CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sessão: 012.4.52.O Hora: 14:16 Fase: PE
Orador: HENRIQUE AFONSO, PT-AC Data: 08/03/2006

O SR. HENRIQUE AFONSO (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, no dia 14 de dezembro passado, atendendo a um requerimento de minha autoria e do Deputado Zico Bronzeado, a Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional da Câmara dos Deputados trouxe um debate riquíssimo sobre a relação entre o direito à vida e a cultura, a partir da polêmica sobre a retirada de crianças do grupo indígena Suruwahá, em Rondônia, para tratamento de saúde, sob os cuidados da Missão JOCUM - Jovens Com Uma Missão -, objeto de duas matérias controversas no programa Fantástico da Rede Globo de Televisão. Estiveram presentes, além da JOCUM, a FUNAI e a FUNASA. As reflexões que faço aqui, apresentei-as durante essa audiência pública de debate.

Como um dos legisladores do País, me remeto às principais normas que nos regem sobre direitos humanos. A começar pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, promulgada por um conjunto de países que pertencem à Organização das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário, que afirma em 30 artigos que a vida humana é um valor intrínseco do indivíduo, e está acima dos códigos culturais. O valor do ser humano, o direito à vida independe da filiação étnica, da diversidade religiosa, do status social, da condição física. Assim sendo, se conclui que a vida humana não    pode estar condicionada a estes elementos.   

Conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a cultura indígena deve ser mantida pelos seus membros até o momento em que não intente contra os direitos fundamentais dos indivíduos nela inseridos, portanto não pode negar ou prevalecer sobre o direito à vida.

Os arts. 3º e 5º dizem que nenhuma sociedade tem o direito cultural de aprisionar seus membros na obrigação religiosa do suicídio ou do sacrifício humano; e que nenhuma religião ou valores culturais que incluam a retirada da vida pode ser defendida por força de lei. Logo, nenhuma sociedade tem o direito cultural de praticar o infanticídio.

A nossa Constituição Federal, no seu Capítulo I, que trata dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, garante em seu art. 5º:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade."

O Decreto Presidencial nº 5.051, de 19 de abril de 2004, Dia do Índio, que promulga a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, em seu art. 1º, prevê que esta Convenção "será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém".

O art. 8º da Convenção estabelece:

"1 - Ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados, deverão ser levados na devida consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário;

2. Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Sempre que for necessário, deverão ser estabelecidos procedimentos para se solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação deste princípio."

O art. 196 da Constituição Federal garante:   

"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

Partindo do princípio de que os índios em território brasileiro estão sob jurisdição e proteção das leis do País, por que este princípio fundamental da inviolabilidade do direito à vida, portanto do direito à saúde, não deve ser aplicado às culturas indígenas?

Dado este aparato legal, por que as indiazinhas Suruwahá que foram à São Paulo fazer tratamento de saúde deveriam ser sacrificadas por seus pais, sob justificativa defendida pela FUNAI e por parte de alguns antropólogos, de que o seu sistema cultural deve ser respeitado?

Como declararam os participantes do IV Congresso Brasileiro de Missões, em outubro de 2005:

"Acreditamos na autodeterminação dos povos e reafirmamos que as culturas indígenas devem ser defendidas e respeitadas; porém não à custa da exclusão absoluta do acesso aos benefícios que a ciência e a medicina moderna têm para salvar vidas, conforme reza a nossa Constituição."

A questão fundamental para nossa sociedade e para o Estado é: o sistema cultural deve estar acima direito à vida? Se o índio é ser humano, como a defesa da soberania da cultura indígena pode então intentar contra os valores universais do ser humano? Além disto, qual sistema cultural é imutável?

De acordo com o Dr. Luís Wesley de Souza, brasileiro, PhD em Estudos Interculturais, Pós-Doutor em Práxis Religiosa, e Professor Catedrático na Geórgia, Estados Unidos:

"A própria Antropologia Cultural nos ensina que, em toda e qualquer cultura, pode-se encontrar manifestações de luzes e sombras (aspectos positivos e negativos), de formas e significados que geram vida e de atos que promovem e perpetuam a morte. Qualquer cultura possui desarmonias."

Desta feita, o apego às certezas científicas por parte de muitos pesquisadores e técnicos nos remete à noção de estático, o que não condiz com o caráter mutável dos sistemas de valores de qualquer sociedade ou grupo, principalmente quando se trata da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições indígenas.

Por fim, se a prática de missão cristã reafirma a valorização da vida humana, se o    Cristianismo tem mensagem e práticas que são a favor da vida, por que razão os missionários precisam ser retirados das áreas indígenas? Irão retirar também os índios que são evangelizadores, sejam católicos ou evangélicos? Quais são verdadeiramente os incômodos ou prejuízos provocados pela presença de Missões nas áreas indígenas?

Que a vida triunfe sobre todos os subterfúgios!

Era o que eu tinha a dizer.