas complexos de IA.
Afastamento proporcional
O afastamento das normas é temporário e proporcional, sempre com fundamentação e salvaguardas claras de direitos fundamentais.
Contribuição 4 – Art. 56 (Procedimentos)
| Texto Atual | Texto Sugerido |
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Art. 56. A autoridade competente e as autoridades setoriais que compõem o SIA regulamentarão os procedimentos para a solicitação e a autorização de funcionamento de sandboxes regulatórios, podendo limitar ou interromper o seu funcionamento e emitir recomendações, levando em consideração, entre outros aspectos, a preservação de direitos fundamentais e de direitos dos consumidores potencialmente afetados, a segurança e a proteção. § 1º As autoridades setoriais deverão proporcionar a micro e pequenas empresas, startups e Instituições Científica, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) públicas e privadas acesso prioritário aos ambientes de testagem, na medida em que cumpram as condições de elegibilidade, os critérios de seleção e demais regulamentos. |
Art. 57. A autoridade competente e as autoridades setoriais integrantes do SIA regulamentarão os procedimentos para solicitação e autorização de funcionamento dos sandboxes regulatórios, podendo adotar medidas de mitigação ou de suspensão temporária de suas atividades sempre que necessário para enfrentar riscos identificados, até que se encontre solução que assegure a continuidade segura do experimento.
§1º As autoridades referidas no caput poderão ainda emitir recomendações, consideradas, entre outros aspectos, a preservação dos direitos fundamentais, a proteção da saúde e dos consumidores potencialmente afetados, bem como a segurança e a integridade dos sistemas testados. |
| § 1º As autoridades setoriais deverão proporcionar a micro e pequenas empresas, startups e Instituições Científica, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) públicas e privadas acesso prioritário aos ambientes de testagem, na medida em que cumpram as condições de elegibilidade, os critérios de seleção e demais regulamentos. | §2º As autoridades setoriais deverão assegurar às micro e pequenas empresas, startups e Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs), públicas e privadas, acesso prioritário aos ambientes de testagem, desde que atendam às condições de elegibilidade e aos critérios de seleção previstos em regulamento, podendo adotar procedimentos proporcionais à sua capacidade operacional e oferecer apoio técnico-regulatório, quando possível, para viabilizar sua participação efetiva. |
| § 2º A autoridade competente e as autoridades setoriais poderão criar mecanismos para reduzir os custos regulatórios das entidades qualificadas na forma do § 1º do caput deste artigo. | §3º A autoridade competente e as autoridades setoriais poderão adotar mecanismos proporcionais de redução de custos regulatórios para as entidades referidas no §1º do caput deste artigo, incluindo simplificação de procedimentos, flexibilização de prazos, disponibilização de infraestrutura necessária e oferta de apoio técnico, de forma a estimular a participação de startups, micro e pequenas empresas e ICTs nos sandboxes regulatórios, sem prejuízo da segurança e da proteção de direitos fundamentais. |
Medidas proporcionais e seguras
Evita soluções rígidas de encerramento, permitindo medidas adequadas e ajustes necessários à continuidade segura do experimento.
Acesso e apoio às ICTs e startups
Promove condições reais e proporcionais de participação dos atores inovadores, incluindo redução de custos e infraestrutura.
Contribuição 5 – Art. 57 (Responsabilidade Civil)
| Texto Atual | Texto Sugerido |
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| Art. 57. Os participantes no ambiente de testagem da regulamentação da IA continuam a ser responsáveis, nos termos da legislação aplicável, por quaisquer danos infligidos a terceiros em resultado da experimentação que ocorre no ambiente de testagem. | Sugere-se a exclusão deste conteúdo do artigo 57, pois ele é repetição do artigo 38. |
Sistematicidade e clareza
Aproxima-se dos melhores modelos de técnica legislativa, eliminando repetições e dúvidas interpretativas.
Segurança jurídica
Tratamento da matéria de responsabilidade se concentra no capítulo apropriado, favorecendo a organização e aplicação da lei.
Sugestões de Novos Dispositivos Legais
Art. X.1 – Da Coordenação Nacional
Cabe ao Sistema Nacional de Regulação e Governança de IA (SIA):I – estabelecer, ouvidas previamente as autoridades setoriais, diretrizes para a utilização do sandbox regulatório, inclusive quanto aos procedimentos de solicitação e de autorização de funcionamento, nos termos do regulamento;
II - harmonizar iniciativas de sandbox no território nacional;
III – adotar, subsidiariamente à autoridade competente, medidas de mitigação ou de suspensão temporária de suas atividades sempre que necessário para enfrentar riscos identificados, até que se encontre solução que assegure a continuidade segura do experimento.
IV – estabelecer fases padronizadas de design, execução, monitoramento e encerramento;
V – garantir critérios mínimos de inovação, proporcionalidade, temporalidade e transparência;
VI – consolidar os resultados em relatórios públicos, visando ao aprendizado regulatório.
Art. X.2 – Da Inovação
O sandbox regulatório poderá ser utilizado apenas para testagem de soluções inovadoras, desde que:I – representem novidade significativa em termos de modelo de negócio, processo, tecnologia ou política pública;
II – apresentem incertezas regulatórias ou riscos ainda não contemplados pelas normas vigentes;
III – possuam potencial de benefício público, social, ambiental ou econômico relevante.
Incluir inciso no capítulo de definições:
Art. 4º Para os fins desta Lei, adotam-se as seguintes definições:
XX – inovação: produto ou processo novo ou significativamente aprimorado, ou a combinação de ambos, que se diferencie de forma relevante dos anteriormente existentes na unidade e que tenha sido disponibilizado a usuários potenciais, no caso de produto, ou colocado em uso pela própria unidade, no caso de processo.
Art. X.3 – Da Participação e Transparência
As iniciativas de sandbox deverão observar:I – processos de consulta e engajamento com sociedade civil, academia e setor privado;
II – publicização de critérios de seleção, duração, limites e resultados esperados;
III – as garantias constitucionais e direitos fundamentais, em especial a proteção da privacidade, de dados pessoais, propriedade intelectual e segredos comerciais.
Art. X.4 – Da Cooperação Multissetorial
O sandbox poderá ser implementado em caráter:I -- setorial, sob coordenação da autoridade regulatória competente;
II -- intersetorial, quando envolver mais de uma área regulada, sob coordenação integrada do SIA;
III -- transfronteiriço, mediante acordos de cooperação internacional, respeitada a legislação brasileira.
Art. X.5 – Da Cooperação Internacional
O Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA), em articulação com o Ministério das Relações Exteriores e com as autoridades setoriais competentes, poderá propor e implementar sandboxes regulatórios transfronteiriços em cooperação com organismos internacionais, autoridades estrangeiras e blocos regionais, para o desenvolvimento, testagem e validação de sistemas de inteligência artificial inovadores.I -- Terão prioridade os projetos de cooperação internacional que envolvam inovações com potencial de benefício social ou ambiental relevante, alinhando o sandbox às políticas de desenvolvimento sustentável;
II -- Os sandboxes transfronteiriços deverão observar os seguintes princípios:
a) harmonização normativa e coordenação jurídica internacional, de modo a compatibilizar requisitos técnicos e jurídicos entre os países participantes;
b) reciprocidade, assegurando igualdade de condições para os participantes nos diferentes mercados;
c) direitos humanos e fundamentais, em especial a privacidade, a proteção de dados pessoais, a propriedade intelectual e o segredo industrial, em conformidade com a legislação brasileira e com tratados internacionais ratificados;
d) inovação responsável, admitindo apenas soluções com caráter inovador e valor público;
III – A participação em sandbox transfronteiriço não afasta a necessidade de cumprimento das normas nacionais aplicáveis, salvo disposições específicas previstas em acordo de cooperação, observado o disposto no inciso II.
Art. X.6 – Da Transparência, Prestação de Contas e Reconhecimento Mútuo
As iniciativas de sandbox regulatório internacional deverão observar padrões mínimos de transparência, publicidade e cooperação, de modo a assegurar a observância da Constituição e da legislação brasileira, o aprendizado regulatório e o alinhamento com compromissos internacionais do Brasil.I -- Todos os acordos de cooperação internacional em sandboxes deverão ser publicados em meio oficial, incluindo: objetivos, escopo, duração, critérios de elegibilidade e autoridades envolvidas.
II -- Ao término do sandbox, deverá ser elaborado relatório conjunto com as lições aprendidas e as recomendações regulatórias, disponibilizado ao público, respeitados os segredos comerciais e informações sigilosas.
III -- O SIA, em articulação com o Ministério das Relações Exteriores, poderá celebrar acordos de reconhecimento mútuo com autoridades estrangeiras, para aproveitamento de testes, relatórios e aprendizados regulatórios realizados em outros países, desde que compatíveis com a legislação brasileira.
Consolidação das Propostas
Modernização regulatória
Consolida sandboxes como instrumentos de regulação inovadora, ancorados em aprendizagem, engajamento federativo e participação social, com centralidade da proteção de direitos.
Harmonização e segurança jurídica
Uniformização dos critérios, competência federativa clara, eliminação de sobreposições e redundâncias.
Efetividade e inclusão
Facilitação do acesso de startups, MPEs e ICTs, redução de custos proporcionais, e estímulo à inovação de alto impacto público, social e ambiental.
Cooperação regional e global
Prepara o Brasil para liderar parcerias internacionais e regionais em IA, promovendo padrões compartilhados e reconhecimento mútuo de experiências regulatórias.
Muito obrigada!
Agradeço a atenção nesta audiência.
Estou à disposição para esclarecimentos e diálogo técnico.